Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5069738-14.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
30/09/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 06/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO RENDA MENSAL INICIAL. SOMA DOS SALÁRIOS DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADES CONCOMITANTES. POSSIBILIDADE. ART. 32, DA LEI
8.213/91. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. TETO LEGAL. TERMO INICIAL DOS EFEITOS
FINANCEIROS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL
DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Não obstante a literalidade do ART. 32 DA Lei 8.213/91, impende realizar uma interpretação
sistemática de toda a legislação, constitucional e infraconstitucional.
2. A ordem social firma-se sobre o primado do trabalho (art. 193, CF), de modo que o segurado
que percebe remuneração e recolhe contribuições previdenciárias pelo exercício de duas
atividades concomitantes não pode ser prejudicado em relação ao segurado que, pelo exercício
de uma só atividade, recolhe o mesmo valor, de modo que, considerando um sistema
previdenciário contributivo, o texto legal que impede a inclusão dos salários de contribuições
vertidas em razão de atividades concomitantes fere o princípio constitucional da isonomia.
3. Com a edição da Lei 9.876/99, o período básico de cálculo passou a ser composto pela média
aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de
todo período contributivo, o que alargou sobremaneira o PBC - período básico de cálculo,
tornando mais complexa a definição, entre as atividades exercidas, de qual seria a principal,
tornando inócua a prevenção do art. 32.
4. A redação do artigo 201, §11 da Constituição Federal, dada pela EC nº 20/98 estabelece que:
"Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados para efeito de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, na forma da lei".
5. Objetivando o INSS fazer incidir contribuições previdenciárias sobre toda e qualquer
remuneração do segurado empregado, clara a incongruência gerada pela interpretação literal do
art. 32 da Lei 8.213/91, notadamente em relação ao conceito de sistema contributivo, ao
desprezar certas contribuições, no caso de atividades concomitantes.
6. São devidas as diferenças decorrentes do recálculo da RMI desde a data da concessão do
benefício.
7. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a
elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-
se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa
Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947,
tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
8. Inversão do ônus da sucumbência.
9. Apelação da parte autora provida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5069738-14.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FATIMA APARECIDA MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: DAIANE FERNANDES DE OLIVEIRA - SP392877-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5069738-14.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FATIMA APARECIDA MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: DAIANE FERNANDES DE OLIVEIRA - SP392877-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação ordinária que objetiva a revisão da renda mensal inicial, mediante a somatória
dos salários de contribuição resultantes das atividades concomitantes exercidas no PBC.
A sentença, proferida em 24.07.18, julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao
pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor
da condenação, ressalvada a hipótese de gratuidade.
Apela a parte autora pugnando, em síntese, pela procedência da ação.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5069738-14.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 24 - DES. FED. PAULO DOMINGUES
APELANTE: FATIMA APARECIDA MACHADO
Advogado do(a) APELANTE: DAIANE FERNANDES DE OLIVEIRA - SP392877-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.
Passo ao exame do mérito.
Dispõe o art. 32 da Lei 8.213/91 que:
"Art. 32. O salário-de-benefício do segurado que contribuir em razão de atividades concomitantes
será calculado com base na soma dos salários-de-contribuição das atividades exercidas na data
do requerimento ou do óbito, ou no período básico de cálculo, observado o disposto no art. 29 e
as normas seguintes:
I - quando o segurado satisfizer, em relação a cada atividade, as condições do benefício
requerido, o salário-de-beneficio será calculado com base na soma dos respectivos salários-de-
contribuição;
II - quando não se verificar a hipótese do inciso anterior, o salário-de-benefício corresponde à
soma das seguintes parcelas:
a) o salário-de-benefício calculado com base nos salários-de-contribuição das atividades em
relação às quais são atendidas as condições do benefício requerido;
b) um percentual da média do salário-de-contribuição de cada uma das demais atividades,
equivalente à relação entre o número de meses completo de contribuição e os do período de
carência do benefício requerido;
III - quando se tratar de benefício por tempo de serviço, o percentual da alínea "b" do inciso II
será o resultante da relação entre os anos completos de atividade e o número de anos de serviço
considerado para a concessão do benefício.
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica ao segurado que, em obediência ao limite máximo do
salário-de-contribuição, contribuiu apenas por uma das atividades concomitantes.
§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo ao segurado que tenha sofrido redução do salário-de-
contribuição das atividades concomitantes em respeito ao limite máximo desse salário."
Não obstante a literalidade do texto legal, impende realizar uma interpretação sistemática de toda
a legislação, constitucional e infraconstitucional, que rege a matéria:
De início, observa-se que toda a ordem social firma-se sobre o primado do trabalho (art. 193, CF),
de modo que o segurado que percebe remuneração e recolhe contribuições previdenciárias pelo
exercício de duas atividades concomitantes não pode ser prejudicado em relação ao segurado
que, pelo exercício de uma só atividade, recolhe o mesmo valor.
Considerando um sistema previdenciário contributivo, o texto legal que impede a inclusão dos
salários de contribuições vertidas em razão de atividades concomitantes fere o princípio
constitucional da isonomia.
Aregra insculpida no art. 32 da Lei 8.213/91 tinha o claro - e justo - objetivo de evitar que o
seguradoque estivesse próximo a se aposentarpassasse repentinamente a recolher contribuições
mais altas, no intuito de aumentar sua RMI - renda mensal inicial, tendo em vista que o período
básico para o cálculo dos benefícios levava em conta os últimos 36 (trinta e seis) salários de
contribuições, nos termos da redação original do art. 29 da LBPS.
Ocorre que, com a edição da Lei 9.876/99, a forma de cálculo passou a levar em consideração
todo o período de trabalho do segurado. Assim, o período básico de cálculo passou a ser
composto pela média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a
oitenta por cento de todo período contributivo. Issoalargou sobremaneira o PBC - período básico
de cálculo, tornando mais complexa a definição, entre as atividades exercidas, de qual seria a
principal, e tornouinócua a prevenção do art. 32.
O art. 32 só tinha razão de ser antes da entrada em vigor da Lei9.876/99. A partir daí, não faz
mais sentido impedir a utilização dos valores sobre os quais se contribuiu para fins de cálculo do
salário de contribuição, dentro do teto.
A Lei 8.870/94, ao alterar o artigo 29 da Lei 8.213/91, estabeleceu, anteriormente, no parágrafo 3º
desse dispositivo que: "Serão considerados para o cálculo do salário de benefício os ganhos
habituais do segurado empregado, a qualquer título, sob a forma de moeda corrente ou de
utilidades, sobre os quais tenha incidido contribuições previdenciárias, exceto o décimo terceiro
salário (gratificação natalina)."
Além disso, a redação do artigo 201 da Constituição Federal, dada pela EC nº 20/98, estabelece
em seu parágrafo 11 que: "Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão
incorporados para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em
benefícios, na forma da lei".
Neste contexto, objetivando o INSS fazer incidir contribuições previdenciárias sobre toda e
qualquer remuneração do segurado empregado, clara a incongruência gerada pela interpretação
literal do art. 32 da Lei 8.213/91, notadamente em relação ao conceito de sistema contributivo, ao
desprezar certas contribuições, no caso de atividades concomitantes.
A contribuição vertida deve ser levada em consideração em favor do segurado.
A aplicação pura e simples do art. 32, nesse caso de atividades concomitantes, despreza tanto o
trabalho realizado como a contribuição vertida, tornando injusto o cálculo do benefício justamente
para segurado que trabalhou mais, de modo que somente deve ser aplicado o caput do
regramento que estabelece a soma dos salários de contribuição vertidos durante o exercício de
todas as atividades.
Portanto, assiste razão a autora.OINSS deverá proceder à averbação dos salários de
contribuições relativos as atividades concomitantes, bem como ao cálculo de novo salário de
benefício da aposentadoria concedida à parte autora, observando-se, obviamente, os tetos legais.
A parte autora fazjus às diferenças devidas desde a data da concessão do benefício.
As parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos
índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal
vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a
aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário
do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em
20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux. Anoto que os embargos de declaração opostos perante o
STF que objetivavam a modulação dos efeitos da decisão supra, para fins de atribuição de
eficácia prospectiva, foram rejeitados no julgamento realizado em 03.10.2019.
Inverto o ônus da sucumbência e condeno o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ao
pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da condenação, consoante o
entendimento desta Turma e o disposto §§ 2º e 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil/2015,
considerando as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula nº 111 do
Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO RENDA MENSAL INICIAL. SOMA DOS SALÁRIOS DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADES CONCOMITANTES. POSSIBILIDADE. ART. 32, DA LEI
8.213/91. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. TETO LEGAL. TERMO INICIAL DOS EFEITOS
FINANCEIROS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. MANUAL
DE CÁLCULOS NA JUSTIÇA FEDERAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.
1. Não obstante a literalidade do ART. 32 DA Lei 8.213/91, impende realizar uma interpretação
sistemática de toda a legislação, constitucional e infraconstitucional.
2. A ordem social firma-se sobre o primado do trabalho (art. 193, CF), de modo que o segurado
que percebe remuneração e recolhe contribuições previdenciárias pelo exercício de duas
atividades concomitantes não pode ser prejudicado em relação ao segurado que, pelo exercício
de uma só atividade, recolhe o mesmo valor, de modo que, considerando um sistema
previdenciário contributivo, o texto legal que impede a inclusão dos salários de contribuições
vertidas em razão de atividades concomitantes fere o princípio constitucional da isonomia.
3. Com a edição da Lei 9.876/99, o período básico de cálculo passou a ser composto pela média
aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de
todo período contributivo, o que alargou sobremaneira o PBC - período básico de cálculo,
tornando mais complexa a definição, entre as atividades exercidas, de qual seria a principal,
tornando inócua a prevenção do art. 32.
4. A redação do artigo 201, §11 da Constituição Federal, dada pela EC nº 20/98 estabelece que:
"Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados para efeito de
contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, na forma da lei".
5. Objetivando o INSS fazer incidir contribuições previdenciárias sobre toda e qualquer
remuneração do segurado empregado, clara a incongruência gerada pela interpretação literal do
art. 32 da Lei 8.213/91, notadamente em relação ao conceito de sistema contributivo, ao
desprezar certas contribuições, no caso de atividades concomitantes.
6. São devidas as diferenças decorrentes do recálculo da RMI desde a data da concessão do
benefício.
7. Juros e correção monetária pelos índices constantes do Manual de Orientação para a
elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-
se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa
Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947,
tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
8. Inversão do ônus da sucumbência.
9. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
