Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2267562 / SP
0029755-30.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CITRA PETITA. OFENSA AO ART. 492 DO CPC. ANULADA
PARCIALMENTE DE OFÍCIO. CAUSA MADURA PARA JULGAMENTO. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO RURAL. COMPROVAÇÃO DE TEMPO DE
SERVIÇO URBANO. FILIAÇÃO DE EMPREGADA DO CÔNJUGE. POSSIBILIDADE.
BENEFÍCIO NÃO CONCEDIDO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. TUTELA REVOGADA
QUANTO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Cuida-se de pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante
averbação de trabalho rural e urbano, estando o magistrado impedido decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015.
- No caso sub examen, a sentença concedeu à parte autora aposentadoria por tempo de
contribuição, não apreciando o pedido de averbação de labor urbano nos períodos de
01.06.2002 a 15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014, configurando sentença citra petita, eis que
expressamente não foi analisado o pedido em questão, formulado na inicial, restando violado o
princípio da congruência insculpido no art. 492 do CPC/2015, o que impõe a decretação de sua
nulidade parcial.
- O caso, contudo, não é de devolução dos autos ao Juízo de origem, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto, nos termos do art. 1.013, § 3º, incisos II e III, do Código de Processo Civil.
- Considerando que a causa está madura para julgamento e que foram observados os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
princípios do contraditório e da ampla defesa, com a citação válida do ente autárquico e, ainda,
amparado pela legislação processual aplicável.
- A aposentadoria por tempo de contribuição integral, antes ou depois da EC/98, necessita da
comprovação de 35 anos de serviço, se homem, e 30 anos, se mulher, além do cumprimento da
carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do advento da
mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de
implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de
meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado art. 25, II. O
art. 4º, por sua vez, estabeleceu que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente deve ser
considerado como tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no regime geral da
previdência social (art. 55 da Lei 8213/91).
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- Na r. sentença foi reconhecido o labor rural da autora no intervalo de 24/10/1973 a
30/06/1980.
- A autarquia federal, em sede de apelação, requer o afastamento da atividade rural sem
registro nos períodos de 24.10.1973 a 31.12.1975, 01.01.1977 a 31.12.1977 e 01.01.1979 a
31.12.1979, em razão da ausência de início de prova material e de que somente é possível a
averbação a partir dos 14 anos de idade. No que tange aos períodos rurais do ano de 1975,
1978 e 1980, aduz que são incontroversos, porquanto já averbados administrativamente.
- Observa-se através de parecer autárquico, certidão de homologação de labor rural pela
autarquia e resumo de documentos para cálculo de tempo, que os períodos anos de 01.01.1976
a 31.12.1976 e 01.01.1978 a 30.06.1980 foram averbados em sede administrativo, motivo pelo
qual restam por incontroversos.
- As provas documentais e orais, analisadas em conjunto, permitem a comprovação do labor
rural desenvolvido pela autora, além dos intervalos incontroverso, nos períodos de 24.10.1973 a
31.12.1975 e 01.01.1977 a 31.12.1977.
- A autora nasceu e foi criada na zona rural, havendo forte presunção de que desempenhou
atividade campesina desde muito jovem, como é comum acontecer nesse ambiente, em que
toda a família, inclusive filhos ainda em tenra idade, vão para o campo, em prol de suas
subsistências.
- Assim, os períodos de 24.10.1973 a 31.12.1975 e 01.01.1977 a 31.12.1977 devem ser
reconhecidos, eis que é exigido que o(a) trabalhador(a) apresente documento ano a ano do
período rural que pretende averbar e os depoimentos testemunhais ratificaram e ampliaram a
prova documental.
- Ademais, como já explicitado, no que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado
pelo menor de idade, o próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser
interpretadas em benefício do menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o
trabalho remunerado a quem não possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em
seu desfavor, privando o menor do direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para
fins do benefício previdenciário, especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do
campo que obrigada ao trabalho em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de
Moraes, 03/08/2017, RE 906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- Dessa forma, em resumo, reconhecida a atividade rural, sem registro, desenvolvida pela
autora, nos períodos de 24.10.1973 a 31.12.1975 e 01.01.1977 a 31.12.1977,
independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, não podendo tal período
ser computado para efeito de carência, nos termos do art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991.
- Nos termos do artigo 55, §§1º e 3º, da Lei 8.213/1991, a comprovação do tempo de serviço,
seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de
serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua
o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal.
- Por outro lado, as anotações de vínculos empregatícios constantes da CTPS do segurado tem
presunção de veracidade relativa, contudo, cabe ao INSS o ônus de provar seu desacerto, caso
o contrário, representam início de prova material, mesmo que não constem do Cadastro
Nacional de Informações Sociais - CNIS. Nesse sentido a Súmula 75 da TNU.
- Em outras palavras, nos casos em que o INSS não trouxer aos autos qualquer prova que
infirme as anotações constantes na CTPS da parte autora, tais períodos devem ser
considerados como tempo de contribuição/serviço, até porque eventual não recolhimento das
contribuições previdenciárias devidas nesse período não pode ser atribuído ao segurado, nos
termos do artigo 30, inciso I da Lei 8.212/1991. Precedentes desta C. Turma (TRF 3ª Região,
SÉTIMA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1344300 - 0005016-
55.2005.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em
27/11/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/12/2017).
- Postula a autora a averbação de labor urbano, comum, registrado em CTPS, exercido nos
períodos de 01.06.2002 a 15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014, não computado pelo INSS,
sob alegação de que ela não poderia ser empregada do marido, proprietário de microempresa,
nos termos do art. 8º, §2º da IN nº 77/2015.
- Aludida exigência não encontra respaldo em lei, bem como a IN 77/2015, criada para instruir
os servidores autárquicos quanto aos procedimentos a serem adotados, foi editada em 21 de
janeiro de 2015, meses após encerrado o último vínculo empregatício, ou seja, não se
encontrava vigente quando foram recolhidas as contribuições previdenciárias contemporâneas
para os períodos impugnados, conforme se observa no CNIS.
- Ademais, a autora trouxe aos autos CTPS, com anotações dos vínculos nos períodos de
01.06.2002 a 15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014 para Cirso Cascarano-ME, na qualidade
de ajudante geral e vendedora de comércio varejista, bem como recibos de pagamentos nos
meses de setembro/2010, julho/2011, dezembro/2012, fevereiro/2013 e agosto/2013 e notas
fiscais de transportes do comércio nos anos de 2011 e 2013.
- Por outro lado, não foram apontados pelo ente autárquico quaisquer indícios de falsidade dos
vínculos trabalhistas, que estão devidamente anotados em CTPS, em ordem cronológica e sem
quaisquer rasuras, bem como foram devidamente recolhidas as contribuições previdenciárias
contemporaneamente e não a destempo e comprovada a onerosidade da atividade.
- Enfim, no caso dos autos, há anotação contemporânea e em ordem cronológica dos vínculos
empregatícios de 01.06.2002 a 15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014, bem como foram
devidamente recolhidas as contribuições previdenciárias, motivo pelo qual devem ser
averbados e computados para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, eis que, como
acima fundamentado, o INSS não comprovou qualquer desacerto ou inexistência dos vínculos
trabalhistas.
- Considerando o tempo de serviço rural incontroverso (01.01.1976 a 31.12.1976 e 01.01.1978
a 30.06.1980), os oras reconhecidos/ratificados de 24.10.1973 a 31.12.1975 e 01.01.1977 a
31.12.1977 e os vínculos empregatícios de labor urbano ora reconhecidos (01.06.2002 a
15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014) e os demais constantes em CTPS, até a data do
requerimento administrativo, 07.04.2016, perfaz a autora apenas 29 anos, 3 meses e 20 dias de
tempo de serviço, não fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
- Após a DER, a autora recolheu apenas uma contribuição individual, na competência de
junho/2016, pelo que não reuniria tempo suficiente para concessão do benefício na data do
ajuizamento da ação. Ademais, não há pedido expresso da autora de reafirmação da DER.
- Diante do parcial provimento do recurso do INSS, mas com o deferimento apenas do conteúdo
declaratório do pedido e não tendo sido deferida a implantação do benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição, a hipótese dos autos é de sucumbência recíproca, motivo pelo qual
as despesas processuais devem ser proporcionalmente distribuídas entre as partes, na forma
do artigo 86, do CPC/15, não havendo como se compensar as verbas honorárias, por se tratar
de verbas de titularidade dos advogados e não da parte (artigo 85, § 14, do CPC/15).Por tais
razões, com base no artigo 85, §§2° e 3°, do CPC/15, condenada a parte autora ao pagamento
de honorários advocatícios aos patronos do INSS, que fixo em 10% do valor atualizado da
causa , considerando que não se trata de causa de grande complexidade, mas sim repetitiva, o
que facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço.
Suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser a
parte autora beneficiária da Justiça Gratuita.
- Por outro lado, vencido o INSS no que tange ao reconhecimento de labor rural e urbano
postulados, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios ao particular, fixados, da
mesma forma, em 10% do valor atualizado da causa .
- Diante da improcedência do pedido de aposentadoria, em razão do parcial provimento ao
recurso da Autarquia ré, revogo a tutela antecipada determinada pelo r. Juízo a quo,
consignando que os valores percebidos pela autora devem ser devolvidos, consoante
entendimento atual do STJ, expresso no Recurso Especial n.º 1401560/MT, processado sob o
rito dos recursos repetitivos, no sentido de que os valores recebidos em razão da decisão que
antecipou a tutela jurisdicional devem ser devolvidos, se tal decisão for revogada.
- Deferida a tutela antecipada para averbação dos períodos de labor rural incontroversos e ora
reconhecidos.
- Apelação do INSS parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação autárquica, para anular parcialmente a r. sentença, por ofensa ao art. 492 do
CPC/2015, por se tratar de decisão citra petita e de acordo com o artigo 1.013, § 3º, incisos II e
III, do mesmo diploma legal, julgar procedente o pedido de averbação de labor urbano nos
períodos de 01.06.2002 a 15.05.2003 e 01.11.2003 a 14.04.2014; declarar como incontroversos
os períodos de labor rural de 01.01.1976 a 31.12.1976 e 01.01.1978 a 30.06.1980, julgar
improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição e revogar a tutela
antecipada outrora deferida, contudo, determinando-se a imediata averbação dos períodos de
labor rural incontroversos e ora reconhecidos, mantendo, no mais, a r. sentença, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
