
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001383-06.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAQUIM RODRIGUES DA MATA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAQUIM RODRIGUES DA MATA
Advogados do(a) APELADO: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001383-06.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAQUIM RODRIGUES DA MATA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAQUIM RODRIGUES DA MATA
Advogados do(a) APELADO: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação de conhecimento proposta em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na qual a parte autora pleiteia o reconhecimento de tempo de serviço especial, com vistas à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial.
A sentença, integralizada por embargos de declaração, julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a especialidade dos períodos de 1º/2/1996 a 2/12/1998 e 5/3/2010 a 17/4/2010. Por fim, determinou a conversão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, desde a data do requerimento administrativo (DER: 8/5/2012), observada a prescrição quinquenal. Fixados os consectários. Sentença não submetida ao reexame necessário.
Inconformada, a autarquia interpôs apelação, na qual impugna o enquadramento especificamente do interstício de 5/3/2010 a 17/4/2010 e requer a improcedência do pedido. Subsidiariamente, requer a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Prequestiona a matéria para fins recursais.
Não resignada, a parte autora também interpôs apelação, na qual requer o reconhecimento da especialidade de 21/2/1986 a 20/7/1986 e a condenação da autarquia, de forma exclusiva, em honorários sucumbenciais.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001383-06.2020.4.03.6143
RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA
APELANTE: JOAQUIM RODRIGUES DA MATA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAQUIM RODRIGUES DA MATA
Advogados do(a) APELADO: DIEGO DE TOLEDO MELO - SP322749-A, ERICA CILENE MARTINS - SP247653-N, PATRICIA CONTE - SP424051-A
V O T O
O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.
Inicialmente, não é o caso de ter por interposta a remessa oficial, pois a sentença foi proferida na vigência do atual Código de Processo Civil (CPC), cujo artigo 496, § 3º, I, afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos.
No caso, à evidência, esse montante não é alcançado, devendo a certeza matemática prevalecer sobre o teor da Súmula n. 490 do Superior Tribunal de Justiça.
Adstrito ao princípio que norteia o recurso de apelação (tantum devolutum quantum appellatum), procedo ao julgamento apenas das questões ventiladas na peça recursal.
Da atividade especial
Consoante assente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a caracterização e a comprovação do tempo de atividade exercida sob condições especiais é disciplinada pela lei em vigor à época da prestação laboral.
Ademais, as regras para possível conversão entre tempos de serviço especial e comum é determinada pela legislação vigente na data do preenchimento dos requisitos exigidos à concessão do benefício, independentemente da época de efetivo exercício da atividade.
Nesse sentido, destaco teses fixadas pelo STJ em precedentes vinculantes:
Tema Repetitivo 422: Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991.
Tema Repetitivo 546: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço.
Efetivamente, até a data da promulgação da Emenda Constitucional (EC) n. 103/2019 remanesceu na legislação previdenciária a possibilidade de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum, consoante fatores de conversão indicados no artigo 70 do Decreto n. 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto n. 4.827/2003.
Entretanto, desde a entrada em vigor dessa Emenda (13/11/2019) está vedada a conversão de tempo especial em comum, consoante regra inserta em seu artigo 25, § 2º:
“Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data.”
De fato, a vedação refere-se tão-somente à conversão de tempo e não há impedimento ao reconhecimento de atividade exercida sob condições especiais depois da vigência da EC n. 103/2019, sobretudo por remanescer a possibilidade de obtenção de aposentadoria especial nos termos do seu artigo 19, § 1º, I.
Assim, retomando a questão acerca da caracterização e da comprovação da atividade exercida em condições especiais, tem-se a seguinte evolução normativa:
a) para o período até 28/4/1995, quando vigente a Lei n. 3.807/1960 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n. 8.213/1991, em sua redação original (artigos 57 e 58), é possível o reconhecimento da especialidade do trabalho se houver o enquadramento da categoria profissional nos Decretos n. 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte) e 83.080/1979 (Anexo II), ou na legislação especial, ou se demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor, casos em que sempre se exigiu a aferição mediante perícia técnica);
b) para o período de 29/4/1995 (data de extinção do enquadramento por categoria profissional) até 5/3/1997 (quando vigentes as alterações introduzidas pela Lei n. 9.032/1995 no artigo 57 da Lei n. 8.213/1991), faz-se necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente a apresentação de formulário-padrão preenchido pelo empregador (SB40 ou DSS8030), sem a exigência de embasamento em laudo técnico, salvo ruído e calor;
c) desde 6/3/1997, data da entrada em vigor do Decreto n. 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da Lei n. 8.213/1991 (Lei de Benefícios) pela Medida Provisória n. 1.523/1996 (convertida na Lei n. 9.528/1997): passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos pela apresentação de formulário-padrão, fundado em laudo técnico, ou mediante perícia técnica;
d) após 1º/1/2004, conforme estabelecido na Instrução Normativa INSS/DC n. 99/2003, artigo 148, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pelo artigo 58, § 4º, da Lei n. 9.528/1997, passou a ser indispensável para a análise da atividade especial requerida. Esse documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) e, desde que regularmente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais legalmente habilitados (engenheiro ou médico de segurança do trabalho), responsáveis pelos registros ambientais, exime o segurado da apresentação do laudo técnico em juízo.
A propósito, a lei não exige a contemporaneidade desses documentos (laudo técnico e PPP). É certo, ainda, que em razão dos muitos avanços tecnológicos e da fiscalização trabalhista, as circunstâncias agressivas em que o labor era prestado tendem a atenuar-se no decorrer do tempo.
Do Equipamento de Proteção Individual - EPI
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com amparo na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, fixou as seguintes teses sobre a questão: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente.
Da fonte de custeio
Questões afetas ao recolhimento de contribuições específicas para o custeio da aposentadoria especial, não devem, em tese, influir no reconhecimento da atividade exercida sob condições especiais pelo segurado empregado, à vista dos princípios da solidariedade e da automaticidade (artigo 30, I, da Lei n. 8.212/1991), aplicáveis neste enfoque.
Pelos mesmos motivos, não cabe cogitar de violação à regra inscrita no artigo 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988 (CF/1988).
A propósito, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os benefícios criados diretamente pela própria Constituição, como é o caso do benefício em debate, não se submetem ao comando dessa norma, cuja regra dirige-se à legislação ordinária posterior que venha a criar novo benefício ou a majorar e estender benefício já existente.
Nesse sentido: ADI n. 352-6, Plenário, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 30.10.1997; RE n. 220.742-6, Segunda Turma, Rel. Ministro Néri da Silveira, julgado em 03.03.1998; AI n. 614.268 AgR, Primeira Turma, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, julgado em 20.11.2007.
Do caso concreto
Examinados os autos, verifica-se que é possível o enquadramento, como especial, do interstício de 21/2/1986 a 20/7/1986, uma vez que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) está emitido regularmente, com amparo em laudo técnico, e revela a exposição habitual e permanente ao agente nocivo ruído em níveis superiores ao limite de tolerância previsto nas normas regulamentares, possibilitando o enquadramento no código 1.1.6 do Decreto n. 53.831/1964.
É relevante destacar que o reconhecimento da especialidade em relação a somente um agente nocivo já é suficiente para a sua caracterização.
Quanto ao período 5/3/2010 a 17/4/2010, observa-se que corresponde ao interstício em gozo de auxílio-doença (atualmente denominado “benefício por incapacidade temporária”), decorrente de acidente do trabalho.
Nesse aspecto, controvérsia a respeito da possibilidade de cômputo do período de auxílio-doença como tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ, de que “o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial” (STJ, REsp 1723181/RS e REsp 1759098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019).
Cumpre referir que, no período imediatamente anterior e posterior ao recebimento do citado benefício por incapacidade, a parte autora esteve exposta a agentes nocivos, sendo a especialidade reconhecida administrativamente.
Em síntese, prospera o pleito de reconhecimento do caráter especial das atividades executadas no interregno de 21/2/1986 a 20/7/1986 e no período reconhecido na sentença (5/3/2010 a 17/4/2010), em acréscimo aos demais interstícios incontroversos.
Nessas circunstâncias, somado o período reconhecido aos demais incontroversos, a parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, faz jus à revisão do benefício para a conversão em aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
Deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
Condeno o INSS a pagar honorários de advogado, de forma exclusiva, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC.
Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
Os demais consectários não foram objeto de questionamento nas razões recursais, de modo que se mantêm à luz do julgado a quo.
Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
No que concerne ao prequestionamento suscitado, assinalo não ter havido contrariedade alguma à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Diante do exposto, dou parcial provimento às apelações do INSS e da parte autora, para, nos termos da fundamentação: (i) reconhecer a atividade especial desempenhada no interstício de 21/2/1986 a 20/7/1986; (ii) ajustar os honorários sucumbenciais.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS PREENCHIDOS.
- A sentença proferida no Código de Processo Civil (CPC) vigente cuja condenação ou proveito econômico for inferior a 1.000 (mil) salários mínimos não se submete ao duplo grau de jurisdição.
- Conjunto probatório suficiente para o reconhecimento da especialidade do interregno controvertido (exposição habitual e permanente ao ruído acima do limite de tolerância vigente).
- Controvérsia a respeito da possibilidade de cômputo do período de auxílio-doença como tempo de serviço especial encontra-se pacificada, haja vista a tese firmada no Tema Repetitivo n. 998 do STJ. Mantido o enquadramento.
- A parte autora conta 25 (vinte e cinco) anos de trabalho em atividade especial e, desse modo, faz jus à revisão do benefício para a conversão em aposentadoria especial, nos termos do artigo 57 e parágrafos da Lei n. 8.213/1991.
- Deve ser observada a incompatibilidade de continuidade do exercício em atividade especial, sob pena de cessação da aposentadoria especial, na forma do artigo 57, § 8º, da Lei n. 8.213/1991 e nos termos do julgamento do Tema 709 do STF.
- Condeno o INSS a pagar honorários de advogado, de forma exclusiva, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, excluindo-se as prestações vencidas após a data da sentença, consoante Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 11, do CPC. Todavia, na fase de execução, o percentual deverá ser reduzido se a condenação ou o proveito econômico ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos (art. 85, § 4º, II, do CPC).
- Possíveis valores não cumulativos com o benefício deferido ou recebidos a mais em razão de tutela provisória deverão ser compensados na fase de cumprimento do julgado.
- Apelações da parte autora e do INSS parcialmente providas.
