Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0006281-02.2019.4.03.6332
Relator(a)
Juiz Federal TAIS VARGAS FERRACINI DE CAMPOS GURGEL
Órgão Julgador
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
12/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 19/11/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE PERÍODOS ESPECIAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA
PERICIAL. INEXISTÊNCIA. EMPRESAS ATIVAS. AGENTES BIOLÓGICOS. PATÓGENOS
INFECTOCONTAGIOSOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. INDISSOCIABILIDADE DA
EXPOSIÇÃO ÀS ATIVIDADES ÍNSITAS AO CARGO. TEMAS 205 E 211/TNU. LABOR EM
AEROPORTO. PERICULOSIDADE. AUSÊNCIA DE AGENTE NOCIVO NO PPP. PROVA
EMPRESTADA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRABALHADOR E FUNÇÕES DISTINTAS.
INCERTEZA ACERCA DAS MESMAS ATIVIDADES E LOCAL DE TRABALHO. CONCEITOS DE
PERICULOSIDADE DA SEARA TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA COM LEITURA
DIFERENTE.
1. Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova pericial
ambiental no caso de empresas ativas, já que a prova idônea a ser apresentada são os
formulários a que a empresa tem obrigação de fornecimento e que eventuais discordâncias em
relação aos seus termos devem ser dirimidas na Justiça do Trabalho.
2. A caracterização de tempo especial por exposição a agentes biológicos, em especial para
atividades não relacionadas no Decreto 2.172/97 e subsequentes, demanda a análise de
exposição a agentes infectocontagiosos e de maneira indissociável do cargo exercido.
Inteligência dos Temas 205 e 211/TNU.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3. A prova emprestada somente tem valor probatório quando relativa à própria parte, ou ainda
quando há equivalência comprovada de época, local de trabalho, cargo exercido e profissiografia
em concreto. Não havendo tais elementos, não pode ser considerada com valor probante.
4. Os conceitos de periculosidade para a caracterização de pagamento de adicional na seara
trabalhista e de tempo especial para concessão de aposentadoria possui leituras distintas,
devendo ser avaliada a habitualidade e permanência e também as previsões constantes da
legislação específica.
5. No caso concreto, não há falar em habitualidade e permanência na exposição a agentes
biológicos patógenos na atividade de auxiliar de serviços gerais de limpeza em aeronave, assim
como não há como caracterizar a periculosidade, não descrita pelo PPP e tendo em vista as
diversas funções exercidas pela parte autora, distintas daquela trazida para o trabalhador em
prova emprestada.
6. Recurso a que se nega provimento.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
14ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006281-02.2019.4.03.6332
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA ROSANGELA CAVALCANTI NASCIMENTO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006281-02.2019.4.03.6332
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA ROSANGELA CAVALCANTI NASCIMENTO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou esta demanda em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, objetivando o reconhecimento de contribuição com sujeição a condições
nocivas em diversos períodos, assim como a revisão do benefício de aposentadoria por tempo
de contribuição, com conversão em aposentadoria especial.
A sentença julgou parcialmente o pedido inicial, reconhecendo como especiais os períodos de
26/03/2004 a 31/10/2005 e 01/11/2005 a 20/03/2006, determinando a revisão da RMI da
aposentadoria por tempo de contribuição.
Inconformada, a parte autora interpôs recurso inominado, alegando, em síntese que houve
cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de provas para os períodos
laborados de 03/01/1996 a 25/03/2004 e 09/07/2007 a 24/01/2018, em especial pericial. Por
outro lado, prosseguiu alegando serem especiais os períodos em questão, o primeiro deles em
razão da exposição a agentes biológicos e o segundo pela periculosidade da atuação em área
de risco aeroportuária.
É o breve relatório.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0006281-02.2019.4.03.6332
RELATOR:41º Juiz Federal da 14ª TR SP
RECORRENTE: MARIA ROSANGELA CAVALCANTI NASCIMENTO
Advogado do(a) RECORRENTE: ROBERTO CARLOS DE AZEVEDO - SP168579-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
De saída, não admito os documentos trazidos pelo autor juntamente com seu recurso aos
autos, na medida em que o momento é inadequado para a inovação probatória, tanto mais
quando não se trata de documentos que podem ser considerados juridicamente novos.
Do cerceamento de defesa
Passo a analisar a eventual existência de cerceamento de defesa alegado pela parte autora.
Em relação às empresas que permanecem em atividade, como é o caso dos autos, a
documentação idônea e prevista na legislação em vigor para comprovação da especialidade
são os formulários e laudos técnicos fornecidos pelos empregadores, que são obrigados a tal,
sob pena das sanções cabíveis.
Foram juntados aos autos os PPPs relativos aos períodos cujo não reconhecimento foi
impugnado pela parte autora, igualmente não sendo o caso de recusa de fornecimento pelos
empregadores, alegando a parte irregularidades e contradições em seus termos que levariam à
necessidade de prova pericial.
Vale ressaltar que a discordância do conteúdo dos formulários que tenham sido regularmente
fornecidos pelos empregadores, por entender errôneo seu teor, deve ser dirimida na Justiça do
Trabalho, uma vez que é questão relativa à relação empregatícia; eventuais contradições ou
erros no preenchimento do PPP, por outro lado, não devem ser esclarecidos por produção de
nova prova pericial, mas pela simples juntada aos autos dos laudos técnicos que embasaram a
confecção do formulário em questão, o que poderia ter sido providenciado pela parte ou
requerido ao Juízo, no caso de recusa de fornecimento pelo empregador, o que não se
observou in casu.
Quanto à possibilidade de uso da prova emprestada, tal questão diz respeito à análise de mérito
dos fatos expostos e será oportunamente abordada.
Afasto, assim, a nulidade da sentença por cerceamento de defesa.
Da caracterização do exercício da Atividade Especial.
Quanto aos critérios legais para o enquadramento, como especiais, das atividades sujeitas ao
Regime Geral de Previdência Social - RGPS, os arts. 58 e 152 da Lei n.º 8.213/91, em sua
redação original, estabeleceram que a relação das atividades consideradas especiais, isto é,
das “atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física”, seria objeto de lei
específica e que, até o advento dessa lei, permaneceriam aplicáveis as relações de atividades
especiais que já vigoravam antes do advento da nova legislação previdenciária.
Assim, por força dos referidos dispositivos legais, continuaram a vigorar as relações de
atividades especiais constantes dos quadros anexos aos Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79,
conforme expressamente reconhecido pelos sucessivos regulamentos da Lei n.º 8.213/91 (cf.
art. 295 do Decreto n.º 357/91, art. 292 do Decreto n.º 611/92 e art. 70, parágrafo único, do
Decreto n.º 3.048/99, em sua redação original).
O fundamento para considerar especial uma determinada atividade, nos termos dos Decretos
n.º 53.831/64 e 83.080/79, era sempre o seu potencial de lesar a saúde ou a integridade física
do trabalhador em razão da periculosidade, penosidade ou insalubridade a ela inerente. Os
referidos decretos classificaram as atividades perigosas, penosas e insalubres por categoria
profissional e em função do agente nocivo a que o segurado estaria exposto. Portanto, uma
atividade poderia ser considerada especial pelo simples fato de pertencer o trabalhador a uma
determinada categoria profissional ou em razão de estar ele exposto a um agente nocivo
específico.
Tais formas de enquadramento encontravam respaldo não apenas no art. 58, como também no
art. 57 da Lei n.º 8.213/91, segundo o qual o segurado do RGPS faria jus à aposentadoria
especial quando comprovasse período mínimo de trabalho prejudicial à saúde ou à atividade
física “conforme a atividade profissional”. A Lei n.º 9.032/95 alterou a redação desse dispositivo
legal, dele excluindo a expressão “conforme a atividade profissional”, mas manteve em vigor os
arts. 58 e 152 da Lei n.º 8.213/91.
A prova da exposição a tais condições foi disciplinada por sucessivas instruções normativas
baixadas pelo INSS, a última das quais é a Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010. Tais
regras tradicionalmente exigiram, relativamente ao período em que vigorava a redação original
dos arts. 57 e 58 da Lei n.º 8.213/91, a comprovação do exercício da atividade especial por
meio de formulário próprio (SB-40/DSS-8030), o qual, somente no caso de exposição aos
agentes nocivos ruído e calor, deveriam ser acompanhados de laudo pericial atestando os
níveis de exposição.
Com o advento da Medida Provisória n.º 1.523/96, sucessivamente reeditada até sua ulterior
conversão na Lei n.º 9.528/97, foi alterada a redação do art. 58 e revogado o art. 152 da Lei n.º
8.213/91, introduzindo-se duas importantes modificações quanto à qualificação das atividades
especiais: (i) no lugar da “relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à
integridade física” passaria a haver uma “relação dos agentes nocivos químicos, físicos e
biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física”, e (ii) essa
relação não precisaria mais ser objeto de lei específica, atribuindo-se ao Poder Executivo a
incumbência de elaborá-la.
Servindo-se de sua nova atribuição legal, o Poder Executivo baixou o Decreto n.º 2.172/97, que
trouxe em seu Anexo IV a relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos a que
refere a nova redação do art. 58 da Lei n.º 8.213/91 e revogou, como consequência, as
relações de atividades profissionais que constavam dos quadros anexos aos Decretos n.º
53.831/64 e 83.080/79. Posteriormente, o Anexo IV do Decreto n.º 2.172/97 foi substituído pelo
Anexo IV do Decreto n.º 3.048/99, que permanece ainda em vigor.
Referida norma, mediante a introdução de quatro parágrafos ao art. 58 da Lei n.º 8.213/91,
finalmente estabeleceu regras quanto à prova do exercício da atividade especial. Passou então
a ser exigida por lei a apresentação de formulário próprio e, ainda, a elaboração, para todo e
qualquer agente nocivo (e não apenas para o caso de ruído), de laudo técnico de condições
ambientais do trabalho expedido por profissional habilitado (médico do trabalho ou engenheiro
de segurança do trabalho).
No que se refere ao uso de tecnologias de proteção aptas a atenuar os efeitos do agente
nocivo, a MP n.º 1.523/96 passou a exigir que constassem do laudo técnico informações
relativas ao uso de equipamentos de proteção coletiva (EPCs). Somente após o advento da Lei
n.º 9.732/98 é que se passou a exigir também a inclusão de informações sobre o uso de
equipamentos de proteção individual (EPIs).
Em relação ao enquadramento por atividade profissional, na alteração materializada pela Lei
9.032/95, editada em 28/04/1995, deixou-se de reconhecer o caráter especial da atividade
prestada com fulcro tão somente no enquadramento da profissão na categoria respectiva,
sendo mister a efetiva exposição do segurado a condições nocivas que tragam consequências
maléficas à sua saúde, conforme dispuser a lei.
Posteriormente, com a edição da MP nº 1.523-9/97, reeditada até a MP nº 1.596-14/97,
convertida na Lei 9.528, que modificou o texto, manteve-se o teor da última alteração (parágrafo
anterior), com exceção da espécie normativa a regular os tipos de atividades considerados
especiais, que passou a ser disciplinado por regulamento.
Da análise da evolução legislativa ora exposta, vê-se que a partir de 28/04/1995, não há como
se considerar como tempo especial o tempo de serviço comum, com base apenas na categoria
profissional do segurado.
Desta forma, para períodos até 28.04.1995, é possível o enquadramento por categoria
profissional, sendo que os trabalhadores não integrantes das categorias profissionais poderiam
comprovar o exercício de atividade especial tão somente mediante apresentação de formulários
(SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030) expedidos pelo empregador, à exceção
do ruído e calor, que necessitam de laudo técnico; de 29.04.1995 até 05.03.1997, passou-se a
exigir a exposição aos agentes nocivos, não mais podendo haver enquadramento com base em
categoria profissional, exigindo-se a apresentação de formulários emitidos pelo empregador
(SB-40, DISES-BE 5235, DSS-8030 e DIRBEN 8030), exceto para ruído e calor, que
necessitam de apresentação de laudo técnico; e a partir de 06.03.1997, quando passou a ser
necessária comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos mediante
formulário, na forma estabelecida pelo INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base
em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou
engenheiro de segurança do trabalho, em qualquer hipótese.
Contudo, a presença do agente nocivo nas condições de trabalho, por si só, não caracteriza a
atividade como especial para fins previdenciários. Além da sua presença é imprescindível que a
exposição tenha ocorrido de modo habitual e permanente e que não tenha sido utilizado
Equipamentos de Proteção Coletiva ou Individual eficazes nos moldes da fundamentação que
segue.
Da necessidade de habitualidade e permanência da exposição aos agentes nocivos.
A Lei 9.032/95, acrescentou o § 3º do art. 57 à Lei 8.213/91, dizendo da necessidade de
habitualidade, permanência e não intermitência da exposição aos agentes nocivos. Como
leciona Fernando Vieira Marcelo, Aposentadoria Especial, 2ª Edição, 2013, Ed.JHMIZUNO, “se
as atividades cuja exposição à nocividade forem alternadas em atividade especial e atividade
comum passam a não ser mais atividade insalubre no âmbito previdenciário”.
A propósito, confira-se o seguinte julgado do E. TRF da 3a Região:
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO PREVISTO NO § 1º DO ART.557 DO
C.P.C..APOSENTADORIAPOR TEMPO DE SERVIÇO. ATIVIDADEESPECIALNÃO
COMPROVADA. I - Restou consignado na decisão agravada que a jurisprudência vem
adotando o entendimento no sentido de que pode, em tese, ser consideradaespeciala atividade
desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da
legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da
denominada atividadeespeciala apresentação dos informativos SB-40, DSS-8030, exceto para o
agente nocivo ruído por depender de prova técnica. II - O adicional de
insalubridade/periculosidade não serve, por si só, para contagem de tempo de forma
diferenciada para fins previdenciários, que exigeexposição habitualepermanentea agentes
nocivos prejudiciais à saúde ou o exercício de atividade tida por perigosa ou risco inerente a
processo produtivo/industrial, situação esta não configurada no caso em análise. III - Agravo da
parte autora improvido (art.557, § 1º, do C.P.C.).” (AC 00127146720084036183, Décima Turma,
rel. Desembargador Federal Sérgio Nascimento, e-DJF3 Judicial 1 19/02/2014).
Do agente ruído e seus limites de tolerância
De início, cumpre destacar que até 05 de março de 1997 o enquadramento como especial, no
caso do agente ruído, é possível quando a exposição for superior a 80dB(A). Por sua vez, a
partir de 6 de março de 1997 (edição do Decreto n.º 2.172, de 5 de março de 1997) até 18 de
novembro de 2003, o enquadramento como especial somente será efetuado quando a
exposição for superior a 90dB(A). Após, ou seja, a partir de 19 de novembro de 2003, o
enquadramento como especial poderá ser efetuado quando a exposição for superior a 85
dB(A).
Confira-se, a respeito desse tema, o seguinte julgado (grifei):
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM DE TEMPO
DE SERVIÇO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. INSALUBRIDADE. SERVENTE E
ESTAMPADOR. EXPOSIÇÃO PERMANENTE E HABITUAL A AGENTES AGRESSIVOS.
RUÍDOS SUPERIORES A 80 DECIBÉIS. COMPROVAÇÃO POR MEIO DE FORMULÁRIO
PRÓPRIO. POSSIBILIDADE ATÉ A VIGÊNCIA DO DECRETO 2.172/97. DISSÍDIO
SUPERADO. INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR Nº 83/STJ. RECURSO ESPECIAL A
QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A controvérsia dos autos reside, em síntese, na possibilidade ou não de se considerar como
especial o tempo de serviço exercido em ambiente de nível de ruído igual ou inferior a 90
decibéis, a partir da vigência do Decreto 72.771/73.
2. In casu, constata-se que o autor, nas funções de servente e de estampador, nos períodos de
1º/8/1973 a 22/6/1983 e de 11/5/1992 a 10/2/1994, respectivamente, trabalhava em condições
insalubres, estando exposto, de modo habitual e permanente, a ruídos superiores a 80 dB,
conforme atestam os formulários SB-40, embasados em laudos periciais.
3. A Terceira Seção desta Corte entende que não só a exposição permanente a ruídos acima
de 90 dB deve ser considerada como insalubre, mas também a atividade submetida a ruídos
acima de 80 dB, conforme previsto no Anexo do Decreto 53.831/64, que, juntamente com o
Decreto 83.080/79, foram validados pelos arts. 295 do Decreto 357/91 e 292 do Decreto 611/92.
4. Dentro desse raciocínio, o ruído abaixo de 90 dB deve ser considerado como agente
agressivo até a data de entrada em vigor do Decreto 2.172, de 5/3/1997, que revogou
expressamente o Decreto 611/92 e passou a exigir limite acima de 90 dB para configurar o
agente agressivo.
5. Não comprovada pelo recorrente a existência do dissídio, na forma do art. 541, parágrafo
único, do CPC, c/c 255 do RISTJ.
6. O aresto impugnado decidiu em conformidade com o entendimento prevalente nesta Corte,
aplicando-se, à espécie, o verbete sumular 83/STJ.
7. Recurso especial a que se nega provimento.” (STJ, Quinta Turma, RECURSO ESPECIAL -
773342/SC, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ 25/09/2006, destacou-se)
Ainda, nesse sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TRABALHADOR
URBANO. RECONHECIMENTO DO TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO DE TEMPO
ESPECIAL EM COMUM. RUÍDO. USO DO EPI NÃO AFASTA A NATUREZA ESPECIAL DA
ATIVIDADE. - A comprovação da atividade insalubre em que o agente agressor é o ruído
sempre dependeu de laudo técnico para o reconhecimento de atividade especial. - A
disponibilidade ou utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) não afasta a
natureza especial da atividade, por não elidir a insalubridade, mas apenas reduzi-la a um nível
tolerável à saúde humana. - A atividade deve ser considerada especial se o agente agressor
ruído estiver presente em níveis superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto nº. 2.172, de
05/03/1997. A partir de então será considerado agressivo o ruído superior a 90 decibéis. Já
depois da edição do decreto nº. 4882/2003, passou a ser considerado agente agressivo o ruído
acima de 85 decibéis (19/11/2003). - Considera-se para fins de contagem de tempo de serviço o
período de trabalho posterior ao ajuizamento da demanda, dado que os fatos constitutivos,
ocorridos no curso do processo, devem ser levados em conta, competindo ao Juiz ou à Corte
atendê-los no momento em que proferir a decisão, tal como sucede nesta demanda em que a
parte autora continuou a trabalhar até pelo menos junho do corrente ano, conforme consulta ao
CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais). - Apelação à qual se dá parcial provimento.
(TRF3, Turma Suplementar da Terceira Seção, AC 200703990204903, Juíza Louise Filgueiras,
DJF3 18/09/2008.).”
Da técnica de aferição do ruído
Em relação a esta questão, a TNU recentemente julgou o processo 0505614-
83.2017.4.05.8300/PE, destacado como representativo da controvérsia consubstanciando o
tema 174, tendo sido firmada a seguinte tese: (a) "A partir de 19 de novembro de 2003, para a
aferição de ruído contínuo ou intermitente, é obrigatória a utilização das metodologias contidas
na NHO-01 da FUNDACENTRO ou na NR-15, que reflitam a medição de exposição durante
toda a jornada de trabalho, vedada a medição pontual, devendo constar do Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP) a técnica utilizada e a respectiva norma"; (b) "Em caso de
omissão ou dúvida quanto à indicação da metodologia empregada para aferição da exposição
nociva ao agente ruído, o PPP não deve ser admitido como prova da especialidade, devendo
ser apresentado o respectivo laudo técnico (LTCAT), para fins de demonstrar a técnica utilizada
na medição, bem como a respectiva norma".
Em referido julgado restou consolidado, como se vê, que para que haja validade nos registros
constantes do PPP, a partir de novembro de 2003, para fins de consideração de período como
especial, é necessária a informação sobre a técnica de aferição e que tenha sido usada a
metodologia da FUNDACENTRO ou da NR-15, que afasta as medições por “pico de ruído”,
realizadas através de decibelímetro.
Por outro lado, para os períodos anteriores à adoção no método da FUNDACENTRO, seja pela
NR-15, seja pela NHO-01, deve ser diverso o tratamento, na medida em que ainda não haviam
sido editadas as normas previdenciárias relativas à forma de medição adequada do ruído.
Ainda a respeito do exato teor do julgado pela TNU, há que se esclarecer que a metodologia
referendada pelo julgado implica no nível do ruído calculado pelo NEN, que não se confunde
com Leq ou Lavg (TWA).
Neste ponto, trago o voto do relator originário do feito na TNU, Dr. Fábio César dos Santos
Oliveira, que nesta parte foi acompanhado pelo voto divergente e vencedor:
“(...)
25. (...), a aferição do agente nocivo ruído no ambiente de trabalho deve seguir os
procedimentos de avaliação estabelecidos pela Fundação Jorge Duprat Figueiredo de
Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO, os quais ora obedecem aos parâmetros
descritos na Norma de Higiene Ocupacional (NHO)-01. Da leitura do prefácio do documento de
publicação da NHO-01, extrai-se que ela:
“- substitui as três Normas [NHT – 06-R/E – 1985, NHT-07-R/E-1985, NHT-09-R/E-1986]
anteriormente existentes e trata tanto da avaliação da exposição ocupacional ao ruído contínuo
ou intermitente, quanto da avaliação da exposição ocupacional ao ruído de impacto;
- introduz o conceito de nível de exposição como um dos critérios para a quantificação e a
caracterização da exposição ocupacional ao ruído contínuo ou intermitente e o conceito de nível
de exposição normalizado para interpretação dos resultados;
- adota o valor ‘3’ como incremento de duplicação de dose (q=3);
- considera a possibilidade de utilização de medidores integradores e de medidores de leituras
instantâneas.”
26. Registro que, na NHO-01, define-se “dose” como “parâmetro utilizado para caracterização
da exposição ocupacional ao ruído, expresso em porcentagem de energia sonora, tendo por
referência o valor máximo da energia sonora diária admitida, definida com base em parâmetro
preestabelecido (q, CR, NLI)”. A NHO-01 também conceitua “Nível de Exposição (NE)” como
“nível médio da exposição ocupacional diário”, e “Nível de Exposição Normalizado (NEN)” como
“nível de exposição convertido para uma jornada padrão de 8 horas diárias, para fins de
comparação com o limite de exposição”. No seu item 5.1.2, o NEN é apresentado como
resultado da soma do NE com o log TE/480, sendo TE o tempo de duração da jornada diária de
trabalho em minutos. A expressão matemática do Nível de Exposição Normalizado permite
concluir que, em uma jornada de 8 horas, o valor de TE será igual a 480, o log TE/480
corresponderá a log 480/480, o qual resulta em zero, e NEN será igual a NE. Para TE inferior a
480, o log TE/480 será negativo e, por conseguinte, o valor de NEN será inferior a NE.
27. Não obstante isso, a NHO 01 tem aspecto positivo ao segurado, pois a utilização do valor
‘3’, como dose, implica menor tempo de exposição tolerável ao ruído pelo trabalhador. Mantido
o limite de tolerância fixado pelo Quadro do Anexo I, da NR 15(exposição a 85 dB por 480
minutos), tem-se uma nova correlação de tempo máximo diário de exposição permissível em
função do nível de ruído, que passa a ser de 88dB por 240 minutos, 91dB por 120 minutos e
94dB por 60 minutos. Na disciplina anterior, a correlação era de 90 dB por 240 minutos horas,
95dB por 120 minutos e 100dB por 60 minutos. Os parâmetros utilizados na NHO 01 encontram
suporte técnico suficiente, pois ajustam-se a métodos mais modernos de aferição do agente
nocivo ruído e a orientações mais protetivas à saúde do trabalhador. Nesse sentido, transcrevo
a lição deSylvio R. Bistafa, professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola
Politécnica da USP (Acústica aplicada ao controle do ruído. São Paulo: Ed. Edgard Blücher,
São Paulo, 2006, p. 127):
“Um levantamento das legislações de diversos países relativamente ao nível de ruído nos
ambientes do trabalho, realizado pelo International Institute of Noise Control Engineering [24],
constatou que a maioria das legislações adota 85 ou 90dB (A) como nível-critério normalizado
por um período de 8 h. No estabelecimento desses níveis, aceita-se que, após um período de
muitos anos, haverá perda de audição permanente numa ‘pequena’ fração da população
exposta. O mesmo levantamento indica que, num futuro próximo, na maioria dos países, a
adoção dos níveis-critério inferiores a 85dB(A) é impedida por fatores sócio-econômicos. Tendo
em vista esses fatores não-técnicos, 85dB(A) é o nível-critério recomendado para uma
exposição de 8h.
Se de fato a grandeza física responsável pela Pair é a energia sonora recebida pela orelha, o
fator de troca de 3db(A) é aquele que se encontra tecnicamente mais bem fundamentado. Esse
fator de troca é normalmente adotado pela legislação de vários países. No entanto as indústrias
norte-americanas adotam o fator de troca de 5 dB(A), sendo que a Marinha dos Estados Unidos
adota o fator de troca 4dB(A).
Ainda, conforme consta na referência[24], as evidências científicas parecem indicar que o fator
de troca de 3dB (A) é o mais razoável para a exposição diária ao ruído. É também uma boa
aproximação dos resultados de vários estudos epidemiológicos relativos à exposição a ruídos
intermitentes e com níveis variáveis, muito embora estudos apresentem variações significativas
em torno da média. A conclusão é que não há, por enquanto, formas de refiná-lo, sendo o fator
de troca de 3 dB (A), em certas situações, uma medida apenas aproximada.”
28. A motivação técnica da NHO-01, por instância administrativa competente e capacitada para
tanto, impede que o Judiciário possa afirmar a sua invalidade, pois não há inconstitucionalidade,
ilegalidade ou desproporcionalidade evidente no ato.
(...)”
Com efeito, o nível médio ou equivalente de exposição não leva em consideração a
normalização para a jornada de trabalho, mas sua fórmula considera o tempo de medição,
sendo óbvio que tais períodos podem ser diferentes. A fórmula para o seu cálculo é leq ou
lavg+ 16,61log (Dx8/Tm) + 85, onde Tm é o tempo de medição. O Leq ou Lavg é denominado
NE nas normas da FUNDACENTRO e é um dos componentes da fórmula para o cálculo do
NEN, que considera sempre a jornada de trabalho: NEN=NE+16,6LOG(T/8), onde NE é o nível
de exposição Leq ou Lavg e T é a jornada de trabalho.
Cumpre ressaltar que, quando se trata de jornada de trabalho de 8 horas, o NEN e o NE são
iguais, havendo diferença quando as jornadas são superiores ou inferiores. Nestes termos, é
possível aceitar uma medição indicada em Leq ou Lavg quando comprovada nos autos a
jornada de 8 horas diárias.
Ainda insta apenas esclarecer que, em geral, é usado o Leq quando se observa a taxa de
duplicidade da NHO-01 e a Lavg quando usada a da NR-15, sendo que, para os fins da análise
de tempo especial, isso é irrelevante, já que a TNU pacificou a possibilidade de cálculo do NEN
por qualquer uma das dobras (3, na NHO-01 e 5, na NR-15).
Agentes Biológicos na caracterização do tempo especial
Agentes nocivos são aqueles que possam ocasionar danos à saúde ou integridade física do
trabalhador. Estes danos podem ser efetivos, pela interação do organismo com os agentes em
questão, onde se lida com conceito de insalubridade, ou gerados pela potencialidade
aumentada de danos sérios decorrentes dos riscos do desenvolvimento da atividade, ou seja,
que o exercício daquela função, com os agentes nela contidos, exponha o trabalhador a um
risco superior ao normal de dano.
Pois bem, há que se partir das premissas que levaram o legislador à eleição dos agentes
biológicos como nocivos e passíveis de gerar o direito à aposentadoria especial: os agentes
biológicos devem ser patológicos, portanto daninhos à saúde de que a eles é exposto; e haverá
especialidade quando a exposição for de tal grau que o risco de contágio seja aumentado em
relação à população em geral.
Não se pode negar, assim, que quando se está diante da análise de exposição a agentes
biológicos não se discute exclusivamente o efetivo desgaste do organismo humano, mas
também o possível desgaste decorrente de um contágio por doenças infectocontagiosas, cujo
risco é bastante aumentado para algumas profissões e ocupações.
O Decreto 53.831/64 previa os agentes biológicos como agentes nocivos em seu Anexo, itens
1.3.0, divididos em duas categorias: 1.3.1 - Carbúnculo, Brucela, Mormo e Tétano, todos
patógenos/doenças infectocontagiosas, basicamente presentes em animais ou seus dejetos,
portanto relacionados ao trabalho com estes, de forma habitual; e 1.3.2 – Germes Infecciosos
ou Parasitários Humanos, portanto agentes patológicos, sejam vírus, bactérias, protozoários ou
fungos, mais uma vez sendo necessária a habitualidade da exposição.
O Decreto 83.080/79, em seu Anexo I, manteve a previsão dos agentes biológicos no item
1.3.0, ampliando o item 1.3.1 para também incluir a tuberculose, esclarecendo tratar-se de
doenças relacionadas a trabalhos permanentes com animais ou carnes, vísceras, sangue,
ossos etc. infectados. Foram incluídos os itens seguintes, inexistentes no Decreto 53.831/64,
desta forma: 1.3.2 – animais doentes e materiais infecto-contagiantes; 1.3.3 – preparação de
soro, vacinas e outros produtos; 1.3.4 – doentes ou materiais contagiantes; 1.3.5 – germes.
Em que pese a pouca precisão técnica na definição dos agentes propriamente ditos, mais
arrolando atividades e situações gerais, o fato é que o Decreto deixou bastante claro o contexto
em que a exposição aos germes em geral possuía os caracteres necessários à nocividade:
contato com animais, pessoas ou materiais infectados por germes patológicos, ou seja, capazes
de levar ao adoecimento, exposição esta sempre intrínseca ao próprio exercício da atividade.
A partir do Decreto 2.172/97 a legislação previdenciária sofreu profundas alterações, como já
mencionado, passando a tratar da questão da exposição a agentes nocivos de maneira mais
técnica e exigindo a pormenorização destes. Em relação aos agentes biológicos, o item 3.0.0 do
Anexo IV trouxe seu rol, com a seguinte explanação em sua cabeça: “exposição aos agentes
citados unicamente nas atividades relacionadas”.
Observa-se, assim, que, diferentemente da técnica utilizada quanto aos agentes químicos, em
que o Decreto expressamente consigna que as atividades listadas são exemplificativas, houve
uma escolha do legislador em identificar que a exposição aos agentes biológicos somente seria
nociva nas atividades constantes do item 3.0.1: Microorganismos e Parasitas Infecciosos Vivos
e suas Toxinas, em trabalhos em estabelecimentos de saúde em contato com pacientes
portadores de doenças infectocontagiosas ou material contaminado, com animais infectados
para tratamento ou preparo de soro, vacinas e outros produtos, em laboratórios de autópsia,
anatomia e anátomo-histologia, exumação de corpos e manipulação de resíduos de animais
deteriorados, trabalhos em fossas, galerias e tanques de esgoto, esvaziamento de
biodigestores ou coleta e industrialização do lixo.
É importante ressaltar que a escolha do legislador não foi aleatória, mas se pautou na gama de
atividades nas quais há a exposição a agentes patógenos, que são os únicos capazes de
induzir à especialidade do período. E mais, nas quais esta exposição se dá de forma contínua e
é indissociável do próprio exercício da profissão ou atividade.
Importa deixar muito claro que não é qualquer agente biológico que é considerado nocivo, por
óbvio, mas apenas parasitas e microorganismos infecciosos, bem como suas toxinas. Além
disso, não é qualquer exposição, ainda que possa ocorrer diuturnamente e no exercício das
mais variadas atividades profissionais, em especial aquelas em que há contato com o público. É
a exposição qualificada, vale dizer, aquela que decorre necessariamente do exercício da
atividade, sendo desta indivisível, de modo a caracterizar o dito risco aumentado de contágio
em relação à população em geral.
Com isto o que se quer dizer é que há a possibilidade de contato com microorganismos
infecciosos em toda espécie de atividade, já que não há como controlar a dispersão destes.
Mas há atividades em que esta exposição é muito mais provável por sua natureza. São estas,
na escolha do legislador, aquelas constantes do item 3.0.1.
Não se está a afirmar, por outro lado, que o Decreto tenha mantido um verdadeiro
enquadramento por categoria profissional, na medida em que é necessária a demonstração da
efetiva sujeição, por laudo ambiental.
Por outro lado, também não se está a dizer que somente as atividades listadas no mencionado
item 3.0.1. podem ser reputadas especiais, na medida em que consagrada já na jurisprudência
a natureza exemplificativa do rol em questão.
O Anexo IV do Decreto 3.048/99, por fim, com as alterações do Decreto 4.882/03, alterou os
agentes previstos no item 3.0.1 para “Microorganismos e Parasitas Infecto-Contagiosos Vivos e
suas Toxinas”, uma pequena alteração que enfatiza a necessidade de se estar diante de
agentes que possam ser transmitidos e contagiar o profissional, mantendo-se a redação em
todo o restante.
Em resumo, trago trecho do voto que proferi como relatora do Tema 205/TNU, sobre a questão:
“(...)
Pois bem, diante de todo o exposto, resta bastante claro que, ainda que o Decreto 21.72/97,
repetido pelo Decreto 3.048/99, tenha textualmente dito que somente pode ser reconhecida a
nocividade da exposição a agentes biológicos no âmbito das atividades ali descritas, esta
determinação não pode prevalecer, porque colide com o próprio texto legal que prevê ao
segurado a aposentadoria especial quando efetivamente exposto a agentes nocivos.
Ao eleger o método da efetiva exposição, o legislador impediu que o regulamento restrinja o
reconhecimento do tempo especial a um determinado número de atividades, no que, portanto,
os decretos mencionados extrapolaram sua função regulamentadora.
Não se pode negar, entretanto, de modo a não gerar a criação de espécies não imaginadas
pelo legislador, mas ao mesmo tempo não permitir injustiças ao trabalhador que está em
situação de risco em atividade não textualmente prevista, que há linhas gerais levadas em
consideração para a eleição das atividades descritas no item 3.0.1 do Anexos IV do Decreto
3.048/99 (e igualmente de seus antecessores).
Desta forma, é possível a ampliação do rol, desde que presentes as duas características
essenciais a tal rol: que a exposição seja relativa a microorganismo ou parasita infecto-
contagioso, assim como que se dê no âmbito de atividade na qual esta exposição ocorra com
em número ou periodicidade superior aos ambientes de trabalho em geral, demonstrando o
risco aumentado de contágio.
Tais requisitos hão de ser aferidos no caso concreto e de acordo com a prova dos autos, de
modo a que se denote que houve a efetiva exposição a agentes nocivos. Importante asseverar
que nas atividades e ambientes elencados pelo legislador este risco aumentado já foi
considerado presente.
Concluir de outra maneira permitiria que toda e qualquer atividade na qual haja atendimento a
público ou a manipulação de perecíveis, nas quais há contato constante com agentes biológicos
das mais variadas naturezas, pudessem ser consideradas nocivas, o que está longe da
realidade de risco de contágio inerente ao reconhecimento de tal categoria de agentes como
nocivos para fins previdenciários.
Por fim, o ora debatido está em consonância com o definido pela TNU, em contexto mais geral,
no Tema 211: “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos,
exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a
profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço,
independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada”.
Com efeito, é justamente a análise de risco aumentado e a natureza híbrida, um misto de
insalubridade e periculosidade da exposição aos agentes biológicos, que permite esta
modulação na necessidade de habitualidade e permanência consignada na tese transcrita.
Assim, diante do exposto, deve ser firmada a seguinte tese: a) para reconhecimento da
natureza especial de tempo laborado em exposição a agentes biológicos não é necessário o
desenvolvimento de uma das atividades arroladas nos Decretos de regência, sendo referido rol
meramente exemplificativo; b) entretanto, é necessária a comprovação em concreto do risco de
exposição a microorganismos ou parasitas infectocontagiosos, ou ainda suas toxinas, em
medida denotativa de que o risco de contaminação em seu ambiente de trabalho era superior
ao risco em geral, devendo, ainda, ser avaliado, de acordo com a profissiografia, se tal
exposição tem um caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço,
independentemente de tempo mínimo de exposição durante a jornada (Tema 211/TNU).”
Prosseguindo, em agosto de 2017 o INSS publicou a Resolução INSS/Prev n. 600, onde reviu o
procedimento administrativo em relação a aferição da especialidade das atividades para fins de
concessão de aposentadoria especial editando o Manual de Aposentadoria Especial. Referido
manual sofreu alterações, ademais, em setembro de 2018.
Embora o Manual tenha sido elaborado somente em 2017, possui determinações
interpretativas, pelo que as regras ali expostas são declaratórias acerca de situações
preexistentes e, portanto, não seria razoável aplicá-lo somente em relação a prestação de
serviços a partir de sua edição. Ademais, o Manual do INSS vem ao encontro do entendimento
que esta magistrada já vinha aplicando aos casos submetidos ao juízo.
Como visto, os Decretos 53.831/64, 83.080/79, 2.172/97 e 3.048/99, respectivamente nos itens
1.3.2, 1.3.4, 3.0.1 e 3.0.1, sempre previram a especialidade dos trabalhos com exposição
permanente ao contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes (atividades de
assistência médica, odontológica, hospitalar e afins).
De acordo com o item 3.1.5 (Tecnologia de Proteção), do Manual de Aposentadoria Especial, o
INSS admite que somente com a eliminação integral da probabilidade de exposição o EPI pode
ser considerado eficaz, “(...) evitando a contaminação dos trabalhadores por meio do
estabelecimento de uma barreira entre o agente infectocontagioso e a via de absorção
(respiratória, digestiva, mucosas, olhos, dermal).”
Prossegue, definindo que “(...) Caso o EPI não desempenhe adequadamente esta função,
permitindo que haja, ainda que atenuadamente, a absorção de microorganismos pelo
trabalhador, a exposição estará efetivada, podendo-se desencadear a doença infecto-
contagiosa. Neste caso, o EPI não deverá ser considerado eficaz pela perícia médica. Assim,
em se tratando de agentes nocivos biológicos, caberá ao perito médico previdenciário a
constatação da eficácia do EPI, por meio da análise da profissiografia e demais documentos
acostados ao processo, podendo se necessário solicitar mais informações ao empregador ou
realizar inspeção ao local de trabalho.”
Em relação ao EPC, recomenda o INSS que analise e confira a proteção adequada que elimine
a presença de agente biológico, tal como cabine de segurança biológica, segregação de
materiais e resíduos, enclausuramento dentre outras.
Assim, dentro da linha de entendimento do INSS e do E. Supremo Tribunal Federal, no
julgamento do ARE 664.335/SC, no caso de exposição a agentes infecto contagiantes
biológicos, a simples declaração no PPP quanto ao uso de EPI/EPC eficaz não afasta a
especialidade, sendo necessária a análise global de qual o EPI utilizado e qual a função
propriamente executada pelo segurado.
Da habitualidade e permanência para exposição a agentes biológicos
A questão foi recentemente analisada pela TNU no Tema 211, com acórdão transitado em
julgado em 12/02/2020, firmada a seguinte tese: Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º
8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-
se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.
Em outras palavras, restou reconhecida pela TNU a natureza peculiar dos agentes biológicos,
cuja exposição gera especialidade por um misto de efetivo desgaste ao organismo humano e
perigo de contágio através de agentes patógenos, o que torna a análise da habitualidade e
permanência também diferenciada, pautada na probabilidade de exposição ocupacional, de
acordo com a profissiografia, que deve sempre ser analisada para verificação se esta exposição
é indissociável da produção do bem ou prestação do serviço.
Da Extemporaneidade do laudo e avaliações técnicas
Acerca daextemporaneidadedos laudos e PPPs, comumente invocada pelo INSS para
desconstituir o valor probante de tais documentos, descabem suas alegações.
Ainda que elaborado posteriormente à prestação do serviço pelo segurado, o laudo possui valor
probante, desde que as condições de prestação do serviço tenham permanecido inalteradas ou
semelhantes (layout, produção etc).
Por fim, cumpre citar a Súmula 68 da TNU: “O laudo pericial não contemporâneo ao período
trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado.”
Da existência de responsável técnico no PPP
O PPP somente dispensa a apresentação de laudo pericial quando apontado o responsável
pelas avaliações ambientais, que se responsabiliza pelas informações. Tal se justifica porque o
PPP deve ser confeccionado com base em laudo técnico existente.
Neste ponto, é importante ressaltar que basta seja apontado o responsável técnico, que deve
ser médico ou engenheiro do trabalho, devidamente registrado nos órgãos de classe, não
havendo irregularidade no PPP caso o período anotado para as suas avaliações não coincida
com o do serviço prestado. Com efeito, esta última questão está intrinsecamente relacionada
com a possibilidade de que o laudo ambiental em si seja extemporâneo.
Com efeito, como firmado retro, é admissível que o laudo ambiental seja extemporâneo, ou
seja, realizado em momento diverso do da prestação do serviço. No mesmo sentido, é possível
que o período apontado para o responsável técnico no PPP não seja o mesmo da prestação do
serviço e tal informação apenas significa que o laudo é extemporâneo.
O que não pode ocorrer é a completa ausência de apontamento do responsável pelas
avaliações ambientais, para os períodos laborados a partir de 05/03/1997.
Ainda insta consignar que o responsável pelas avaliações ambientais não se confunde com
aquele responsável pelas avaliações biológicas, já que este último não é o responsável pela
aferição de agentes nocivos no local de trabalho. Assim, a existência de responsável pelas
avaliações biológicas não supre a falta de responsável pelas avaliações ambientais.
Sobre a questão, a TNU recentemente julgou o Tema 208, firmando a seguinte tese: “1. Para a
validade do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) como prova do tempo trabalhado em
condições especiais nos períodos em que há exigência de preenchimento do formulário com
base em Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho (LTCAT), é necessária a
indicação do responsável técnico pelos registros ambientais para a totalidade dos períodos
informados, sendo dispensada a informação sobre monitoração biológica. 2. A ausência total ou
parcial da indicação no PPP pode ser suprida pela apresentação de LTCAT ou por elementos
técnicos equivalentes, cujas informações podem ser estendidas para período anterior ou
posterior à sua elaboração, desde que acompanhados da declaração do empregador ou
comprovada por outro meio a inexistência de alteração no ambiente de trabalho ou em sua
organização ao longo do tempo.”
Observa-se da tese firmada que, em verdade, foi referendada a necessidade de constar
responsável técnico pelas avaliações ambientais, a princípio por todo o período para ruído e
calor e para os demais agentes, a partir de 05/03/1997; mas também se reiterou a possibilidade
de adoção de laudo extemporâneo, de molde a suprir a ausência de tal indicação, desde que
comprovada a existência das mesmas condições de trabalho à época da prestação do serviço.
Assim, ainda que o PPP apresentado não contenha responsável técnico por todo o período, tal
ausência pode ser convalidada, nos termos mencionados.
Do caso concreto
Período de 03/01/1996 a 25/03/2004 – auxiliar de serviços gerais – agentes biológicos
Referido período não foi reconhecido pela sentença, que entendeu não haver a exposição a
agentes nocivos, de acordo com a descrição no formulário previdenciário.
Pois bem, nos termos da profissiografia descrita, a autora realizava a limpeza de aeronaves,
com varrição do carpete, piso e poltronas, retirada do lixo dos bolsões e cabeçotes, dos
banheiros e limpeza da galley, sanitários e cabines.
No PPP não há a indicação de qualquer fator de risco anterior a 26/03/2004, havendo, por outro
lado, descrição a partir de tal data, sem qualquer alteração das funções exercidas pela autora,
fundamentalmente elencando o contato com dejetos (agentes biológicos) e produtos de limpeza
genericamente descritos, o que não permite a avaliação de eventuais agentes químicos.
Observa-se claramente do PPP que não houve a indicação de agentes para o período pretérito
em razão da presença de responsável técnico somente a partir de tal data, o que também
permite a conclusão de que a empregadora não atesta a manutenção das mesmas condições
de trabalho para o período anterior à elaboração do laudo.
De toda sorte, sendo o caso de agentes biológicos, é necessária a avaliação da habitualidade e
permanência da exposição tendo em vista a indissociabilidade da exposição a agentes
patógenos, como consta da fundamentação; no caso concreto, esta habitualidade e
permanência não deve ser reconhecida, na medida em que a exposição a agentes
transmissores de doenças infectocontagiosas não é ínsita à atividade realizada, já que não se
está em ambiente no qual a presença de pessoas contaminadas é habitual e permanente.
Assim, o período não deve ser reconhecido, mantendo-se a sentença.
Período de09/07/2007 a 24/01/2018 – ambiente aeroportuário (periculosidade)
A autora trouxe aos autos PPP onde consta sua atuação em diversos cargos: auxiliar de
serviços gerais em manutenção de linha até 30/08/2008 (limpeza interna e externa das
aeronaves), em bases manutenção até 30/09/2008 e na Regional Sul até 30/11/2008;
despachante técnico em gerência de security até 30/04/2009 (coordenação de atividades de
carregamento e descarregamento dos vôos, validação de carregamento de empresa
terceirizada e atividades correlatas); agente de proteção em gerência de security até
28/02/2011, em supervisão de coordenadoria de security até 31/05/2012 e em supervisão GRU
a partir de então (inspeção de bagagens por raio x, controle de acesso às aeronaves, inspeção
de segurança dentro de aeronaves).
O formulário aponta exclusivamente a presença de ruído acima dos limites de tolerância em
alguns intervalos: 30/06/2010 a 29/06/2011 e a partir de 30/06/2013, mas sem a indicação de
metodologia utilizada, sendo indicado no PPP o uso de decibelímetro.
Tratando-se de empresa ativa e fornecida a documentação adequada, não é o caso de prova
pericial, como já esclarecido retro. Por outro lado, também não é o caso de se tomar os
resultados de perícia realizada no âmbito da Justiça do Trabalho para outra pessoa, inclusive
não se tratando do exercício da mesma função ou idêntico setor de trabalho.
De toda forma, ainda que se analise a prova emprestada em questão, não é possível
reconhecer a especialidade por eventual periculosidade, na medida em que os conceitos
trabalhistas e previdenciários são distintos, sendo sempre necessária a análise da habitualidade
e permanência da exposição.
Como se observa da profissiografia da autora, ela trabalhou em diversos setores e com
atividades diferentes, inclusive parte delas não realizada na pista do aeroporto, que é o local
abordado pela perícia juntada aos autos como prova emprestada. Desta maneira, não há falar
em exposição da autora a periculosidade, com habitualidade e permanência, de modo a que se
pudesse reconhecer a especialidade do período.
Em relação aos períodos em que o PPP indicou ruído acima dos limites de tolerância, ademais,
igualmente não é possível o reconhecimento por ausência de indicação de uso de metodologia
adequada; além disso, como referido, a descrição das atividades demonstra que a autora
circulava por diversas áreas do aeroporto, algumas internas e outras externas, não sendo
possível a caracterização da habitualidade e permanência da exposição.
Desta forma, a sentença deve ser mantida tal como lançada.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.
Condeno a recorrente vencida ao pagamento de custas e despesas processuais, assim como
de honorários advocatícios, que arbitro em 10% do valor da condenação. Ao beneficiário de
gratuidade, a exigibilidade de tais verbas restará suspensa.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
RECONHECIMENTO DE PERÍODOS ESPECIAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA
PERICIAL. INEXISTÊNCIA. EMPRESAS ATIVAS. AGENTES BIOLÓGICOS. PATÓGENOS
INFECTOCONTAGIOSOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. INDISSOCIABILIDADE DA
EXPOSIÇÃO ÀS ATIVIDADES ÍNSITAS AO CARGO. TEMAS 205 E 211/TNU. LABOR EM
AEROPORTO. PERICULOSIDADE. AUSÊNCIA DE AGENTE NOCIVO NO PPP. PROVA
EMPRESTADA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TRABALHADOR E FUNÇÕES DISTINTAS.
INCERTEZA ACERCA DAS MESMAS ATIVIDADES E LOCAL DE TRABALHO. CONCEITOS
DE PERICULOSIDADE DA SEARA TRABALHISTA E PREVIDENCIÁRIA COM LEITURA
DIFERENTE.
1. Não caracteriza cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova pericial
ambiental no caso de empresas ativas, já que a prova idônea a ser apresentada são os
formulários a que a empresa tem obrigação de fornecimento e que eventuais discordâncias em
relação aos seus termos devem ser dirimidas na Justiça do Trabalho.
2. A caracterização de tempo especial por exposição a agentes biológicos, em especial para
atividades não relacionadas no Decreto 2.172/97 e subsequentes, demanda a análise de
exposição a agentes infectocontagiosos e de maneira indissociável do cargo exercido.
Inteligência dos Temas 205 e 211/TNU.
3. A prova emprestada somente tem valor probatório quando relativa à própria parte, ou ainda
quando há equivalência comprovada de época, local de trabalho, cargo exercido e
profissiografia em concreto. Não havendo tais elementos, não pode ser considerada com valor
probante.
4. Os conceitos de periculosidade para a caracterização de pagamento de adicional na seara
trabalhista e de tempo especial para concessão de aposentadoria possui leituras distintas,
devendo ser avaliada a habitualidade e permanência e também as previsões constantes da
legislação específica.
5. No caso concreto, não há falar em habitualidade e permanência na exposição a agentes
biológicos patógenos na atividade de auxiliar de serviços gerais de limpeza em aeronave, assim
como não há como caracterizar a periculosidade, não descrita pelo PPP e tendo em vista as
diversas funções exercidas pela parte autora, distintas daquela trazida para o trabalhador em
prova emprestada.
6. Recurso a que se nega provimento. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, visto, relatado e discutido
este processo, em que são partes as acima indicadas, decide a Décima Quarta Turma Recursal
do Juizado Especial Federal da Terceira Região, Seção Judiciária de São Paulo, por
unanimidade, negar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA