Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6148388-24.2019.4.03.9999
Data do Julgamento
17/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 24/11/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE SERVIÇO CONVERTIDA EM APOSENTADORIA ESPECIAL. EFEITOS DA
REVISÃO. TERMO INICIAL.
1. In casu, considerando que a parte autora já recebe aposentadoria por tempo de contribuição,
resta incontroverso o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.213/91. Note-se que já foi
reconhecido pela autarquia o exercício de atividade especial no período de 01/05/1995 a
05/03/1997, conforme cópias do processo administrativo.
2. A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento do exercício de
atividade especial, nos períodos de 14/10/81 a 30/06/94, 01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a
30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13 a 08/09/14.
3. No presente caso, da análise do laudo judicial (ID 103175446 – pp. 01/18, elaborado em
02/08/2019), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o
exercício de atividades especiais nos períodos de: -14/10/81 a 30/06/94, em que desenvolveu
atividade de trabalhador rural no plantio de cana, na empresa “Agrícola Almeida Ltda.”, estando
exposto de forma habitual e permanente a herbicida (glifosato) e gases/fuligens químicas; -
01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a 30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13 a
08/09/14, em que desenvolveu, respectivamente, as funções de “turbineiro/auxiliar de torno”,
“operador de centrífuga”, “destilador/cozedor”, “cozedor/caldeireiro industrial” e “caldeireiro
industrial”, na empresa “Agroindustrial Vista Alegre S/A”, estando exposto de forma habitual e
permanente: a ruído acima de 90 db (A), com base nos códigos 1.1.6 do Anexo III do Decreto
53.831/64, e nos códigos 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Decreto nº 3.048/99
(Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003); e a agentes químicos (fumos metálicos e hidrocarbonetos
aromáticos), com base nos códigos 1.2.10 e 1.2.11, Anexo I, do Decreto 83.080/79, Anexo IV do
Decreto nº 2.172/97 e código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo
Decreto nº 4.882/03.
4. Restou demonstrada a exposição da parte autora a agentes agressivos à saúde, fazendo jus
ao reconhecimento da atividade especial aos períodos indicados na inicial, bem como a
conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial, considerando que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
o autor perfaz mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho exercido em atividade especial.
5. O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve retroagir à data da concessão do
benefício. Precedentes do STJ.
6. Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6148388-24.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - JUIZ CONVOCADO FERNANDO MARCELO MENDES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMIR RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6148388-24.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMIR RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS,
objetivando a revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 174294327-3
- DIB 09/11/2017), com o reconhecimento do trabalho em condições especiais, para fins de
concessão da aposentadoria especial ou, sucessivamente, majoração da renda mensal inicial.
A r. sentença julgou procedente o pedido, para reconhecer como insalubre atividade laboral
prestada para Agrícola Almeida Ltda. de 14/10/81 a 30/06/94, bem como para a empresa Agro
Industrial Vista Alegre Ltda. de 01/07/94 a 30/04/95, de 06/03/97 a 30/09/04, de 01/10/04 a
27/02/07, de 11/06/07 a 23/05/13 e de 10/08/13 a 08/09/14, conforme laudo pericial juntado aos
autos, com a consequente conversão do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição da
parte autora em aposentadoria especial. Condenou o INSS ao pagamento das diferenças
apuradas, desde o início do benefício, acrescido de correção monetária e juros de mora. Em
razão da sucumbência, anotou que o réu é isento de custas, contudo, arcará com o pagamento
de honorários advocatícios, fixados em 10% do total da condenação (diferenças devidas até a
data da elaboração da conta de liquidação), e eventuais despesas processuais.
Apelou o INSS, alegando, que não restou comprovada a exposição a agente nocivo à saúde,
cabendo reconhecer a improcedência do pedido. Se esse não for o entendimento, requer a
fixação da DIB na data da perícia ou da juntada da nova documentação
Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6148388-24.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: VALDEMIR RODRIGUES DA SILVA
Advogado do(a) APELADO: MARCELO BASSI - SP204334-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular,
motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação
(art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e
inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil.
In casu, considerando que a parte autora já recebe aposentadoria por tempo de contribuição,
resta incontroverso o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.213/91. Note-se que já foi
reconhecido pela autarquia o exercício de atividade especial no período de 01/05/1995 a
05/03/1997, conforme cópias do processo administrativo (ID 103175422 – p. 38).
A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento do exercício de
atividade especial, nos períodos de 14/10/81 a 30/06/94, 01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a
30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13 a 08/09/14.
Atividade especial:
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei nº 3.807/60.
Por sua vez, dispõe o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma
vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições
especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25
(vinte e cinco) anos, conforme dispuser a Lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995).
O critério de especificação da categoria profissional com base na penosidade, insalubridade ou
periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executivo, foi mantido até a edição da Lei nº
8.213/91, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo
seriam consideradas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por
laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então
denominado informativo SB-40.
O Poder Executivo baixou os Decretos números 53.831/64 e 83.080/79, relacionando os serviços
considerados penosos, insalubres ou perigosos.
Embora o artigo 57 da Lei nº 8.213/91 tenha limitado a aposentadoria especial às atividades
profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, o
critério anterior continuou ainda prevalecendo.
De notar que, da edição da Lei nº 3.807/60 até a última CLPS, que antecedeu à Lei nº 8.213/91, o
tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no
decreto baixado pelo Poder Executivo, como penosas, insalubres ou perigosas,
independentemente de comprovação por laudo técnico.
A própria Lei nº 8.213/91, em suas disposições finais e transitórias, estabeleceu, em seu artigo
152, que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física deverá
ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da
legislação em vigor para aposentadoria especial.
Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05/03/1997 (art. 66 e
Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir
da edição da Lei n 9.528, de 10/12/1997.
Destaque-se que o artigo 57 da Lei nº 8.213/91, em sua redação original, deixou de fazer alusão
a serviços considerados perigosos, insalubres ou penosos, passando a mencionar apenas
atividades profissionais sujeitas a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade
física, sendo que o artigo 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original,
estabelecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.
A redação original do artigo 57 da Lei nº 8.213/91 foi alterada pela Lei nº 9.032/95 sem que até
então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas a
condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até
então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. Nesse sentido, confira-
se a jurisprudência: STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg.
28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº
53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação
daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas,
deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel.
Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a
considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído
superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos
tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº
4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente
agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o
entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997
caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo
543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo
que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a
atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A) (STJ, REsp
1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014).
Cabe ressaltar que o fato do laudo/PPP ser extemporâneo não invalida as informações nele
contidas, vez que não afasta a validade de suas conclusões. Ademais, tal requisito não está
previsto em Lei, desse modo seu valor probatório remanesce intacto, haja vista que a Lei não
impõe seja ele contemporâneo ao exercício das atividades.
Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não descaracteriza a natureza
especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os
agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente
reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC nº 2000.03.99.031362-0/SP;
1ª Turma; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11) e do Colendo
Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta
Turma, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 458).
No presente caso, da análise do laudo judicial (ID 103175446 – pp. 01/18, elaborado em
02/08/2019), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o
exercício de atividades especiais nos períodos de:
- 14/10/81 a 30/06/94, em que desenvolveu atividade de trabalhador rural no plantio de cana, na
empresa “Agrícola Almeida Ltda.”, estando exposto de forma habitual e permanente a herbicida
(glifosato) e gases/fuligens químicas;
- 01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a 30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13
a 08/09/14, em que desenvolveu, respectivamente, as funções de “turbineiro/auxiliar de torno”,
“operador de centrífuga”, “destilador/cozedor”, “cozedor/caldeireiro industrial” e “caldeireiro
industrial”, na empresa “Agroindustrial Vista Alegre S/A”, estando exposto de forma habitual e
permanente: a ruído acima de 90 db (A), com base nos códigos 1.1.6 do Anexo III do Decreto
53.831/64, e nos códigos 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Decreto nº 3.048/99
(Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003); e a agentes químicos (fumos metálicos e hidrocarbonetos
aromáticos), com base nos códigos 1.2.10 e 1.2.11, Anexo I, do Decreto 83.080/79, Anexo IV do
Decreto nº 2.172/97 e código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo
Decreto nº 4.882/03.
Cumpre lembrar que a simples manipulação do agente químico elencado, em especial em se
tratando de ' hidrocarbonetos ', gera presunção de risco em razão da exposição a produtos
cancerígenos. A presença da substância no ambiente é suficiente para expor a risco a saúde do
trabalhador, com danos irreversíveis.
Cumpre observar, ainda, que vinha reconhecendo a atividade de trabalhador agropecuário em
lavouras de cana-de-açúcar como especial com base na equiparação à categoria dos
trabalhadores na agropecuária (item 2.2.1 do Anexo II do Decreto n.º 53.831/64). Nesse sentido,
confira-se os seguintes julgados proferidos nesta E. Corte: TRF 3ª Região, AC 1984982/SP, Proc.
Nº 0002152-98.2011.4.03.6116, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos, Processo nº
20116116002152-1-SP, e-DJF3 Judicial 23/12/2015; TRF 3ª Região, Processo n.º
200203990338491, APELREE n.º 823910, 9ª T., Rel. Juíza Fed. Conv. Diana Brunstein, v. u., D:
04/10/2010, DJF3 CJ1: 08/10/2010; Processo n.º 200503990535832, APELREE n.º 1079209, 9.ª
T., Rel. Des. Fed. Nelson Bernardes, v. u., D: 05/07/2010, DJF3 CJ1: 29/07/2010; Processo n.º
200703990307935, APELREE n.º 1210718, 10ª T., Rel. Des. Fed. Sergio Nascimento, v. u., D:
23/06/2009, DJF3 CJ1: 01/07/2009.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei autuado
sob n.º 452/PE, firmou entendimento no sentido de não ser possível equiparar a categoria
profissional de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo ao Decreto n.º 53.831/1964, à
atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-açúcar, conforme julgado cuja
ementa passo a transcrever:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE
ESPECIAL. EMPREGADO RURAL. LAVOURA DA CANA-DE-AÇÚCAR. EQUIPARAÇÃO.
CATEGORIA PROFISSIONAL. ATIVIDADE AGROPECUÁRIA. DECRETO 53.831/1964.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Trata-se, na origem, de Ação de Concessão de
Aposentadoria por Tempo de Contribuição em que a parte requerida pleiteia a conversão de
tempo especial em comum de período em que trabalhou na Usina Bom Jesus (18.8.1975 a
27.4.1995) na lavoura da cana-de-açúcar como empregado rural. 2. O ponto controvertido da
presente análise é se o trabalhador rural da lavoura da cana-de-açúcar empregado rural poderia
ou não ser enquadrado na categoria profissional de trabalhador da agropecuária constante no
item 2.2.1 do Decreto 53.831/1964 vigente à época da prestação dos serviços. 3. Está pacificado
no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da
prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira
Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe
19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC (Tema 694 - REsp 1398260/PR,
Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5/12/2014). 4. O STJ possui precedentes no
sentido de que o trabalhador rural (seja empregado rural ou segurado especial) que não
demonstre o exercício de seu labor na agropecuária, nos termos do enquadramento por categoria
profissional vigente até a edição da Lei 9.032/1995, não possui o direito subjetivo à conversão ou
contagem como tempo especial para fins de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição ou
aposentadoria especial, respectivamente. A propósito: AgInt no AREsp 928.224/SP, Rel. Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 8/11/2016; AgInt no AREsp 860.631/SP, Rel. Ministro
Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 16/6/2016; REsp 1.309.245/RS, Rel. Ministro
Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/10/2015; AgRg no REsp 1.084.268/SP, Rel. Ministro
Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 13/3/2013; AgRg no REsp 1.217.756/RS, Rel. Ministra
Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 26/9/2012; AgRg nos EDcl no AREsp 8.138/RS, Rel. Ministro Og
Fernandes, Sexta Turma, DJe 9/11/2011; AgRg no REsp 1.208.587/RS, Rel. Ministro Jorge
Mussi, Quinta Turma, DJe 13/10/2011; AgRg no REsp 909.036/SP, Rel. Ministro Paulo Gallotti,
Sexta Turma, DJ 12/11/2007, p. 329; REsp 291. 404/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta
Turma, DJ 2/8/2004, p. 576. 5. Pedido de Uniformização de Jurisprudência de Lei procedente
para não equiparar a categoria profissional de agropecuária à atividade exercida pelo empregado
rural na lavoura da cana-de-açúcar." (STJ, 1ª Seção, PUIL 452, relator Ministro Herman
Benjamin, j. 08.05.2019, DJe 14.06.2019)
Por esta razão, incabível o reconhecimento da atividade especial do trabalhador da lavoura de
cana com base exclusivamente na categoria profissional.
No entanto, por outro lado, conforme entendimento adotado pela 7ª Turma desta E. Corte, a
atividade realizada pelo trabalhador rural no corte e cultivo de cana-de-açúcar pode ser
enquadrada como especial com base nos códigos 1.2.11 do Anexo III do Decreto nº 53.831/64,
1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, 1.0.17 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e 1.0.17,
Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, já que suas funções envolvem a exposição excessiva a
produtos químicos nocivos, incluindo hidrocarbonetos presentes na fuligem da palha da cana
queimada, além de inseticidas, pesticidas e defensivos agrícolas.
Nesse sentido, cito recente julgado da 7ª Turma desta E. Corte:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO CONFORME O ESTADO. DESNECESSIDADE
DE MAIS PROVAS. REVISÃO DA RMI DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE
SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO DAS CONDIÇÕES ESPECIAIS. TRABALHADOR
RURAL EM LAVOURA DE CANA-DE-AÇÚCAR. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS. JUROS
E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL.
SUCUMBÊNCIA MÍNIMA DA PARTE AUTORA. 1. Agravo retido não conhecido, nos termos do
artigo 523, § 1º, do CPC/73, vigente à época da interposição. 2. Alegação de cerceamento de
defesa afastada. Documentos hábeis à comprovação das condições de trabalho. 3. São requisitos
para a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição, de acordo com os arts. 52 e 142
da Lei 8.213/91, a carência e o recolhimento de contribuições, ressaltando-se que o tempo de
serviço prestado anteriormente à Emenda Constitucional 20/98 equivale a tempo de contribuição,
a teor do seu art. 4º. 4. Deve ser observada a legislação vigente à época da prestação do
trabalho para o reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado e os meios de
sua demonstração. 5. A especialidade do tempo de trabalho é reconhecida por mero
enquadramento legal da atividade profissional (até 28/04/95), por meio da confecção de
informativos ou formulários (no período de 29/04/95 a 10/12/97) e via laudo técnico ou perfil
profissiográfico previdenciário (a partir de 11/12/97). 6. A atividade do trabalhador rural na cultura
de cana-de-açúcar encontra enquadramento no código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64. É do
senso comum que o plantio e a colheita de cana-de-açúcar, assim como o trato posterior,
requerem intensa atividade física do rurícola, que está associada a riscos ergonômicos e a riscos
de acidentes na operação de equipamentos, bem como na manipulação de insumos, além da
factível exposição habitual e permanente a agentes químicos (pesticidas, herbicidas e
inseticidas). 7. Reconhecidas as atividades especiais, deve o INSS proceder ao recálculo da
renda mensal inicial (RMI) do benefício da parte autora. 8. Juros e correção monetária pelos
índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal
vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a
aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em
20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. 9. Sucumbência mínima da parte autora. Condenação do
INSS ao pagamento de honorários. Aplicação da regra do parágrafo único do artigo 21 do Código
de Processo Civil/73. Exigibilidade condicionada à hipótese prevista no artigo 12 da Lei nº
1.060/50. 10. Agravo retido não conhecido. Preliminar rejeitada e, no mérito, apelação da parte
autora parcialmente provida.”
(ApCiv 0033407-89.2016.4.03.9999, Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES,
TRF3 - 7ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/02/2020)
Dessa forma, restou demonstrada a exposição da parte autora a agentes agressivos à saúde,
fazendo jus ao reconhecimento da atividade especial aos períodos indicados na inicial, bem como
a conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial, considerando
que o autor perfaz mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho exercido em atividade especial.
No tocante ao termo inicial dos efeitos financeiros desta revisão, estes são devidos da data do
início do benefício (09/11/2017).
A propósito, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA ACIDENTÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. RENDA
MENSAL INICIAL. SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO. COMPROVAÇÃO POSTERIOR PELO
EMPREGADO. EFEITOS FINANCEIROS DA REVISÃO. DATA DA CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO.
1. É assente no STJ o entendimento de que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve
retroagir à data da concessão do benefício, uma vez que o deferimento da ação revisional
representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do
segurado, não obstante a comprovação posterior do salário de contribuição. Para o pagamento
dos atrasados, impõe-se a observância da prescrição quinquenal.
2. Agravo Regimental não provido.”
(STJ, AgRg no AREsp 156926/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe
14/06/2012)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
NÃO CARACTERIZAÇÃO. EFEITOS FINANCEIROS DO ATO REVISIONAL. TERMO INICIAL.
DATA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL
NÃO PROVIDO.
1. No presente caso, inexiste a alegada violação do artigo 535 do CPC, pois o Tribunal de origem
se manifestou de forma clara e suficiente acerca do termo inicial dos efeitos financeiros da
revisão da renda mensal inicial.
2. O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão de benefício previdenciário deve retroagir à
data da concessão, uma vez que o deferimento da ação revisional representa o reconhecimento
tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado. Precedentes do STJ.
3. Agravo regimental não provido.”
(STJ, AgRg no REsp 1423030/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 26/03/2014)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
ESPECIAL. REVISÃO DE APOSENTADORIA. EFEITOS FINANCEIROS. DATA DA
CONCESSÃO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.
1. A questão a ser revisitada em agravo regimental cinge-se à definição do termo inicial dos
efeitos financeiros da revisão da RMI do benefício aposentadoria por tempo de contribuição.
2. O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve retroagir à data da concessão do
benefício, uma vez que o deferimento da ação revisional representa o reconhecimento tardio de
um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do segurado, não obstante a comprovação
posterior do salário de contribuição.
3. Agravo regimental não provido.”
(STJ, AgRg no REsp 1467290/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 28/10/2014)
Apliquem-se, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, os critérios estabelecidos
pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à
época da elaboração da conta de liquidação, observando-se o decidido nos autos do RE 870947.
Anote-se, na espécie, a necessidade de ser observada a prescrição quinquenal das parcelas que
antecedem o quinquênio contado do ajuizamento da ação e a obrigatoriedade da dedução, na
fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora na esfera administrativa.
Determino, ainda, a majoração da verba honorária em 2% (dois por cento) a título de
sucumbência recursal, nos termos do §11 do artigo 85 do CPC/2015.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE SERVIÇO CONVERTIDA EM APOSENTADORIA ESPECIAL. EFEITOS DA
REVISÃO. TERMO INICIAL.
1. In casu, considerando que a parte autora já recebe aposentadoria por tempo de contribuição,
resta incontroverso o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.213/91. Note-se que já foi
reconhecido pela autarquia o exercício de atividade especial no período de 01/05/1995 a
05/03/1997, conforme cópias do processo administrativo.
2. A controvérsia nos presentes autos refere-se, portanto, ao reconhecimento do exercício de
atividade especial, nos períodos de 14/10/81 a 30/06/94, 01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a
30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13 a 08/09/14.
3. No presente caso, da análise do laudo judicial (ID 103175446 – pp. 01/18, elaborado em
02/08/2019), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o
exercício de atividades especiais nos períodos de: -14/10/81 a 30/06/94, em que desenvolveu
atividade de trabalhador rural no plantio de cana, na empresa “Agrícola Almeida Ltda.”, estando
exposto de forma habitual e permanente a herbicida (glifosato) e gases/fuligens químicas; -
01/07/94 a 30/04/95, 06/03/97 a 30/09/04, 01/10/04 a 27/02/07, 11/06/07 a 23/05/13 e 10/08/13 a
08/09/14, em que desenvolveu, respectivamente, as funções de “turbineiro/auxiliar de torno”,
“operador de centrífuga”, “destilador/cozedor”, “cozedor/caldeireiro industrial” e “caldeireiro
industrial”, na empresa “Agroindustrial Vista Alegre S/A”, estando exposto de forma habitual e
permanente: a ruído acima de 90 db (A), com base nos códigos 1.1.6 do Anexo III do Decreto
53.831/64, e nos códigos 2.0.1 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e do Decreto nº 3.048/99
(Alterado pelo Decreto nº 4.882/2003); e a agentes químicos (fumos metálicos e hidrocarbonetos
aromáticos), com base nos códigos 1.2.10 e 1.2.11, Anexo I, do Decreto 83.080/79, Anexo IV do
Decreto nº 2.172/97 e código 1.0.3 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo
Decreto nº 4.882/03.
4. Restou demonstrada a exposição da parte autora a agentes agressivos à saúde, fazendo jus
ao reconhecimento da atividade especial aos períodos indicados na inicial, bem como a
conversão da aposentadoria por tempo de serviço em aposentadoria especial, considerando que
o autor perfaz mais de 25 (vinte e cinco) anos de trabalho exercido em atividade especial.
5. O termo inicial dos efeitos financeiros da revisão deve retroagir à data da concessão do
benefício. Precedentes do STJ.
6. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
