Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2137089 / SP
0004615-28.2016.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. ANULADA DE OFÍCIO. CAUSA MADURA
PARA JULGAMENTO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. AVERBAÇÃO
DE TEMPO DE SERVIÇO EM RPPS. POSSIBILIDADE. TRABALHO EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. EXPOSIÇÃO AO AGENTE NOCIVO RUÍDO.CONCEDIDO BENEFÍCIO. DATA DO
REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, as
situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em
conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº
13.105/2015.
2. A sentença proferida é condicional, uma vez que julgou parcialmente procedente o pedido
deduzido na inicial, para condenar o INSS a reconhecer a averbar o tempo de serviço de
01/02/1982 a 31/12/1983 e caso tenha havido o cumprimento do período necessário, a
conceder a aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data da entrada do requerimento
(DER). Dessa forma, é de ser reconhecida, de ofício, a ocorrência de julgamento condicional a
ensejar a nulidade da sentença, diante da ofensa ao artigo 460 do CPC/1973. Entretanto,
estando o processo em condições de imediato julgamento, aplicável a regra do artigo 1.013, §
3º, III, da norma processual.
3. A aposentadoria por tempo de contribuição integral, antes ou depois da EC/98, necessita da
comprovação de 35 anos de serviço, se homem, e 30 anos, se mulher, além do cumprimento da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do advento da
mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de
implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de
meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado art. 25, II. O
art. 4º, por sua vez, estabeleceu que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente deve ser
considerado como tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no regime geral da
previdência social (art. 55 da Lei 8213/91).
4. Com efeito, nos termos do artigo 55, §§1º e 3º, da Lei 8.213/1991, a comprovação do tempo
de serviço em atividade urbana, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para
averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova
material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova
exclusivamente testemunhal.
5. No que tange à possibilidade do cômputo da atividade laborativa efetuada pelo menor de
idade, o próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em
benefício do menor.
6. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade laborativa, para fins do benefício
previdenciário (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE 906.259,
Rel. Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
7. A autora pleiteou na inicial o reconhecimento de sua atividade de professora, exercida junto à
Prefeitura Municipal de Bocaína de Minas/MG, no período de 01.02.1982 a 31.12.1983. Para
comprovar suas alegações, apresentou Certidão de Tempo de Serviço, emitida pela Prefeitura
Municipal de Bocaína de Minas/MG, datada de 29.10.2013, assinada pelo prefeito Wanderson
Abraão Benfica e pelo gerente de Recursos Humanos Wellington Almeida da Silva, declarando
que a autora foi funcionária daquela municipalidade no período de 01.02.1982 a 31.12.1983, na
função de professora.
8. A certidão assinada pelo chefe do executivo da cidade de Bocaína de Minas/MG, é dotada de
fé pública, constituindo meio de prova hábil para comprovação do tempo de serviço da autora.
Precedentes.
9. No período ora reconhecido, a autora era funcionária pública. Necessário consignar que a
contagem recíproca de tempo de serviço é possível se o segurado possui tempo de atividade
privada, urbana ou rural e tempo de atividade na administração pública. Nestes casos, os
períodos podem ser somados, hipótese em que os regimes geral e próprio dos servidores
públicos se compensarão financeiramente, conforme critérios legais (art. 201, §9º, da
Constituição da República). Ademais, a autora não utilizou o período reconhecido acima para
concessão de aposentadoria estatutária, consoante CNIS. Logo, o Regime Geral de
Previdência Social deve computá-lo para fins de aposentadoria por tempo de contribuição,
ficando a cargo de a autarquia tomar as providências para viabilizar a devida compensação
financeira.
10. Eventual não recolhimento das contribuições previdenciárias devidas nesse período não
pode ser atribuído ao segurado, nos termos do artigo 30, inciso I da Lei 8.212/1991.
11. Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
12. Considerando a evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o
trabalho é reconhecido como especial de acordo com a legislação vigente no momento da
respectiva prestação -, reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB
(até 05/03/1997); superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de
19/11/2003.
13. O C. STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art.
543-C do CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto
4.882/2003: "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço
para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo
IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação
retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao
art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
14. O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da
eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria". A Corte Suprema assim decidiu, pois o EPI não elimina o agente
nocivo, mas apenas reduz os seus efeitos, de sorte que o trabalhador permanece sujeito à
nocividade, existindo estudos científicos que demonstram inexistir meios de se afastar
completamente a pressão sonora exercida sobre o trabalhador, mesmo nos casos em que haja
utilização de protetores auriculares. Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de
que o segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os
níveis de ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do
segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e
artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição
não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de
polícia.
15. Consoante PPP's, no período de 16/07/1986 a 18/02/1988, a autora laborou na São Paulo
Alpargatas, nos cargos de serviços diversos e operadora de costura, exposta de forma habitual
e permanente ao agente ruído na intensidade de 98,10 dB e, no período de 22/01/1988 a
31/12/1992, na Kodak Brás Com. e Indústria, no cargo de montadora de câmeras, exposta de
forma habitual e permanente ao agente ruído na intensidade de 81 dB, o que permite o
enquadramento especial do labor em ambos os intervalos nos itens 1.1.5 e 1.1.6 dos Decretos
53.831/64 e 83.080/79.
16. Por outro lado, o período de 16/07/1986 a 18/02/1988 também deve ser reconhecido em
razão da atividade de vulcanização de borracha, intrínseca à indústria calçadista, e enquadrada
como especial nos itens 1.2.4 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
17. O laudo técnico/PPP não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
18. Somados o tempo de serviço incontroverso, já homologado pelo INSS (27 anos, 9 meses e
2 dias), ao tempo de serviço ora reconhecido de 01.02.1982 a 31.12.1983 e ao labor especial
ora reconhecido e convertido em tempo comum de 16.06.1986 a 18.02.1988 e 22.02.1988 a
31.12.1992, perfaz a autora 30 anos, 11 meses e 24 dias de tempo de serviço, nos termos da
planilha em anexo, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, na
data do requerimento administrativo de 13.06.2014. Os efeitos devem retroagir à data do
requerimento administrativo, 13.06.2014, quando foi apresentada à autarquia federal
documentação suficiente à comprovação do labor requerido.
19. Declarada pelo Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade do critério de correção
monetária introduzido pela Lei nº 11.941/2009, não pode subsistir o critério adotado pela
sentença, porque em confronto com o índice declarado aplicável pelo Egrégio STF, em sede de
repercussão geral, impondo-se, assim, a modificação do julgado, inclusive, de ofício.
20. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor
da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando
a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da
caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação
dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao
Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
21. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
22. A Autarquia Previdenciária está isenta das custas processuais, tanto no âmbito da Justiça
Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça do Estado de São Paulo (Leis Estaduais nºs
4.952/85 e 11.608/2003), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela parte autora
(artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de honorários
periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela Justiça Federal,
devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
23. Presentes os requisitos - verossimilhança das alegações, conforme exposto nesta decisão,
e o perigo da demora (a autora se encontra desempregada desde 22.07.2016, e verteu
contribuições individuais apenas até outubro de 2016, conforme pesquisa CNIS em anexo), o
qual decorre da natureza alimentar do benefício -, é de se antecipar os efeitos da tutela,
conforme requerido nas razões de apelo.
24. De ofício, anulada a sentença e julgado procedente os pedidos.
25. Prejudicadas as apelações.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, anular a
sentença por ofensa ao artigo 460, do Código de Processo Civil/1973, por se tratar de decisão
condicional e de acordo com o artigo 1.013, § 3º, III, do mesmo diploma legal, julgar procedente
o pedido, para condenar a autarquia federal a averbar o tempo de serviço de 01.02.1982 a
31.12.1983 e os períodos especiais de 16.06.1986 a 18.02.1988 e 22.02.1988 a 31.12.1992,
convertidos em tempo comum pelo fator 1,20, e a conceder o benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, 13.06.2014, acrescidas as
parcelas de correção monetária e juros de mora, antecipando-se a tutela, condenando, ainda, o
réu ao pagamento da verba honorária em favor do patrono do autor, restando por prejudicadas
as apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
