APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050337-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SANDRA REGINA BORALE
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ANGELUCCI - SP213106-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050337-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SANDRA REGINA BORALE
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ANGELUCCI - SP213106-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O pedido inicial é de restabelecimento do seguro-desemprego a segurado especial, pescador artesanal, referente ao período de novembro/2015 a fevereiro/2016.
A sentença julgou procedente o pedido, para condenar o réu a conceder à parte autora o benefício de seguro desemprego a pescador profissional, devido em razão do período de defeso, correspondente a R$ 3.570,00 (três mil, quinhentos e setenta reais), valor este não impugnado pela demandada. O valor da condenação deverá ser acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação e correção monetária desde o ingresso da ação. Em razão da sucumbência, o requerido arcará com o pagamento das custas e despesas processuais, além dos honorários de advogado, fixou em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Inconformada, apela a Autarquia sustentando, em síntese, que a requerente não faz jus ao benefício, tendo em vista que adquiriu uma propriedade rural e o companheiro recebe aposentadoria por tempo de contribuição no valor de R$ 3.627,21 (comp. 06/2018), portanto, não sendo a pesca seu único meio de sustento. Requer alteração na correção monetária.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte Regional.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5050337-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: SANDRA REGINA BORALE
Advogado do(a) APELADO: ADRIANA ANGELUCCI - SP213106-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Conheço do recurso de apelação, uma vez que cumpridos os requisitos de admissibilidade, conforme o artigo 1.011 do novo Código de Processo Civil.
O benefício de seguro-desemprego, previsto pelos arts. 7º, II, e 201, III, da Constituição Federal, encontra-se disciplinado pela Lei nº 7.998, de 11.01.1990, que, em seu art. 3º, definiu o fato gerador (situação de desemprego involuntário) e os requisitos necessários à sua percepção, fazendo-o nos seguintes termos:
Art. 3º - Terá direito à percepção do Seguro-Desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove:
I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada, relativos a cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data da dispensa;
II - ter sido empregado de pessoa jurídica ou pessoa física a ela equiparada ou ter exercido atividade legalmente reconhecida como autônoma, durante pelo menos 15 (quinze) meses nos últimos 24 (vinte e quatro) meses;
III - não estar em gozo de qualquer benefício previdenciário de prestação continuada, previsto no Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, excetuado o auxílio-acidente e o auxílio suplementar previstos na Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976, bem como o abono de permanência em serviço previsto na Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973;
IV - não estar em gozo do auxílio-desemprego; e
V - não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente à sua manutenção e de sua família.
O segurado deve comprovar a atividade de pescador profissional, conforme artigo 1º lei nº 10.779/2003 para fazer jus ao recebimento do seguro-desemprego no momento do Defeso:
Lei 10.779/03.
“Art. 1º O pescador artesanal de que tratam a alínea “b” do inciso VII do art. 12 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e a alínea “b” do inciso VII do art. 11 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que exerça sua atividade profissional ininterruptamente, de forma artesanal e individualmente ou em regime de economia familiar, fará jus ao benefício do seguro-desemprego, no valor de 1 (um) salário-mínimo mensal, durante o período de defeso de atividade pesqueira para a preservação da espécie.
§ 1º Considera-se profissão habitual ou principal meio de vida a atividade exercida durante o período compreendido entre o defeso anterior e o em curso, ou nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do defeso em curso, o que for menor. ............................................................................................
§ 3º Considera-se ininterrupta a atividade exercida durante o período compreendido entre o defeso anterior e o em curso, ou nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do defeso em curso, o que for menor.
§ 4º Somente terá direito ao seguro-desemprego o segurado especial pescador artesanal que não disponha de outra fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira.
“Art. 2º Cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) receber e processar os requerimentos e habilitar os beneficiários, nos termos do regulamento.
(...)
O Ministério do Trabalho tem a competência para expedir os atos necessários ao cumprimento da Lei nº 7.998/90, o que, aliás, foi expressamente reconhecido pela Presidência da República nas razões de veto ao art. 26 dessa lei, cujo teor, por ser esclarecedor, transcrevo:
“O veto ao art. 26 justifica-se em razão da absoluta desnecessidade do dispositivo, porquanto a Constituição já atribui aos Ministros de Estado competência para expedir instruções para execução das leis, decretos e regulamentos (inciso II do parágrafo único do art. 87 da CF).”
Em decorrência o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.779/03 autoriza o Ministério do Trabalho a disciplinar quais documentos necessários para a habilitação ao benefício, da seguinte forma:
"Art. 2º. Para se habilitar ao benefício, de pescador deverá apresentar ao órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego os seguintes documentos:
“I - registro como pescador profissional, categoria artesanal, devidamente atualizado no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP), emitido pelo Ministério da Pesca e Aquicultura com antecedência mínima de 1 (um) ano, contado da data de requerimento do benefício;
II - cópia do documento fiscal de venda do pescado a empresa adquirente, consumidora ou consignatária da produção, em que conste, além do registro da operação realizada, o valor da respectiva contribuição previdenciária de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, ou comprovante de recolhimento da contribuição previdenciária, caso tenha comercializado sua produção a pessoa física;
III - outros estabelecidos em ato do Ministério da Previdência Social que comprovem:
a) o exercício da profissão, na forma do art. 1o desta Lei;
b) que se dedicou à pesca durante o período definido no § 3o do art. 1o desta Lei;
c) que não dispõe de outra fonte de renda diversa da decorrente da atividade pesqueira.
§ 3º O INSS, no ato de habilitação ao benefício, deverá verificar a condição de segurado pescador artesanal e o pagamento da contribuição previdenciária, nos termos da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício ou desde o último período de defeso até o requerimento do benefício, o que for menor, observado, quando for o caso, o disposto no inciso II do § 2º.”
Cabe ressaltar que não há a necessidade do pescador ser filiado à colônia de pescadores com jurisdição sobre a área onde atue como pescador artesanal não tem o condão de afastar o direito do autor ao benefício, pois a Constituição Federal de 1988, arrola entre os direitos individuais a liberdade de associação, prescrevendo em seu art. 5º, XX, que " ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado".
O STF já teve a oportunidade de analisar em sede de controle concentrado de constitucionalidade a obrigatoriedade da apresentação de atestado de colônia de pescadores, para fins de obtenção do benefício de seguro-desemprego em época de defeso nos seguintes temos:
"Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º, IV, "a", "b" e "c", da Lei 10.779/03. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego. Princípios da liberdade de associação e da liberdade sindical (arts. 5º, XX, e 8º, V, da Constituição Federal).
1. Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5º, inciso XX) e da liberdade sindical (art. 8º, inciso V), ambos em sua dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego à filiação do interessado a colônia de pescadores de sua região.
2. Ação direta julgada procedente.
Na ADI 3.464-2, o relator Ministro Menezes Direito explicitou o entendimento da Corte Suprema no que concerne à (in) constitucionalidade da norma em comento da seguinte forma:
"Em que pese os avanços que a Lei nº 10.779/03 possibilitou, é inegável que o seu art. 2º, inciso IV, coloca a filiação a uma colônia de pescadores como um requisito indispensável para a habilitação ao seguro-desemprego. Consequentemente, por vias transversas, fica o pescador artesanal compelido a associar-se à colônia de pescadores, sob pena de ter negado seu direito ao seguro-desemprego. É manifesta, portanto, a violação dos princípios da liberdade de associação e da liberdade sindical.
O princípio da liberdade de associação é previsto desde a Constituição de 1891, tendo sido repetido em todas as Constituições que lhe sucederam. A Carta de 1988, por sua vez, com nítida influência da Constituição portuguesa (art. 46), tratou analiticamente do princípio, enunciando-o de maneira expressa, tanto em sua dimensão positiva ( o direito de associar-se e de formar associações) quanto em sua dimensão negativa, a de "ninguém poderá ser compelido associar-se ou a permanecer associado" (art. 5º, inciso XX).
Em igual medida, foi ofendido o princípio da liberdade sindical, aplicável ao caso por força do parágrafo único do art. 8º da Constituição, que em suas múltiplas dimensões também resguarda, de maneira expressa, o direito do indivíduo de não filiar-se ou manter-se filiado a sindicato (art. 8º, inciso V: "ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato").
(...)
Postas as balizas, passa-se ao exame do caso dos autos.
A título de início de prova documental, foram colacionadas para a comprovação da atividade de pescadora artesanal e de seu direito ao recebimento do seguro-desemprego, a autora apresentou documentos, dentre os quais destaco:
- Conta de água apontando o endereço na Rua José A. Costa, 80 de 15/07/2015, em nome de Edson Frederice.
- Matrícula como produtor rural/pesca data de início em 2010.
- Registro de um imóvel rural com área de 7 hectares e vinte e seis ares, denominado Sítio Santa Terezinha, em nome do companheiro e da requerente 50% cada.
- Escritura pública de venda e compra informando que a requerente e o companheiro, Edson Frederice, qualificado como bancário aposentado, adquiriram um imóvel rural em 31/01/2013, contendo benfeitorias, culturas permanentes, pastagens cultivadas e melhoradas e florestas plantadas no município de Itápolis.
- Nota fiscal expedida pela Colônia de Pescadores de 2016.
- Declaração do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de 15.07.2014, não homologada pelo órgão competente, informando que a autora exerce atividade em regime de economia familiar/pescador, de 2010 a 2015.
- Ficha na Cadesp – ICMS como produtor rural/criação bovina para corte e proprietários o companheiro e a autora, início em 2013, com endereço do estabelecimento na Estrada Municipal de Itápolis, Sítio São Vicente e da residência na Rua José Alves Costa, bairro Vila Izolina, tendo como contador o Sr. Paulo José Cardoso.
- Extrato de movimentação com saldo em 2016 de saída de 3 bezerros e saldo anterior de 3 bezerros.
- Comunicado de atividade em nome da requerente como pescador artesanal de água doce, data de início em 30/08/2012.
- Cadastro expedido pelo Ministério da Fazenda constando o companheiro, Edson Fredereci e a autora como produtor rural/autônomo para criação de bovinos para corte com início em 05/03/2013 e encerramento em 16/02/2016.
- Protocolo do pescador expedido pelo Ministério da Pesca e Aquicultura de 15/06/2015 da autora.
- Carteira de pescador profissional em nome da requerente de 11/03/2014, como data do registro em 08/10/2010.
A Autarquia juntou com a apelação consulta efetuada ao sistema Dataprev, constando que o companheiro recebe aposentadoria por tempo de contribuição/bancário, no valor de R$ 3.627,21 (competência 06/2018) desde 16/09/1994.
Em depoimento pessoal da autora informa que convive com o Sr. Edson Frederice há mais de 20 anos.
Compulsando os autos, verifica-se que a autora e seu companheiro adquiriram um imóvel rural de três alqueires contendo benfeitorias, culturas permanentes, pastagens cultivadas e melhoradas, florestas plantadas, localizado no município de Itápolis e residem no centro da cidade.
Por sua vez, a prova é frágil, não foi juntado documento suficiente em que se pudesse verificar a produção da propriedade rural.
Além do que, embora conste da escritura que não comercializam suas produções rurais, há um extrato de movimentação com saldo em 2016 de saída de gado e saldo anterior, bem como, cadastro de contribuinte de ICMS-Cadesp e inscrições que constam produtor rural/criação de bovinos.
Cumpre salientar que o companheiro da autora é bancário aposentado e recebe aposentadoria por tempo de contribuição/bancário, no valor de R$ 3.627,21 (competência 06/2018), desde 16/09/1994.
Portanto, embora as testemunhas afirmem que a autora exerça somente a pesca, os elementos de prova trazidos aos autos demonstram que possui renda própria suficiente à sua manutenção e de sua família, o que obsta a concessão da benesse.
Em face da inversão do resultado da lide, restam prejudicados os demais pontos do recurso do INSS.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, para julgar improcedente o pedido, nos termos da fundamentação. Condeno a parte autora em honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observado o disposto no art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil atual, que manteve a sistemática da Lei n. 1.060/50, por ser beneficiária da justiça gratuita.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SEGURO-DESEMPREGO. PESCADOR ARTESANAL. RENDA PRÓPRIA. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS.
- Pedido de seguro-desemprego de pescador artesanal.
- Não há nos autos provas suficientes que justifiquem o reconhecimento do restabelecimento do seguro-desemprego de pescador artesanal.
- A autora e seu companheiro adquiriram um imóvel rural de três alqueires contendo benfeitorias, culturas permanentes, pastagens cultivadas e melhoradas, florestas plantadas no município de Itápolis e residem no centro da cidade.
-A prova é frágil, não foi juntado documento suficiente em que se pudesse verificar a produção da propriedade rural.
- Embora conste da escritura que não comercializam suas produções rurais, há um extrato de movimentação com saldo em 2016 de saída de gado e saldo anterior, bem como, cadastro de contribuinte de ICMS-Cadesp e inscrições que constam produtor rural/criação de bovinos.
- O companheiro da autora é bancário aposentado e recebe aposentadoria por tempo de contribuição/bancário, no valor de R$ 3.627,21 (competência 06/2018), desde 16/09/1994.
- Embora as testemunhas afirmem que a autora exerça somente a pesca, os elementos de prova trazidos aos autos demonstram que possui renda própria suficiente à sua manutenção e de sua família, o que obsta a concessão da benesse.
- Não houve cumprimento dos requisitos exigidos pelos artigos 1º, 2º, 3º e 4º da Lei 10.779/03.
- Apelação da Autarquia Federal provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da Autarquia Federal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.