
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003817-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: HERONDINA ALVES DO VALLE CONCEICAO
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003817-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: HERONDINA ALVES DO VALLE CONCEICAO
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Cuida-se de ação ajuizada em 20/03/2012, que tem por objeto a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença previdenciário a trabalhadora rural (segurada especial).
O feito foi sentenciado em 10/02/2016. O pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de que “a autora é contribuinte individual, já que não há indicação numa linha sequer da petição inicial acerca dalguma relação de emprego no âmbito rural”. Em razão disso concluiu-se que a autora não tinha direito a auxílio-acidente por acidente do trabalho.
A autora interpôs apelação. Nas razões desfiadas, alega, em síntese, tratar-se de sentença extra petita, vez que pleiteia-se na presente ação benefício por incapacidade previdenciário a segurada especial. Sustenta, ainda, que se demonstraram cumpridos os requisitos para a obtenção do benefício por incapacidade perseguido, notadamente qualidade de segurada. Defende que o início de prova material corroborado pelos depoimentos testemunhais iluminam a sua condição de segurada especial até a aquisição das moléstias incapacitantes.
Sem contrarrazões, acederam os autos a esta Corte.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003817-96.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 51 - DES. FED. FONSECA GONÇALVES
APELANTE: HERONDINA ALVES DO VALLE CONCEICAO
Advogado do(a) APELANTE: MARCOS JASOM DA SILVA PEREIRA - SP286251-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Por preencher os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso interposto.
Inicialmente, verifico que a parte autora moveu a presente ação objetivando a concessão de benefício previdenciário por incapacidade: aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença a trabalhadora rural (segurada especial).
O decisum de primeiro grau, de sua vez, julgou improcedente o pedido de auxílio-acidente por acidente do trabalho, ao fundamento de se tratar de contribuinte individual.
Consoante o disposto nos artigos 141 e 492 do Código de Processo Civil, o juiz decidirá a lide nos limites propostos pelas partes; a ele é defeso proferir decisão de natureza diversa do pedido ou condenar a parte em quantia superior ou diversa da que lhe foi demandada.
Nessa medida, sobressai a nulidade da sentença proferida, de vez que entregou prestação jurisdicional diversa da vindicada. É desse sentir esta Nona Turma: AC nº 5042093-72.2022.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Cristina Melo, j. 08/12/2023, DJEN 13/12/2023 e AC nº 5003030-79.2018.4.03.9999, Rel. o Juiz Federal Convocado Nilson Lopes, j. 16/10/2023, DJEN 20/10/2023.
Considerando que o feito encontra-se em condições de imediato julgamento, já que cabalmente instruído, aplico à espécie o disposto no artigo 1.013, §3º, II, do CPC e passo a dirimi-lo.
Em se cuidando de benefício por incapacidade, os artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91 dão regramento à matéria, nos seguintes termos:
“Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição” (ênfases colocadas).
“Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos” (grifos apostos).
Eis, portanto, os requisitos que em um e outro caso se exigem: (i) qualidade de segurado; (ii) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (iii) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar e (iv) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão de doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo copiado e §1º do segundo).
Colimando benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores (nas situações de trabalho assalariado) ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
Ademais, como ressabido, nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a ao menos alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
É importante realçar, no tocante ao reconhecimento do tempo de serviço rural, que início material de prova possui eficácia probante tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que conte com bastante confirmação oral (Agint no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra Regina Helena Costa, DJe de 29/05/2017; AgRg no AREsp 320558/MT, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 30/03/2017; Agint no AREsp 960539/SP, Rel. Miistro Herman Benjamin, DJe de 06/03/2017; Agint no AREsp 908016/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe de 29/11/2016, Tema 638 e Súmula 577/STJ).
Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ).
O STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por consistente prova testemunhal (REsp 1321493/PR).
É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
Vale registrar ainda que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar (Súmula 73 do TRF4), situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003 e TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
O artigo 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91 define o regime de economia familiar e o artigo 106 do mesmo compêndio legal dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018).
Muito bem.
A autora, intitulando-se rurícola, persegue benefício de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença.
Principie-se por dizer que está ela deveras incapacitada.
Os exames periciais realizados revelam que a autora, analfabeta, padece de hérnia de disco de coluna lombossacra e discreta gonartrose à direita (ID 95335716 – Págs. 70/71 e 102/103).
A incapacidade foi considerada total e permanente, desde 20/03/2013, tomando como base " exame de TC de coluna LS” (ID 95335716 – Pág. 102).
Em que pese a conclusão da perícia judicial acerca da DII (fixada em data posterior ao ajuizamento da ação), a autora trouxe a lume atestados médicos e de fisioterapeuta, datados de 21/10/2011 e 10/01/2012 (ID 95335716 – Págs. 25/28), registrando estar em tratamento das patologias identificadas na perícia judicial desde 2010.
Em outro giro, percebo que a autora, nascida em 24/09/1963 (ID 95335716 – Pág. 14), não formulou requerimento administrativo, tendo ingressado diretamente com esta ação judicial em 20/03/2012 (antes do julgamento do RE 631.240/MG: 03/09/2014, portanto, e contestada pelo mérito - ID 95335716 - ps. 42/51).
Afirma a autora na inicial: “nasceu em 24 de setembro de 1963, na cidade de Apiai/SP, contando atualmente com 48 (quarenta e oito) anos de idade (docs. 02); filha de pais lavradores, desde tenra idade trabalha na lide campesina. Em 10 de novembro de 1984, casou-se com o Senhor VALDEMAR CONCEIÇÃO, também natural do Município de Barra do Chapéu/SP, e de profissão LAVRADOR conforme comprova cópia da Certidão de Casamento (Doc. 03). (...) A Autora e seu esposo sempre plantaram em terras arrendadas e em regime de meação, plantando: vagem, abobrinha, milho e feijão, em pequenas quantidades, devido a difícil situação financeira da família. Até os dias de hoje trabalham juntos, cuidando das plantações e de pequenos animais, para a sua própria subsistência” (ID 95335716 – Pág. 4).
Para provar exercício da atividade rural, a autora trouxe a lume os seguintes documentos:
- certidão de seu casamento, núpcias havidas em 10/11/1984, na qual se atribuiu ao varão, Valdemar Conceição, a qualificação de lavrador (ID 95335716 – Pág. 15);
- certidões de nascimento de seus filhos, com registros datados de 4/11/1985 (Samuel do Valle Conceição), 15/07/1987 (Daniel do Valle Conceição), 18/11/1995 (Iluano Conceição), 07/10/1997 (Adriel do Valle Conceição), 27/04/1999 (Iluana Kátia Alves do Valle Conceição) e 13/07/2000 (Valéria Alves do Valle Conceição), constando a qualificação de lavrador a seu marido Valdemar Conceição (ID 95335716 – Págs. 16/17 e 20/23);
- certidões de nascimento de seus filhos, com registros datados de 04/06/1992 (Ademilson Conceição) e 30/04/1994 (Elson do Valle Conceição), sem qualificação da autora ou do seu cônjuge Valdemar (ID 95335716 – Págs. 18/19);
- CTPS da autora, sem vínculos laborativos (ID 95335716 – Pág. 24);
- notas fiscais de aquisição de pesticidas e engenho para cana, emitidas em 13/10/2010, 11/02/2011 e 02/05/2011, em nome de seu marido Valdemar e com endereço no “Sítio Cambuta”, no município de Barra do Chapéu/SP (ID 95335716 – Págs. 31/33); e
- certidões da Justiça Eleitoral, atestando que a autora e seu marido Valdemar, por ocasião de suas inscrições eleitorais em 18/09/1986 e 17/06/1999, respectivamente, informaram suas ocupações como agricultores (ID 95335716 – Págs. 34/35);
- conta de energia elétrica em nome da autora, emitida em 10/10/2011, com endereço no bairro Cambuta, na cidade Barra do Chapéu/SP (ID 95335716 – Pág. 36).
Veja-se, pois, que aportou nos autos início material de prova, referido à própria autora, consubstanciado nas certidões eleitorais a que se fez menção. São documentos públicos, que valem como começo de prova (STJ - AgRg no AREsp 577.360/MS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe de 22/06/2016 e AR 4.507/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe de 24/08/2015), os quais indicam para a autora a ocupação de agricultora.
Na audiência realizada em 25/04/2013 (ID 95335716 – Pág. 78), foram colhidos os depoimentos de 2 (duas) testemunhas.
Aparício Alves de Oliveira (ID 95335716 – Pág. 79), disse: “conheço a autora desde criança, ou seja, há mais de quarenta anos. Sempre trabalhou na lavoura, ora com seu pai, ora com o marido, no terreno que recebeu de herança. No mencionado terreno plantava milho, feijão e arroz, para o gasto e vendia o excedente. Quando ficou doente, a autora ainda estava trabalhando como rurícola. Trabalhou como diarista para terceiros. Já faz mais de um ano que a autora não mais trabalha por razões de saúde, já que tem problema nos ossos”.
Por sua vez, Gerair Alves de Oliveira (ID 95335716 – Pág. 80) afirmou: “conheço a autora desde que eu era criança, há mais de trinta anos. Pelo que sei, a autora sempre trabalhou como rurícola, condição esta que também possui seu marido. Não possuem terreno próprio, sendo que trabalham para terceiros como diarista. Não sei informar para quem a autora trabalha. Quando a autora adoeceu estava trabalhando na lavoura de tomate, no bairro Cambuta, no município de Barra do Chapéu, mas não sei informar para quem estava trabalhando. Atualmente não está trabalhando, porque não aguenta, em virtude das doenças que possui. Possui problemas de coluna e joelho, como artrose e desgaste”.
Conforme consulta realizada no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, verifica-se que a autora não possui vínculos laborativos cadastrados e está em gozo de aposentadoria por idade rural NB 166.218.512-7 (forma de filiação "segurado especial") desde 22/10/2018 e pensão por morte previdenciária rural NB 206.975.603-8 (forma de filiação "segurado especial") desde 05/05/2021, em decorrência do falecimento de seu esposo Valdemar.
Dessa maneira, a combinação dos elementos probatórios coligidos permite discernir que a autora trabalhou na lavoura até cair doente.
De acordo com eles, a autora lidou no campo, de 2010 até início de 2012, conclusão que se tira do que disseram as testemunhas (que a autora e seu marido trabalharam como rurícolas no bairro Cambuta, no município de Barra do Chapéu/SP e “que já faz mais de um ano que a autora não mais trabalha por razões de saúde”).
Tais depoimentos vão encontrar suporte nas notas fiscais de aquisição de pesticidas e engenho para cana, emitidas em 13/10/2010, 11/02/2011 e 02/05/2011 em nome de Valdemar e com endereço “Sítio Cambuta”, em Barra do Chapéu/SP (ID 95335716 – Págs. 31/33) e na conta de energia elétrica da autora, emitida em 10/10/2011, com endereço também no bairro Cambuta (ID 95335716 – Pág. 36).
Ademais, compõem-se harmonicamente com os documentos médicos do ID 95335716 – Págs. 26/28, datados de 21/10/2011 e 10/01/2012, a estampar que a autora, na época, já fazia tratamento para a gonartrose, a espondilolise e a osteoartrose de joelhos.
É possível então concluir que a autora empalmava qualidade de segurada ao tempo em que nela se instalou incapacidade total e permanente para o trabalho certificada na perícia -- e nos doze meses que a antecederam.
Portanto, o caso decerto enseja aposentadoria por invalidez previdenciária.
Nesse mesmo sentido, indicam-se precedentes desta Nona Turma: AC nº 5000592-70.2024.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Daldice Santana, j. 08/05/2024, DJEN 16/05/2024, AC nº 0004696-69.2019.4.03.9999, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, j. 08/03/2024, DJEN 13/03/2024.
O termo inicial do benefício deve incidir a partir da citação (16/07/2012 – ID 95335716 – Pág. 40), diante da ausência de prévio requerimento administrativo (STJ, AgInt nos EDcl no REsp nº 2080867/PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 08/04/2024, DJe 11/04/2024).
Considerando que a autora está em gozo de aposentadoria por idade rural NB 166.218.512-7 desde 22/10/2018, conforme consulta ao CNIS, a aposentadoria por invalidez aqui concedida deverá ser mantida até 21/10/2018, véspera da DIB da aposentadoria por idade, em razão do disposto no art. 124 da Lei nº 8.213/1991.
À parte autora serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
Invertida a sucumbência, condeno o INSS a pagar honorários advocatícios dela decorrentes, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, composta pelas prestações mais os acréscimos estabelecidos entre 16/07/2012 a 21/10/2018.
Diante do exposto, acolho a matéria preliminar para anular a sentença e, nos termos do art. 1.013, §3º, II, do CPC, julgo procedente o pedido para conceder a aposentadoria por invalidez à autora de 16/07/2012 a 21/10/2018, acrescida de correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, nos termos da fundamentação; julgo prejudicada a apelação da autora quanto ao mérito.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA EXTRA PETITA. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TRABALHADORA RURAL. INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. APELO DA AUTORA PROVIDO.
- Extra petita (arts. 141 e 492 do CPC), a nulidade da sentença é medida que se impõe, porquanto entregue prestação jurisdicional diversa da pleiteada.
- Sentença anulada e julgamento nos termos do art. 1.013, §3º, II, do CPC.
- Segundo os artigos 42 e 59 da Lei n° 8.213/91, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença depende da comprovação dos seguintes requisitos: (I) qualidade de segurado; (II) carência de doze contribuições mensais (artigo 25, I, da Lei nº 8.213/91), salvo quando legalmente inexigida; (III) incapacidade para o exercício de atividade profissional, cujo grau e período de duração determinarão o benefício a calhar; e (IV) surgimento da patologia após a filiação do segurado ao Regime Geral de Previdência Social – RGPS, exceto se, cumprido o período de carência, a incapacidade advier de agravamento ou progressão da doença ou lesão (§2º do primeiro dispositivo citado e §1º do segundo).
- Colimando benefício por incapacidade, os trabalhadores rurais estão dispensados de recolher contribuições. Ou dita obrigação toca aos empregadores (nas situações de trabalho assalariado) ou, em se tratando de segurados especiais, basta que demonstrem o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao início da incapacidade, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (doze meses, art. 25, I, da Lei nº 8.213/91).
- Nas linhas do artigo 55, parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, prova exclusivamente testemunhal não basta para comprovar tempo de atividade para fins previdenciários (Súmula 149 do STJ e Tema nº 297 de seus Recursos Repetitivos).
- Faz início razoável de prova material qualquer documento contemporâneo à época do labor (Súmula 34 da TNU) e que seja referente a alguma fração do período a ser considerado (Súmula 14 da TNU).
- Permite-se reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo ou posterior ao mais recente, desde que este seja contemporâneo ao período a comprovar e corroborado por idônea e robusta prova testemunhal.
- Mesmo o trabalhador rural boia-fria precisa exibir início de prova material para fazer jus a benefícios previdenciários (Tema Repetitivo 554/STJ).
- Ademais, o STJ sedimentou o entendimento de que para a comprovação do labor rurícola do diarista (boia-fria), a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação à Súmula 149, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por consistente prova testemunhal (REsp 1321493/PR).
- É, deveras, daquele Sodalício a compreensão de que o trabalhador rural boia-fria é equiparado ao segurado especial de que trata o inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/1991, quanto aos requisitos necessários à obtenção de benefício previdenciário (REsp nº 1762211/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. de 27/11/2018).
- Vale registrar ainda que, em regra, documentos em nome de terceiros, como pais, cônjuge e filhos, são hábeis a comprovar a atividade rural a envolver segurado especial em regime de economia familiar (Súmula 73 do TRF4), situação em que dificilmente todos os membros da família terão documentos em seu próprio nome, posto que concentrados, na maioria das vezes, na figura de um só deles (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003 e TRF3, AC 2201513, 9.ª T., e-DJF3 Judicial 1 DATA: 28/04/2017).
- O artigo 11, VII, § 1º, da Lei nº 8.213/91 define o regime de economia familiar e o artigo 106 do mesmo compêndio legal dispõe que a comprovação do exercício da atividade rural será feita, no caso de segurado especial em regime de economia familiar, por meio de um dos documentos lá elencados, a saber: contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural; Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; bloco de notas do produtor rural; notas fiscais de entrada de mercadorias emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor; documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante; comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social; cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural ou licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra, em nome próprio, de seu cônjuge ou de seus genitores (TRF3, ApCiv. 0042952-23.2015.4.03.9999, Décima Turma, Rel. o Des. Fed. Baptista Pereira, DJF3 de 09/08/2018).
- O exame médico-pericial realizado concluiu pela incapacidade total definitiva da autora para o labor habitual.
- O painel probatório colhido, conjugando indícios materiais e prova oral, dá conta de que a autora empalmava qualidade de segurada ao cair doente e no período de doze meses anteriores a este evento.
- Aposentadoria por invalidez previdenciária devida.
- O termo inicial do benefício deve incidir a partir da citação (16/07/2012 – ID 95335716 – Pág. 40), diante da ausência de prévio requerimento administrativo (STJ, AgInt nos EDcl no REsp nº 2080867 / PB, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, j. 08/04/2024, DJe 11/04/2024).
- Considerando que a autora está em gozo de aposentadoria por idade NB 166.218.512-7 desde 22/10/2018, conforme consulta ao CNIS, a aposentadoria por invalidez aqui concedida deverá ser mantida até 21/10/2018, véspera da DIB da aposentadoria por idade, em razão do disposto no art. 124 da Lei nº 8.213/1991.
- À parte autora serão pagas, de uma única vez, as prestações vencidas desde a data de início do benefício fixada neste julgado, descontando-se o período em que tenha comprovadamente recebido benefício inacumulável, acrescidas de correção monetária, calculada na forma da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
- Juros de mora correm da citação, no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês, até a entrada em vigor da Lei nº 10.406/2002 e, a partir de então, à razão de 1% (um por cento) ao mês (artigo 406 do Código Civil). Desde de julho de 2009, incide a taxa de juros aplicável à remuneração da caderneta de poupança (Repercussão Geral no RE nº 870.947), observada, quanto ao termo final de sua incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE nº 579.431.
- A contar do mês de promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 8/12/2021, a apuração do débito se dará unicamente pela Taxa SELIC, mensalmente e de forma simples, nos termos do disposto em seu artigo 3º, ficando vedada a incidência da Taxa SELIC cumulada com juros e correção monetária.
- Condenado o INSS a pagar honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a condenação, nos termos explicitados no voto.
- Matéria preliminar acolhida. Benefício deferido. Apelação da autora prejudicada quanto ao mérito.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
