
| D.E. Publicado em 05/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0031172-18.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Proposta ação de conhecimento de natureza previdenciária, objetivando o restabelecimento da aposentadoria por idade rural n.º 083.247.484-3/41, desde a suspensão, ocorrida em 24/06/2015, bem como o pagamento integral dos valores atrasados, sobreveio sentença de procedência do pedido, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC/15, condenando o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a restabelecer o benefício da parte autora, com pagamento das diferenças, acrescidas de correção monetária e juros de mora e honorários advocatícios fixados no percentual de 15% sobre as parcelas vencidas até a sentença.
A r. sentença não foi submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia previdenciária interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma da r. sentença, sustentando, em síntese, que a má-fé afasta a aplicação do prazo decadencial para anulação dos atos.
Com contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Recebo o recurso de apelação, haja vista que tempestivo, nos termos do artigo 1.010 do novo Código de Processo Civil, ressalvando que a apelação tem efeito suspensivo, salvo no tocante à concessão da tutela provisória (art. 1012, caput e § 1º, inciso V, do referido código), como é o caso dos autos.
Objetiva o restabelecimento da aposentadoria por idade rural n.º 083.247.484-3/41, concedida em 09/10/91 (fl. 89), desde a suspensão, ocorrida em 01/07/2015 (fl. 17), bem como o pagamento integral dos valores atrasados.
Dispõe o artigo 69 da Lei nº 8.212/91:
"Art. 69. O Ministério da Previdência e Assistência Social e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS manterão programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios da Previdência Social, a fim de apurar irregularidades e falhas existentes."
No mesmo sentido, reza a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial."
Assim, constatada eventual ilegalidade na manutenção, deve a autarquia tomar as providências cabíveis para o seu cancelamento, respeitado o devido processo legal.
Nesse sentido, foi editada a Súmula 160 do extinto Tribunal Federal de Recursos:
"Súmula 160 - A suspeita de fraude na concessão de benefício previdenciário não enseja, de plano, a sua suspensão ou cancelamento, mas dependerá de apuração em processo administrativo."
Como visto, o INSS não está tolhido de corrigir ato concessório de benefício editado com flagrante vício que constitua burla a legislação previdenciária, mas deverá assegurar ampla defesa e contraditório antes de suspender ou cancelar o benefício. Todavia, diante do princípio da segurança jurídica, o poder de autotutela do Estado encontra-se limitado por prazos decadenciais previstos na legislação previdenciária.
A previsão do prazo decadencial de todo e qualquer direito ou ação para a revisão do ato de concessão de benefício, adveio com a 9ª reedição da MP nº 1.523, de 27/06/1997, convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/97, que veio a fixar em seu artigo 103, o prazo decadencial de 10 (dez) anos, verbis:
"Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo."
Posteriormente, a Lei nº 9.784, de 29/01/99, em seu artigo 54 disciplinou o prazo decadencial quinquenal para anulação dos atos administrativos.
"Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato."
Com o advento da MP nº 138, de 19/11/2003, foi introduzido no regramento previdenciário - Lei n. 8.213/91 - o artigo 103-A, que trata da hipótese de revisão dos atos administrativos, convolando-se tal MP na Lei nº 10.839/04, cujo teor transcrevo:
"Art. 103-A. O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé."
Com efeito, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.114.938/AL, orientou-se no sentido de que é de dez anos o prazo decadencial para o INSS proceder à revisão do ato concessório, no que toca aos benefícios concedidos anteriormente ao advento da Lei nº 9.784 /99, a contar da vigência desta lei (01/02/1999), verbis:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DA RENDA MENSAL INICIAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CONCEDIDOS EM DATA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 9.787/99. PRAZO DECADENCIAL DE 5 ANOS, A CONTAR DA DATA DA VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. ART. 103-A DA LEI 8.213/91, ACRESCENTADO PELA MP 19.11.2003, CONVERTIDA NA LEI 10.839/2004. AUMENTO DO PRAZO DECADENCIAL PARA 10 ANOS. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NO ENTANTO.
1. A colenda Corte Especial do STJ firmou o entendimento de que os atos administrativos praticados antes da Lei 9.784/99 podem ser revistos pela Administração a qualquer tempo, por inexistir norma legal expressa prevendo prazo para tal iniciativa. Somente após a Lei 9.784/99 incide o prazo decadencial de 5 anos nela previsto, tendo como termo inicial a data de sua vigência (01.02.99).Ressalva do ponto de vista do Relator.
2. Antes de decorridos 5 anos da Lei 9.784 /99, a matéria passou a ser tratada no âmbito previdenciário pela MP 138, de 19.11.2003, convertida na Lei 10.839/2004, que acrescentou o art. 103-A à Lei 8.213/91 (LBPS) e fixou em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários.
3. Tendo o benefício do autor sido concedido em 30.7.1997 e o procedimento de revisão administrativa sido iniciado em janeiro de 2006, não se consumou o prazo decadencial de 10 anos para a Autarquia Previdenciária rever o seu ato.
4. Recurso Especial do INSS provido para afastar a incidência da decadência declarada e determinar o retorno dos autos ao TRF da 5a. Região, para análise da alegada inobservância do contraditório e da ampla defesa do procedimento que culminou com a suspensão do benefício previdenciário do autor." (STJ - REsp 1.114.938/AL, Terceira Seção, Rel. Min. NAPOLEAÕ NUNES MAIA FILHO, j. 14/04/2010, v.u., DJE: 02/08/2010)
Nesse sentido, jurisprudência desta Décima Turma:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. DECADÊNCIA PARA A ADMINISTRAÇÃO. ART. 103-A, DA LEI N. 8.213/91. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O INSS tem o prazo decadencial de 10 anos para rever os seus atos de que decorram efeitos favoráveis a seus beneficiários. Aplicação do Art. 103-A, da Lei 8.213/91.
2. Concedida a aposentadoria por idade em 09.10.2003, não decaiu a autarquia do direito de rever o ato administrativo de concessão do benefício, que gerou vantagem ao segurado.
3. Apelação desprovida." (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0013514-27.2010.4.03.6183/SP, Rel. Baptista Pereira, DJe 27/10/2016)
Pela análise do conjunto probatório constante dos autos, é possível aferir indícios de fraude na concessão do benefício, visto que os documentos apresentados com o requerimento de concessão do benefício (CTPS - fl. 79 e Certidão de Casamento - fl. 81) estavam rasurados, constando a data de nascimento como 22/11/1935, data que foi posteriormente confirmada pela parte autora no ato da entrevista, conforme documento de fl. 77, sendo que a data de nascimento correta é de 22/11/1937 (fl. 9).
Na hipótese de existência de má-fé, como no caso dos autos, a regra do artigo 103-A da Lei nº 8213/91 é expressa ao afastar a decadência do direito de revisão da Administração Pública.
Reporto-me às jurisprudências da Sétima e Oitava Turmas desta E. Corte:
"PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECÁLCULO DA RMI. EXISTÊNCIA DE FRAUDE. COBRANÇA ADMINISTRATIVA. DESCONTO APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA. 1. A Administração, em atenção ao princípio da legalidade, pode e deve anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, vez que ela tem o poder-dever de zelar pela sua observância. Tal anulação independe de provocação do interessado. Nesse sentido a posição jurisprudencial do C. STF, expressa nas Súmulas 346 e 473. 2. Caso em que, restou assegurado à parte autora o contraditório e a ampla defesa, consoante cópias do processo administrativo. 3. Prevalecendo o prazo decadencial decenal, a decadência do direito à revisão do benefício não se consumou, não apenas pela existência de fraude como também pelo fato de que o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em 13/12/2001 e a comunicação da revisão realizada em 21/06/2006. 4. Constatada a existência de fraude (inexistência de vínculo trabalhista) na apuração da RMI na data da concessão do benefício, é devida a revisão de benefício previdenciário na forma em que efetivada pela autarquia. 5. Na espécie, uma vez que não restou caracterizado erro administrativo (e, portanto, boa-fé da parte autora), mas sim efetiva fraude (lançamento de vínculo laboral inexistente), os valores recebidos de forma indevida pela parte autora devem ser devolvidos ao erário, com o desconto do valor do benefício mensal pago ao segurado, cabendo confirmar a r. sentença, nos termos em que proferida. 6. Apelação da parte autora improvida." (AC 00086305820114036105, DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. FRAUDE. MÁ-FÉ COMPROVADA. CABÍVEL A DEVOLUÇÃO. I- Neste caso, não há que se falar em prescrição, pois a concessão do benefício decorreu de fraude. Ressalte-se que o art. 103-A, da Lei nº 8.213/91, determina que o direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. II- Afastada a prescrição reconhecida, a anulação da sentença é medida que se impõe. Na hipótese enfocada, a prolação de sentença nula não impede a apreciação do pedido por esta Corte. Trata-se de questão exclusivamente de direito, portanto, em condições de imediato julgamento, cujo conhecimento atende aos princípios da celeridade e da economia processual, bem como encontra respaldo na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII, com a redação dada pela EC 45/04) e na legislação adjetiva (art. 1013, § 3º, inciso II, do CPC). III- In casu, restou comprovado que houve fraude na concessão do benefício, consistente na inserção indevida de vínculo empregatício no sistema da autarquia, através de esquema criminoso perpetrado por quadrilha devidamente condenada em ação penal. Assim, não há dúvida de que houve apropriação indébita de valores do poder público, a ensejar o enriquecimento ilícito da parte, de modo a autorizar a restituição das quantias recebidas, a título de auxílio-doença (NB 31/515.318.656-0), no período de 16/11/05 a 31/08/07 IV- Apelação do INSS provida. Prejudicada apelação da parte ré."(Ap 00116960720154036105, DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS, TRF3 - OITAVA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/07/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Ressalte-se que a modificação da data de nascimento, com antecipação de dois anos da correta, foi essencial para a concessão do benefício na oportunidade do requerimento administrativo, em 09/10/91 (fl. 89), já que a beneficiária só passou a contar com o requisito etário em razão da fraude perpetrada nos supracitados documentos.
Por outro lado, considerando que a controvérsia dos autos se restringe ao preenchimento do requisito etário, restando os demais requisitos para a concessão da aposentadoria por idade rural devidamente reconhecidos administrativamente e, portanto, incontroversos, é assente que o benefício seria devido a partir de 22/11/1992, quando a parte autora completaria a idade exigida de 55 anos.
Assim sendo, embora indevido na data de concessão inicial, o benefício se tornou cabível supervenientemente, sendo de rigor o restabelecimento do benefício da parte autora.
Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, na forma da fundamentação adotada.
É o voto.
LUCIA URSAIA
Desembargadora Federal Relatora
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