
| D.E. Publicado em 27/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, para anular a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0034724-88.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou IMPROCEDENTE o pedido de restabelecimento do benefício de AUXÍLIO-DOENÇA, com fundamento na ausência de incapacidade laborativa, condenando a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atribuído à causa, observado que a parte vencida é beneficiária da assistência judiciária gratuita.
Em suas razões de recurso, sustenta a parte autora:
- cerceamento de defesa pelo indeferimento de realização de novo laudo pericial, por não possuir o perito "conhecimento técnico e cientifico necessário para a realização de um mister tão importante, uma vez que ostenta diversas acusações de erro médico, inclusive com sentença já transitada em julgado neste sentido" (fl.221);
- que a pericia médica é contraditória ao afirmar a existência de dores e limitações de movimentos e ao mesmo tempo a inexistência da incapacidade laborativa ou impossibilidade temporária ou definitiva para o desempenho das funções específicas de uma atividade ou ocupação.
- estar incapacitada para exercer sua profissão;
Requer a anulação da sentença ou a sua reforma, para que seja concedido o auxílio-doença, sua implantação imediata, o pagamento dos benefícios em atraso, desde a cessação administrativa, com juros e correção monetária e os honorários de sucumbência no valor de 20% (vinte por cento) do valor da condenação, bem como encaminhá-la ao processo de reabilitação profissional.
Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a esta E. Corte Regional.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma, nos termos da Ordem de Serviço nº 13/2016, artigo 8º, que a apelação foi interposta no prazo legal e, ainda, que a parte autora é beneficiária da Justiça Gratuita.
É O RELATÓRIO.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, conforme certidão de fls. 238, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Pleiteia a parte autora o restabelecimento de auxílio-doença acidentário, alegando incapacidade laboral, por estar acometido por luxação acrômio clavilular ombro direito e tendinopatia do subescapular, com lesões focais não transfixantes.
Afirma que recebeu o auxílio-doença no período de 22/06/2014 a 19/06/2015 e de 01/10/2015 a 09/03/2016, constando, dos autos, pedido de reconsideração em 14/03/2016, indeferido em 11/04/2016.
Não obstante a petição inicial e a sentença façam referência a restabelecimento de "auxílio-doença acidentário", nada há, nos autos, que permita concluir que se trata, no caso, de benefício decorrente de acidente do trabalho. Ao contrário, os documentos de fls. 23/24 (comunicação de decisões) e 30 (extrato CNIS), atestam que o benefício que se pretende restabelecer é de natureza previdenciária, qual seja, auxílio-doença, espécie 31, NB 612.002.173-0.
Assim, é de se considerar que as lesões não decorrem de acidente do trabalho, mas de acidente de outra natureza, cabendo a esta Corte conhecer e julgar o presente recurso.
Os benefícios por incapacidade, previstos na Lei nº 8.213/91, destinam-se aos segurados que, após o cumprimento da carência de 12 (doze) meses (artigo 25, inciso I), sejam acometidos por incapacidade laboral: (i) incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa, no caso de aposentadoria por invalidez (artigo 42), ou (ii) incapacidade para a atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos, no caso de auxílio-doença (artigo 59).
No tocante ao auxílio-doença, especificamente, vale destacar que se trata de um benefício provisório, que cessa com o término da incapacidade, no caso de ser temporária, ou com a reabilitação do segurado para outra atividade que lhe garanta a subsistência, se a incapacidade for definitiva para a atividade habitual, podendo, ainda, ser convertido em aposentadoria por invalidez, caso o segurado venha a ser considerado insusceptível de reabilitação.
Em relação à carência, nos termos do artigo 26, inciso II, da Lei nº 8.213/91, dela está dispensado o requerente nos casos em que a incapacidade é decorrente de acidente de qualquer natureza ou causa, de doença profissional ou do trabalho, ou ainda das doenças e afecções elencadas no artigo 151 da mesma lei.
Como se vê, para a obtenção dos benefícios por incapacidade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) qualidade de segurado, (ii) cumprimento da carência, quando for o caso, e (iii) incapacidade laboral.
No caso dos autos, o exame médico, realizado pelo perito oficial em 29/12/2016, constatou que a parte autora, ceramista, idade atual de 45 anos, não está incapacitada para o exercício de atividade laboral, como se vê do laudo juntado às fls. 91/93:
"1.) Qual a atividade laborativa atual da parte autora? Caso esteja afastada, qual a atividade laborativa anterior ao afastamento? Quais documentos comprovam essa atividade habitual (indica-los expressamente no laudo)?" (fl. 60 ) |
Resp.: "1. Ceramista em fabrica de refratários. Carteira de trabalho." (fl. 92) |
"2.) O examinado é portador de alguma doença ou lesão?" (fl. 60) |
Resp.: "2. Sim." (fl. 92) |
"3.) Quais as patologias observadas no(a) autor(a) ?" (fl. 60) (grifos meus) |
Resp.: "3. Sequela de lesão ombro direito. A) Luxação acromioclavicular ombro direito. (S431). Dor mais deformidade em ombro quando do trauma. B) Tendinopatia ombro direito (M65) pós traumática. Dor principalmente aos movimentos de abdução e rotação interna e externa do ombro. Pode ou não ocorrer piora noturna." (fl. 92) (grifos meus) |
"4.) Tais patologias ensejam incapacidade laborativa para a função habitual do(a) autor(a)?" (fl. 60) |
Resp.: "4. Não." (fl. 92) |
"5.) Tais patologias ensejam incapacidade laborativa para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta a subsistência?" (fl. 60) |
Resp.: "5. Não." (fl. 92) |
"7.) Em que critério técnico a perícia se baseou para a definição de incapacidade e seu estadiamento?" (fl.60 ) (grifos meus) |
Resp.: "7. Periciado não pode realizar nenhuma atividade remunerada digna que supra suas necessidades básicas." (fl. 92) (grifos meus) |
"14.) No caso de incapacidade total para a função laborativa habitual, o(a) autor(a) é passível de reabilitação profissional? Tem ela condições de exercer uma atividade que exija menos esforço físico? Dentro das atividades habituais da requerente, quais estaria ela apta a realizar, como por exemplo: cuidar da casa, digitar, dirigir, carregar pesos, realizar rotinas de escritório, etc.?" (fl. 61) |
Resp.: "14. Prejudicado. Autor apto ao seu trabalho." (fl. 93) |
"20.) Conforme o anexo 3 da Norma Regulamentar 15 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, a função laborativa habitual do(a) autor(a) é considerada de que forma: de natureza leve, moderada ou pesada?" (fl. 61 ) |
Resp.: "20. Pesada." (fl. 93) |
"CONCLUSÃO PERICIAL |
O periciado não apresenta incapacidade laborativa." (fl. 93) (grifos meus) |
Como se vê, o laudo pericial não pode subsistir, pois o perito judicial, ao avaliar se a parte autora está ou não incapacitada para o trabalho, embasou-se em critério totalmente equivocado, pois considerou que, para a concessão de auxílio-doença, a incapacidade deve ser total para o exercício de qualquer atividade que lhe garanta o sustento.
Além do mais, intimada a se manifestar a respeito do laudo pericial, a parte autora alegou que o perito nomeado pelo Juízo está sendo processado por erro médico em diversos casos, trazendo, aos autos, documentos que embasam as suas alegações, na medida em que colocam em dúvida a capacidade técnica do profissional.
Na verdade, pairando dúvidas acerca da idoneidade e da capacidade técnica do perito nomeado pelo Juízo para produzir um laudo eficaz e confiável, encontra-se justificada a necessidade da realização de nova perícia judicial por outro profissional.
Assim, ao julgar o feito, sem propiciar a realização de nova perícia, o Juízo "a quo" vulnerou o princípio da ampla defesa, insculpido no artigo 5º da Constituição Federal, que diz:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. |
Desse modo, o julgamento da lide, sem a realização de nova perícia por outro profissional, requerida pela parte de forma expressa e justificada, consubstanciou-se em evidente cerceamento do direito constitucional à ampla defesa.
Cabe lembrar, nesse sentido, anotação jurisprudencial dos ilustres THEOTÔNIO NEGRÃO et alii, em seu Código de Processo Civil e legislação processual em vigor (São Paulo, Saraiva, 2013, nota "6" ao artigo 130 do Código de Processo Civil, pág. 261):
Indeferimento imotivado de prova importa cerceamento de defesa. |
"O indeferimento de realização de provas, possibilidade oferecida pelo art. 130 do CPC, não está ao livre arbítrio do juiz, devendo ocorrer apenas, e de forma motivada, quando forem dispensáveis e de caráter meramente protelatório" (STJ-1ª T., REsp 637.547, Min. José Delgado, j. 10.8.04, DJU 13.9.04). |
O julgamento antecipado da lide deve acontecer quando evidenciada a desnecessidade de produção de prova; de outro modo, caracterizado fica o cerceamento de defesa" (RSTJ 48/405). |
"Se a pretensão do autor depende da produção da prova requerida, esta não lhe pode ser negada, nem reduzido o âmbito de seu pedido com um julgamento antecipado, sob pena de configurar-se uma situação de autêntica denegação de Justiça" (RSTJ 21/416). No mesmo sentido: RJM 189/95 (AP 1.0027.07.134463-7/001). |
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao apelo, para anular a sentença, caracterizado o cerceamento de defesa, e determinar o retorno dos autos à Vara de origem, para que se dê prosseguimento ao feito, com a nomeação de outro perito e a realização de nova perícia, abrangendo análise técnica e pormenorizada de todos os pontos controvertidos.
É COMO VOTO.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
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| Data e Hora: | 15/08/2018 18:01:37 |
