
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001861-43.2016.4.03.6110
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JERONIMO RODRIGUES DOS SANTOS
Advogados do(a) APELADO: CHRISTIAN JORGE MARTINS - SP327058-A, MARCELO AUGUSTO NIELI GONCALVES - SP331083-A, VITOR GUSTAVO ARAUJO ALENCAR DA SILVA - SP335217
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001861-43.2016.4.03.6110
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JERONIMO RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: VITOR GUSTAVO ARAUJO ALENCAR DA SILVA - SP335217
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS em ação previdenciária ajuizada por JERONIMO RODRIGUES DOS SANTOS, objetivando a concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento de trabalho em condições especiais.
A r. sentença de ID 97933286 – fls. 65/77proferida em 24/11/2016 julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar como especial, os períodos de 06/03/1997 a 03/03/2015, bem como para condenar o réu a conceder ao autor o benefício previdenciário de aposentadoria especial, a partir do requerimento administrativo (27/03/2015 – ID139527328 – fl. 46). Fixou a sucumbência recíproca. Tutela antecipada deferida. Decisão submetida à remessa necessária.
O INSS interpôs apelação em razões de ID 97933286 – fls. 82/86, na qual sustenta ser indevido o reconhecimento da especialidade, ao argumento de que não restou comprovado o trabalho em condições nocivas à saúde. Prossegue aduzindo que houve uso de EPI eficaz, apto a elidir a agressividade dos agentes e a necessidade da quantificação da exposição para caracterização do labor como especial.
Intimado, o autor apresentou contrarrazões às fls. 97/104.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
DECLARAÇÃO DE VOTO
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO:
Trata-se de ação previdenciária ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL-INSS, objetivando a concessão de aposentadoria especial.
A r. sentença julgou parcialmente procedente o pedido, para declarar como especial os períodos de 06/03/1997 a 03/03/2015, bem como para condenar o réu a conceder ao autor o benefício previdenciário de aposentadoria especial, a partir do requerimento administrativo (27/03/2015 – ID139527328 – fl. 46). Fixou a sucumbência recíproca. Tutela antecipada deferida. Decisão submetida à remessa necessária.
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Delgado, Relator do processo, proferiu voto no sentido de não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento ao apelo do INSS
Com a devida vênia, divirjo parcialmente do E. Relator, para reconhecer como especial também o período de 15/12/1998 a 18/11/2003 e, por consequência, manter a aposentadoria especial concedida pela r. sentença.
No caso dos autos, a parte autora trouxe Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP (
ID 139527328 – pp. 37/40), afiançando que se encontrava exposta a nível de ruído de 86,2 dB(A) no período em questão, bem como aos agentes químicos ácido peracético e hipoclorito de sódio.
É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconheceu que o Decreto nº 53.831/64 e o Decreto nº 83.080/79 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado (STJ - REsp. n. 412351/RS; 5ª Turma; Rel. Min. Laurita Vaz; julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; pág. 355).
O Decreto nº 2.172/97, que revogou os dois outros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.
Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/97, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.
Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18/11/2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível voltou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual considerava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual vinha adotando o entendimento segundo o qual o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05/03/1997 caracterizava a atividade como especial.
Ocorre que o C. STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC, decidiu não ser possível a aplicação retroativa do Decreto nº 4.882/03, de modo que no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, em consideração ao princípio tempus regit actum, a atividade somente será considerada especial quando o ruído for superior a 90 dB(A).
Nesse sentido, segue a ementa do referido julgado:
“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. TEMPO ESPECIAL. RUÍDO. LIMITE DE 90DB NO PERÍODO DE 6.3.1997 A 18.11.2003. DECRETO 4.882/2003. LIMITE DE 85 DB. RETROAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.
Controvérsia submetida ao rito do art. 543-C do CPC
1. Está pacificado no STJ o entendimento de que a lei que rege o tempo de serviço é aquela vigente no momento da prestação do labor. Nessa mesma linha: REsp 1.151.363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 5.4.2011; REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 19.12.2012, ambos julgados sob o regime do art. 543-C do CPC.
2. O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC). Precedentes do STJ. Caso concreto
3. Na hipótese dos autos, a redução do tempo de serviço decorrente da supressão do acréscimo da especialidade do período controvertido não prejudica a concessão da aposentadoria integral.
4. Recurso Especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008.”
(STJ, REsp 1398260/PR, Primeira Seção, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 05/12/2014)
Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não descaracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC nº 2000.03.99.031362-0/SP; 1ª Turma; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 18/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 458).
De fato, o ruído a que estava exposto o autor era inferior ao legalmente exigido para caracterização da atividade como especial, no caso 90 dB(A).
No entanto, entendo ser possível o reconhecimento da atividade especial no período de 15/12/1998 a 18/11/2003, com base na exposição a agentes químicos (ácido peracético e hipoclorito de sódio), com base no código 1.2.11 do Anexo III do Decreto nº 53.831/64, no código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 e no código 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Nesse ponto, cumpre observar que, não obstante a indicação contida no PPP, a meu ver, não houve comprovação de que a utilização do EPI neutralizou a nocividade do agente insalubre, ainda mais no caso dos autos, que trata de agentes químicos (ácido peracético e hipoclorito de sódio), os quais devem ser apurados de forma qualitativa, e não quantitativa.
Nesse sentido, cito o seguinte julgado proferido pela Sétima Turma desta E. Corte:
“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE LABOR EXERCIDO SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AGENTES NOCIVOS RUÍDO, CALOR E QUÍMICOS. INCIDÊNCIA DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- O laudo técnico/PPP não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário, seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Os PPP’s trazidos aos autos, ao contrário do que alega o ente autárquico, mencionam registros ambientais realizados em todos os períodos especiais requeridos e por profissionais habilitados, engenheiros e médicos do trabalho.
- O fato de o PPP consignar que o EPI era "eficaz" (para atenuar os efeitos do agente nocivo) não significa que tal equipamento era capaz de "neutralizar a nocividade". Logo, não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo 264 § 5º, do RPS, "sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do art. 68 e inciso III do art. 225, ambos do RPS".
- A legislação de regência não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a partir de uma determinada metodologia. O art. 58, § 1º, da Lei 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica, não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia.
- Até a edição do Decreto 2.171/1997 (06.03.1997), considerava-se especial a atividade exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis. A partir de então, passou-se a considerar como especial o trabalho realizado em ambiente em que o nível de ruído fosse superior a 90 decibéis. Por fim, com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18.11.2003, o limite de tolerância a esse agente físico foi reduzido para 85 decibéis.
- Reconhece-se como especial o trabalho sujeito a temperatura acima de 28º C (até 05.03.1997), proveniente de fonte artificial; e, a partir de 06.03.1997, o executado em ambiente cuja temperatura seja superior aos limites de tolerância estabelecidos na NR-15 , os quais estão estabelecidos em "Índice de Bulbo Úmido Termômetro de Globo - IBUTG", independente da fonte de calor.
- A exposição aos agentes químicos possui a análise qualitativa, independe de sua mensuração, bastando a exposição do trabalhador a esse fator de risco de forma habitual e permanente no ambiente de trabalho. Precedentes desta Corte.
- No período de 21/02/1994 a 21/12/1994, o autor exerceu o cargo de ajudante de produção da empresa Ormifrio Ltda., esteve exposto de forma habitual e permanente a ruído na intensidade de 83 decibéis, calor de 29,5ºC a 32,2ºC e aos agentes químicos álcalis e cáusticos. O período deve ser averbado como especial, com enquadramento nos itens 1.1.1, 1.1.5, 1.1.6, 1.2.10 e 1.2.11 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
- No intervalo de 02/05/1995 a 20/06/2016, o autor exerceu os cargos de auxiliar de manutenção, meio oficial soldador e maçariqueiro, nos setores de calderaria e montagem da empresa Inbraz-Eriez Equipamentos Magnéticos e Vibratórios Ltda., exposto de forma habitual e permanente aos seguintes agentes nocivos ruído, fumos metálicos decorrentes da solda elétrica e de oxiacetileno, cromo, níquel e outros. O período deve ser considerado especial, com enquadramento nos itens 1.2.9, 1.0.10, 1.0.14, 1.0.16 dos anexos aos Decretos 53.831/64, 2.172/97 e 4.882/03.
- Embora o período de 06.03.1997 a 18.11.2003 não possa ser enquadrado pelo agente nocivo ruído, eis que a exposição à época foi inferior a 90 dB, cabe enquadramento do período como especial em razão à exposição dos agentes químicos.
- Somados os períodos especiais ora reconhecidos, convertidos em tempo comum pelo fator 1,40, aos demais períodos de labor comum apurados pelo INSS (28 anos, 9 meses e 7 dias), perfaz o autor, até a data do requerimento administrativo, 21.10.2016, 37 anos, 5 meses e 3 dias de tempo de serviço, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- O termo inicial do benefício deve ser mantido na data do requerimento administrativo, 21.10.2016.
- Ajuizada a ação em 22.06.2017, decorrido menos de um ano do indeferimento na esfera administrativa, não se aplica às parcelas vencidas a prescrição quinquenal.
- Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, que devem ser mantidos no patamar de 10% e incidentes sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ), eis que de acordo com a moderada complexidade das questões e consenso deste Colegiado.
- No que se refere às custas processuais, no âmbito da Justiça Federal, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96. Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96). Também não o dispensa do pagamento de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral. Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E..
- Apelações parcialmente providas.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001590-97.2017.4.03.6114, Rel. Juiz Federal Convocado LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 16/05/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 21/05/2019)
Portanto, entendo comprovado o tempo especial no período de 15/12/1998 a 18/11/2003.
Desse modo, computando-se o período de atividade especial acima citado, acrescido aos demais períodos especiais já considerados pelo E. Relator, perfazem-se mais de 25 (vinte e cinco) anos, tempo suficiente para a concessão da aposentadoria especial, nos termos dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91.
Por conseguinte, cabe reconhecer o direito do autor à aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo, conforme determinado pela r. sentença.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se os critérios estabelecidos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta de liquidação, observado o quanto decidido pelo C. STF por ocasião do julgamento do RE 870947.
Ante o exposto, acompanho o E. Relator quanto ao não conhecimento da remessa oficial, porém, com a vênia de Sua Excelência, nego provimento à apelação do INSS, a fim de manter a r. sentença que concedera à parte autora a aposentadoria especial.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001861-43.2016.4.03.6110
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JERONIMO RODRIGUES DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: VITOR GUSTAVO ARAUJO ALENCAR DA SILVA - SP335217
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):
Inicialmente, em que pese não ser possível aferir, de plano, o valor exato da condenação, levando em conta o termo inicial do benefício (27/03/2015) e a data da prolação da r. sentença (24/11/2016), ainda que a renda mensal inicial do benefício seja fixada no teto da Previdência Social, mesmo assim, o valor total da condenação, incluindo correção monetária, juros de mora e verba honorária, será inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos, conforme previsto no inciso I do §3º do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Dessa forma, incabível a remessa necessária no presente caso.
A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por decreto do Poder Executivo.
O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a agentes nocivos.
Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, cuja redação prevê que "(...) será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)". (grifos nossos)
Logo, até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a) com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79 (presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador, independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio de prova, exceto para ruído e calor.
A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição do trabalhador às condições especiais.
Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
O Quadro Anexo do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.6, fixou o nível mínimo em 80dB. Por força do Quadro I do Anexo do Decreto nº 72.771/73, de 06/09/1973, esse nível foi elevado para 90dB.
O Quadro Anexo I do Decreto nº 83.080/79, mantido pelo Decreto nº 89.312/84, considera insalubres as atividades que expõem o segurado a níveis de pressão sonora superiores a 90 decibéis, de acordo com o Código 1.1.5. Essa situação foi alterada pela edição dos Decretos nºs 357, de 07/12/1991 e 611, de 21/07/1992, que incorporaram, a um só tempo, o Anexo I do Decreto nº 83.080, de 24/01/1979, que fixou o nível mínimo de ruído em 90dB e o Anexo do Decreto nº 53.831, de 25/03/1964, que fixava o nível mínimo de 80dB, de modo que prevalece este, por ser mais favorável.
De 06/03/1997 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 2.172/97, e de 07/05/1999 a 18/11/2003, na vigência do Decreto nº 3.048/99, o limite de tolerância voltou a ser fixado em 90 dB.
A partir de 19/11/2003, com a alteração ao Decreto nº 3.048/99, Anexo IV, introduzida pelo Decreto nº 4.882/03, o limite de tolerância do agente nocivo ruído caiu para 85 dB.
Observa-se que no julgamento do REsp 1398260/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 14/05/2014, DJe 05/12/2014), representativo de controvérsia, o STJ reconheceu a impossibilidade de aplicação retroativa do índice de 85 dB para o período de 06/03/1997 a 18/11/2003, devendo ser aplicado o limite vigente ao tempo da prestação do labor, qual seja, 90dB.
Assim, temos o seguinte quadro:
Período Trabalhado | Enquadramento | Limites de Tolerância |
Até 05/03/1997 | 1. Anexo do Decreto nº 53.831/64. 2. Decretos nºs 357/91 e 611/92 | 80 dB |
De 06/03/1997 a 18/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 2.172/97 Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, redação original | 90dB |
A partir de 19/11/2003 | Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com a alteração do Decreto nº 4.882/03 | 85 dB |
Importante ressaltar que o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição, substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo laborado em condições especiais.
Saliente-se, mais, e na esteira de entendimento deste E. TRF, "a desnecessidade de que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que exercida a atividade insalubre, em face de inexistência de previsão legal para tanto, e desde que não haja mudanças significativas no cenário laboral" (TRF-3, APELREEX 0004079-86.2012.4.03.6109, OITAVA TURMA, Rel. Des. Fed. TANIA MARANGONI, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 15/05/2015). No mesmo sentido: TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1423903 - 0002587-92.2008.4.03.6111, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 24/10/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2016).
Por derradeiro, no que se refere ao uso de equipamento de proteção individual, verifica-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664.335/SC, em sede de repercussão geral, fixou duas teses:
"(...) a primeira tese objetiva que se firma é: o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. A Administração poderá, no exercício da fiscalização, aferir as informações prestadas pela empresa, sem prejuízo do inafastável judicial review. Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete";
(...)
a segunda tese fixada neste Recurso Extraordinário é a seguinte: na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual - EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria" (STF, ARE 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. 04/12/2014, DJe n. 29, de 11.02.2015, public. 12.02.2015)" (grifos nossos).
Destarte, a desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
Saliente-se que, conforme declinado alhures
,
a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
Do caso concreto.
A sentença de primeiro grau reconheceu o labor especial do autor exercido no período de 06/03/1997 a 03/03/2015.
A comprovar o seu labor especial, o requerente juntou aos autos o PPP de ID 139527328 - fls. 37/40, o qual comprova que ele trabalhou como operador de produção junto à Brasil Kirin Indústria de Bebidas S.A, exposto a:
- de 09/01/1990 a 01/09/2011 – ruído de 86,2dbA, além de ácido peracético e hipoclorito de sódio, com o uso de EPI eficaz;
- de 01/09/2011 a 01/09/2012 – ruído de 87,9dbA, além de ácido peracético e hipoclorito de sódio, com o uso de EPI eficaz;
- de 01/09/2012 a 01/09/2013 - ruído de 87,9dbA, além de ácido peracético e hipoclorito de sódio, com o uso de EPI eficaz;
- de 01/09/2013 a 01/09/2014 - ruído de 87,2dbA, além de ácido peracético e hipoclorito de sódio, com o uso de EPI eficaz;
- de 01/09/2014 a 03/03/2015 - ruído de 87,2dbA, além de ácido peracético e hipoclorito de sódio, com o uso de EPI eficaz.
Assim, possível o enquadramento dos agentes químicos apresentados nos itens 1.2.9 e 1.2.11 do Anexo do Decreto nº 53.831/64 e 1.2.11 do Decreto nº 83.080/79.
Cumpre realçar que o art. 58, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91 sofreu alteração por meio da Lei nº 9.732/98, publicada em 14/12/1998, exigindo-se, no bojo do laudo técnico, informação acerca da existência de tecnologia de proteção - quer coletiva, quer individual - passível de atenuar a intensidade de agentes nocivos a limites toleráveis, apartando a insalubridade da atividade desempenhada.
Portanto, a partir de 15/12/1998, nos períodos em que está comprovada a utilização de equipamentos individuais de proteção eficazes, fica afastada a insalubridade.
Desta feita, resta comprovado o labor especial do autor no período de 06/03/1997 a 14/12/1998, em razão da exposição aos agentes químicos mencionados e, de 19/11/2003 a 03/03/2015, em razão da exposição à pressão sonora acima dos limites legais estabelecidos.
Vale ressaltar que o INSS reconheceu administrativamente o labor especial do autor no lapso de 09/01/1990 a 05/03/1997, conforme Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição de ID 139527328 – fl. 46.
Conforme planilha anexa, somando os períodos de atividade especial ora reconhecidos aos assim considerados pelo INSS na esfera administrativa, verifica-se que, quando do requerimento administrativo (27/03/2015 – ID 139527328 – fl. 46), a parte autora perfazia
20 anos, 02 meses e 21 dias
de serviço especial, número de anos aquém do exigido ao deferimento da aposentadoria especial (mínimo de 25 anos de labor
).
Dessa forma, não faz jus a parte autora à concessão de seu benefício beneficiário.
Mantida a sucumbência recíproca.
Ante o exposto,
não conheço da remessa necessária e dou parcial provimento ao apelo do INSS
para limitar o reconhecimento do labor especial aos interregnos de 06/03/1997 a 14/12/1998 e de 19/11/2003 a 03/03/2015 e, por consequência, afastar a concessão da aposentadoria especial, mantendo a sucumbência recíproca.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO - REVISÃO DE BENEFÍCIO - APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO - ATIVIDADE ESPECIAL - REQUISITOS.
1. A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei Federal nº 8.213/91. A par do tempo de serviço/contribuição, deve também o segurado comprovar o cumprimento da carência, nos termos do artigo 25, inciso II, da Lei Federal nº 8.213/91.
2. Devem ser considerados como especiais os períodos: 06/03/1997 a 14/12/1998 (ruído), 15/12/1998 a 18/11/2003 (ácido peracético e hipoclorito de sódio) e 19/11/2003 a 03/03/2015 (ruído).
3. Não obstante a indicação contida no PPP, não houve comprovação de que a utilização do EPI neutralizou a nocividade do agente insalubre, ainda mais no caso dos autos, que trata de agentes químicos (ácido peracético e hipoclorito de sódio), os quais devem ser apurados de forma qualitativa, e não quantitativa.
4. Computando-se o período de atividade especial perfazem-se mais de 25 (vinte e cinco) anos, tempo suficiente para a concessão da aposentadoria especial, nos termos dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91. Por conseguinte, cabe reconhecer o direito do autor à aposentadoria especial, a partir da data do requerimento administrativo, conforme determinado pela r. sentença.
4. Remessa oficial não conhecida. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo NO JULGAMENTO, A SÉTIMA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E, POR MAIORIA, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, NOS TERMOS DO VOTO DO DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO, COM QUEM VOTARAM O DES. FEDERAL PAULO DOMINGUES, A DES. FEDERAL INÊS VIRGÍNIA E O DES. FEDERAL LUIZ STEFANINI, VENCIDO O RELATOR QUE DAVA PARCIAL PROVIMENTO AO APELO DO INSS. LAVRARÁ O ACÓRDÃO O DES. FEDERAL TORU YAMAMOTO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
