Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5822007-52.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
30/09/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/10/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. ERRO MATERIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
TRABALHADORES NA AGROPECUÁRIA. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. CONVERSÃO DA
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- Nos termos do art. 492, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, ainda quando
decida relação jurídica condicional. A sentença que condiciona a procedência do pedido à
satisfação de determinados requisitos pelo autor deixa a lide sem solução, negando a segurança
jurídica buscada pela via da jurisdição.
II- Retifica-se, de ofício, o erro material constante da R. sentença para que passe a constar que o
período trabalhado na Usina Santa Adélia S/A e reconhecido como especial corresponde a
17/4/06 a 27/3/08, conforme CTPS, CNIS e Resumo de Documentos para os Cálculos do Tempo
de Contribuição.
III- No que se refere ao reconhecimento do tempo de serviço especial, a jurisprudência é pacífica
no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do
princípio tempus regit actum.
IV- No tocante a agentes químicos, impende salientar que a constatação dos mesmos deve ser
realizada mediante avaliação qualitativa e não quantitativa, bastando a exposição do segurado
aos referidos agentes para configurar a especialidade do labor.
V- O Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis: "Para os
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade do
trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n°
53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da Previdência
Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos anteriores à
unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo de atividade
rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado exclusivamente
na lavoura ou na pecuária."
VI- Em se tratando do agente nocivo ruído, a atividade deve ser considerada especial se exposta
a ruídos acima de 80 dB, nos termos do Decreto nº 53.831/64. No entanto, após 5/3/97, o limite
foi elevado para 90 dB, conforme Decreto nº 2.172. A partir de 19/11/03 o referido limite foi
reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto nº 4.882/03.
VII- A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial em parte do
período pleiteado.
VIII- Com relação à aposentadoria especial, houve o cumprimento dos requisitos previstos no art.
57 da Lei nº 8.213/91.
IX- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação. Com
relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso
Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
X- A verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação
remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
XI- Erro material retificado ex officio. Sentença parcialmente anulada ex officio. Apelação da parte
autora parcialmente provida. Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822007-52.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANTONIO GILBERTO PERES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO GILBERTO
PERES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822007-52.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
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INSS
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PERES
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R E L A T Ó R I O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Trata-se de
ação ajuizada em 4/12/17 em face do INSS - Instituto Nacional do Seguro Social, visando à
conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial desde a data
do requerimento administrativo (27/3/08), mediante o reconhecimento do caráter especial das
atividades mencionadas na petição inicial. Sucessivamente, pleiteia a revisão da aposentadoria
por tempo de contribuição.
Foram deferidos à parte autora os benefícios da assistência judiciária gratuita.
O Juízo a quojulgou parcialmente procedente o pedido, para reconhecer o caráter especial das
atividades exercidas nos períodos de 1º/5/95 a 18/11/04, 19/4/05 a 24/11/05 e 17/4/05 a 27/3/08,
bem como condenar o INSS a converter a aposentadoria por tempo de contribuição em
aposentadoria especial a partir da data da citação, “se atingido o tempo necessário, o que deverá
ser apurado por ocasião de eventual cumprimento de sentença” (ID 76334083, p. 8). As parcelas
vencidas deverão ser acrescidas de “juros e correção monetária, até o efetivo pagamento,
devendo ser adotado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como forma de
correção, bem como quanto aos juros moratórios devem ser a remuneração da caderneta de
poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09” (ID
76334083, p. 8/9). Os honorários advocatícios foram arbitrados em R$1.000,00 (mil reais) para
cada litigante, cuja exigibilidade, no tocante à parte autora, ficará suspensa por ser beneficiária da
assistência judiciária gratuita.
Inconformada, apelou a parte autora, pleiteando o enquadramento, como especial, das atividades
exercidas no período de 25/8/77 a 21/12/81, bem como a concessão da aposentadoria especial.
Pleiteia, ainda, a majoração da verba honorária para 15% sobre o valor da condenação.
A autarquia também recorreu, sustentando a improcedência do pedido.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte.
É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5822007-52.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 26 - DES. FED. NEWTON DE LUCCA
APELANTE: ANTONIO GILBERTO PERES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, ANTONIO GILBERTO
PERES
Advogado do(a) APELADO: CRISTIANO RODRIGO DE GOUVEIA - SP278638-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON DE LUCCA (RELATOR): Inicialmente,
observo que, ao apreciar o pleito, o Juízo de primeiro grau lançou o seguinte dispositivo:
"parcialmente procedente o pedido, na forma do artigo 487, I do CPC, apenas para o fim de
reconhecer com especial os períodos trabalhados como motorista de 01/05/95 a 18/11/04, de
19/04/05 a 24/11/05 e de 17/04/05 a 27/03/08, sendo improcedentes todos os demais pedidos,
devendo o réu converter o atual benefício do autor em aposentadoria especial, se atingido o
tempo necessário, o que deverá ser apurado por ocasião de eventual cumprimento de sentença”
(ID 76334083, p. 8).
Nos termos do art. 492, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, ainda quando
decida relação jurídica condicional.
Ao determinar a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria
especial “se atingido o tempo necessário, o que deverá ser apurado por ocasião de eventual
cumprimento de sentença", o Juízo de primeiro grau condicionou os efeitos do decisum proferido
à prova do tempo necessário para a concessão do benefício, em distonia com o disposto no art.
492, parágrafo único, do CPC. A prova relacionada à expressão “se atingido o tempo necessário"
é matéria alusiva à fase de conhecimento do processo e fundamental para o reconhecimento da
existência do direito à aposentadoria pleiteada. Ou o segurado faz jus ao benefício, ou não faz,
havendo impeço para que a sentença gere incertezas quanto à composição do litígio. A decisão
que condiciona a procedência do pedido à satisfação de determinados requisitos pelo autor deixa
a lide sem solução, tolhendo a segurança jurídica buscada pela via da jurisdição.
Dessa forma, declaro a nulidade do decisum na parte em que condicionou a conversão da
aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial “se atingido o tempo
necessário, o que deverá ser apurado por ocasião de eventual cumprimento de sentença".
Outrossim, de ofício, retifico o erro material constante da R. sentença para que passe a constar
que o período trabalhado na Usina Santa Adélia S/A e reconhecido como especial corresponde a
17/4/06 a 27/3/08, conforme CTPS, CNIS e Resumo de Documentos para os Cálculos do Tempo
de Contribuição.
Utilizo-me, aqui, dos ensinamentos do Eminente Professor Cândido Rangel Dinamarco, em
"Instituições de Direito Processual Civil", vol. III, pp. 684 e 685, Malheiros Editores:
"As correções informais da sentença são admissíveis a qualquer tempo, sem o óbice de supostas
preclusões. Precisamente porque não devem afetar em substância o decisório da sentença, o que
mediante elas se faz não altera, não aumenta e não diminui os efeitos desta."
Neste sentido, transcrevo o julgado do C. Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ERRO MATERIAL CONFIGURADO NA SENTENÇA QUANTO AO CÁLCULO
MATEMÁTICO. SOMATÓRIO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO QUE DÁ DIREITO A
PROVENTOS INTEGRAIS. CÁLCULO REFEITO PELO TRIBUNAL LEVANDO EM CONTA OS
MESMOS ELEMENTOS CONSIDERADOS PELA SENTENÇA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO
OCORRÊNCIA.
(...)
3. O erro material não decorre de juízo de valor ou de aplicação de norma jurídica sobre os fatos
do processo. Sua correção é possível a qualquer tempo, de ofício ou a requerimento das partes,
até porque o erro material não transita em julgado, tendo em vista que a sua correção não implica
em alteração do conteúdo do provimento jurisdicional.
4. Agravo regimental não provido."
(STJ, AgRg no REsp nº 1.213.286/SC, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
v.u., j. 23/06/15, DJe 29/06/15, grifos meus)
Passo à análise do mérito.
No que se refere ao reconhecimento da atividadeespecial, a jurisprudência é pacífica no sentido
de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do princípio
tempus regit actum (Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.310.034-PR).
Quanto aos meios de comprovação do exercício da atividade em condições especiais, até
28/4/95, bastava a constatação de que o segurado exercia uma das atividades constantes dos
anexos dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79. O rol dos referidos anexos é considerado
meramente exemplificativo (Súmula nº 198 do extinto TFR).
Com a edição da Lei nº 9.032/95, a partir de 29/4/95 passou-se a exigir por meio de formulário
específico a comprovação da efetiva exposição ao agente nocivo perante o Instituto Nacional do
Seguro Social.
A Medida Provisória nº 1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, ao
incluir o § 1º ao art. 58 da Lei nº 8.213/91, dispôs sobre a necessidade da comprovação da
efetiva sujeição do segurado a agentes nocivos à saúde do segurado por meio de laudo técnico,
motivo pelo qual considerava necessária a apresentação de tal documento a partir de 11/10/96.
No entanto, a fim de não dificultar ainda mais o oferecimento da prestação jurisdicional, passei a
adotar o posicionamento no sentido de exigir a apresentação de laudo técnico somente a partir
6/3/97, data da publicação do Decreto nº 2.172, de 5/3/97, que aprovou o Regulamento dos
Benefícios da Previdência Social. Nesse sentido, quadra mencionar os precedentes do C.
Superior Tribunal de Justiça: Incidente de Uniformização de Jurisprudência, Petição nº 9.194/PR,
Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 1ª Seção, j. em 28/5/14, v.u., DJe 2/6/14; AgRg no
AREsp. nº 228.590, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. em 18/3/14, v.u.,
DJe 1º/4/14; bem como o acórdão proferido pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados
Especiais Federais no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal nº
0024288-60.2004.4.03.6302, Relator para Acórdão Juiz Federal Gláucio Ferreira Maciel
Gonçalves, j. 14/2/14, DOU 14/2/14.
Por fim, observo que o art. 58 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Medida Provisória nº
1.523 de 11/10/96, a qual foi convertida na Lei nº 9.528 de 10/12/97, em seu § 4º, instituiu o Perfil
Profissiográfico Previdenciário (PPP), sendo que, com a edição do Decreto nº 4.032/01, o qual
alterou a redação dos §§ 2º e 6º e inseriu o § 8º ao art. 68 do Decreto nº 3048/99, passou-se a
admitir o referido PPP para a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes
nocivos. O art. 68 do Decreto nº 8.123/13 também traz considerações sobre o referido PPP.
Devo salientar que o laudo (ou PPP) não contemporâneo ao exercício das atividades não impede
a comprovação de sua natureza especial, desde que não tenha havido alteração expressiva no
ambiente de trabalho.
Ademais, se em data posterior ao trabalho realizado foi constatada a presença de agentes
nocivos, é de bom senso imaginar que a sujeição dos trabalhadores à insalubridade não era
menor à época do labor, haja vista os avanços tecnológicos e a evolução da segurança do
trabalho que certamente sobrevieram com o passar do tempo.
Quadra ressaltar, por oportuno, que o PPP é o formulário padronizado, redigido e fornecido pela
própria autarquia, sendo que no referido documento não consta campo específico indagando
sobre a habitualidade e permanência da exposição do trabalhador ao agente nocivo,
diferentemente do que ocorria nos anteriores formulários SB-40, DIRBEN 8030 ou DSS 8030, nos
quais tal questionamento encontrava-se de forma expressa e com campo próprio para aposição
da informação. Dessa forma, não me parece razoável que a deficiência contida no PPP possa
prejudicar o segurado e deixar de reconhecer a especialidade da atividade à míngua de
informação expressa com relação à habitualidade e permanência.
Vale ressaltar que o uso de equipamentos de proteção individual - EPInão é suficiente para
descaracterizar a especialidadeda atividade, a não ser que comprovada a real efetividade do
aparelho na neutralização do agente nocivo, sendo que, em se tratando, especificamente, do
agente ruído, não há, no momento, equipamento capaz de neutralizar a nocividade gerada pelo
referido agente agressivo, conforme o julgamento realizado, em sessão de 4/12/14, pelo Plenário
do C. Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral reconhecida no Recurso Extraordinário
com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do E. Ministro Luiz Fux.
Observo, ainda, que a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico
Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do
segurado aos agentes nocivos. Conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na
Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à
aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de
elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de
trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do
referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso
apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao
empregado.
Notório que o sistema criado pela legislação é falho e incapaz de promover a real comprovação
de que o empregado esteve, de fato, absolutamente protegido contra o fator de risco. A respeito,
é precisa a observação do E. Ministro Luís Roberto Barroso, ao sustentar que "considerar que a
declaração, por parte do empregador, acerca do fornecimento de EPI eficaz consiste em condição
suficiente para afastar a aposentadoria especial, e, como será desenvolvido adiante, para obter
relevante isenção tributária, cria incentivos econômicos contrários ao cumprimento dessas
normas" (Normas Regulamentadoras relacionadas à Segurança do Trabalho).
Exata, ainda, a manifestação do E. Ministro Marco Aurélio, ao invocar o princípio da primazia da
realidade, segundo o qual uma verdade formal não pode se sobrepor aos fatos que realmente
ocorrem - sobretudo em hipótese na qual a declaração formal é prestada com objetivos
econômicos.
Logo, se a legislação previdenciária cria situação que resulta, na prática, na inexistência de dados
confiáveis sobre a eficácia ou não do EPI, não se pode impor ao segurado - que não concorre
para a elaboração do laudo, nem para sua fiscalização - o dever de fazer prova da ineficácia do
equipamento de proteção que lhe foi fornecido. Caberá, portanto, ao INSS o ônus de provar que o
trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao
empregado - que labora em condições nocivas à sua saúde - a obrigação de suportar
individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são
compartilhados por toda a sociedade.
Ressalto, adicionalmente, que a Corte Suprema, ao apreciar a Repercussão Geral acima
mencionada, afastou a alegação, suscitada pelo INSS, de ausência de prévia fonte de custeio
para o direito à aposentadoria especial. O E. Relator, em seu voto, deixou bem explicitada a regra
que se deve adotar ao afirmar: "Destarte, não há ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio
financeiro e atuarial, pois existe a previsão na própria sistemática da aposentadoria especial da
figura do incentivo (art. 22, II e § 3º, Lei n.º 8.212/91), que, por si só, não consubstancia a
concessão do benefício sem a correspondente fonte de custeio (art. 195, § 5º, CRFB/88).
Corroborando o supra esposado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal considera que o
art. 195, § 5º, da CRFB/88, contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível
quando se tratar de benefício criado diretamente pela própria constituição".
Quanto à aposentadoria especial, em atenção ao princípio tempus regit actum, o benefício deve
ser disciplinado pela lei vigente à época em que implementados os requisitos para a sua
concessão, devendo ser observadas as disposições do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Cumpre ressaltar que, no cálculo do salário de benefício da aposentadoria especial, não há a
incidência do fator previdenciário, tendo em vista o disposto no inc. II do art. 29 da Lei nº
8.213/91.
Passo à análise do caso concreto.
1) Período: 25/8/77 a 21/12/81.
Empresa: Dr. José Waldomiro Boverio e José Francisco Baratela – Fazenda Santa Cecília.
Atividades/funções: trabalhador braçal (corte de cana).
Agente(s) nocivo(s): enquadramento por categoria profissional e hidrocarbonetos aromáticos.
Enquadramento legal: Código 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64. Código 1.2.11 do Decreto nº
53.831/64 e código 1.2.10 do Decreto nº 83.080/79.
Provas: Laudo Pericial (ID 76334071, p. 1/27).
Conclusão: Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial no
período de 25/8/77 a 21/12/81, por enquadramento na categoria profissional como trabalhador
rural, nos termos do código 2.2.1, do Decreto nº 53.831/64 ("Agricultura"/"Trabalhadores na
agropecuária") e em decorrência da exposição, de forma habitual e permanente, a
hidrocarbonetos aromáticos.
Em se tratando de agentes químicos, impende salientar que a constatação dos mesmos deve ser
realizada mediante avaliação qualitativa e não quantitativa, bastando a exposição do segurado
aos referidos agentes para configurar a especialidade do labor.
Neste sentido, colaciono a jurisprudência abaixo transcrita, in verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES
QUÍMICOS NOCIVOS. AVALIAÇÃO QUALITATIVA.
Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos são constatados a partir da
avaliação qualitativa; não requerem análise quantitativa da concentração ou intensidade máxima
a que submetido o trabalhador."
(TRF4, EINF nº 5000295-67.2010.404.7108/RS, Terceira Seção, Rel. Des. Fed. Luiz Carlos de
Castro Lugon, j. 11/12/14, v.u., DE 4/2/15, grifos meus)
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS.
CONCESSÃO.
(...)
6. Os riscos ocupacionais gerados pela exposição a agentes químicos são constatados a partir da
avaliação qualitativa; não requerem análise quantitativa da concentração ou intensidade máxima
a que submetido o trabalhador.
(...)
10. Comprovando o exercício da atividade especial por mais de 25 anos, o segurado faz jus à
concessão da aposentadoria especial, nos termos do artigo 57, caput, e § 1º, da lei 8.213, de 24-
07-1991, observado, ainda, o disposto art. 18, I, 'd', c/c 29, II, da LB, a contar da data do
requerimento administrativo."
(TRF4, AC nº 0009337-15.2015.4.04.9999/RS, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Convocado José
Antonio Savaris, j. 25/8/15, v.u., DE 2/9/15, grifos meus)
Outrossim, o próprio Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in
verbis: "Para os efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de
atividade do trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao
Decreto n° 53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da
Previdência Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos
anteriores à unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo de
atividade rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado
exclusivamente na lavoura ou na pecuária."
2) Períodos: 1º/5/95 a 18/11/04, 19/4/05 a 24/11/05 e 17/4/06 a 27/3/08.
Empresas: Usina São Martinho S/A e Usina Santa Adélia S/A.
Atividades/funções: motorista carreteiro.
Agente(s) nocivo(s): ruído de 90,1 dB.
Enquadramento legal: Código 1.1.6 do Decreto nº 53.831/64 (acima de 80 decibéis), Decreto nº
2.172/97 (acima de 90 decibéis) e Decreto nº 4.882/03 (acima de 85 decibéis).
Provas: Laudo Pericial (ID 76334071, p. 1/27).
Conclusão: Ficou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial nos
períodos de 1º/5/95 a 18/11/04, 19/4/05 a 24/11/05 e 17/4/06 a 27/3/08, em decorrência da
exposição, de forma habitual e permanente, ao agente ruído acima do limite de tolerância.
No tocante à comprovação da exposição ao agente nocivo ruído, há a exigência de apresentação
de laudo técnico ou PPP para comprovar a efetiva exposição a ruídos acima de 80 dB, nos
termos do Decreto nº 53.831/64. Após 5/3/97, o limite foi elevado para 90 dB, conforme Decreto
nº 2.172/97. A partir de 19/11/03 o referido limite foi reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto
nº 4.882/03. Quadra mencionar, ainda, que o C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do
Recurso EspecialRepetitivo Representativo de Controvérsia nº 1.398.260/PR (2013/0268413-2),
firmou posicionamento no sentido da impossibilidade de aplicação retroativa do Decreto nº
4.882/03, uma vez que deve ser aplicada a lei em vigor no momento da prestação do serviço.
Dessa forma, somando-se os períodos especiais reconhecidos nos presentes autos, com os
períodos já declarados como especiais administrativamente pelo INSS (1º/4/82 a 12/6/84, 16/6/84
a 14/11/84, 19/11/84 a 13/4/85, 2/5/85 a 31/10/85, 11/11/85 a 15/5/86, 27/5/86 a 29/11/86,
1º/12/86 a 15/4/87, 21/4/87 a 9/11/87, 9/11/87 a 30/3/88, 11/4/88 a 4/11/88, 7/11/88 a 7/4/89,
18/4/89 a 31/10/89 e 6/11/89 a 28/4/95), perfaz o autor mais de 25 anos de atividade especial,
motivo pelo qual faz jus à conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em
aposentadoria especial.
A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação.
Com relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso
Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários. Quadra ressaltar haver
constado expressamente do voto do Recurso Repetitivo que “a adoção do INPC não configura
afronta ao que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE
870.947/SE). Isso porque, naquela ocasião, determinou-se a aplicação do IPCA-E para fins de
correção monetária de benefício de prestação continuada (BPC), o qual se trata de benefício de
natureza assistencial, previsto na Lei 8.742/93. Assim, é imperioso concluir que o INPC, previsto
no art. 41-A da Lei 8.213/91, abrange apenas a correção monetária dos benefícios de natureza
previdenciária.” Outrossim, como bem observou o E. Desembargador Federal João Batista Pinto
Silveira: “Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os
créditos dos segurados, que os índices em referência – INPC e IPCA-E tiveram variação muito
próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de
2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%;
INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas
não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.” (TRF-4ª Região, AI nº
5035720-27.2019.4.04.0000/PR, 6ª Turma, v.u., j. 16/10/19).
Considerando que o autor decaiu de parte mínima do pedido, o INSS deve ser condenado ao
pagamento da verba honorária fixada à razão de 10% sobre o valor da condenação, nos termos
do art. 85 do CPC/15 e precedentes desta Oitava Turma.
No que se refere à sua base de cálculo, devem ser levadas em conta apenas as parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
Ante o exposto, de ofício, retifico o erro material constante da R. sentença e declaro a nulidade do
decisum na parte em que condicionou seus efeitos à prova do tempo necessário para a
conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, dou parcial
provimento à apelação da parte autora para reconhecer o caráter especial das atividades
exercidas no período de 25/8/77 a 21/12/81 e fixar a verba honorária em 10% sobre o valor das
parcelas vencidas até a data da prolação da R. sentença e nego provimento à apelação do INSS,
devendo a correção ser fixada na forma acima indicada.
É o meu voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Peço vênia ao eminente Relator para dele divergir parcialmente.
Com efeito, não reconheçoa especialidade da atividade exercida pelo autor no período de
25/08/1977 a 21/12/1981, bem como o direito à conversão de sua aposentadoria por tempo de
contribuição em aposentadoria especial.
Isso porque não há possibilidade deenquadramento, por equiparação, do período laborado como
empregado rural na lavoura de cana-de-açúcar, no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64
(trabalhadores na agropecuária), conforme entendimento do STJ no julgamento do Pedido de
Uniformização de Interpretação de Lei nº452/PE (PUIL 452/PE, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2019, DJe 14/06/2019).
A título de comprovação da especialidade em tela, foi produzido laudo pericial em juízo que,
embora faça menção de forma genérica à presença de hidrocarbonetos aromáticos na lavoura
canavieira, concluiu pela exposição do autor apenas a calor excessivo, proveniente de fonte
natural, e a outros fatores que, igualmente, não ensejam o enquadramento pretendido, nos
termos da legislação previdenciária (radiação não ionizante emanada do sol, risco ergonômico e
de acidentes – contato com animais peçonhentos).
Assim, não atingido o tempo necessário à concessão da aposentadoria especial, faz jus o
requerente somente à revisão de seu benefício, mediante o cômputo dos demais períodos
especiais declarados na sentença.
No mais, acompanho o voto do eminente Relator.
Ante o exposto, de ofício, retifico o erro material constante na r. sentença e declaro a nulidade do
decisum na parte em que condicionou seus efeitos à prova do tempo necessário para a
conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial e nego
provimento à apelação da parte autorae à apelação do INSS.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA CONDICIONAL. ERRO MATERIAL. ATIVIDADE ESPECIAL.
TRABALHADORES NA AGROPECUÁRIA. AGENTES QUÍMICOS. RUÍDO. CONVERSÃO DA
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL.
CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I- Nos termos do art. 492, parágrafo único, do CPC, a sentença deve ser certa, ainda quando
decida relação jurídica condicional. A sentença que condiciona a procedência do pedido à
satisfação de determinados requisitos pelo autor deixa a lide sem solução, negando a segurança
jurídica buscada pela via da jurisdição.
II- Retifica-se, de ofício, o erro material constante da R. sentença para que passe a constar que o
período trabalhado na Usina Santa Adélia S/A e reconhecido como especial corresponde a
17/4/06 a 27/3/08, conforme CTPS, CNIS e Resumo de Documentos para os Cálculos do Tempo
de Contribuição.
III- No que se refere ao reconhecimento do tempo de serviço especial, a jurisprudência é pacífica
no sentido de que deve ser aplicada a lei vigente à época em que exercido o trabalho, à luz do
princípio tempus regit actum.
IV- No tocante a agentes químicos, impende salientar que a constatação dos mesmos deve ser
realizada mediante avaliação qualitativa e não quantitativa, bastando a exposição do segurado
aos referidos agentes para configurar a especialidade do labor.
V- O Conselho de Recursos da Previdência Social editou o Enunciado nº 33, in verbis: "Para os
efeitos de reconhecimento de tempo especial, o enquadramento do tempo de atividade do
trabalhador rural, segurado empregado, sob o código 2.2.1 do Quadro anexo ao Decreto n°
53.831, de 25 de março de 1964, é possível quando o regime de vinculação for o da Previdência
Social Urbana, e não o da Previdência Rural (PRORURAL), para os períodos anteriores à
unificação de ambos os regimes pela Lei n° 8.213, de 1991, e aplica-se ao tempo de atividade
rural exercido até 28 de abril de 1995, independentemente de ter sido prestado exclusivamente
na lavoura ou na pecuária."
VI- Em se tratando do agente nocivo ruído, a atividade deve ser considerada especial se exposta
a ruídos acima de 80 dB, nos termos do Decreto nº 53.831/64. No entanto, após 5/3/97, o limite
foi elevado para 90 dB, conforme Decreto nº 2.172. A partir de 19/11/03 o referido limite foi
reduzido para 85 dB, nos termos do Decreto nº 4.882/03.
VII- A documentação apresentada permite o reconhecimento da atividade especial em parte do
período pleiteado.
VIII- Com relação à aposentadoria especial, houve o cumprimento dos requisitos previstos no art.
57 da Lei nº 8.213/91.
IX- A correção monetária deve incidir desde a data do vencimento de cada prestação. Com
relação aos índices de atualização monetária, devem ser observados os posicionamentos
firmados na Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810) e no Recurso
Especial Repetitivo nº 1.492.221 (Tema 905), adotando-se, dessa forma, o IPCA-E nos processos
relativos a benefício assistencial e o INPC nos feitos previdenciários.
X- A verba honorária fixada, no presente caso, à razão de 10% sobre o valor da condenação
remunera condignamente o serviço profissional prestado. No que se refere à sua base de cálculo,
devem ser levadas em conta apenas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença,
nos termos da Súmula nº 111, do C. STJ.
XI- Erro material retificado ex officio. Sentença parcialmente anulada ex officio. Apelação da parte
autora parcialmente provida. Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no
julgamento, a Oitava Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, retificar o erro material constante
da R. sentença e declarar a nulidade do decisum na parte em que condicionou seus efeitos à
prova do tempo necessário para a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em
aposentadoria especial e negar provimento à apelação do INSS e, por maioria, decidiu dar parcial
provimento à apelação da parte autora, nos termos do voto do Relator, com quem votaram o
Desembargador Federal David Dantas e a Juíza Federal Convocada Vanessa Mello, vencidos,
parcialmente, os Desembargadores Federais Luiz Stefanini e Therezinha Cazerta, que lhe
negavam provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
