Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0001267-11.2021.4.03.6318
Relator(a)
Juiz Federal FLAVIA DE TOLEDO CERA
Órgão Julgador
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
07/07/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 13/07/2022
Ementa
E M E N T A
RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL C/C AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. LOAS (DEFICIENTE). SENTENÇA DE
PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA E DO INSS. REQUISITOS PARA A
CONCESSÃO/RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO NÃO PREENCHIDOS. ERRO
ADMINISTRATIVO. PERÍODO EM GOZO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IRREPETIBILIDADE.
BOA-FÉ OBJETIVA. AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE AO ENTENDIMENTO MODULADO
NO TEMA 979 DO STJ. RECURSO DA PARTE AUTORA E DO INSS NÃO PROVIDOS.
SENTENÇA MANTIDA.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001267-11.2021.4.03.6318
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: LUCINEIA COSTA LUCIO
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Advogados do(a) RECORRENTE: ELIANA LIBANIA PIMENTA MORANDINI - SP59615-A, ANA
BEATRIZ JUNQUEIRA MUNHOZ - SP366796-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001267-11.2021.4.03.6318
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: LUCINEIA COSTA LUCIO
Advogados do(a) RECORRENTE: ELIANA LIBANIA PIMENTA MORANDINI - SP59615-A, ANA
BEATRIZ JUNQUEIRA MUNHOZ - SP366796-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
1. Trata-se de recurso interposto pelo INSS e pela parte autora em face de sentença,
modificada em sede de embargos de declaração, cujo dispositivo é: “...JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTEos pedidos, e o faço com julgamento de mérito, nos termos do
CPC, 487, I, para: DECLARAR A INEXIGIBILIDADEdo crédito não-tributário titularizado pelo
INSS em desfavor da parte autora, decorrente de repetição de indébito apurada regularmente
em processo administrativo, mas cuja cobrança se iniciouantesde 23/04/2021; DETERMINARo
encerramento de quaisquer atos tendentes à cobrança do crédito ora declarado inexigível,
inclusive eventuais descontos em pagamento de benefício ou constrição extrajudicial por
inclusão em cadastro de devedores; CONDENARo INSS ao pagamento à parte autora dos
valores descontados do pagamento de benefícios em decorrência do crédito ora declarado
inexigível, acrescidos de correção monetária e juros de mora; JULGO IMPROCEDENTEo
pedido de restabelecimento do benefício assistencial - LOAS...”
2. Constou da sentença, in verbis:
“(...)
Da incapacidade
A parte autora percebe benefício assistencial desde 02/07/2004 e o motivo da suspensão do
referido benefício, em 01/02/2021, foi a identificação de indício de irregularidade no tocante à
renda per capita superior às regras estabelecidas do BPC. Assim, o ponto controvertido nos
autos é somente o critério econômico e não o reconhecimento da deficiência.
Não recebimento de outro benefício
Nada nos autos sugere que a Autora receba algum outro benefício, no âmbito da seguridade
social ou de outro regime, não havendo, até mesmo, qualquer manifestação do Réu nesse
sentido, e, além disso, consta da verificação social que a parte autora não aufere renda, nem
participa de nenhum programa social mantido por quaisquer esferas do governo.
Da miserabilidade
A Lei nº 12.435/2011, que alterou a Lei nº 8.742/93, traçou o conceito próprio de família (art. 20,
§ 1º), sendo esta composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência
de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ainda de acordo com a referida Lei, a família seria incapaz de prover o sustento da parte
demandante quando sua renda mensal per capita fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário-
mínimo.
Quanto ao requisito objetivo atinente às condições socioeconômicas, foi constatado que a parte
autora não se enquadra na hipótese disciplinada no art. 20 da Lei n.º 8.742/93.
Segundo a pesquisa social (anexos 16 e 17), o grupo familiar é composto pela autora, 42 anos,
sem renda; por seu cônjuge, Sérgio Lúcio, 50 anos, com renda mensal em média de R$
1.995,00 (um mil novecentos e noventa e cinco reais) proveniente de auxílio doença
previdenciário; e por sua filha, Karen, 14 anos, sem renda.
Assim, considerados o núcleo familiar da parte autora - composto por 03 pessoas e o cômputo
da renda familiar mensal declarada perfazer o total de R$ 1.995,00 (um mil novecentos e
noventa e cinco reais), verifica-se que a renda per capita familiar declarada perfaz o valor
mensal por pessoa de aproximadamente R$ 665,00 (quinhentos e cinquenta reais).
Neste particular, a Lei fixou que a aferição da miserabilidade segue o critério objetivo da renda
per capita de ¼ do salário mínimo ou ½ salário mínimo.
Assim, no caso ora sob análise, verifica-se que a renda mensal per capita , embora não seja
elevada, também não pode ser considerada ínfima a impossibilitar o mínimo necessário ao
núcleo familiar, já que é superior à metade do salário mínimo.
O conjunto probatório demonstra que a unidade familiar reside em imóvel próprio, sendo que a
estrutura e localização do imóvel, e os móveis que guarnecem a residência demonstram que a
autora vive em condições de dignidade, não havendo necessidade de amparo assistencial do
Estado. Ressaltase, além disso, que o cônjuge recebe atualmente auxílio doença previdenciário
, o que dá condições de viverem uma vida simples, porém fora da miserabilidade.
Ademais, caso sobrevenha situação econômica diversa da atual, poderá a parte autora
ingressar com novo requerimento administrativo para concessão de benefício à pessoa com
deficiência.
Diante deste quadro, conclui-se que não foram cumpridos os requisitos legalmente
estabelecidos a justificar o direito ao recebimento de benefício assistencial, já que os fatos
acima aduzidos revelam que não há risco social a ser afastado por meio do benefício
assistencial, que não tem como finalidade a complementação de renda.
Por derradeiro, vale lembrar que o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei
8742/1993 é apenas uma das vertentes da assistência social prevista nos artigos 203/204 da
Constituição da República, devendo ser dirigido tão somente aos que realmente dele
necessitarem.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO.(...)
3. A r. sentença foi modificada em sede de Embargos de Declaração, nos seguintes termos:
“(...)
A existência de processo administrativo regularmente instaurado, instruído e decidido pelo
INSS, em tese lhe confeririam a possibilidade de lançar o crédito não-tributário decorrente da
repetição de indébito por “erro operacional”, vindo a cobra-lo judicialmente (mediante Execução
Fiscal) ou por desconto regular em benefício regularmente pago (Lei 8.213/1991, artigo 115,
inciso II).
Todavia, ao julgar e modular o Tema 979 (acima citado), o STJ houve por bem declarar
irrepetíveis a todos os créditos não-tributários decorrentes de repetição de indébito já
constituídos e: i) executados em Juízo até 22/04/2021; ou ii) cobrados por instituição de
desconto em benefício até 22/04/2021.
Isso porque a modulação decorreu da aplicação da norma do CPC, 927, § 3º, tendo aquele
tribunal reconhecido que o novo precedente confrontava diametralmente jurisprudência
dominante até então aplicada em todas as instâncias da Jurisdição.
O conteúdo do antigo entendimento jurisprudencial, que veio a ser superado, era de que ao
menos até 2015 o particular não era obrigado a devolver valores recebidos em decorrência de
interpretação deficiente ou equivocada da lei, ou erro no pagamento, e também por força de
decisão judicial. Em todos esses casos presumia-se a boa-fé do particular, o que, somado à
natureza alimentar dos valores prestados, culminaria na sua irrepetibilidade.
Assim, ainda no contexto daquele entendimento jurisprudencial superado, para que o valor
pudesse efetivamente ser restituído, ao ente público era necessário demonstrar a má fé do
particular em processo sujeito ao contraditório e à ampla defesa.
Portanto, a distinção entre o antigo entendimento jurisprudencial e o novo precedente reside em
que anteriormente, se presumia a boa-fé do particular; a partir de então, o particular já não
poderia alegar boa-fé em face de “erro operacional”, salvo circunstâncias excepcionais.
De toda forma, o precedente firmado pelo Tema 979 não se confunde com aquele primeiro,
firmado no Tema 692. Isso porque o mais antigo se fundamentava na precariedade da decisão
judicial; o segundo tem como base os efeitos do “erro operacional” consumado em órbita
administrativa pelo ente público.
Por outro lado, o novo precedente firmado pelo Tema 979 não permite a repetição de indébito
por erro na interpretação da legislação ou equívoco na sua aplicação.
A repetição de indébito por ele permitida se refere estritamente ao “erro operacional” que seria
manifestamente perceptível pelo particular, não podendo na espécie ser invocada boa-fé pelo
particular, dado que a natureza de incompatibilidade manifesta poderia desde logo produzir
efeitos contra o particular.
O exemplo concreto de “erro operacional” fora trazido no bojo do próprio REsp 1.381.734/RN,
em que determinada pensionista completara 21 (vinte e um) anos de idade (o que importaria
desde logo na cessação do benefício) e ainda continuara a receber a Pensão por Morte por
aproximadamente dois anos depois de completar a idade mencionada. Logo, não se tratava de
equívoco na aplicação da legislação (“aplicar esta norma ao invés daquela”) ou de erro de
interpretação sobre a legislação (“entender a norma em determinado sentido e não em outro
sentido que seria adequado”). Houvera pura e simples continuidade de pagamento, que deveria
ter sido cessado e não o fora por motivo estranho à administração.
No caso concreto, a parte autora narrou que era titular de benefício prestado pelo INSS. O
benefício veio a ser cessado. O INSS pretenderia a restituição dos valores recebidos de forma
irregular.
Os elementos constantes dos autos demonstram que os valores recebidos irregularmente se
referem a período anterior a 23/04/2021.
Estritamente por força desse marco temporal, e deixando de perquirir a respeito da higidez do
processo administrativo que levou à constituição do crédito não-tributário;
DECLARO A INEXIGIBILIDADE DO CRÉDITO LEVADO À COBRANÇA PELO INSS EM
DESFAVOR DA PARTE AUTORA.
Por consequência, todos os atos de cobrança, quer administrativos quer judiciais, devem ser
encerrados, inclusive com devolução à parte autora dos valores, se descontados, desde então e
até os dias atuais.
Correção monetária e juros de mora nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos, e o faço com julgamento
de mérito, nos termos do CPC, 487, I, para:
DECLARAR A INEXIGIBILIDADE do crédito não-tributário titularizado pelo INSS em desfavor
da parte autora, decorrente de repetição de indébito apurada regularmente em processo
administrativo, mas cuja cobrança se iniciou antes de 23/04/2021;
DETERMINAR o encerramento de quaisquer atos tendentes à cobrança do crédito ora
declarado inexigível, inclusive eventuais descontos em pagamento de benefício ou constrição
extrajudicial por inclusão em cadastro de devedores;
CONDENAR o INSS ao pagamento à parte autora dos valores descontados do pagamento de
benefícios em decorrência do crédito ora declarado inexigível, acrescidos de correção
monetária e juros de mora;
JULGO IMPROCEDENTE o pedido de restabelecimento do benefício assistencial - LOAS.
Presentes esses pressupostos, CONCEDO A TUTELA PROVISÓRIA e DETERMINO que o
INSS SE ABSTENHA de qualquer ato de cobrança, inclusive inserção em cadastro de
devedores, contra a parte autora. Oficie-se à CEABDJ para cumprimento no prazo judicial de 15
(quinze) dias úteis a partir da notificação oficial, sob pena de multa de R$ 100,00 (cem reais)
por dia, contados desde a intimação até a efetiva implementação do benefício.
(...)”
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0001267-11.2021.4.03.6318
RELATOR:2º Juiz Federal da 1ª TR SP
RECORRENTE: LUCINEIA COSTA LUCIO
Advogados do(a) RECORRENTE: ELIANA LIBANIA PIMENTA MORANDINI - SP59615-A, ANA
BEATRIZ JUNQUEIRA MUNHOZ - SP366796-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Sem razão o INSS e a parte autora. A SENTENÇA NÃO MERECE REFORMA.
4. Quanto à restituição dos valores recebidos:
De início, esclareço que a presente ação foi proposta em 29 de março de 2021, ou seja,
anteriormente ao entendimento modulado no tema 979 do STJ. Anoto que que sua aplicação só
é cabível naquelas ações propostas após sua publicação. Nesse sentido o Pedilef 0530580-
60.2019.4.05.8100:
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. VERBA DE NATUREZA
ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ PELA PARTE SEGURADA. IRREPETIBILIDADE.
PRECEDENTES DO STJ. AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE AO ENTENDIMENTO
MODULADO NO TEMA 979. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO NACIONAL CONHECIDO E
DESPROVIDO.
Decisão
A Turma Nacional de Uniformização decidiu, por maioria, vencida a Juíza Federal CAROLINE
MEDEIROS E SILVA, NEGAR PROVIMENTO ao pedido de uniformização, nos termos do voto
do Juiz Relator.
Tipo Acórdão Número 0530580-60.2019.4.05.8100 05305806020194058100 Classe Pedido de
Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) Relator(a) FRANCISCO GLAUBER PESSOA
ALVES Origem TNU Órgão julgador TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO Data
12/11/2021 Data da publicação 16/11/2021 Fonte da publicação 16/11/2021
5. Ainda que assim não fosse, entendo que não restou, efetivamente, comprovada a má-fé da
parte autora, conforme se verifica dos documentos anexados na inicial, conforme elencado pelo
Juízo a quo em sua r. sentença recorrida: “...No caso concreto, a parte autora narrou que era
titular de benefício prestado pelo INSS. O benefício veio a ser cessado. O INSS pretenderia a
restituição dos valores recebidos de forma irregular. Os elementos constantes dos autos
demonstram que os valores recebidos irregularmente se referem a período anterior a
23/04/2021. Estritamente por força desse marco temporal, e deixando de perquirir a respeito da
higidez do processo administrativo que levou à constituição do crédito não-tributário;...”
6. E, tal qual bem fundamentado na r. sentença, não é possível se inferir a má-fé da parte
autora na continuidade do recebimento do benefício assistencial por ocasião de sua cessação.
Anoto, ainda, que compete à Administração realizar as revisões periódicas durante o período
em que o beneficiário usufrui do benefício. Não o fazendo como devido, tal conduta configura
evidente erro administrativo para o qual a demandante não colaborou de forma alguma. Sendo
assim, não há que se falar em devolução dos valores. Nesse sentido a remansosa
jurisprudência do ETRF3:
E M E N T A PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MANUTENÇÃO INDEVIDA DA CONCESSÃO. OMISSÃO NA
REALIZAÇÃO DE REAVALIAÇÕES PERIÓDICAS. ERRO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE
CONCORRÊNCIA DA BENEFICIÁRIA PARA A CONTINUIDADE DO PAGAMENTO
INDEVIDO. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DE TERCEIRO, INTEGRANTE DO
NÚCLEO FAMILIAR. NÃO CONHECIMENTO DOS EFEITOS JURÍDICOS DE TAL
MODIFICAÇÃO PELO BENEFICIÁRIO. BOA-FÉ CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DO
DÉBITO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1 - O princípio da vedação ao
enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a
época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil
de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito. 2 - A
propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. 3 - Ademais,
na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos
indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei
8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99. 4 - Assim, ao estabelecer
hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as
prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são
irrepetíveis em quaisquer circunstâncias. 5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é
financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em
virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente
reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em
inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de
proteção. 6 - A autora usufruiu do benefício de amparo social ao deficiente no período de
16/06/2003 a 31/03/2016 (NB 502.104.881-7). Por ocasião da concessão, o núcleo familiar era
composto exclusivamente pela demandante e por sua genitora e curadora, a qual se encontrava
desempregada à época. 7 - Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou a existência de
irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que a mãe da beneficiária exerceu
atividade remunerada nos períodos de 22/10/2003 a 20/12/2003 e de 14/10/2010 a 06/04/2016.
Além disso, a genitora efetuou recolhimentos como contribuinte individual entre 01/02/2006 e
30/09/2010, vindo a receber aposentadoria por idade, em valor próximo ao salário mínimo, a
partir de 26/01/2015 (NB 168.945.700-4) (ID 107147822 - p.105). Por conseguinte, a curadora
foi notificada, em nome da demandante, para restituir aos cofres públicos a quantia de R$
52.968,70 (cinquenta e dois mil, novecentos e sessenta e oito reais e setenta centavos),
relativas às prestações do benefício de prestação continuada pagas entre 01/12/2010 a
31/03/2016. 8 - O débito administrativo, contudo, não merece subsistir. 9 - É sabido que o
benefício de prestação continuada constitui prestação de natureza assistencial cujo
recebimento prescinde da realização de prévia contribuição pelo beneficiário. Justamente por
esta excepcionalidade, a legislação confere ao INSS o dever de reavaliar a permanência das
condições que ensejaram a sua concessão a cada dois anos, nos termos do artigo 21 da Lei n.
8.742/93. 10 - Ao se examinar fragmentos do processo administrativo do referido benefício,
verifica-se que a Administração não realizou as revisões periódicas durante o período em que a
autora usufruiu do benefício, configurando tal conduta evidente erro administrativo para o qual a
demandante não colaborou de forma alguma. 11 - Ora, a autora é pessoa portadora de doença
mental grave e de epilepsia, Além disso, ela usa calçados especiais para corrigir defeitos nas
pernas e sequer chegou a ser alfabetizada, embora tenha frequentado a APAE. Por sua frágil
condição clínica, foi interditada judicialmente e, portanto, está impossibilitada de praticar
quaisquer atos da vida civil. 12 - Por outro lado, a genitora afirmou que o quadro incapacitante
da autora se agravou com o passar dos anos e a renda mensal do benefício de prestação
continuada, por si só, se tornou insuficiente para financiar os cuidados necessários com a
demandante, razão pela qual aquela se viu impelida a retornar ao mercado de trabalho para
complementar a renda da família. 13 - Não é razoável supor que o destinatário do LOAS, que
muitas vezes vive no limiar da pobreza extrema, tenha consciência de que a modificação das
condições de vida de outro integrante do núcleo familiar possa afetar a continuidade do
pagamento do benefício por ele recebido. Como afirmado no curso do processo, a genitora
voltou ao mercado de trabalho, pois a renda mensal do benefício já não era suficiente para
custear os cuidados especiais requeridos pela demandante. Tratam-se de pessoas simples,
pouco afeitas às questões jurídicas, de modo que é crível que realmente não tinham meios de
compreender o alcance do controvertido artigo 20, §3º, da Lei n. 8.213/91, sobre o qual
inclusive a jurisprudência diverge sobre a melhor forma de aplicá-lo em cada caso concreto. 14
- Ademais, no curso do processo administrativo e desta demanda, verifica-se que a curadora,
em nome da autora, jamais tentou negar seu regresso ao mercado de trabalho, tampouco se
esquivou de apresentar os documentos solicitados. Realmente, não houve a utilização de
qualquer artifício para ocultar ou modificar a realidade econômica da família, de modo que a
boa-fé na conduta da beneficiária e de curadora em relação ao INSS é evidente. 15 - Por fim,
cumpre salientar que a genitora não trabalhava na informalidade, de modo que todas as
informações relativas à remuneração e à duração da prestação de serviço estavam ao alcance
do INSS o tempo todo, em seu banco de dados, o que torna ainda mais inescusável a omissão
em realizar a revisão periódica do benefício por mais de uma década. 16 - Em decorrência,
configurados o erro do INSS e a boa-fé da beneficiária, a anulação do débito administrativo é
medida que se impõe. 17 - Apelação do INSS desprovida. Sentença mantida. Ação julgada
procedente.
Decisão
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 7ª Turma APELAÇÃO CÍVEL
(198) Nº 0018213-78.2018.4.03.9999 RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARA RUBIA
DA CRUZ FERNANDES Advogado do(a) APELADO: MAURO ROGERIO VICTOR DE
OLIVEIRA - SP151830-N OUTROS PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO:
VALDELICE DA CRUZ ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: MAURO ROGERIO
VICTOR DE OLIVEIRA - SP151830-N APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018213-78.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: MARA RUBIA DA CRUZ FERNANDES Advogado do(a)
APELADO: MAURO ROGERIO VICTOR DE OLIVEIRA - SP151830-N OUTROS
PARTICIPANTES: TERCEIRO INTERESSADO: VALDELICE DA CRUZ ADVOGADO do(a)
TERCEIRO INTERESSADO: MAURO ROGERIO VICTOR DE OLIVEIRA - SP151830-N R E L
A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS
DELGADO (RELATOR): Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARA RUBIA DA CRUZ FERNANDES,
representada por sua genitora e curadora VALDELICE DA CRUZ, objetivando o
reconhecimento da inexigibilidade do débito administrativo. A r. sentença, prolatada em
05/02/2018, julgou procedente o pedido deduzido na inicial, a fim de reconhecer a
inexigibilidade do débito administrativo, relativo às parcelas do benefício assistencial de
prestação continuada recebido pela demandante entre 01/12/2010 e 31/03/2016, condenando o
INSS no pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Em suas
razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que o
caráter alimentar das prestações previdenciárias ou o seu recebimento de boa-fé não implicam
necessariamente sua irrepetibilidade. Prequestiona a matéria para fins recursais. Devidamente
processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal. O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, sugere o desprovimento
do recurso. É o relatório. APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0018213-78.2018.4.03.9999 RELATOR:
Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS APELADO: MARA RUBIA DA CRUZ FERNANDES Advogado do(a) APELADO:
MAURO ROGERIO VICTOR DE OLIVEIRA - SP151830-N OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: VALDELICE DA CRUZ ADVOGADO do(a) TERCEIRO
INTERESSADO: MAURO ROGERIO VICTOR DE OLIVEIRA - SP151830-N V O T O O
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR): Discute-se a exigibilidade dos valores pagos indevidamente, a título de benefício
assistencial de prestação continuada, na seara administrativa. O princípio da vedação ao
enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a
época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil
de 2002, in verbis: "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem,
será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários."
Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito. A propositura
de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a Administração Pública
para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por ostentarem o poder-dever de
autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais,
ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no Poder Judiciário, conforme as
Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Ademais, na seara do direito previdenciário,
a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos indevidamente, mediante descontos no
valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei 8.213/91, regulamentado pelo artigo
154 do Decreto n. 3.048/99, in verbis: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: (...) II -
pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, nos termos do disposto no Regulamento. (Redação dada pela Medida Provisória nº
871, de 2019)" Assim, ao estabelecer hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o
próprio Legislador reconheceu que as prestações previdenciárias, embora tenham a natureza
de verbas alimentares, não são irrepetíveis em quaisquer circunstâncias. Neste sentido, deve-
se ponderar que a Previdência Social é financiada por toda a coletividade e o enriquecimento
sem causa de algum segurado, em virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem,
sem qualquer causa juridicamente reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de
todo o Sistema, importando em inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à
continuidade dessa rede de proteção. Do caso concreto. Compulsando os autos, verifica-se que
a autora usufruiu do benefício de amparo social ao deficiente no período de 16/06/2003 a
31/03/2016 (NB 502.104.881-7). Por ocasião da concessão, o núcleo familiar era composto
exclusivamente pela demandante e por sua genitora e curadora, a qual se encontrava
desempregada à época. Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou a existência de
irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que a mãe da beneficiária exerceu
atividade remunerada nos períodos de 22/10/2003 a 20/12/2003 e de 14/10/2010 a 06/04/2016.
Além disso, a genitora efetuou recolhimentos como contribuinte individual entre 01/02/2006 e
30/09/2010, vindo a receber aposentadoria por idade, em valor próximo ao salário mínimo, a
partir de 26/01/2015 (NB 168.945.700-4) (ID 107147822 - p.105). Por conseguinte, a curadora
foi notificada, em nome da demandante, para restituir aos cofres públicos a quantia de R$
52.968,70 (cinquenta e dois mil, novecentos e sessenta e oito reais e setenta centavos),
relativas às prestações do benefício de prestação continuada pagas entre 01/12/2010 a
31/03/2016. O débito administrativo, contudo, não merece subsistir. É sabido que o benefício de
prestação continuada constitui prestação de natureza assistencial cujo recebimento prescinde
da realização de prévia contribuição pelo beneficiário. Justamente por esta excepcionalidade, a
legislação confere ao INSS o dever de reavaliar a permanência das condições que ensejaram a
sua concessão a cada dois anos, nos termos do artigo 21 da Lei n. 8.742/93. Ao se examinar
fragmentos do processo administrativo do referido benefício, verifica-se que a Administração
não realizou as revisões periódicas durante o período em que a autora usufruiu do benefício,
configurando tal conduta evidente erro administrativo para o qual a demandante não colaborou
de forma alguma. Ora, a autora é pessoa portadora de doença mental grave e de epilepsia,
Além disso, ela usa calçados especiais para corrigir defeitos nas pernas e sequer chegou a ser
alfabetizada, embora tenha frequentado a APAE. Por sua frágil condição clínica, foi interditada
judicialmente e, portanto, está impossibilitada de praticar quaisquer atos da vida civil. Por outro
lado, a genitora afirmou que o quadro incapacitante da autora se agravou com o passar dos
anos e a renda mensal do benefício de prestação continuada, por si só, se tornou insuficiente
para financiar os cuidados necessários com a demandante, razão pela qual aquela se viu
impelida a retornar ao mercado de trabalho para complementar a renda da família. Não é
razoável supor que o destinatário do LOAS, que muitas vezes vive no limiar da pobreza
extrema, tenha consciência de que a modificação das condições de vida de outro integrante do
núcleo familiar possa afetar a continuidade do pagamento do benefício por ele recebido. Como
afirmado no curso do processo, a genitora voltou ao mercado de trabalho, pois a renda mensal
do benefício já não era suficiente para custear os cuidados especiais requeridos pela
demandante. Tratam-se de pessoas simples, pouco afeitas às questões jurídicas, de modo que
é crível que realmente não tinham meios de compreender o alcance do controvertido artigo 20,
§3º, da Lei n. 8.213/91, sobre o qual inclusive a jurisprudência diverge sobre a melhor forma de
aplicá-lo em cada caso concreto. Ademais, no curso do processo administrativo e desta
demanda, verifica-se que a curadora, em nome da autora, jamais tentou negar seu regresso ao
mercado de trabalho, tampouco se esquivou de apresentar os documentos solicitados.
Realmente, não houve a utilização de qualquer artifício para ocultar ou modificar a realidade
econômica da família, de modo que a boa-fé na conduta da beneficiária e de curadora em
relação ao INSS é evidente. Por fim, cumpre salientar que a genitora não trabalhava na
informalidade, de modo que todas as informações relativas à remuneração e à duração da
prestação de serviço estavam ao alcance do INSS o tempo todo, em seu banco de dados, o
que torna ainda mais inescusável a omissão em realizar a revisão periódica do benefício por
mais de uma década. Em decorrência, configurados o erro do INSS e a boa-fé da beneficiária, a
anulação do débito administrativo é medida que se impõe. Aliás, esse foi o entendimento
consolidado recentemente pelo C. Superior Tribunal de Justiça ao apreciar, sob o regime dos
recursos representativos de controvérsia, o REsp n. 1.381.734/RN, "PROCESSUAL CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA
979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.
ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES
RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO
DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO
SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO
PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA. 1. Da
admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa
aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o
disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também
não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou
assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e
similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à
suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991. 2. Da limitação da tese proposta: A afetação
do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de
boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da
lei ou erro da Administração da Previdência Social. 3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo
INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser
penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor
além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem
interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro
dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o
entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente
pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da
verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que
recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer
condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o
que não lhe era devido. 4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da
Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se
os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da
verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de
erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário. 5. Do limite mensal para desconto a
ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a
Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia,
a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração.
Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo
administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio
no percentual de até 30% (trinta por cento). 6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação
aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou
operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração,
são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por
cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso
concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era
possível constatar o pagamento indevido. 7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a
modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança
jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a
repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse
modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a
partir da publicação deste acórdão. 8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao
momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações
quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária.
Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da
pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário,
com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio
público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em
razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores
recebidos indevidamente pelo segurado. 9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente
conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e
seguintes do CPC/2015." (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES,
PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021) Neste mesmo sentido, reporto-me
aos seguintes precedentes desta Corte Regional firmados em casos análogos: "AGRAVO DE
INSTRUMENTO. TUTELA .BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES
PAGOS INDEVIDAMENTE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ SE PRESUME
E A MÁ-FÉ DEVE SER COMPROVADA. AGRAVO DA PARTE AUTORA PROVIDO.1. .As
verbas previdenciárias, de caráter alimentar, percebidas de boa-fé, não são objeto de repetição
2. Não há nos autos até o presente momento comprovação cabal de que a concessão
administrativa do benefício assistencial se deu por culpa da parte autora ou por eventual
declaração falsa sua. A simples suspeita ou indícios não é o suficiente para afastar a presunção
de boa-fé. 3. Não havendo prova robusta da má-fé, deve prevalecer a presunção de boa-fé da
autora na percepção do benefício, afastando-se a cobrança dos eventuais valores recebidos
indevidamente até a conclusão do processo que criminal ou civil que está apurando eventual
conduta delituosa.4. Agravo de instrumento a que se dá provimento." (TRF 3ª Região, 7ª
Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5001688-28.2016.4.03.0000, Rel. Desembargador
Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 28/02/2018, Intimação via sistema DATA: 09/03/2018)
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE
BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE. 1. Apesar do julgamento do recurso representativo de
controvérsia REsp nº 1.401.560/MT, entendo que, enquanto mantido o posicionamento firmado
pelo e. STF no ARE 734242 AgR, este deve continuar a ser aplicado nestes casos, afastando-
se a necessidade de devolução de valores recebidos de boa fé, em razão de sua natureza
alimentar. 2. Ademais, não há qualquer indício de fraude ou ilegalidade na conduta do
segurado. 3. Agravo de instrumento desprovido." (TRF 3ª Região, 10ª Turma, AI - AGRAVO DE
INSTRUMENTO - 5000261-54.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal NELSON DE
FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/05/2020) "
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS DE BOA-
FÉ IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS. - Agravo legal, interposto pelo INSS, em face da
decisão monocrática que deu parcial provimento ao apelo da Autarquia, nos termos do artigo
557 do CPC, para autorizar apenas a compensação entre o valor recebido a título de auxílio-
doença e o devido a título de aposentadoria por tempo de contribuição, restando mantida a
sentença no que diz respeito à impossibilidade de se efetuar o desconto do excedente na
aposentadoria do autor, dada a boa-fé do segurado e à natureza eminentemente alimentar do
benefício, bem como para fixar a sucumbência recíproca. - Tendo a 15ª Junta de Recursos
provido o recurso pela aposentadoria por tempo de contribuição e estando o autor em gozo de
auxílio-doença, esse foi notificado a fazer opção por um dos benefícios, tendo optado pela
Aposentadoria por Tempo de Contribuição. - Com a concessão da aposentadoria, houve
geração de crédito no valor de R$ 34.618,35. Realizado encontro de contas entre os benefícios,
verificou-se que o valor pago a título de auxílio-doença, no período concomitante (22/07/2006 a
31/08/2009) gerou um débito de R$ 42.874,14, resultando o complemento negativo de R$
8.255,79 a ser descontado do benefício do autor, motivo da interposição da presente ação. - O
artigo 124 da Lei nº 8.213/91, veda o recebimento conjunto do auxílio-doença e qualquer
aposentadoria. Assim, inequívoco que devem ser compensadas as parcelas pagas
administrativamente em período concomitante, sob pena de efetuar-se pagamento em
duplicidade ao exequente, que acarretaria seu enriquecimento ilícito. - Também há de se levar
em conta que à época da concessão do benefício de auxílio-doença, o autor era segurado da
Previdência Social e encontrava-se incapacitado para o exercício de suas atividades
laborativas, tendo sido o benefício regularmente concedido, restando preservada a boa-fé do
segurado. - Apesar indevida a cumulação de benefícios, também deve ser considerado reputar-
se indevida a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, notadamente em razão
da natureza alimentar dos benefícios previdenciários. - Indevida a cobrança do excedente à
compensação efetuada, de forma que procede a determinação para que a Autarquia cancele a
consignação efetuada no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição do autor. -
Decisão monocrática com fundamento no art. 557, caput e § 1º-A, do C.P.C., que confere
poderes ao relator para decidir recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto,
intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo
Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao órgão colegiado, não importa em
infringência ao CPC ou aos princípios do direito. Precedentes. - É assente a orientação
pretoriana no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo
na hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer
dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, e for passível de resultar lesão irreparável ou de
difícil reparação à parte. - In casu, a decisão está solidamente fundamentada e traduz de forma
lógica o entendimento do Relator, juiz natural do processo, não estando eivada de qualquer
vício formal, razão pela qual merece ser mantida. - Agravo legal improvido." (TRF 3ª Região,
OITAVA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1833757 - 0002124-04.2009.4.03.6116, Rel.
DESEMBARGADORA FEDERAL TANIA MARANGONI, julgado em 17/08/2015, e-DJF3 Judicial
1 DATA:28/08/2015 )
E M E N T A PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. MANUTENÇÃO INDEVIDA DA CONCESSÃO. OMISSÃO NA
REALIZAÇÃO DE REAVALIAÇÕES PERIÓDICAS. ERRO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE
CONCORRÊNCIA DA BENEFICIÁRIA PARA A CONTINUIDADE DO PAGAMENTO
INDEVIDO. MODIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO FINANCEIRA DE TERCEIRO, INTEGRANTE DO
NÚCLEO FAMILIAR. NÃO CONHECIMENTO DOS EFEITOS JURÍDICOS DE TAL
MODIFICAÇÃO PELO BENEFICIÁRIO. BOA-FÉ CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DO
DÉBITO ADMINISTRATIVO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
SENTENÇA MANTIDA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1 - O princípio da vedação ao
enriquecimento sem causa, fundado na eqüidade, constitui alicerce do sistema jurídico desde a
época do direito romano e encontra-se atualmente disciplinado pelo artigo 884 do Código Civil
de 2002. Desse modo, todo acréscimo patrimonial obtido por um sujeito de direito que acarrete
necessariamente o empobrecimento de outro, deve possuir um motivo juridicamente legítimo,
sob pena de ser considerado inválido e seus valores serem restituídos ao anterior proprietário.
Em caso de resistência à satisfação de tal pretensão, o ordenamento jurídico disponibiliza à
parte lesada os instrumentos processuais denominados ações in rem verso, a fim de assegurar
o respectivo ressarcimento, das quais é exemplo a ação de repetição de indébito. 2 - A
propositura de demanda judicial, contudo, não constitui a única via de que dispõe a
Administração Pública para corrigir o enriquecimento sem causa. Os Entes Públicos, por
ostentarem o poder-dever de autotutela, podem anular seus próprios atos, quando eivados de
vícios que os tornem ilegais, ressalvando-se ao particular o direito de contestar tal medida no
Poder Judiciário, conforme as Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. 3 - Ademais,
na seara do direito previdenciário, a possibilidade de cobrança imediata dos valores pagos
indevidamente, mediante descontos no valor do benefício, está prevista no artigo 115, II, da Lei
8.213/91, regulamentado pelo artigo 154 do Decreto n. 3.048/99. 4 - Assim, ao estabelecer
hipóteses de desconto sobre o valor do benefício, o próprio Legislador reconheceu que as
prestações previdenciárias, embora tenham a natureza de verbas alimentares, não são
irrepetíveis em quaisquer circunstâncias. 5 - Deve-se ponderar que a Previdência Social é
financiada por toda a coletividade e o enriquecimento sem causa de algum segurado, em
virtude de pagamento indevido de benefício ou vantagem, sem qualquer causa juridicamente
reconhecida, compromete o equilíbrio financeiro e atuarial de todo o Sistema, importando em
inequívoco prejuízo a todos os demais segurados e em risco à continuidade dessa rede de
proteção. 6 - A autora usufruiu do benefício de amparo social ao deficiente no período de
16/06/2003 a 31/03/2016 (NB 502.104.881-7). Por ocasião da concessão, o núcleo familiar era
composto exclusivamente pela demandante e por sua genitora e curadora, a qual se encontrava
desempregada à época. 7 - Todavia, em auditoria interna, o INSS constatou a existência de
irregularidades na manutenção do benefício, uma vez que a mãe da beneficiária exerceu
atividade remunerada nos períodos de 22/10/2003 a 20/12/2003 e de 14/10/2010 a 06/04/2016.
Além disso, a genitora efetuou recolhimentos como contribuinte individual entre 01/02/2006 e
30/09/2010, vindo a receber aposentadoria por idade, em valor próximo ao salário mínimo, a
partir de 26/01/2015 (NB 168.945.700-4) (ID 107147822 - p.105). Por conseguinte, a curadora
foi notificada, em nome da demandante, para restituir aos cofres públicos a quantia de R$
52.968,70 (cinquenta e dois mil, novecentos e sessenta e oito reais e setenta centavos),
relativas às prestações do benefício de prestação continuada pagas entre 01/12/2010 a
31/03/2016. 8 - O débito administrativo, contudo, não merece subsistir. 9 - É sabido que o
benefício de prestação continuada constitui prestação de natureza assistencial cujo
recebimento prescinde da realização de prévia contribuição pelo beneficiário. Justamente por
esta excepcionalidade, a legislação confere ao INSS o dever de reavaliar a permanência das
condições que ensejaram a sua concessão a cada dois anos, nos termos do artigo 21 da Lei n.
8.742/93. 10 - Ao se examinar fragmentos do processo administrativo do referido benefício,
verifica-se que a Administração não realizou as revisões periódicas durante o período em que a
autora usufruiu do benefício, configurando tal conduta evidente erro administrativo para o qual a
demandante não colaborou de forma alguma. 11 - Ora, a autora é pessoa portadora de doença
mental grave e de epilepsia, Além disso, ela usa calçados especiais para corrigir defeitos nas
pernas e sequer chegou a ser alfabetizada, embora tenha frequentado a APAE. Por sua frágil
condição clínica, foi interditada judicialmente e, portanto, está impossibilitada de praticar
quaisquer atos da vida civil. 12 - Por outro lado, a genitora afirmou que o quadro incapacitante
da autora se agravou com o passar dos anos e a renda mensal do benefício de prestação
continuada, por si só, se tornou insuficiente para financiar os cuidados necessários com a
demandante, razão pela qual aquela se viu impelida a retornar ao mercado de trabalho para
complementar a renda da família. 13 - Não é razoável supor que o destinatário do LOAS, que
muitas vezes vive no limiar da pobreza extrema, tenha consciência de que a modificação das
condições de vida de outro integrante do núcleo familiar possa afetar a continuidade do
pagamento do benefício por ele recebido. Como afirmado no curso do processo, a genitora
voltou ao mercado de trabalho, pois a renda mensal do benefício já não era suficiente para
custear os cuidados especiais requeridos pela demandante. Tratam-se de pessoas simples,
pouco afeitas às questões jurídicas, de modo que é crível que realmente não tinham meios de
compreender o alcance do controvertido artigo 20, §3º, da Lei n. 8.213/91, sobre o qual
inclusive a jurisprudência diverge sobre a melhor forma de aplicá-lo em cada caso concreto. 14
- Ademais, no curso do processo administrativo e desta demanda, verifica-se que a curadora,
em nome da autora, jamais tentou negar seu regresso ao mercado de trabalho, tampouco se
esquivou de apresentar os documentos solicitados. Realmente, não houve a utilização de
qualquer artifício para ocultar ou modificar a realidade econômica da família, de modo que a
boa-fé na conduta da beneficiária e de curadora em relação ao INSS é evidente. 15 - Por fim,
cumpre salientar que a genitora não trabalhava na informalidade, de modo que todas as
informações relativas à remuneração e à duração da prestação de serviço estavam ao alcance
do INSS o tempo todo, em seu banco de dados, o que torna ainda mais inescusável a omissão
em realizar a revisão periódica do benefício por mais de uma década. 16 - Em decorrência,
configurados o erro do INSS e a boa-fé da beneficiária, a anulação do débito administrativo é
medida que se impõe. 17 - Apelação do INSS desprovida. Sentença mantida. Ação julgada
procedente. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a
Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Tipo Acórdão Número 0018213-78.2018.4.03.9999 ..PROCESSO_ANTIGO:
..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO: 00182137820184039999 Classe APELAÇÃO CÍVEL
..SIGLA_CLASSE: ApCiv Relator(a) Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Relator para Acórdão ..RELATORC: Origem TRF - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador 7ª
Turma Data 08/06/2021 Data da publicação 11/06/2021Fonte da publicação
Intimação via sistema DATA: 11/06/2021 ..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2:
..FONTE_PUBLICACAO3:
E M E N T A DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE
A TÍTULO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO.
PAGAMENTO INDEVIDO. AFASTADA A MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO INDEVIDO. - Não merece
acolhimento a alegação de nulidade do decisum, por cerceamento de defesa, haja vista que o
magistrado, no exercício do seu livre convencimento motivado, apreciou a questão controvertida
e fundamentou sua decisão à luz do que rege o art. 93, IX, da CF. - Inaplicável, in casu, a
aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de
aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade. - Tendo em vista o disposto
no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões
ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito
aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em
que a Fazenda Pública é a autora da ação. - Os documentos constantes dos autos revelam que
o procedimento administrativo instaurado para a apuração das irregularidades tramitou em maio
de 2012, com notificação da parte ré e se findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em
27/01/2016, não há que se falar da incidência de prescrição. - É assegurada à Administração
Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de
autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo
Tribunal Federal. - O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp
1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados,
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no
percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a
hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo
com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." - A respeito
especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy
Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, "esta se apresenta como uma
exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-
dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal" (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família. - Cabe à autarquia previdenciária a
revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício,
nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.742/93. - Conforme se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e
CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88, Num. 137474735 - Pág. 118), a parte ré passou a exercer
atividade econômica remunerada a partir de 05/04/2005, junto a empresa Grupo de Fartura de
Hortifrut Ltda, o que afasta sua condição de hipossuficiente e torna indevido o recebimento do
benefício. - Todavia, no caso, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em
vista que cabe à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma
legal, a fim de averiguar se permanecem satisfeitos os requisitos necessários para a
manutenção do benefício. - Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o
requerido atendia os requisitos legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo
familiar. - Efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato
fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos
autos, não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na
percepção do benefício. - Ressalte-se que o próprio INSS reconheceu se tratar de erro
administrativo, bem como a ausência de má-fé do beneficiário (id 137474735 - pág. 40, 43). -
Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício deve ser suspenso no caso de atividade
laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema 979
pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS. - Em razão da inversão dos ônus
sucumbenciais, condenada a autarquia ao pagamento de honorários de advogado, arbitrados
em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à causa. - Matéria preliminar rejeitada. No
mérito, apelação provida.
Decisão
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 9ª Turma APELAÇÃO CÍVEL
(198) Nº 0002146-51.2016.4.03.6105 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: ADONIS ROBERTO DE MORAES Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE
OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002146-
51.2016.4.03.6105 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE:
ADONIS ROBERTO DE MORAES Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA
BARBOZA - SP244097-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de ressarcimento ao erário
movida pelo INSS, objetivando a restituição de valores pagos ao apelante a título do benefício
assistencial, no período de 29/03/2007 a 31/05/2012, equivalentes a R$46.539,98, atualizadas
até 01/2016, resultante de omissão de informação relevante quanto aos integrantes do grupo
familiar. A r. sentença julgou procedente a pretensão de condenação da parte ré à restituição
das prestações do benefício nº 87/505.422.973-2, no período de 29/03/2007 a 31/05/2012,
extinguindo o processo com resolução de mérito, na forma do artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil. O valor da condenação deverá ser acrescido de correção monetária incidente da
data de cada pagamento indevido do benefício nº 87/505.422.973-2 e de juros de mora
incidentes a partir da citação (considerada a data da citação pessoal ocorrida em 14/11/2017),
nos índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na data da liquidação
do julgado para as ações condenatórias em geral. Condenou a parte ré a pagar honorários
advocatícios a serem calculados mediante a aplicação dos coeficientes mínimos indicados nos
incisos do § 3º do artigo 85 do CPC, na forma prevista no § 5º desse mesmo artigo 85, sobre o
valor da condenação, suspensa a cobrança, enquanto perdurar a condição de hipossuficiência
econômica em que fundada a assistência judiciária gratuita concedida nos autos. Inconformada,
apela a parte ré, em que alega, preliminarmente, cerceamento de defesa, por considerar que
não foi garantida a oportunidade de produzir todas as provas requeridas, e requer a conversão
do feito em diligência para a oitiva de testemunhas. No mérito, aduz a ocorrência de prescrição,
bem como a impossibilidade de repetição do benefício de prestação continuada recebido de
boa-fé. Parecer do MPF pelo reconhecimento da prescrição quinquenal entre o período de
03/2007 a 10/2009, e improcedência do pedido autoral sobre o restante do período pleiteado (id
Num. 148324049). É o sucinto relato. ab APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0002146-
51.2016.4.03.6105 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE:
ADONIS ROBERTO DE MORAES Advogado do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA
BARBOZA - SP244097-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os
demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de
devolução. Preliminarmente, não merece acolhimento a alegação de nulidade do decisum, por
cerceamento de defesa, haja vista que o magistrado, no exercício do seu livre convencimento
motivado, apreciou a questão controvertida e fundamentou sua decisão à luz do que rege o art.
93, IX, da CF. Para tanto, se observa que o pedido de produção de provas fora apreciado e
indeferido nos termos do artigo 370 do CPC, conforme despacho proferido pelo magistrado a
quo, no sentido de que ".... O pedido de produção probatória deve ser certo e preciso, devendo
ter por objeto a prova de fato controvertido nos autos. Cabe à parte postulante fundamentar
expressamente a pertinência e relevância da produção da prova ao deslinde meritório do feito.
Não atendidas essas premissas, o pedido de produção probatória - especialmente o genérico e
condicional, ou o sobre fato incontroverso ou irrelevante - deve ser indeferido nos termos do
artigo 370 do Código de Processo Civil. Assim, indefiro o pedido de provas da parte ré." (id
Num. 137474739). PRESCRIÇÃO. Inaplicável in casu a regra do art. 37, § 5º, da Constituição
Federal, tendo em vista que o seu campo de aplicação se limita às ações decorrentes de atos
de improbidade. No caso dos autos, tendo sido a ação manejada contra o procurador do
segurado, ou seja, não se tratando de demanda indenizatória ajuizada contra agentes públicos
e pessoas equiparadas, no exercício da função pública, com a devida comprovação do ato de
improbidade administrativa, não se trata de hipótese de imprescritibilidade, afastando-se assim
a incidência do art. 37, § 5º, da CF (Apelação Cível nº 0002497-65.2010.4.03.6127/SP, Rel.
Des. Fausto De Sanctis, J. em 26/06/2017). Assentada a existência de prazo prescricional para
as ações de reparação de danos da Fazenda Pública, remanesce a análise de qual o prazo
prescricional para o INSS exercer sua pretensão. Tendo em vista o disposto no Decreto nº
20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões ressarcitórias
exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito aos princípios
da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em que a Fazenda
Pública é a autora da ação (STJ, REsp 1.519.386/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, j. em
26/05/2015). Os documentos constantes dos autos revelam que o procedimento administrativo
instaurado para a apuração das irregularidades tramitou em maio de 2012, com notificação da
parte ré e se findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em 27/01/2016, não há que se falar
da incidência de prescrição. PODER DEVER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO. É
assegurada à Administração Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com
base no seu poder de autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e
473 do Supremo Tribunal Federal: "A administração pública pode declarar a nulidade de seus
próprios atos". "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que
os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os
casos, a apreciação judicial". Também é pacífico o entendimento de que a mera suspeita de
irregularidade, sem o regular procedimento administrativo, não implica na suspensão ou
cancelamento unilateral do benefício, por ser um ato perfeito e acabado. Aliás, é o que
preceitua o artigo 5º, LV, da Constituição Federal, ao consagrar como direito e garantia
fundamental, o princípio do contraditório e da ampla defesa, in verbis: "Aos litigantes em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". DO ATO ILÍCITO Todo aquele que
cometer ato ilícito, fica obrigado a reparar o dano proveniente de sua conduta ou omissão.
Confira-se o disposto no art. 186, do Código Civil: "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito." Ainda sobre o tema objeto da ação, dispõem os
artigos 876, 884 e 927 do Código Civil de 2002: "Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe
não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida
condicional antes de cumprida a condição." "Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários." "Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187).
causar dano a outrem. fica obrigado a repará-lo." No que concerne à Previdência Social, é
prevista no artigo 115 da Lei n. 8.213/91 a autorização do INSS para descontar de benefícios os
valores outrora pagos indevidamente: "Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios: [...] II -
pagamento de benefício além do devido; [...] § 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito
em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé". Também, no Decreto n. 3.048/99:
"Art. 154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:
[...] II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º; [...] §
2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência so-cial,
nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art.
175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244,
independentemente de outras penalidades legais. (Redação dada pelo Decreto n. 5.699/06)."
DEVOLUÇÃO OU NÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ O e. Superior Tribunal de
Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp 1.381.734/RN), cuja questão levada a julgamento foi a
"Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força
de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social",
fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de
erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou
equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual
de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que
o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com
demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." Extrai-se da tese
fixada, portanto, que, para a eventual determinação de devolução de valores recebidos
indevidamente, decorrente de erro administrativo diverso de interpretação errônea ou
equivocada da lei, faz-se necessária a análise da presença, ou não, de boa-fé objetiva em sua
percepção. A respeito especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela
Exma. Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, "esta se
apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo
qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo,
agindo como agiria uma pessoa honesta, escorreita e leal" (REsp 803.481/GO, Terceira Turma,
julgado em 28/06/2007). Por seu turno, leciona Carlos Roberto Gonçalves que "Guarda relação
com o princípio de direito segundo o qual ninguém pode beneficiar-se da própria torpeza.
Recomenda ao juiz que presuma a boa-fé, devendo a má-fé, ao contrário, ser provada por
quem a alega. Deve este, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, dar por
pressuposta a boa-fé objetiva, que impõe ao contratante um padrão de conduta, de agir com
retidão, ou seja, com probidade, honestidade e lealdade, nos moldes do homem comum,
atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar" (Direito Civil Brasileiro, volume 3:
contratos e atos unilaterais, Saraiva, 2013, 10ª ed., p. 54/61). DO CASO DOS AUTOS
Conforme relatado na exordial, o requerido Adonis Roberto de Moraes, através de sua genitora
Nerma Aparecida Moraes, requereu em 05/01/2005, o benefício de amparo social à pessoa
portadora de deficiência, o qual fora deferido (NB 87/505.422.973-2). Através de regular
processo administrativo (Processo n.º 37324.010587/2012-64), a equipe de monitoramento de
Benefícios da APS de Campinas/SP promoveu revisão administrativa, identificando indícios de
irregularidades na manutenção do benefício assistencial, ante a alteração da renda per capita
do grupo familiar, assim resumida: "a) foi apresentado para o requerimento do Amparo Social
Declaração sobre a Composição do Grupo e renda Familiar à folha 03, e 04, constando quatro
integrantes no grupo familiar: o requerente, a mãe e dois irmãos. b) em consulta a Cadastro
Nacional de Informações Sociais - CNIS conta em nome do titular, Adonis Roberto de Mores,
junto ao NIT 12891626367, vínculo empregatício junto a empresa GRUPO DE FARTURA DE
HORTIFRUT LTDA CNPJ n.º 004.972.09210007-23, com data de admissão em 05/04/2005,
sem informação de data de rescisão, com remunerações até 02/2012, demonstrando indícios
de que o titular mantinha vínculo empregatício desde 04/2005. c) em consulta ao CNIS constam
vínculos empregando e remunerações para a mãe do titular, sra. Nerma Aparecida de Moraes,
no MT 1219.1002023 a partir de 11/2009, de forma descontínua; d) em consulta ao CNIS
constam vínculos empregatício e remunerações para a irmã do titular, sra. Marjorie Cristina de
Moraes Camilo, no NIT 20738675649 a partir de 10/2006, de forma descontínua até 12/2012; e)
diante do exposto acima concluímos que há indícios de que não houve continuidade das
condições que deram origem ao 'benefício desde 04/2005, face constar vínculo empregatícios e
remuneração para o titular, uma vez que não atende o contido no § 2" e § 3", art. 20 da Lei n»
8.742 de 07/12/1993 e no § 1, do artigo 21 da Lei n." 8.742/1993, bem como há remunerações
para os componentes do grupo familiar. Considerando o contido na legislação do Amparo Social
o pagamento do benefício cessa no momento em que foram superadas as condições que lhe
deram origem. (...)" (id Num. 137474735 - Pág. 29). Assim, ao concluir que não houve
continuidade das condições que deram origem ao benefício desde 04/2005, pretende a
autarquia a devolução dos valores recebidos no período de 29/03/2007 a 31/05/2012,
equivalentes a R$46.539,98, atualizadas até 01/2016. O benefício assistencial de prestação
continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo
por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou
superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à
satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela
família: "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
.......................................................... V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à
pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.". A Lei de
Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. O art. 20 da Lei assistencial
e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do
benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais
e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua
família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998,
pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº
10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435,
de 6 de julho de 2011. Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como
pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser
provido pela sua família. Pessoa portadora de deficiência é a incapacitada para a vida
independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas, na redação dada pela Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. A incapacidade
para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de
alguém. No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº
1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de
família como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo
sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido,
expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo
requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que
vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º). Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo
per capita como critério objetivo, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo
Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Os
debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios
fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o
reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral. A Suprema Corte
acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, inclusive por considerar
defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de miserabilidade dos
idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial (Plenário, RCL 4374, j.
18.04.2013, DJE de 04/09/2013). No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao
menos entrever, a partir da renda informada, eventual quadro de pobreza em função da
situação específica de quem pleiteia o benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas
regras. Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do
qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da
dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de
suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação
legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como
assentado no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73. Por outro lado, cabe à
autarquia previdenciária a revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram
a concessão do benefício, nos termos do art. 21 da já citada lei: "Art. 21. O benefício de
prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das
condições que lhe deram origem. § 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que
forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário. § 2º O
benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização. §
3o O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de
atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo
de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. § 4º A cessação do
benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova
concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. Art. 21-
A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa
com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor
individual. § 1o Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput
deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e
não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser
requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização
de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim,
respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21. § 2o A contratação de pessoa com
deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício de prestação continuada,
limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da remuneração e do benefício". Conforme
se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88, Num.
137474735 - Pág. 118), a parte ré passou a exercer atividade econômica remunerada a partir
de 05/04/2005, junto a empresa GRUPO DE FARTURA DE HORTIFRUT LTDA, o que afasta
sua condição de hipossuficiente e torna indevido o recebimento do benefício. Todavia, no caso,
não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em vista que cabe à autarquia
proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma legal, a fim de averiguar se
permanecem ou não satisfeitos os requisitos necessários para a manutenção do benefício.
Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o requerido atendia os requisitos
legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo familiar. Efetivamente, não há
nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato fraudulento em detrimento do INSS,
razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos autos, não há como se imputar
qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na percepção do benefício. Ressalte-se que
o próprio INSS reconheceu se tratar de erro administrativo, bem como a ausência de má-fé do
beneficiário (id 137474735 - pág. 40, 43). Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício
deve ser suspenso no caso de atividade laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte
autora, nos termos do decidido no Tema 979 pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo
INSS. Em razão da inversão dos ônus sucumbenciais, condeno a autarquia ao pagamento de
honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à
causa. Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou provimento ao recurso
de apelação, nos termos da fundamentação. É como voto. E M E N T A DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. CERCEAMENTO DE
DEFESA. INOCORRÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE A TÍTULO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. PAGAMENTO
INDEVIDO. AFASTADA A MÁ-FÉ. RESSARCIMENTO INDEVIDO. - Não merece acolhimento a
alegação de nulidade do decisum, por cerceamento de defesa, haja vista que o magistrado, no
exercício do seu livre convencimento motivado, apreciou a questão controvertida e
fundamentou sua decisão à luz do que rege o art. 93, IX, da CF. - Inaplicável, in casu, a
aplicação da regra do art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo em vista que o seu campo de
aplicação se limita às ações decorrentes de atos de improbidade. - Tendo em vista o disposto
no Decreto nº 20.910/32, que preceitua o prazo prescricional de cinco anos para as pretensões
ressarcitórias exercidas contra a Fazenda Pública, e, à míngua de previsão legal e em respeito
aos princípios da isonomia e da simetria, deve o mesmo prazo ser aplicado nas hipóteses em
que a Fazenda Pública é a autora da ação. - Os documentos constantes dos autos revelam que
o procedimento administrativo instaurado para a apuração das irregularidades tramitou em maio
de 2012, com notificação da parte ré e se findou no ano de 2013. Assim, ajuizada a ação em
27/01/2016, não há que se falar da incidência de prescrição. - É assegurada à Administração
Pública a possibilidade de revisão dos atos por ela praticados, com base no seu poder de
autotutela, conforme se observa, respectivamente, das Súmulas n.º 346 e 473 do Supremo
Tribunal Federal. - O Superior Tribunal de Justiça, ao analisar o Tema 979 (REsp
1.381.734/RN), fixou a seguinte tese: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados,
decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação
errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no
percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a
hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo
com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido." - A respeito
especificamente do conceito de boa-fé objetiva, conforme definido pela Exma. Ministra Nancy
Andrighi no julgamento do Recurso Especial nº 803.481/GO, "esta se apresenta como uma
exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-
dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal" (REsp 803.481/GO, Terceira Turma, julgado em 28/06/2007).
- O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art.
203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa
deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de
carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem
assim de condições de tê-las providas pela família. - Cabe à autarquia previdenciária a
revisão/avaliação da continuidade das condições que lhe garantiram a concessão do benefício,
nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.742/93. - Conforme se verifica do extrato do CNIS/PLENUS e
CTPS (id Num. 137474735 - Pág. 88, Num. 137474735 - Pág. 118), a parte ré passou a exercer
atividade econômica remunerada a partir de 05/04/2005, junto a empresa Grupo de Fartura de
Hortifrut Ltda, o que afasta sua condição de hipossuficiente e torna indevido o recebimento do
benefício. - Todavia, no caso, não se vislumbra a ocorrência de má-fé da parte ré, tendo em
vista que cabe à autarquia proceder à revisão do benefício, nos termos do referido diploma
legal, a fim de averiguar se permanecem satisfeitos os requisitos necessários para a
manutenção do benefício. - Ainda, ressalto que ao tempo da concessão do benefício o
requerido atendia os requisitos legais, sendo prestadas informações verídicas sobre o grupo
familiar. - Efetivamente, não há nenhum indício de que a parte autora praticou qualquer ato
fraudulento em detrimento do INSS, razão pela qual ante a ausência de sua comprovação nos
autos, não há como se imputar qualquer conduta ilícita à parte ré, tampouco má-fé na
percepção do benefício. - Ressalte-se que o próprio INSS reconheceu se tratar de erro
administrativo, bem como a ausência de má-fé do beneficiário (id 137474735 - pág. 40, 43). -
Sendo assim, ainda que se reconheça que o benefício deve ser suspenso no caso de atividade
laborativa, constatada a boa-fé objetiva da parte autora, nos termos do decidido no Tema 979
pelo STJ, inexigível a cobrança do débito pelo INSS. - Em razão da inversão dos ônus
sucumbenciais, condenada a autarquia ao pagamento de honorários de advogado, arbitrados
em 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor dado à causa. - Matéria preliminar rejeitada. No
mérito, apelação provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as
acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no
mérito, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Acórdão 0002146-51.2016.4.03.6105 ..PROCESSO_ANTIGO:
..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO: Documento Tipo Acórdão Número 0002146-
51.2016.4.03.6105 ..PROCESSO_ANTIGO: ..PROCESSO_ANTIGO_FORMATADO:
00021465120164036105 Classe APELAÇÃO CÍVEL ..SIGLA_CLASSE: ApCiv Relator(a)
Desembargador Federal GILBERTO RODRIGUES JORDAN Relator para Acórdão
..RELATORC: Origem TRF - TERCEIRA REGIÃO Órgão julgador 9ª Turma Data 26/05/2021
Data da publicação 01/06/2021 Fonte da publicação Intimação via sistema DATA: 01/06/2021
..FONTE_PUBLICACAO1: ..FONTE_PUBLICACAO2: ..FONTE_PUBLICACAO3:
Quanto ao restabelecimento do benefício assistencial:
7. Para fins de concessão do benefício assistencial, o conceito de grupo familiar deve ser obtido
mediante interpretação restrita das disposições contidas no § 1º, do art. 20, da Lei 8.742/93
com redação dada pela Lei n. 12.435/2011 para benefícios requeridos após 06.07.2011 e, nos
termos do art. 16, da Lei 8.213/91 para benefícios requeridos antes de 06.07.2011, desde que
vivam sob o mesmo teto. (TNU – PEDILEF 00858405820064036301).
A Lei 8.742, de 07.12.93, que regulamenta a referida norma constitucional, estabelece em seu
artigo 20, com redação dada pelas Leis n. 12.435/2011, n. 12.470/2011, n. 13.146/2015 e n.
13.982/2020 os requisitos para a concessão do benefício, sendo que a Lei nº 13.982/2020,
incluiu o art. 20-A.
8. Os julgamentos proferidos na Reclamação n. 4374 e no Recurso Extraordinário n. 567.985,
pelo Supremo Tribunal Federal, permitiram aos juízes e tribunais, o exame do pedido da
concessão do benefício em comento fora dos parâmetros objetivos fixados pelo artigo 20 da
LOAS, podendo-se adotar o critério do valor de meio salário mínimo como referência para
aferição da renda familiar per capita. O critério de um quarto do salário mínimo utilizado pela
LOAS está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias,
que, de acordo com o artigo 203, parágrafo 5º, da Constituição, possuem o direito ao benefício
assistencial.
4. Nesse contexto, a Súmula 21 da Turma Regional de Uniformização prescreve: “Na
concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per
capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser
infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo."
9. Outrossim, no Recurso Extraordinário n. 580.963, o Supremo Tribunal Federal declarou a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003, por entender que devem ser descontados do cálculo da renda familiar também os
benefícios referentes ao amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria apenas
no importe e um salário mínimo.
10. Aplica-se, ainda, a Súmula 22 da Turma Regional de Uniformização: “Apenas os benefícios
previdenciários e assistenciais no valor de um salário mínimo recebidos por qualquer membro
do núcleo familiar devem ser excluídos para fins de apuração da renda mensal per capita
objetivando a concessão de benefício de prestação continuada".
11. A despeito do conceito de grupo familiar, deve ser analisado, conforme recente
entendimento consolidado pela TRU o dever legal de prestação de alimentos pelos sucessores
da parte autora. Prescreve a SÚMULA Nº 23:"O benefício de prestação continuada (LOAS) é
subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar
alimentos previsto no Código Civil "
12. Com efeito, o benefício de prestação continuada não se dirige àqueles que se encontram
em posição de pobreza, mas aos submetidos à condição de miséria, indigência ou extrema
pobreza. Isto porque, o benefício de prestação continuada serve para resgatar a pessoa da
miséria e não para complementar sua renda.
13. Com relação ao requisito da deficiência, há de se ressaltar que se considera pessoa com
deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Ademais, de
acordo com a Súmula 48 TNU, a incapacidade não precisa ser permanente, devendo, no
entanto, ter duração mínima de dois anos, conforme determina o § 10 do artigo 20, da Lei n.
8.742/1993.
14. Nesse sentido, é a previsão da Súmula 48 da TNU, com nova redação alterada na sessão
de 25.4.2019 (DJe nº 40. DATA: 29/04/2019):
"Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação."
15. No presente caso, como bem descrito pelo Juízo a quo em sua r. sentença recorrida,
permitem concluir que o requisito relativo à deficiência está satisfeito, eis que as limitações da
parte autora a impedem de se integrar plenamente à vida em sociedade. Ressalto que, mesmo
tendo sido diagnosticado como portador de doença, o fato é que, nos presentes autos, o
requisito da deficiência restou plenamente preenchido, restando configurada a existência de
impedimento de longo prazo, nos termos delineados pelo artigo 20, parágrafo 10º, da Lei n.º
8.742/93, in verbis
“...A parte autora percebe benefício assistencial desde 02/07/2004 e o motivo da suspensão do
referido benefício, em 01/02/2021, foi a identificação de indício de irregularidade no tocante à
renda per capita superior às regras estabelecidas do BPC. Assim, o ponto controvertido nos
autos é somente o critério econômico e não o reconhecimento da deficiência...”
16. Em relação ao requisito da miserabilidade, como bem lançado na r. sentença do Juízo a quo
e, considerando o demonstrado no laudo socioeconômico acostado aos autos, e nos preceitos
ora estabelecidos, NÃO há como se vislumbrar a hipossuficiência financeira da parte autora,
inclusive pela visualização das fotos do imóvel anexada aos autos – Documento n.
257811738(Imóvel simples, mas com condições de miserabilidade), bem como verifico que,
após análise das condições sociais, pessoais e econômicas da parte autora não restou
devidamente configurada a situação de vulnerabilidade econômica da autora, como bem
descrito pelo Juízo a quo em sua r. sentença recorrida, in verbis:
“...Da miserabilidade
A Lei nº 12.435/2011, que alterou a Lei nº 8.742/93, traçou o conceito próprio de família (art. 20,
§ 1º), sendo esta composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência
de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ainda de acordo com a referida Lei, a família seria incapaz de prover o sustento da parte
demandante quando sua renda mensal per capita fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário-
mínimo.
Quanto ao requisito objetivo atinente às condições socioeconômicas, foi constatado que a parte
autora não se enquadra na hipótese disciplinada no art. 20 da Lei n.º 8.742/93.
Segundo a pesquisa social (anexos 16 e 17), o grupo familiar é composto pela autora, 42 anos,
sem renda; por seu cônjuge, Sérgio Lúcio, 50 anos, com renda mensal em média de R$
1.995,00 (um mil novecentos e noventa e cinco reais) proveniente de auxílio doença
previdenciário; e por sua filha, Karen, 14 anos, sem renda.
Assim, considerados o núcleo familiar da parte autora - composto por 03 pessoas e o cômputo
da renda familiar mensal declarada perfazer o total de R$ 1.995,00 (um mil novecentos e
noventa e cinco reais), verifica-se que a renda per capita familiar declarada perfaz o valor
mensal por pessoa de aproximadamente R$ 665,00 (quinhentos e cinquenta reais).
Neste particular, a Lei fixou que a aferição da miserabilidade segue o critério objetivo da renda
per capita de ¼ do salário mínimo ou ½ salário mínimo.
Assim, no caso ora sob análise, verifica-se que a renda mensal per capita , embora não seja
elevada, também não pode ser considerada ínfima a impossibilitar o mínimo necessário ao
núcleo familiar, já que é superior à metade do salário mínimo.
O conjunto probatório demonstra que a unidade familiar reside em imóvel próprio, sendo que a
estrutura e localização do imóvel, e os móveis que guarnecem a residência demonstram que a
autora vive em condições de dignidade, não havendo necessidade de amparo assistencial do
Estado. Ressaltase, além disso, que o cônjuge recebe atualmente auxílio doença previdenciário
, o que dá condições de viverem uma vida simples, porém fora da miserabilidade.
Ademais, caso sobrevenha situação econômica diversa da atual, poderá a parte autora
ingressar com novo requerimento administrativo para concessão de benefício à pessoa com
deficiência.
Diante deste quadro, conclui-se que não foram cumpridos os requisitos legalmente
estabelecidos a justificar o direito ao recebimento de benefício assistencial, já que os fatos
acima aduzidos revelam que não há risco social a ser afastado por meio do benefício
assistencial, que não tem como finalidade a complementação de renda.
Por derradeiro, vale lembrar que o benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei
8742/1993 é apenas uma das vertentes da assistência social prevista nos artigos 203/204 da
Constituição da República, devendo ser dirigido tão somente aos que realmente dele
necessitarem.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO...”
17. No que respeita à apuração da renda mensal familiar “per capita”, nos termos do acórdão do
Recurso Extraordinário nº 567.985 que declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal declarou a necessidade de que seja analisado, em concreto e caso a
caso, a efetiva falta de meios para que o deficiente ou o idoso possa prover a própria
manutenção ou tê-la provida por sua família. Desse modo, deve-se analisar a situação concreta
da parte autora, verificando se ela ou a sua família têm condições de prover a subsistência de
forma digna, cabendo o benefício somente nos casos em que essa situação não esteja
presente.
18. O critério objetivo consistente na renda per capita não ultrapassar meio salário mínimo
implica presunção legal relativa da necessidade do benefício assistencial, mas foi infirmado por
dados concretos encontrados nos autos, reveladores da desnecessidade do benefício.
19. Em que pese o sustentado pela parte autora em suas razões recursais, bem como os
diversos comprovantes anexados aos autos, observo que não descreve o laudo
socioeconômico estar faltando para a parte autora qualquer um dos bens básicos para a
sobrevivência nem a presença de risco de comprometimento da dignidade humana. Ademais, o
próprio laudo social revela que a situação da autora não é de vulnerabilidade social, mas sim de
dificuldades financeiras, como bem descrito na r. sentença recorrida.
20. Segundo informações e fotografias (Documento n. 257811738) constantes do estudo social,
a residência da autora encontra-se em BOM estado de conservação, contando com o
necessário para garantir conforto à família, porquanto guarnecida dos móveis e utensílios
necessários à boa qualidade de vida.
21. Portanto, a análise do presente caso evidencia que a família consegue fazer frente às
necessidades básicas, não restando demonstrada situação de vulnerabilidade social. Ademais,
o benefício de prestação mensal continuada não serve para complementar a baixa renda, e sim
para evitar a falta dos meios essenciais à sobrevivência de modo a comprometer a dignidade
humana, o que não é o caso dos autos.
22. Denota-se que o benefício de prestação continuada não se dirige àqueles que se encontram
em posição de pobreza, mas aos submetidos à condição de miséria, indigência ou extrema
pobreza. Isto porque, o benefício de prestação continuada serve para resgatar a pessoa da
miséria e não para complementar sua renda.
23. Ante o exposto, nego provimento ao recurso do INSS e da parte autora, mantendo a r.
sentença por seus próprios fundamentos de fato e de direito, nos termos do art. 46 da Lei n.
9.099/95 e artigo 1º, da Lei n. 10.259/2001.
24. Tendo em vista a sucumbência recíproca, condeno cada uma das partes, em honorários
advocatícios, no importe de 5% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 86 do CPC.
No que tange à parte autora, tendo em vista ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, a
parte dos honorários que lhe incumbem, ficarão submetidos à condição suspensiva prevista no
artigo 98, § 3º, do mesmo diploma legal”.
É o voto.
E M E N T A
RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL C/C AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. LOAS (DEFICIENTE). SENTENÇA DE
PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA E DO INSS. REQUISITOS PARA
A CONCESSÃO/RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO NÃO PREENCHIDOS. ERRO
ADMINISTRATIVO. PERÍODO EM GOZO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
IRREPETIBILIDADE. BOA-FÉ OBJETIVA. AÇÃO AJUIZADA ANTERIORMENTE AO
ENTENDIMENTO MODULADO NO TEMA 979 DO STJ. RECURSO DA PARTE AUTORA E DO
INSS NÃO PROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, Vistos, relatados e
discutidos estes autos virtuais, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma
Recursal dos Juizados Especiais Federais de São Paulo, por unanimidade, negar provimento
aos recursos, nos termos do voto da Juíza Federal Flávia de Toledo Cera, relatora., nos termos
do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
