
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016605-83.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: JOAO STOIANOV, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: AIRTON BONINI - SP296355-A, JOSE VALERIO ALVES - SP419433-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO STOIANOV
Advogados do(a) APELADO: AIRTON BONINI - SP296355-A, JOSE VALERIO ALVES - SP419433-A
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016605-83.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: JOAO STOIANOV, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: AIRTON BONINI - SP296355-A, JOSE VALERIO ALVES - SP419433-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO STOIANOV
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OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de pedido de revisão de aposentadoria ajuizado por João Stoianov em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo qual almeja a majoração da renda mensal inicial do benefício.
Concedido o direito à gratuidade da justiça.
Contestação do INSS.
O pedido foi julgado parcialmente procedente, “[...] para condenar o INSS a: (i) averbar e converter o tempo especial de 19.05.1993 a 31.12.2007 (Armazéns Gerais Columbia - Multilog Brasil – Elog Sudeste S/A); (ii) revisar a aposentadoria por tempo de contribuição (NB 42/158.062.463-1), com pagamento de atrasados desde o pedido administrativo de revisão, em 11.06.2021.” (ID 286131578 – pág. 7).
Apelação interposta pelo INSS, na qual busca, preliminarmente, a submissão da r. sentença à remessa necessária, bem como suspender os efeitos da tutela antecipada. Ainda, sustenta a impossibilidade de reconhecimento de tempo especial, com base em documento não apreciado administrativamente, carecendo o autor de interesse processual. Requer a suspensão do processo, nos termos do Tema 1.124/STJ, ou a extinção do processo, sem resolução do mérito.
Ademais, afirma não ter a parte autora comprovado o exercício de atividade especial no período de 19.05.1993 a 31.12.2007. Subsidiariamente, tenciona fixar a data da revisão do benefício a partir da citação, sendo afastada a sua condenação em honorários de sucumbência e juros de mora.
Apelação apresentada pela parte autora, por sua vez, pretende ver reconhecido o direito à revisão de sua aposentadoria desde a data do requerimento administrativo (DER 29.08.2011).
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016605-83.2023.4.03.6183
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: JOAO STOIANOV, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, JOAO STOIANOV
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OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Pretende a parte autora, nascida em 19.01.1960, o reconhecimento do exercício de atividade especial no período de 19.05.1993 a 31.12.2007, convertendo-o em tempo comum, e a majoração do atual benefício previdenciário, a partir do requerimento administrativo (DER 29.08.2011).
Da remessa necessária.
Anoto que a sentença foi proferida já na vigência do novo Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015 -, razão pela qual se deve observar o disposto no art. 496, §3º, I. No caso dos autos, não obstante a sentença ser ilíquida, é certo que o proveito econômico obtido pela parte autora não superará o valor de 1.000 salários-mínimos.
Neste sentido observo que a 1ª Turma do C. STJ, ao apreciar o REsp 1.735.097/RS, em decisão proferida em 08.10.2019, entendeu que, não obstante a iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos.
Assim, na vigência do Código de Processo Civil/2015, em regra, a condenação em ações previdenciárias não alcança o valor de mil salários-mínimos, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, restando afastado o duplo grau necessário.
Não é o caso, portanto, de submissão da sentença à remessa necessária.
Do efeito suspensivo.
Em relação à suspensão do cumprimento da tutela provisória de urgência concedida na sentença, em face da concessão do efeito suspensivo ao recurso, o pedido não prospera.
É pacífico o entendimento nesta Corte quanto ao cabimento da antecipação dos efeitos da tutela para adiantar total ou parcialmente os efeitos pretendidos pela parte autora ante o caráter alimentar do benefício previdenciário, afastando-se os riscos decorrentes da demora na execução definitiva do julgado (Nesse sentido: AC 0010241-11.2008.4.03.6183/SP, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, e-DJF3 Judicial 1 de 14/11/2014).
Além do mais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da possibilidade de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública em hipóteses como a dos autos (Conforme AgRg no Ag 1230687/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 19.12.2011, e AgRg no Ag 1405103/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 16/02/2012). Nessa esteira:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. PRELIMINAR. TUTELA ANTECIPADA. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO. I - O entendimento de que não é possível a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública, equiparada no presente feito ao órgão previdenciário, está ultrapassado, porquanto a antecipação do provimento não importa em pagamento de parcelas vencidas, o que estaria sujeito ao regime de precatórios. A implantação provisória ou definitiva do benefício, tanto previdenciário como assistencial, não está sujeita à disciplina do artigo 100 da Constituição da República, não havendo, portanto, falar-se em impossibilidade de implantação do benefício perseguido sem o trânsito em julgado da sentença. II - (...). VII - Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS e remessa oficial parcialmente provida.”.
(ApReeNec 5070736-79.2018.4.03.9999, Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, TRF3 - 10ª Turma, Intimação via sistema DATA: 14/06/2019).
Do mérito.
Para elucidação da controvérsia, cumpre distinguir a aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, da aposentadoria por tempo de contribuição, prevista no art. 52 do mesmo diploma legal, pois a primeira pressupõe o exercício de atividade laboral considerada especial, pelo tempo de 15, 20 ou 25 anos, sendo que, cumprido esse requisito, o segurado tem direito à aposentadoria com valor equivalente a 100% do salário-de-benefício (§ 1º do art. 57), não estando submetido à inovação legislativa da EC 20/98, ou seja, inexiste pedágio ou exigência de idade mínima, nem submissão ao fator previdenciário, conforme art. 29, II, da Lei nº 8.213/91. Diferentemente, na aposentadoria por tempo de contribuição pode haver tanto o exercício de atividades especiais como o exercício de atividades comuns, sendo que os períodos de atividade especial sofrem conversão em atividade comum, aumentando assim o tempo de serviço do trabalhador, e, conforme a data em que o segurado preenche os requisitos, deverá se submeter às regras da EC 20/98.
Da atividade especial.
No que se refere à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de contribuição para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95, como a seguir se verifica.
O art. 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original que “(...) A relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física será objeto de lei específica (...)”. Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96, tal dispositivo legal teve sua redação alterada, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, na forma que segue:
“Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.
§ 1º a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
§ 2º Deverão constar do laudo técnico referido no parágrafo anterior informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
§ 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.
§ 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador, e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica deste documento (...)”.
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação foi definida apenas com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV). Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal disposição somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual a apresentação de laudo técnico só pode ser exigida a partir dessa última data. Nesse sentido é o entendimento majoritário do E. STJ:
“PREVIDENCIÁRIO - RECURSO ESPECIAL - APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO - CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM - POSSIBILIDADE - LEI 8.213/91 - LEI 9.032/95 - LAUDO PERICIAL INEXIGÍVEL - LEI 9.528/97.
(...)
- A Lei nº 9.032/95 que deu nova redação ao art. 57 da Lei 8.213/91 acrescentando seu § 5º, permitiu a conversão do tempo de serviço especial em comum para efeito de aposentadoria especial. Em se tratando de atividade que expõe o obreiro a agentes agressivos, o tempo de serviço trabalhado pode ser convertido em tempo especial, para fins previdenciários.
- A necessidade de comprovação da atividade insalubre através de laudo pericial, foi exigida após o advento da Lei 9.528, de 10.12.97, que convalidando os atos praticados com base na Medida Provisória nº 1.523, de 11.10.96, alterou o § 1º, do art. 58, da Lei 8.213/91, passando a exigir a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, mediante formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico das condições ambientais do trabalho, expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho. Tendo a mencionada lei caráter restritivo ao exercício do direito, não pode ser aplicada à situações pretéritas, portanto no caso em exame, como a atividade especial foi exercida anteriormente, ou seja, de 17.11.75 a 19.11.82, não está sujeita à restrição legal.
- Precedentes desta Corte.
- Recurso conhecido, mas desprovido” (STJ; Resp 436661/SC; 5ª Turma; Rel. Min. Jorge Scartezzini; julg. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, pág. 482).
Assim, em tese, pode ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030 (exceto para o agente nocivo ruído, por depender de prova técnica).
Ressalto que os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
Saliento que não se encontra vedada a conversão de tempo especial em comum, exercida em período posterior a 28.05.1998, uma vez que ao ser editada a Lei nº 9.711/98, não foi mantida a redação do art. 28 da Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.98, que revogava expressamente o parágrafo 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91, devendo, portanto, prevalecer este último dispositivo legal, nos termos do art. 62 da Constituição da República.
Quanto ao agente nocivo ruído, o Decreto nº 2.172, de 05.03.1997, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o referido decreto, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 decibéis como agente nocivo à saúde. Com o advento do Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85decibéis (art. 2º, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto nº 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruídos de 85 decibéis, a questão foi levada ao C. Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do Código de Processo Civil (Recurso Especial Repetitivo), fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto nº 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, na forma que segue:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. DESAFETAÇÃO DO PRESENTE CASO.PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL.RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
1. Considerando que o Recurso especial 1.398.260/PR apresenta fundamentos suficientes para figurar como representativo da presente controvérsia, este recurso deixa de se submeter ao rito do art.543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.
2. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
3. O limite de tolerância para configuração da especial idade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, não sendo possível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ.
4. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço especial implica indeferimento do pedido de aposentadoria especial por falta de tempo de serviço.
5. Recurso especial provido” (REsp 1401619/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 05/12/2014).
Dessa forma, é de se considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a nível de ruído superior a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, superiora 90 decibéis e, a partir de então, superior a 85 decibéis.
De outra parte, o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei nº 8.213/91 (incluído pela Lei n. 9.528/97), é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividades em condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
E não afasta a validade de suas conclusões o fato de ter sido o PPP ou laudo elaborado posteriormente à prestação do serviço, vez que tal requisito não está previsto em lei, mormente porque a responsabilidade por sua expedição é do empregador, não podendo o empregado arcar com o ônus de eventual desídia daquele e, ademais, a evolução tecnológica tende a propiciar condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: “i) tese 1 - regra geral: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial; e ii) tese 2 - agente nocivo ruído: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos”.
NO CASO DOS AUTOS, a controvérsia instaurada diz respeito ao reconhecimento da especialidade do trabalho executado pelo autor no período de 19.05.1993 a 31.12.2007.
Pois bem.
Em relação ao período controverso, verifico que a parte autora esteve exposta a intensidade de ruídos acima dos limites legalmente admitidos, bem como a agentes químicos nocivos à saúde, em virtude do contato premente com graxas, querosene, gasolina e óleo lubrificante, conforme PPP de ID 286131558 – pág 90 a ID 286131559 – pág. 2, exercendo, portanto, atividades nocivas à saúde, nos moldes dos códigos 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, códigos 1.1.5 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79 e códigos 1.0.19 e 2.0.1 dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
Ressalta-se que o C. STJ, no tocante à metodologia adequada para aferição do agente ruído, ao julgar os recursos especiais representativos de controvérsia nºs 1.886.795/RS e 1.890.010/RS, fixou a seguinte tese (TEMA 1.083):
“O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço.”.
A fim de melhor visualização da tese definida, colaciono abaixo a ementa do voto proferido pelo Relator, Ministro GURGEL DE FARIA:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTE NOCIVO RUÍDO. NÍVEL DE INTENSIDADE VARIÁVEL. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. METODOLOGIA DO NÍVEL DE EXPOSIÇÃO NORMALIZADO – NEN. REGRA. CRITÉRIO DO NÍVEL MÁXIMO DE RUÍDO (PICO DE RUÍDO). AUSÊNCIA DO NEN. ADOÇÃO.
1. A Lei de Benefícios da Previdência Social, em seu art. 57, § 3º, disciplina que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência, ao segurado que comprovar tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado em lei, sendo certo que a exigência legal de habitualidade e permanência não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho.
2. A questão central objeto deste recurso versa acerca da possibilidade de reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, considerando-se apenas o nível máximo aferido (critério "pico de ruído"), a média aritmética simples ou o Nível de Exposição Normalizado (NEN).
3. A Lei n. 8.213/1991, no § 1º do art. 58, estabelece que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por formulário com base em Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho – LTCAT nos termos da legislação trabalhista.
4. A partir do Decreto n. 4.882/2003, é que se tornou exigível, no LTCAT e no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), a referência ao critério Nível de Exposição Normalizado – NEN (também chamado de média ponderada) em nível superior à pressão sonora de 85 dB, a fim de permitir que a atividade seja computada como especial.
5. Para os períodos de tempo de serviço especial anteriores à edição do referido Decreto, que alterou o Regulamento da Previdência Social, não há que se requerer a demonstração do NEN, visto que a comprovação do tempo de serviço especial deve observar o regramento legal em vigor por ocasião do desempenho das atividades.
6. Descabe aferir a especialidade do labor mediante adoção do cálculo pela média aritmética simples dos diferentes níveis de pressão sonora, pois esse critério não leva em consideração o tempo de exposição ao agente nocivo durante a jornada de trabalho.
7. Se a atividade especial somente for reconhecida na via judicial, e não houver indicação do NEN no PPP, ou no LTCAT, caberá ao julgador solver a controvérsia com base na perícia técnica realizada em juízo, conforme disposto no art. 369 do CPC/2015 e na jurisprudência pátria, consolidada na Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos, observado o critério do pico de ruído.
8. Para os fins do art. 1.039, CPC/2015, firma-se a seguinte tese: "O reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais pela exposição ao agente nocivo ruído, quando constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN). Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que perícia técnica judicial comprove a habitualidade e a permanência da exposição ao agente nocivo na produção do bem ou na prestação do serviço."
9. In casu, o acórdão do Tribunal de origem manteve a sentença que concedeu ao segurado a aposentadoria especial, consignando ser possível o reconhecimento do labor especial por exposição a ruído variável baseado nos picos de maior intensidade, quando não houver informação da média de ruído apurada segundo a metodologia da FUNDACENTRO, motivo pelo qual merece ser mantido.
10. Recurso da autarquia desprovido.”.
(STJ – Primeira Seção – REsp nº 1.886.795/RS, julgado em 18.11.2021, com publicação do acórdão em 25.11.2021).
Em resumo, decidiu o C. STJ não haver imposição normativa de técnica específica para medição da intensidade de ruído antes de 18.11.2003, quando foi editado o Decreto nº 4.882/2003. A partir de tal data, contudo, passou-se a exigir que o ruído fosse aferido pelo Nível de Exposição Normalizado (NEN). Todavia, no caso de inexistir no PPP ou no LTCAT, após 18.11.2003, a indicação do nível de ruído, pela técnica adequada, deverá ser produzida prova pericial, aplicando o perito do juízo critério diverso, qual seja, o pico de ruído.
Sobre o enquadramento dos períodos indicados acima como especiais, tem-se que o trabalho exposto a agente químico cancerígeno constante na Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos (LINACH), divulgada pela Portaria Interministerial nº 9, de 07 de outubro de 2014, editada pelos Ministros do Trabalho e do Emprego, da Saúde e da Previdência Social, é suficiente para a comprovação da atividade especial.
A propósito, o art. 68, §4º, do Decreto nº 3.048/99 preceitua:
"Art. 68. A relação dos agentes químicos, físicos, biológicos, e da associação desses agentes, considerados para fins de concessão de aposentadoria especial, é aquela constante do Anexo IV.
(...)
§ 4o A presença no ambiente de trabalho, com possibilidade de exposição a ser apurada na forma dos §§ 2o e 3o, de agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será suficiente para a comprovação de efetiva exposição do trabalhador". (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
A redação do referido parágrafo foi alterada pelo Decreto n. 10.410/2020, nos seguinte termos :
"§ 4º Os agentes reconhecidamente cancerígenos para humanos, listados pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, serão avaliados em conformidade com o disposto nos § 2º e § 3º deste artigo e no caput do art. 64 e, caso sejam adotadas as medidas de controle previstas na legislação trabalhista que eliminem a nocividade, será descaracterizada a efetiva exposição". (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
No mesmo sentido, o art. 284, parágrafo único, da IN 77/2015 do INSS:
"Para caracterização de períodos com exposição aos agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos em humanos, listados na Portaria Interministerial nº 9 de 07 de outubro de 2014, Grupo 1 que possuem CAS e que estejam listados no Anexo IV do Decreto nº 3.048, de 1999, será adotado o critério qualitativo, não sendo considerados na avaliação os equipamentos de proteção coletiva e ou individual, uma vez que os mesmos não são suficientes para elidir a exposição a esses agentes, conforme parecer técnico da FUNDACENTRO, de 13 de julho de 2010 e alteração do § 4º do art. 68 do Decreto nº 3.048, de 1999".
Sendo assim, somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 41 (quarente e um) anos, 07 (sete) meses e 02 (dois) dias de tempo de contribuição até a data da entrada do requerimento administrativo (DER 29.08.2011), fazendo jus à revisão da sua aposentadoria por tempo de contribuição, para majoração da renda mensal inicial do benefício.
Restaram cumpridos pela parte autora, ainda, os requisitos da qualidade de segurado (art. 15 e seguintes da Lei nº 8.213/91) e carência para a concessão do benefício almejado (art. 24 e seguintes da Lei nº 8.213/91).
A revisão do benefício é devida a partir do requerimento administrativo (DER 29.08.2011), observada a prescrição quinquenal a contar da data do pedido de revisão administrativa (11.06.2021), ou seja, encontram-se prescritas as parcelas que antecedem o dia 11.06.2016.
Indevida a aplicação do Tema n. 1.124/STJ, uma vez que a natureza especial do labor foi reconhecida com base em PPP apresentado na esfera administrativa.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS, e dou parcial provimento à apelação da parte autora, para reconhecer-lhe o direito à revisão da aposentadoria desde a data do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal a partir do pedido de revisão administrativa, fixando, de ofício, os consectários legais, os consectários legais.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. NATUREZA ESPECIAL DA ATIVIDADE LABORADA RECONHECIDA. AGENTES FÍSICOS E QUÍMICOS. RUÍDOS E HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. AUMENTO DO TEMPO TOTAL DE CONTRIBUIÇÃO. REFLEXO NA RENDA MENSAL INICIAL DO BENEFÍCIO. REVISÃO.
1. A aposentadoria por tempo de contribuição, conforme art. 201, § 7º, da constituição Federal, com a redação dada pela EC nº 20/98, é assegurada após 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. No caso, necessária, ainda, a comprovação da carência e da qualidade de segurado.
2. A legislação aplicável para caracterização da natureza especial é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79, até 05.03.1997 e, após, pelos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.049/99.
3. Os Decretos nº 53.831/64 e nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
4. A atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pode ser considerada especial, pois, em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40 e DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
5. É de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruídos superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruídos de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruídos de 85 decibéis.
6. Efetivo exercício de atividades especiais comprovado por meio de formulários de insalubridade e laudos técnicos que atestam a exposição a agentes agressores à saúde.
7. Em relação ao período de 19.05.1993 a 31.12.2007, verifica-se que a parte autora esteve exposta a intensidade de ruídos acima dos limites legalmente admitidos, bem como a agentes químicos nocivos à saúde, em virtude do contato premente com graxas, querosene, gasolina e óleo lubrificante, conforme PPP de ID 286131558 – pág 90 a ID 286131559 – pág. 2, exercendo, portanto, atividades nocivas à saúde, nos moldes dos códigos 1.1.6 e 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64, códigos 1.1.5 e 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79 e códigos 1.0.19 e 2.0.1 dos Decretos nºs 2.172/97 e 3.048/99.
8. Somados todos os períodos comuns e especiais, estes devidamente convertidos, totaliza a parte autora 41 (quarente e um) anos, 07 (sete) meses e 02 (dois) dias de tempo de contribuição até a data da entrada do requerimento administrativo (DER 29.08.2011), fazendo jus à revisão da sua aposentadoria por tempo de contribuição, para majoração da renda mensal inicial do benefício.
9. A revisão do benefício é devida a partir do requerimento administrativo (DER 29.08.2011), observada a prescrição quinquenal a contar da data do pedido de revisão administrativa (11.06.2021), ou seja, encontram-se prescritas as parcelas que antecedem o dia 11.06.2016.
10. Indevida a aplicação do Tema n. 1.124/STJ, uma vez que a natureza especial do labor foi reconhecida com base em PPP apresentado na esfera administrativa.
11. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
12. Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC/2015, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão.
13. Condenado o INSS a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição atualmente implantado, a partir do requerimento administrativo (DER 29.08.2011), observada a prescrição quinquenal das parcelas antecedente à data do pedido de revisão administrativa (11.06.2021), ante a comprovação de todos os requisitos legais.
14. Apelação do INSS desprovida. Apelação da parte autora parcialmente provida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
