Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000423-40.2020.4.03.6114
Relator(a)
Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
21/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 26/08/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM
APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO.
ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição. Matéria preliminar
rejeitada.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
- Demonstrada a exposição habitual e permanente a níveis de ruído superiores aos limites de
tolerância previstos nas normas regulamentares, o que possibilita o reconhecimento da
especialidade.
- A parte autora faz jus à convolação do benefício em aposentadoria especial, nos termos do
artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Termo inicial da revisão do benefício em aposentadoria especial corresponde à data do
requerimento na via administrativa, consoante entendimento sedimentado no STJ.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data
da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o
valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.
85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000423-40.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE LOPES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: ANANIAS PEREIRA DE PAULA - SP375917-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000423-40.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE LOPES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: ANANIAS PEREIRA DE PAULA - SP375917-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte autora pleiteia o
enquadramento de atividade especial, com vistas à revisão de aposentadoria por tempo de
contribuição em aposentadoria especial.
A sentença, integrada por embargos de declaração, julgou procedente o pedido para: (i)
reconhecer a especialidade dos intervalos de 3/12/1998 a 1º/11/2000 e de 1º/8/2007 a 2/3/2012;
(ii) determinar a concessão do benefício de aposentadoria especial, fixados os consectários e
antecipados os efeitos da tutela jurídica.
Inconformada, a autarquia interpôs recurso de apelação, no qual, preliminarmente, suscita a
necessidade da remessa oficial. No mérito, alega, em síntese, a impossibilidade dos
enquadramentos efetuados e suscita a reforma da decisão a quo, com a improcedência dos
pedidos. Subsidiariamente, impugna a data de início do benefício e por fim, prequestiona a
matéria para fins recursais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000423-40.2020.4.03.6114
RELATOR:Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JOSE LOPES DE ARAUJO
Advogado do(a) APELADO: ANANIAS PEREIRA DE PAULA - SP375917-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Insta frisar não ser o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na
vigência do atual CPC, cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição
quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.
Neste caso, à evidência, esse montante não é alcançado.
Assim, rejeito a matéria preliminar.
Passo à análise das questões de mérito trazidas a julgamento.
Do enquadramento de período especial
Editado em 3 de setembro de 2003, o Decreto n. 4.827 alterou o artigo 70 do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999, o qual passou a ter a
seguinte redação:
"Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade
comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:
(...)
§ 1º A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais
obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de
atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período."
Por conseguinte, o tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum,
observada a legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado. Além disso, os
trabalhadores assim enquadrados farão jus à conversão dos anos trabalhados a "qualquer
tempo", independentemente do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da
aposentadoria.
Ademais, em razão do novo regramento, encontram-se superadas a limitação temporal, prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998, e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
Nesse sentido: STJ, REsp 1010028/RN, 5ª Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
28/2/2008, DJe 7/4/2008.
Cumpre observar que antes da entrada em vigor do Decreto n. 2.172, de 5 de março de 1997,
regulamentador da Lei n. 9.032, de 28 de abril de 1995, não se exigia (exceto em algumas
hipóteses) a apresentação de laudo técnico para a comprovação do tempo de serviço especial,
pois bastava o formulário preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030) para atestar a
existência das condições prejudiciais.
Nesse particular, a jurisprudência majoritária, tanto nesta Corte quanto no Superior Tribunal de
Justiça (STJ), assentou-se no sentido de que o enquadramento apenas pela categoria
profissional é possível tão somente até 28/4/1995 (Lei n. 9.032/1995). Nesse sentido: STJ, AgInt
no AREsp 894.266/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
6/10/2016, DJe 17/10/2016.
Contudo, tem-se que, para a demonstração do exercício de atividade especial cujo agente
agressivo seja o ruído, sempre houve a necessidade da apresentação de laudo pericial,
independentemente da época de prestação do serviço.
Nesse contexto, a exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a
edição do Decreto n. 2.172/1997, que majorou o nível para 90 decibéis. Isso porque os Decretos
n. 83.080/1979 e 53.831/1964 vigoraram concomitantemente até o advento do Decreto n.
2.172/1997.
Com a edição do Decreto n. 4.882, de 18 de novembro de 2003, o limite mínimo de ruído para
reconhecimento da atividade especial foi reduzido para 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação
aos itens 2.0.1, 3.0.1 e 4.0.0 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo
Decreto n. 3.048/1999).
Quanto a esse ponto, à míngua de expressa previsão legal, não há como conferir efeito retroativo
à norma regulamentadora que reduziu o limite de exposição para 85 dB(A) a partir de novembro
de 2003.
Sobre essa questão, o STJ, ao apreciar o Recurso Especial n. 1.398.260, sob o regime do art.
543-C do CPC, consolidou entendimento acerca da inviabilidade da aplicação retroativa do
decreto que reduziu o limite de ruído no ambiente de trabalho (de 90 para 85 dB) para
configuração do tempo de serviço especial (julgamento em 14/05/2014).
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida
na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico, de condições
ambientais do trabalho quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o
enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de
repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não
haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou
dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se
optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído
acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no
Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão
somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas
instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação
não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Em relação ao Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo art. 58, § 4º, da Lei n.
9.528/1997, este é emitido com base em laudo técnico elaborado pelo empregador, retrata as
características do trabalho do segurado e traz a identificação do profissional legalmente habilitado
pela avaliação das condições de trabalho, apto, portanto, a comprovar o exercício de atividade
sob condições especiais.
Além disso, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É
certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as
circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se com o decorrer do
tempo.
De início, ressalta-se que já houve enquadramento administrativo do período de 1º/7/1985 a
2/12/1998, restando, portanto, incontroverso.
Nesse caso, em relação aos intervalos de 3/12/1998 a 1º/11/2000 e de 1º/8/2007 a 2/3/2012, a
parte autora logrou demonstrar, via PPP, exposição habitual e permanente a ruído em níveis
superiores aos limites de tolerância previstos nas normas regulamentares (códigos 1.1.5 do
anexo do Decreto n. 53.831/1964, 1.1.6 do anexo do Decreto n. 83.080/1979 e 2.0.1 dos anexos
dos Decretos n. 2.172/1997 e n. 3.048/1999).
Da análise dos respectivos documentos, constata-se que a parte autora esteve permanentemente
exposta a ruído superior aos limites de tolerância previstos na norma em comento. Ademais, a
avaliação da pressão sonora é obtida através da composição das várias atividades desenvolvidas
pelo trabalhador durante a jornada laboral, de modo que resta demonstrada a habitualidade e
permanência.
Destaca-se, por oportuno, que o labor especial não pode ser afastado em razão da metodologia
utilizada para a aferição do ruído. O registro ambiental constante do Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP, expedido por engenheiro ou médico do trabalho, indica a metodologia
usada para medição, sendo que a fidedignidade das informações está sob a responsabilidade do
empregador ou de seu representante legal. Nesse sentido, já decidiu a 3ª Seção deste Tribunal:
Ap - APELAÇÃO - 5000006-92.2017.4.03.6114, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA
PRADO SOARES, julgado em 21/6/2018, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 28/6/2018.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas
nos lapsos supracitados, restando mantida a decisão recorrida neste aspecto.
Nessas circunstâncias, considerando o período já reconhecido pelo INSS, acrescido dos lapsos
especiais reconhecidos judicialmente, a parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em
atividade especial até a DER e, desse modo, faz jus à convolação do benefício em aposentadoria
especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Os efeitos financeiros da revisão do benefício em aposentadoria especial correspondem à data do
requerimento na via administrativa (DER/DIB 2/3/2012), consoante entendimento sedimentado no
STJ.
Fica mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majoro
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data
da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o valor da condenação ou do
proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma
à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, rejeito a matéria preliminar e nego provimento à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM
APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO.
ENQUADRAMENTO. REQUISITO TEMPORAL PREENCHIDO.
- A sentença proferida no CPC vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a
1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição. Matéria preliminar
rejeitada.
- O tempo de trabalho sob condições especiais poderá ser convertido em comum, observada a
legislação aplicada à época na qual o trabalho foi prestado (art. 70 do Decreto n. 3.048/1999, com
a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003). Superadas, portanto, a limitação temporal prevista
no artigo 28 da Lei n. 9.711/1998 e qualquer alegação quanto à impossibilidade de
enquadramento e conversão dos lapsos anteriores à vigência da Lei n. 6.887/1980.
- O enquadramento apenas pela categoria profissional é possível tão-somente até 28/4/1995 (Lei
n. 9.032/1995). Precedentes do STJ.
- A exposição superior a 80 decibéis era considerada atividade insalubre até a edição do Decreto
n. 2.172/97, que majorou o nível para 90 decibéis. Com a edição do Decreto n. 4.882, de
18/11/2003, o limite mínimo de ruído para reconhecimento da atividade especial foi reduzido para
85 decibéis, sem possibilidade de retroação ao regulamento de 1997 (REsp n. 1.398.260, sob o
regime do artigo 543-C do CPC).
- A informação de "EPI Eficaz (S/N)" não se refere à real eficácia do EPI para fins de
descaracterizar a nocividade do agente.
- Demonstrada a exposição habitual e permanente a níveis de ruído superiores aos limites de
tolerância previstos nas normas regulamentares, o que possibilita o reconhecimento da
especialidade.
- A parte autora faz jus à convolação do benefício em aposentadoria especial, nos termos do
artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Termo inicial da revisão do benefício em aposentadoria especial corresponde à data do
requerimento na via administrativa, consoante entendimento sedimentado no STJ.
- Mantida a condenação do INSS a pagar honorários de advogado, cujo percentual majora-se
para 12% (doze por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data
da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§
1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se o
valor da condenação ou do proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art.
85, § 4º, II, do CPC).
- Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar e negar provimento à apelação do INSS, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
