
| D.E. Publicado em 11/10/2017 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, ANULAR A R. SENTENÇA, de ofício, POR SER EXTRA PETITA e, analisando o mérito com respaldo no art. 515, § 3º do Código de Processo Civil de 1973, julgar parcialmente procedente o pedido, para condenar a autarquia federal a averbar o labor rurícola da autora no período de 22.05.1971 a 30.11.1991 e a conceder o benefício de aposentadoria por idade, desde a data da citação, com os devidos consectários legais, restando por prejudicadas as apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0030403-15.2014.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelações interpostas por Ana Lúcia Coutinho de Magalhães e Instituto Nacional do Seguro Social em face da r. sentença, prolatada em 18.06.2014, que julgou procedente o pedido, condenando a autarquia federal a conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data da citação, acrescidas as parcelas devidas de correção monetária e juros de mora.
Interpostos embargos declaratórios, restaram por acolhidos, tendo sido suprida a fixação da verba honorária em favor da autora, no valor de R$ 800,00 (oitocentos reais).
Pugna a autora que os honorários advocatícios sejam fixados em 20% do valor da condenação, nos termos do art. 20, §3º do CPC de 1973.
Sustenta o ente autárquico que a autora não faz jus ao benefício de aposentadoria por idade rural, vez que a propriedade onde trabalhou era caracterizado como latifúndio, vez que superior a quatro módulos fiscais, bem como em decorrência da sua atividade urbana de empresária. Subsidiariamente, requer que sejam estabelecidos juros e correção monetária em consonância com a Lei 11.960/09.
Subiram os autos a esta Corte com as contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Deixo assentado, desde logo, que a respeitável sentença recorrida incorreu em julgamento extra petita.
Com efeito, o juízo monocrático julgou procedente o pedido da autora para condenar a autarquia previdenciária a conceder o benefício de aposentadoria por idade rural, desde a data da citação, que não foi alvo do requerimento realizado na peça inaugural, o qual visava à averbação de labor rurícola entre 02.07.1962 a 28.02.1992 e concessão de aposentadoria por idade, computando-se, também, recolhimentos de contribuições individuais na qualidade de autônoma entre os anos de 1992 a 2013.
Portanto, ocorreu violação das normas postas nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973.
Sendo assim, é de se anular a r. sentença apelada. Aplicável, à espécie, o art. 515 , § 3º, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 1.013, § 3º do CPC de 2015), em caso de obediência do devido processo legal, pelo que passo à análise do mérito.
DO TEMPO EXERCIDO EM ATIVIDADE RURAL
O tempo de serviço do segurado trabalhador rural exercido antes da data de início de vigência da Lei nº 8.213/1991 é de ser computado e averbado, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições correspondentes, todavia, não se prestando para fins de carência (art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91).
A comprovação de tal tempo, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado, nos termos do § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, deve ser levada a efeito por meio de início de prova material, não sendo admitida, porém, prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou de caso fortuito, a teor da Súm. 149/STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário". Por outro lado, havendo início de prova material, corroborada pelas testemunhas colhidas em juízo, é possível o reconhecimento de tempo anterior ao documento mais remoto (desde que o labor seja confirmado pela prova oral), de acordo com o que restou assentado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp nº 1.348.633/SP, representativo da controvérsia.
Importante ser dito que o reconhecimento de labor na faina rural não demanda prova do recolhimento das respectivas contribuições sociais, conforme jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça:
Cabe destacar, ainda, que o fato da prova evidenciar trabalho do menor em nada o prejudica na contagem desse tempo. Na verdade, de todo razoável o cômputo de tal período, pois a autorização constitucional condicionada ao vínculo empregatício (art. 165, X, da Emenda Constitucional nº 1/69) se justificava no intuito de proteção do menor, o que está implícito no dever de educar dos pais nas famílias em que predomina a economia de subsistência. De igual modo, se a atual Constituição veda o trabalho aos menores de 14 (catorze) anos, o faz certamente em benefício deles; logo, em tais condições, descabe prejudicá-los deixando de computar o período de atividade rurícola desde a idade de doze (12) anos. Sobre o tema, o C. Superior Tribunal de Justiça tem entendimento pacífico que o exercício da atividade rural do menor deve ser reconhecido para fins previdenciários, já que as normas proibitivas do trabalho são editadas para protegê-lo - nesse sentido:
Por fim, quanto ao tempo de serviço rural posterior à vigência da Lei nº 8.213/91, na qualidade de pequeno produtor rural em regime de economia familiar, observa-se a regra do art. 39, de referido diploma:
Desta forma, em relação ao reconhecimento de trabalho rural posterior a novembro de 1991, faz-se necessária a prova do recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao período (art. 60, X, do Decreto nº 3.048/99).
Atente-se que, em razão das especificidades da vida no campo, admite-se que em documento no qual consta o marido como trabalhador rural e a esposa como "doméstica" ou "do lar", seja estendida a condição de rurícola para a mulher. Ademais, relações análogas a esta mencionada, como a do genitor e de sua filha, também se enquadram no entendimento jurisprudencial corrente, conforme julgado abaixo transcrito:
DO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS
Labor Rural: Pugna a autora a averbação de atividade rurícola no interregno de 02.07.1962 a 28.02.1992.
Destaco, de início, que a mídia audiovisual com a oitiva das testemunhas não se encontra acostada à fl. 97, contudo é possível o julgamento diante da transcrição contida na r. sentença (fl. 104).
Reconheço como início de prova material:
a ) certidão de seu casamento, celebrado em 22.05.1971 e assentos de nascimento dos filhos em 28.09.1973 e 03.07.1975, com a qualificação de agricultor de seu cônjuge (fls. 18/20);
b) Escritura da Fazenda Sobradinho, de propriedade de seu sogro desde o ano de 1961 (fls. 21/31);
c) Recolhimento previdenciário referente à nota fiscal de produtor, em nome de seu sogro, emitida em 19.05.1983 (fls. 32/vº);
d) Impostos de circulação de mercadorias - declarações cadastrais de produtor, emitidas nos anos de 1988, 1989 e 1990, com a menção de arrendamento da propriedade ao cônjuge, à porcentagem de 20 a 25% (vinte a vinte e cinco por cento) da produção (fls. 33/vº, 37/40v); e
e) Notas fiscais de produtor em nome do cônjuge, emitidas nos anos de 1987 a 1991 (fls. 34/36 e 41/46).
Por outro lado, o certificado de conclusão do curso primário no ano de 1963 não pode ser aceito como início de prova material, vez que nada menciona a respeito da suposta atividade agrícola desenvolvida (fl. 17).
O início de prova material foi corroborado pelos testemunhos colhidos em juízo (fl. 104).
A testemunha Ana do Nascimento relatou conhecer a autora há aproximadamente quarenta anos, quando residiam na Fazenda Bela Vista, no município de Ipuã. A autora realizava trabalhos rurícolas na fazenda e quando se casou, mudou-se para outra fazenda, onde laborou com marido e filhos, que não possuíam empregados. Desconhece quando a autora se mudou para cidade.
João Augusto dos Santos relatou conhecer a autora desde criança, quando morava e trabalhava na roça. Que plantava milho, café, arroz e feijão e ajudava a tratar do gado com o marido. Que ela reside na Fazenda Sobradinho até os dias atuais.
Com as considerações acima, admitindo-se que a atividade rurícola da autora somente é passível de ser reconhecida desde seu casamento (vez que não trouxe aos autos quaisquer provas da atividade em época anterior, seja em seu nome ou de seus pais) até o ano do último documento apresentado em juízo, porquanto as testemunhas não fornecem maiores detalhes da atividade, que permitissem inferir que o labor foi desenvolvido até 28.02.1992, bem como não apresenta contribuições vertidas da atividade rurícola após novembro de 1991. Assim, reconheço a atividade rurícola entre 22.05.1971 a 30.11.1991.
DA APOSENTADORIA POR IDADE (HÍBRIDA)
A aposentadoria por idade híbrida ou mista está prevista no art. 48, §§3º e 4º, da Lei 8.213/1991, in verbis:
Nos termos do dispositivo supramencionado, incluído pela Lei nº. 11.718/2008, o(a) segurado(a) terá direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, isto é, como trabalhador(a) rural e urbano(a), quando atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos, desde que tenha cumprido a carência exigida, devendo ser considerados ambos os períodos (urbano e rural) para efeitos de se apurar o cumprimento da carência.
Com o advento da Lei nº. 11.718/2008, surgiu uma discussão sobre se o novo benefício abarcaria, além dos trabalhadores rurais (conforme a literalidade do §3º do art. 48 da Lei nº. 8.213/91), também os trabalhadores urbanos, ou seja, se estes poderiam computar ou mesclar período rural anterior ou posterior a 11/1991 como carência para a obtenção da aposentadoria por idade híbrida. Tal controvérsia apareceu, inclusive, graças à previsão do artigo 51, §4º, do Decreto 3.048/1999, com redação dada pelo Decreto 6.777/2008, publicado em 30/12/2008, o qual determinou que:
Uma corrente doutrinária e jurisprudencial passou a sustentar que a aposentadoria por idade híbrida teria natureza de benefício rural e somente poderia ser concedida ao trabalhador rural que tenha, eventualmente, exercido atividade urbana, mas não ao trabalhador urbano que tenha, eventualmente, exercido alguma atividade rural. Argumentou-se que o §3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991 dispõe expressamente que o benefício se destina aos trabalhadores rurais e que não haveria previsão de fonte de recursos para se financiar a ampliação do benefício em favor dos trabalhadores urbanos, de modo que conceder o benefício aos urbanos afrontaria o disposto nos artigos 195, § 5º, da CF/88 e 55, § 2º da Lei 8.213/1991. Quanto ao disposto no artigo 51, § 4º, do Decreto 3.048/1999, argumentou-se tratar-se de uma norma que objetivaria resguardar o direito adquirido daqueles que implementaram as condições enquanto rurais mas deixaram para formular pedido em momento posterior.
Esse entendimento de que o trabalhador urbano não faria jus à aposentadoria por idade híbrida vinha sendo adotado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) que, no julgamento dos Pedidos de Uniformização n. 2008.50.51.001295-0 (Rel. Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros) e n. 5001211-58.2012.4.04.7102 (Rel. Juíza Federal Ana Beatriz Vieira da Luz Palumbo), procedendo a uma interpretação sistemática dos artigos 48 e 55 da Lei 8.213/1991, decidiu que a Lei 11.718/2008 apenas autorizou ao trabalhador rural utilizar contribuições recolhidas para o regime urbano para fins de cumprimento da carência, mas não ao trabalhador urbano se utilizar de período rural para o preenchimento da carência necessária à concessão de aposentadoria por idade urbana.
Ocorre, contudo, que, em outubro de 2014, na ocasião do julgamento do RESP nº. 1407613, o Superior Tribunal de Justiça adotou entendimento diverso, posicionando-se no sentido de que pouco importa se o segurado era rural ou urbano quando do requerimento, podendo somar ou mesclar os tempos para fins de obter o benefício de aposentadoria por idade ( híbrida ) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. Inclusive, no bojo de julgamento realizado em novembro de 2014 (PEDILEF nº. 50009573320124047214), a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) reviu seu posicionamento anterior para adotar a mais recente diretriz hermenêutica da Segunda Turma do C. STJ, fixada nos autos do Recurso Especial nº. 1407613.
Válida, nesse passo, a transcrição dos julgados supramencionados:
Ante tudo o que foi exposto, curvo-me ao entendimento mais recente, adotado tanto pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais quanto pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual é irrelevante o fato de o(a) segurado(a) estar ou não exercendo atividade rural no momento em que completa a idade ou apresenta o requerimento administrativo, bem como o tipo de trabalho predominante. O que deve definir o regime jurídico da aposentadoria é o trabalho exercido no período de carência: se exclusivamente rural ou urbano, será devida, respectivamente, aposentadoria por idade rural ou urbana; se de natureza mista, o regime será o do artigo 48, parágrafos 3º e 4º, da Lei nº. 8.213/1991, independentemente de a atividade urbana ser a preponderante no período de carência ou a vigente quando do implemento da idade.
Na hipótese dos autos, a autora completou 60 (sessenta) anos de idade em 17.06.2012 (fl. 15), e, de acordo com a regra de transição prevista no art. 142 da Lei nº. 8.213/1991, seriam necessários 180 meses de contribuição para o cumprimento da carência.
A autora comprovou exercício de atividade rurícola no período de 22.05.1971 a 30.11.1991 e contribuições individuais constantes no CNIS (fl. 47). Somados os referidos períodos até a data do ajuizamento, a autora perfaz 24 anos, 8 meses e 11 dias de carência, nos termos da planilha em anexo, ou seja, 296 meses, superiores ao exigível como carência para data de seu implemento da idade de 60 anos (180 meses).
Assim, é de rigor a concessão do benefício da aposentadoria por idade, nos termos do art. 48 da Lei n° 8.213/1991. Cumpre asseverar que o cálculo do salário de benefício deverá obedecer todo o tempo apurado da atividade rural e considerando-se os salários de contribuição vertidos.
O termo inicial do benefício deve ser fixado na data da citação, 15.10.2013 (fl. 54), nos termos do artigo 219 do Código de Processo Civil de 1973, quando se tornou litigiosa a coisa.
Destaco que o termo inicial do benefício não deve ser fixado na data do requerimento administrativo, porquanto não há provas de que a autora requereu em sede administrativa a averbação do labor rurícola ora reconhecido.
CONSECTÁRIOS
Os juros de mora e a correção monetária deverão ser calculados na forma prevista no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, sem prejuízo da aplicação da legislação superveniente, observando-se, ainda, quanto à correção monetária, o disposto na Lei n.º 11.960/2009, consoante a Repercussão Geral reconhecida no RE n.º 870.947, em 16.04.2015, Rel. Min. Luiz Fux.
A Autarquia Previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do art. 4º, I, da Lei n.º 9.289, de 04.07.1996, do art. 24-A da Lei n.º 9.028, de 12.04.1995, com a redação dada pelo art. 3º da Medida Provisória n.º 2.180- 35 /2001, e do art. 8º, § 1º, da Lei n.º 8.620, de 05.01.1993.
Sucumbente, deve o INSS arcar com os honorários advocatícios, fixados no percentual de 10% (dez por cento), calculados sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença, consoante os arts. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, e 85, § 3º, I, do Código de Processo Civil, observada a Súm. 111/STJ.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por ANULAR A R. SENTENÇA, de ofício, POR SER EXTRA PETITA e, analisando o mérito com respaldo no art. 515, § 3º do Código de Processo Civil de 1973, julgar parcialmente procedente o pedido, para condenar a autarquia federal a averbar o labor rurícola da autora no período de 22.05.1971 a 30.11.1991 e a conceder o benefício de aposentadoria por idade, desde a data da citação, com os devidos consectários legais, restando por prejudicadas as apelações, nos termos anteriormente expendidos.
Desembargador Federal
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