
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020965-53.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
Advogado do(a) APELANTE: JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM - SP270757-A
PARTE RE: LUCIANO ALEXANDRE DE SOUZA 31116959801, CAMILLA DIAS LEITE 50076881857, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERINO CARNEIRO DA SILVA FILHO
Advogado do(a) APELADO: CHARLES PIMENTEL MENDONCA - SP402323-A
OUTROS PARTICIPANTES:
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020965-53.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
Advogado do(a) APELANTE: JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM - SP270757-A
PARTE RE: LUCIANO ALEXANDRE DE SOUZA 31116959801, CAMILLA DIAS LEITE 50076881857, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERINO CARNEIRO DA SILVA FILHO
Advogado do(a) APELADO: CHARLES PIMENTEL MENDONCA - SP402323-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de ação ordinária ajuizada por Severino Carneiro da Silva Filho em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, Luciano Alexandre de Souza, Camilla Dias Leite e Banco Santander (Brasil) S/A, visando a desconstituição de débito referente a contrato de empréstimo consignado não contratado pelo autor, além da condenação dos réus à devolução em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais no importe de R$ 5.000,00.
A tutela antecipada e a gratuidade da justiça foram deferidas.
O pedido foi julgado improcedente em relação aos corréus INSS e Luciano Alexandre de Souza, extinguindo-se o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inc. I, do CPC. O autor foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios em favor do INSS, fixados em 10% sobre um quarto do valor total atribuído à causa, tendo em vista a presença de quatro réus no polo passivo, suspensa a exigibilidade, nos termos do art. 98, §3º, do CPC. Em razão da revelia, não foram arbitrados honorários em favor do corréu Luciano.
Relativamente ao Banco Santander (Brasil) S/A e Camilla Dias Leite, o pedido foi julgado procedente, declarando-se a nulidade do contrato nº 233626178 ou instrumento equivalente não subscrito pelo autor, condenando-se os referidos corréus, solidariamente, a restituírem os valores descontados do benefício previdenciário do autor, a título de Reserva de Margem Consignável, de forma simples, no importe de R$ 4.000,00 e ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00. A tutela anteriormente deferida foi mantida. O Banco Santander (Brasil) S/A e Camilla Dias Leite foram condenados ao pagamento de verba honorária em favor do autor, arbitrada em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido (soma do valor declarado inexigível e o valor da condenação por danos morais).
O Banco Santander (Brasil) S/A apelou, sustentando que a parte autora realizou a negociação do empréstimo de forma livre e espontânea por meio do Mobile Banking e que o valor oriundo da operação foi creditado em conta corrente de sua titularidade, o que afasta a suposta fraude. Acrescenta que a proposta do empréstimo foi encaminhada em 26/07/2022, através de SMS às 14:59, para o celular cadastrado pelo recorrido. Assim, aduz que “Como o valor foi efetivamente desembolsado pelo Banco em favor do apelado, e sendo certo que o montante disponibilizado não foi devolvido ou contestado pelo beneficiário, é evidente que o apelante não pode ser condenado a devolver qualquer valor a título de parcelas do empréstimo, sob pena de enriquecimento ilícito.” (ID 293489857). Subsidiariamente, requer que sejam compensados os valores recebidos pelo apelado, devidamente corrigidos e atualizados. Pugna, ainda, pelo reconhecimento da inexistência de dano moral, ou a redução do valor arbitrado a esse título, com base nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
1ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5020965-53.2022.4.03.6100
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.
Advogado do(a) APELANTE: JOAO THOMAZ PRAZERES GONDIM - SP270757-A
PARTE RE: LUCIANO ALEXANDRE DE SOUZA 31116959801, CAMILLA DIAS LEITE 50076881857, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SEVERINO CARNEIRO DA SILVA FILHO
Advogado do(a) APELADO: CHARLES PIMENTEL MENDONCA - SP402323-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Inicialmente, verifico que a relação jurídica contratual em discussão sujeita-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (ADI nº 2591, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 7/6/06, DJ 29/9/06, Rel. para acórdão Min. Eros Grau).
Disciplina o artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 3º. (...)
§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
A propósito, dispõe a Súmula nº 297 do Superior Tribunal de Justiça:
“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.
O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor preceitua, inclusive, que o fornecedor de serviços responda objetivamente pelos danos causados ao consumidor decorrentes de defeitos na prestação do serviço (teoria do risco do empreendimento). Sendo objetiva a responsabilidade, não se perquire a existência ou não de culpa na prestação do serviço, mas apenas do nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido nas relações consumeristas.
Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça:
“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Por sua vez, o artigo 14, §3º, II, do CDC prevê causas excludentes dessa responsabilidade, dentre as quais a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, em razão da ausência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor do serviço:
“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
(...)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
(...)
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. (...)” (grifos nossos)
Com relação à inversão do ônus da prova, prevê o artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, ser possível “quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.
Do caso dos autos.
Aduz o autor que “Entre os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022, o requerente recebeu uma ligação questionando se o mesmo gostaria de realizar empréstimo consignado, sendo que este informou que não queria realizar qualquer empréstimo e encerrou a ligação. No dia 7 de janeiro de 2022, o requerente constatou que existia a importância de R$ 18.308,00 (dezoito mil trezentos e oito reais) em sua conta bancária. Posteriormente, a “Central Nacional dos Aposentados e Pensionistas” entrou em contato com o requerente que sendo pessoa idosa, leiga e hipervulnerável, de boa-fé, acreditou na informação de que deveria realizar um TED na conta corrente do CNPJ/MF nº. 39.883.824/0001-92, em nome de CAMILLA DIAS LEITE. Preocupado em confirmar se os dados estavam corretos, ligou para o número (11) 98535-4935, onde foi informado que o depósito deveria ser realizado para outro CNPJ/MF nº. 41.335.348/0001-17, em nome de LUCIANO ALEXANDRE DE SOUZA 31116959801, Banco 0336, Agência 0001, Conta 00011314575-6, Banco C6, com identificação Ag. Ted d67f1cc3 (fl.16), realizando o estorno do referido valor na conta informada, pois não teve dúvidas que as pessoas se passando por tal associação eram pessoas lisas e corretas, pois afinal como teriam estes conseguido seus dados e as informações acerca do suposto empréstimo se não passou qualquer informação pessoal por telefone. Pensando que tudo estava resolvido depois de realizar a devolução do dinheiro, ficou espantado com o desconto em sua aposentadoria de parcela referente ao suposto empréstimo. Este buscou o INSS que lhe informou que a devolução não tinha sido realizada e que, portanto, continuariam com os descontos em sua aposentadoria e que deveria se dirigir à Delegacia de Polícia para realizar Boletim de Ocorrência. (...)” (ID. 283489749)
Relata o Banco Santander que “(...) A parte Autora, no dia 06/01/2022, através da plataforma digital do Banco Réu e por intermédio de terceiros, celebrou o seguinte contrato:
• Contrato de Empréstimo Consignado nº 233626178 celebrado no valor total liberado R$ 18.239,98 (dezoito mil duzentos e trinta e nove reais e noventa e oito centavos) a ser quitado em 84 parcelas no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). – ANEXOS 2 E 3
Registre-se que o contrato somente foi celebrado após a confirmação da idoneidade da documentação apresentada: Carteira Nacional de Habilitação (que é a mesma que acompanha a petição inicial), CPF, comprovante de residência, contracheques e selfie (...) Concluída a fase de conferência a proposta foi aprovada e para finalizar a implementação foi enviada uma mensagem SMS para o celular da parte autora com informativo do valor da operação e com a pergunta de retorno em formato de “sim” ou “não”. No mesmo dia a Ré recebeu a resposta de “SIM”, autorizando, portanto, a contratação do contrato de cartão de crédito consignado.” (ID 283489780)
Assim, sustenta a instituição financeira que o autor realizou a negociação do empréstimo de forma livre e espontânea por meio do Mobile Banking e que o valor oriundo da operação foi creditado em conta corrente de sua titularidade, o que afasta a suposta fraude. Assim, pugna pela reforma da sentença e, subsidiariamente, pela redução do valor dos danos morais.
Conforme se verifica nos ID’s 283489741 e 283489742, o autor juntou aos autos, entre outros documentos, Boletim de Ocorrência, comprovante de empréstimo em seu nome junto ao Santander, demonstrativos constando os descontos das parcelas do empréstimo mencionado e comprovante de transferência (TED), no valor do empréstimo impugnado, realizada para o CPF 936.XXX.XXX-49.
A ré, Camilla Dias Leite, por sua vez, aduz que “No início do mês de fevereiro de 2022 a requerida viu um depósito de alto valor em sua conta particular no C6 Bank onde recebia o salário antes de abrirem a conta salário mantida pela empresa junto ao Banco Itaú, e quase no mesmo instante, recebeu um telefonema do ora autor em seu celular particular informando sobre o depósito, que seria a devolução de um empréstimo não contratado. O autor informou que uma moça chamada Camila (e não foi a autora), passou os dados da conta bancária para estorno do empréstimo. Ao imediatamente questionar a empresa e o RH sobre a origem do depósito, foi demitida sem justa causa. No ato da demissão foi indicada a fazer duas transferências pix, uma para uma pessoa e outra para sua própria conta no Banco Itaú, informando a supervisora que o valor deveria estar na conta salário que mantinha a empresa, vez que parte das verbas rescisórias seriam pagas já naquele ato (recebeu três mil e poucos reais, no entanto não tem mais acesso à conta que foi encerrada pela empregadora), e o valor restante foi enviado a uma outra conta, de terceira pessoa, no ato indicada pela supervisora (...)” (ID 283489764).
Destacou o juízo de primeiro grau que “o depoimento pessoal e demais elementos dos autos evidenciam que o autor não tinha qualquer pretensão de contratar empréstimo consignado, tendo seu retrato e documentos pessoais indevidamente utilizados por terceiros para este fim. Neste sentido, destaco do depoimento pessoal do autor (Id 291833407) os seguintes trechos:
“O depoente tinha feito um empréstimo no Itaú e estava pagando. Recebeu uma ligação de alguém que disse ser da central de relacionamento do Itaú e que os juros, que ele estava pagando, eram abusivos. Ofereceram uma redução dos juros. (...) O depoente disse à pessoa que estava no telefone que poderia cancelar e que não queria nada daquilo. Pediram-lhe para tirar uma foto para fazer o cancelamento. O depoente achou estranho mas tirou a foto mesmo assim. (...) Dias depois, ao comparecer novamente ao Itaú, a fim de receber seu pagamento, percebeu que havia sido feito um desconto de R$ 500,00 no pagamento. Esse pagamento era em razão de um empréstimo que o depoente teria feito, no valor de R$ 18.308,00, depois que tirou aquela foto. (...) O depoente foi embora e depois ligou para a pessoa que havia ligado inicialmente para ele oferecendo a redução de juros. Era uma mulher e essa explicou ao depoente que, já que ele não queria o empréstimo, deveria devolver o dinheiro e assim não seria feito mais nenhum desconto no seu pagamento, além daqueles R$ 500,00. Ela forneceu ao depoente um CNPJ e um número de conta para que ele fizesse uma TED de R$ 18.308,00. (...) O depoente foi ao Itaú e fez essa TED (...) O depoente não fez empréstimo em plataforma digital, na época dos fatos. O depoente devolveu integralmente os R$ 18.000,00 que haviam depositado na conta dele” (ID 283489854)
De fato, os elementos dos autos evidenciam que o autor foi vítima de fraude, não tendo intenção de contratar o empréstimo consignado.
Nota-se, ainda, que a contratação de empréstimo ocorreu de forma exclusivamente eletrônica, por meio da apresentação de foto (selfie), cópia de documentação pessoal e confirmação via mensagem SMS.
A ré não apresentou dossiê digital apto a demonstrar a ciência do consumidor dos termos da contratação. Isto porque, os documentos acostados aos autos, apenas apontam os IP’s do histórico de ações para a realização do empréstimo sem, no entanto, demonstrar que esses eram usados pelo consumidor, bem como que a geolocalização coincidia com sua residência (ou equivalente e que não foi objeto de fraude), haja vista que sequer foi identificado o local no qual a operação foi realizada (ID 2834489782).
Ao negar falha na prestação do serviço, caberia à instituição financeira comprovar que garantiu a segurança e a confiabilidade das operações realizadas, inclusive, por meio eletrônico, bem como demonstrar que seu sistema não foi burlado ou mal utilizado.
Assim, e considerando que a responsabilidade da instituição financeira é objetiva, caberia a ela comprovar que não houve falha no dever de segurança e que o requerente teria concorrido decisivamente para o evento lesivo, ônus do qual não se desincumbiu.
Sobre o assunto, já decidiu esta Corte:
“APELAÇÃO. CONSUMIDOR. CONTRATOS BANCÁRIOS. LEGITIMIDADE. TEORIA DA ASSERÇÃO. CONTA BANCÁRIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS. ATIVIDADE BANCÁRIA. EXPECTATIVA DE SEGURANÇA E CONFIABILIDADE. DEVER DE VIGILÂNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOBSERVÂNCIA. ATO ILÍCITO. DANO MORAL. DEVER DE INDENIZAR.
1. As condições da ação são aferidas conforme a teoria da asserção. A responsabilidade é questão que corresponde ao mérito da causa, e com ele deve ser analisada. Precedentes do E. STJ e desta E. Primeira Turma.
2. A posição consolidada do E. STJ é no sentido de que devem responder solidariamente pelos prejuízos causados todos aqueles integrem a mesma cadeia de fornecimento que tenha o consumidor como destinatário final (arts. 2º e 3º do CDC). Já decidiu esta E. Turma: Ap 1674676 - 0001450-05.2008.4.03.6102, Rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 24/07/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/08/2018.
3. É da essência da atividade bancária que ela seja segura (inteligência da Lei n° 7.102/1983), inspirando confiança de quem dela depende. Cabe à instituição financeira garantir a segurança e a confiabilidade das atividades realizadas inclusive pelos meios eletrônicos, impedindo que seus sistemas sejam burlados ou mal utilizados.
4. A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso V, dispõe que é assegurada a indenização por dano material, moral ou à imagem; sendo certo que, no plano da legislação infraconstitucional, o Código Civil de 2002, dispõe, no seu artigo 186, que aquele, que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito; sendo, pois, francamente admitida a reparação do evento danoso de ordem moral. Se, de um lado, o valor da indenização deve ser razoável, visando à reparação mais completa possível do dano moral, de outro, não deve dar ensejo a enriquecimento sem causa. Logo, o valor da indenização não pode ser exorbitante, nem valor irrisório, devendo-se aferir a extensão da lesividade do dano.
5. Apelação a que se dá parcial provimento”.
(AC nº 5002214-07.2021.4.03.6115, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Nelton dos Santos, j. 10/03/2023, DJEN 15/03/2023, grifos nossos)
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. FRAUDE BANCÁRIA. ABERTURA DE CONTA CORRENTE COM DOCUMENTO FALSO. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS. FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO. DANOS MATERIAIS. COMPROVAÇÃO. DESCONTOS INDEVIDOS EM PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RESTITUIÇÃO SIMPLES. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO INDEVIDA. CONFIGURAÇÃO IN RE IPSA. VALOR INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DO NÃO ENRIQUECIMENTO DESPROPOSITADO. MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO NA SENTENÇA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Cinge-se a controvérsia recursal acerca da responsabilidade do apelante pelos danos morais e materiais sofridos pela autora em razão da celebração de contratos fraudulentos em seu nome, bem como da ocorrência e extensão desses danos.
2. A responsabilidade das instituições financeiras pelos danos decorrentes de fraude bancária foi definitivamente assentada com a edição da Súmula 479 do STJ: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
3. Tal responsabilidade pode ser afastada à luz do § 3º do art. 14 do CDC, que prevê como causas excludentes a inexistência do defeito no serviço e a presença de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em todos os casos, o ônus da prova é da fornecedora, independentemente de inversão, considerando tratar-se de fato impeditivo do direito do autor (art. 373, II, do CPC).
4. Na espécie, a prova documental produzida evidencia que a conta corrente em nome da autora, residente em Jacareí-SP, junto a agência do Banco do Brasil em Campina Grande-PB, foi aberta mediante a apresentação de cédula de identidade adulterada, contendo nome, dados de filiação, nascimento e registro e CPF da autora, mas foto e assinatura de terceira pessoa.
5. A instituição financeira, por sua vez, ciente dos fatos arguidos e dos documentos acostados pela autora, deixou de impugná-los especificamente na contestação e de produzir provas a fim de demonstrar que as operações foram contratadas pela própria autora ou que ela concorreu, de algum modo, para a obtenção de seus dados pelos golpistas. Portanto, não se demonstrou, no caso, a culpa exclusiva da vítima.
6. Quanto à culpa de terceiros, como já dito, esta é insuficiente para afastar a responsabilidade da instituição financeira nas hipóteses de fraude bancária, nos termos da Súmula 479 do STJ. Especialmente no caso presente, em que o sucesso da fraude dependeu de efetiva participação de prepostos do réu, que atuaram de forma negligente ao proceder à abertura de conta corrente mediante apresentação de documento de identidade grosseiramente falsificado.
7. Portanto, é evidente a ocorrência de fortuito interno, sendo inexigíveis perante a autora os débitos contraídos por meio da conta corrente aberta pelos terceiros (empréstimo consignado, crédito automático, cartão de crédito, cheque especial e participação em consórcio).
8. Caracterizada a falha na prestação do serviço pelo banco, e demonstrados os danos materiais decorrentes da contratação de empréstimo consignado fraudulento em nome da autora e dos descontos das parcelas de sua aposentadoria, correta a sentença que determinou a restituição dos valores indevidamente descontados pelo réu, de forma simples, ante a ausência de prova de má-fé da instituição.
9. Quanto aos danos morais, também estão demonstrados, vez que os descontos indevidos resultaram em redução considerável da renda mensal da autora e na descoberta da existência de diversas dívidas não reconhecidas em seu nome, fatos que ultrapassam a esfera do mero dissabor, causando à consumidora efetivo abalo moral e psíquico.
10. Outrossim, houve a inclusão indevida do nome da autora em cadastros de inadimplentes, o que caracteriza, por si só, a ocorrência de dano moral puro ou in re ipsa. Precedentes.
11. No que se refere ao arbitramento do valor a título de indenização por danos morais, é firme a orientação jurisprudencial no sentido de que, nesses casos, ela deve ser determinada segundo o critério da razoabilidade e do não enriquecimento despropositado;
12. Considerando as circunstâncias específicas do caso concreto, em especial a extensão dos danos sofridos pela autora e o grau de culpa da instituição financeira, amplamente explanados, tenho que o valor fixado na sentença, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada réu, se afigura razoável e suficiente para a compensação do dano, sem importar no enriquecimento indevido da vítima.
13. Apelação não provida”.
(AC nº 5000599-88.2022.4.03.6327, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy, j. 17/02/2023, DJEN 28/02/2023, grifos nossos)
Portanto, configurada a responsabilidade civil, a reparação dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário em decorrência da fraude bancária é devida, tal como constou da sentença recorrida.
A indenização por dano moral, por sua vez, deve ser arbitrada de forma razoável e proporcional, levando-se em consideração as condições da parte lesada, a postura do agente do ato ilícito e as peculiaridades do caso concreto, de forma que se evite o enriquecimento ou vantagem indevida.
Esta Primeira Turma tem adotado o entendimento segundo o qual, na hipótese de cumulação de pedidos de proveito material e moral, o valor da indenização a título de danos morais deve ser fixado sem excesso, adequando-se aos parâmetros consolidados pela jurisprudência, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
No presente caso, de fato, o incidente extrapolou o limite do mero dissabor. Além do trauma causado pela ação ilícita e o montante do valor subtraído, a postura dos requeridos em relação ao fato, causou um relevante transtorno ao autor, que se viu privado de valores que foram descontados mensalmente de seu benefício previdenciário, de natureza alimentar, em decorrência de golpe na contratação indevida de empréstimo consignado, sendo obrigado a ingressar com a presente ação judicial, o que prolongou os efeitos de seus prejuízos.
Sobre o assunto, já decidiu esta Corte:
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FRAUDE EM EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. SÚMULA VINCULANTE N. 10. APELAÇÕES DESPROVIDAS.
1. O autor pleiteia declaração de inexistência de débito c/c indenização por danos morais e materiais, em decorrência da contratação de empréstimo consignado sem sua anuência e de descontos indevidos em seu benefício previdenciário.
2. Comparando os documentos acostados aos autos, constata-se, com clareza, que não foi o autor quem contratou o empréstimo, visto que não apenas as fotografias do RG são diferentes, como também as assinaturas, a filiação e o local de nascimento.
3. É evidente que o Banco BMG S.A, no procedimento da contratação do empréstimo, não agiu com a cautela necessária no sentido de verificar a identidade da parte contratante, pois, ainda que a pessoa tenha se apresentado como sendo o autor, mostrando, inclusive, documentos pessoais, o banco réu deixou de checar a veracidade das informações junto a outras repartições públicas.
4. Uma vez comprovado que o contrato em questão foi realizado de modo fraudulento, deve ser este anulado e, em consequência, restituído ao autor o valor descontado indevidamente do benefício previdenciário a título de empréstimo consignado, acrescido de juros de mora e correção monetária.
5. A reparação por danos materiais deverá ser suportada integral e exclusivamente pelo Banco BMG S.A, haja vista ser o destinatário final das quantias descontadas pela autarquia previdenciária. Por outro lado, em relação aos danos morais, todos os réus devem responder pelo resultado danoso.
6. A responsabilidade da CEF decorre do fato de não ter procedido com o zelo necessário na atividade da prestação do serviço bancário, porquanto a análise de todos os documentos apresentados pelo consumidor para abertura de conta é atribuição da instituição financeira, até mesmo para evitar a ocorrência de fraude.
7. Ademais, a súmula nº 479 do Superior Tribunal de Justiça possui a seguinte redação: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
8. Por sua vez, em relação ao INSS, o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal dispõe sobre a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviços públicos, caracterizada pela presença dos seguintes requisitos: conduta lesiva, dano e nexo de causalidade, os quais estão presentes na hipótese dos autos.
9. A responsabilidade da autarquia pela retenção e repasse de valores dos proventos do segurado, bem como para o pagamento de tais dívidas às instituições financeiras, envolve a de conferência da regularidade da operação, objetivando evitar fraudes, uma vez ser atribuição legal da autarquia não apenas executar as rotinas próprias, mas também instituir as normas de operacionalidade e funcionalidade do sistema, conforme previsto nos incisos do § 1º do artigo 6º da Lei 10.820/2003.
10. A propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que não há que se exigir reserva de plenário para a mera interpretação e aplicação das normas jurídicas que emerge do próprio exercício da jurisdição, sendo necessário para caracterizar violação à Súmula Vinculante nº 10 que a decisão de órgão fracionário fundamente-se na incompatibilidade entre a norma legal e a Constituição Federal, o que não se verificou no caso concreto.
11. O dano moral restou configurado diante da prova de que a retenção e o desconto de parcelas do benefício previdenciário não geraram mero desconforto ou aborrecimento, mas concreta lesão moral, com perturbação grave de ordem emocional, pois o autor se viu envolvido em situação preocupante, geradora de privação patrimonial imediata, criada pelas condutas dos réus, devendo ser mantido o quantum indenizatório fixado na r. sentença.
12. O fato de terceiro ter propiciado ou colaborado para a eclosão do dano é questão a ser discutida em ação própria a fim de não prejudicar o exame da responsabilidade específica dos réus em relação à vítima da fraude.
13. Precedentes.
14. Sentença mantida.
15. Apelações desprovidas.”
(AC n.0006410-24.2010.4.03.6105, Rel. Des. Federal Nelton Santos, j. 02/05/2018, e-DJF3 Jud. 09/05/2018, grifos nossos)
Nesse sentido, mantenho a indenização arbitrada pelo juiz de primeiro grau, em R$5.000,00, uma vez que adequada e proporcional.
Dessa forma, não merece reparos a sentença proferida. Majoro os honorários em 1% do valor correspondente à sucumbência anteriormente fixada, nos termos do §11, do art. 85, do CPC, observada a suspensão da exigibilidade (art. 98, §3º, do CPC).
Ante o exposto, nego provimento à apelação.
É o meu voto.
Herbert de Bruyn
Desembargador Federal Relator
E M E N T A
RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. CONTRATAÇÃO POR MEIO ELETRÔNICO. DANO MATERIAL E MORAL CARACTERIZADO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
1. A relação jurídica contratual em discussão sujeita-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), por se tratar de relação de consumo. Atua a requerida como prestadora de serviços de natureza bancária, consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (ADI nº 2591, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 7/6/06, DJ 29/9/06, Rel. para acórdão Min. Eros Grau). Legitimidade da Visa do Brasil reconhecida.
2. O artigo 14 do CDC e a Súmula nº 297 do STJ preceituam que a instituição financeira responde objetivamente pelos danos causados ao consumidor decorrentes de defeitos na prestação do serviço (teoria do risco do empreendimento). Sendo objetiva a responsabilidade, não se perquire a existência ou não de culpa na prestação do serviço, mas apenas do nexo de causalidade entre a conduta e o dano sofrido nas relações consumeristas.
3. O artigo 14, §3º, II, do CDC prevê causas excludentes dessa responsabilidade, dentre as quais a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, em razão da ausência de nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo consumidor e a atividade do fornecedor do serviço.
4. Ao negar falha na prestação do serviço, cabe à instituição financeira comprovar que garantiu a segurança e a confiabilidade das operações realizadas, inclusive, por meio eletrônico, bem como demonstrar que seu sistema não foi burlado ou mal utilizado. Considerando que a responsabilidade da instituição financeira é objetiva, caberia a ela comprovar que não houve falha no dever de segurança e que o requerente teria concorrido decisivamente para o evento lesivo, ônus do qual não se desincumbiu.
5. Configurada a responsabilidade civil, a reparação dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário em decorrência da fraude bancária é devida.
6. A indenização por dano moral deve ser arbitrada de forma razoável e proporcional, levando-se em consideração as condições da parte lesada, a postura do agente do ato ilícito e as peculiaridades do caso concreto, de forma que se evite o enriquecimento ou vantagem indevida. Precedentes do STJ.
7. O incidente extrapolou o limite do mero dissabor. Além do trauma causado pela ação ilícita e o montante do valor subtraído, a postura dos requeridos em relação ao fato, causou um relevante transtorno ao autor, que se viu privado de valores que foram , mensalmente descontados de seu benefício previdenciário, de natureza alimentar, em decorrência de golpe na contratação indevida de empréstimo consignado, sendo obrigado a ingressar com a presente ação judicial, o que prolongou os efeitos de seus prejuízos. Mantida a indenização arbitrada.
8. Apelação improvida.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
