D.E. Publicado em 23/06/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento a apelação do segurado, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000193-89.2011.4.03.6117/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de revisão de benefício previdenciário, através de aumento do tempo total de contribuição, e consequente obtenção dos reflexos na renda mensal, em ação ordinária movida por Moisés Leocádio Zarate Vidal, ante o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Contestação do INSS fls. 22/35 em que aduz a ocorrência da decadência em relação à possibilidade de revisão do benefício, e a impossibilidade de conversão do tempo especial em comum, requerendo, ao fim, que o pedido fosse julgado improcedente.
Replica às fls. 48/55.
Sentença às fls. 58/60 pela improcedência do pedido, acatando a prejudicial de decadência.
Apelação do segurado, em que alega não haver ocorrido a decadência, e requerendo, no mérito o julgamento da lide, reconhecendo a procedência do pedido.
Com contrarrazões, subiram os autos a essa corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 14.02.1941, o reconhecimento do exercício de atividades especiais no período de 29/04/1995 a 24/04/2001, estendendo-se a 01/10/2001, com o consequente recálculo do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido, modificando-se data de requerimento administrativo para o referido marco final (D.E.R. 01.10.2001).
Prejudicial de mérito - decadência
No que concerne à alegação de não ocorrência de decadência, assiste razão ao segurado.
É princípio basilar do Direito a segurança jurídica, pelo qual as relações jurídicas devem ser estáveis, sendo que tal exigência de estabilidade se aplica, igualmente, às relações jurídicas entre a Administração e o administrado. Assim sendo, é que foi editada a MP nº 1.523/1997, a qual trouxe o prazo de 10 (dez) anos para a revisão do ato concessivo de benefícios previdenciários, antes inexistente.
Por conseguinte, a referida medida provisória foi convertida em lei (Lei nº 9.528/1997), dando nova redação ao artigo 103, da Lei nº 8.213/1991, incorporando de forma definitiva o novo prazo, ao ordenamento. No entanto, a medida provisória é espécie legislativa que tem força de lei, e rege as relações jurídicas durante o período de sua vigência, razão pela qual, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu, pelo rito do art. 543-C, do Código de Processo Civil, com relação à decadência:
Ademais, segundo entendimento também do Superior Tribunal de Justiça, exarado no julgamento do REsp 1348301/SC, com relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima (Primeira Seção, julgado em 27/11/2013, DJe 24/03/2014), ao instituto da decadência, previsto no artigo 103 da Lei nº 8.213/1991, deve ser dada interpretação restritiva, pois as hipóteses de decadência decorrem ou da lei ou de convenção entre as partes, sendo esta última inexistente.
No caso dos autos, o benefício de aposentadoria por tem de serviço foi concedido em 05.04.2002, com DIB em 25.04.2001. Foi apresentado em 02.04.2003 pedido de revisão administrativa do benefício concedido, procedimento que foi concluído em 25.10.2006, estando, nesse ínterim, interrompido o transcurso do prazo decadencial. Nesse sentido:
Ademais, aplicável ao caso o prazo decadencial de 10 (dez) anos, contado a partida da sua concessão, porque mais benéfico ao segurado, retroagindo a Lei nº 10.839/2004 nesse particular. Portanto, cabível a ação para revisão do benefício, proposta em 28.01.2001, pois não havia decorrido o prazo decenal previsto no já citado diploma legal.
Do Mérito
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que "(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)". Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa ultima data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
Conforme acima destacado, está pacificado no E. STJ (Resp 1398260/PR) o entendimento de que a norma que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação, devendo, assim, ser observado o limite de 90 decibéis no período de 06.03.1997 a 18.11.2003.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
No caso dos autos, os períodos incontroversos em virtude de acolhimento na via administrativa totalizam 32 anos, 05 meses e 0 dias de tempo de contribuição comum (doc. 63 apenso). Portanto, a controvérsia colocada nos autos engloba apenas o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas no período de 29.04.1995 a 25.04.2001.
Ocorre que, no período 29.04.1995 a 25.04.2001, a parte autora a agentes químicos nocivos a sua saúde (doc. 36 apenso), sendo devido o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida, nos termos do código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, e do código 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79, 1.0.19 do Decreto nº 2.172/1997.
Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 34 (trinta e quatro) anos, 11 (onze) meses e 12 (doze) dias de tempo de contribuição até a data do requerimento administrativo (25.04.2001), observado o conjunto probatório produzido nos autos e os fundamentos jurídicos explicitados na presente decisão.
De outro lado, não assiste razão ao INSS, pois há provas nos autos da exposição do segurado a agentes nocivos, e, como dito, não há vedação à conversão do tempo trabalhado em condições especiais para tempo comum, a fim de se obter o benefício.
Destarte, a parte autora faz jus à revisão da sua aposentadoria por tempo de contribuição, apenas para que o tempo de contribuição total reconhecido seja majorado para 34 anos, 11 meses e 12 dias, na data do requerimento administrativo.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e a carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
Na eventualidade do tempo de contribuição ora reconhecido possibilitar a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição segundo as regras da EC nº 20/98, deverá o INSS implantar a melhor hipótese financeira.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013, do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 15% sobre o valor das parcelas vencidas até a sentença de primeiro grau, nos termos da Súmula 111 do E. STJ.
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora já esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo beneficio que entenda ser-lhe mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação de benefícios.
Pedido parcialmente procedente para condenar o réu a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a partir do requerimento administrativo, observada eventual prescrição quinquenal, tudo na forma acima explicitada.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento para a apelação do segurado, julgar parcialmente procedente o pedido e condenar o réu a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição atualmente implantado (NB 42/120.576.058-7), a partir do requerimento administrativo (25.04.2001), observada eventual prescrição quinquenal, tudo na forma acima explicitada.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos da parte autora, Moisés Leocádio Zarate Vidal, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja revisado o benefício de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO em tela, D.I.B. (data de início do benefício) em 25.04.2001 e R.M.I. (renda mensal inicial) a ser calculada pelo INSS, nos termos da presente decisão, tendo em vista os artigos 497 e seguintes do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
É como voto.
NELSON PORFIRIO
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 14/06/2016 16:31:37 |