Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2298203 / SP
0008721-62.2018.4.03.9999
Relator(a)
JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA INFRA PETITA. ART. 1,013, §3º, III, DO CPC.
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TRABALHO RURAL. TRABALHO EM
CONDIÇÕES ESPECIAIS. BENEFÍCIO REVOGADO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
- Recebidos os recursos, já que manejados tempestivamente, conforme certificado nos autos, e
com observância da regularidade formal, nos termos do Código de Processo Civil/2015.
- Inicialmente observa-se que a r.sentença não analisou o pedido constante da inicial, com
relação ao pedido de reconhecimento de tempo de serviço exercido em condições especiais.
Como é sabido, pelo princípio da congruência ou adstrição, o magistrado deve decidir a lide
dentro dos limites objetivados pelas partes, não podendo proferir sentença de forma extra, ultra
ou infra petita, conforme previsto no art. 492 do CPC. Assim, diante da ausência de análise de
um dos pedidos constantes da inicial, a sentença deveria ser anulada. No entanto,
considerando que a causa está madura para julgamento, as provas foram satisfatoriamente
produzidas, sendo observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, com a citação
válida do ente autárquico, estando o processo em condições de imediato julgamento, passo a
apreciar o mérito, conforme autoriza o artigo 1013, § 3º, inciso III, do CPC/15.
- A aposentadoria por tempo de contribuição integral, antes ou depois da EC/98, necessita da
comprovação de 35 anos de serviço, se homem, e 30 anos, se mulher, além do cumprimento da
carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do advento da
mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de
implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se um número de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado art. 25, II. O
art. 4º, por sua vez, estabeleceu que o tempo de serviço reconhecido pela lei vigente deve ser
considerado como tempo de contribuição, para efeito de aposentadoria no regime geral da
previdência social (art. 55 da Lei 8213/91).
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- No caso, diante das provas produzidas, somente é possível reconhecer a atividade rural sem
registro do autor, no período de 11/01/1975 a 28/07/1976. Não há provas materiais para o
período anterior a 1975, em nome do autor ou de sua família, para comprovar que trabalhava
no campo ou acompanhava seus pais nas lides rurais, quando criança ou jovem. E tanto as
testemunhas como o próprio autor prestaram depoimentos genéricos e imprecisos, não
oferecendo um mínimo de segurança para comprovar a atividade alegada.
- Dessa forma, deve ser reconhecida a atividade exercida como trabalhador rural pelo autor,
apenas no período de 11/01/1975 a 28/07/1976 (01 ano, 06 meses e 19 dias),
independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, que devem ser
averbadas nos registros previdenciários competentes.
- E para o período não reconhecido, de 08/04/1964 a 10/01/1975, adota-se o entendimento
consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos,
conforme art. 543-C, do CPC/1973, no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz
a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido
do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 485, IV, do NCPC ),
propiciando ao autor intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários (REsp
1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL , julgado em
16/12/2015, DJe 28/04/2016).
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- Constando da perícia que o segurado ficava exposto a agente nocivo, seja pela simples
presença do agente no ambiente , ou porque estava acima do limite de tolerância, deve-se
concluir que tal exposição era, nos termos do artigo 65, do RPS - Regulamento da Previdência
Social, habitual, não ocasional nem intermitente e indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
- A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Considerando tal
evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
- No caso, deve ser reconhecida a a natureza especial das atividades laborativas
desempenhadas pelo autor, nos períodos de 01/10/1988 a 30/10/1990, 02/05/1994 a
10/02/1995, 09/04/1996 a 11/12/2007 e 01/05/2008 a 30/07/2010, seja pela exposição ao
agente químico (hidrocarboneto), seja pelo ruído de 97,2 dB, devendo ser convertidos o tempo
especial reconhecido em tempo comum, pelo fator 1,40, resultando num acréscimo de 06 anos,
08 meses e 15 dias ao tempo de contribuição, devendo o INSS proceder a devida adequação
dos períodos especiais reconhecidos nos registros previdenciários do autor.
- Considerando o tempo de serviço incontroverso (24 anos, 04 meses e 08 dias), o tempo de
serviço rural reconhecido (01 ano, 06 meses e 19 dias), e o acréscimo decorrente da conversão
do tempo especial em tempo comum (06 anos, 08 meses e 15 dias), verifica-se que o autor, na
data do requerimento administrativo (30/06/2014), possuía o total de 32 anos, 07 meses e 12
dias de tempo de contribuição, não fazendo jus, portanto, ao benefício de aposentadoria
concedido na sentença, que deve ser revogado.
- Diante do parcial provimento do recurso do INSS, com o indeferimento parcial do pedido de
reconhecimento de trabalho rural e indeferimento do pedido de aposentadoria, a hipótese dos
autos é de sucumbência recíproca, motivo pelo qual as despesas processuais devem ser
proporcionalmente distribuídas entre as partes, na forma do artigo 86, do CPC/15, não havendo
como se compensar as verbas honorárias, por se tratar de verbas de titularidade dos
advogados e não da parte (artigo 85, § 14, do CPC/15). Por tais razões, com base no artigo 85,
§§2° e 3°, do CPC/15, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios aos
patronos do INSS, que fixo em 10% do valor atualizado da causa, considerando que não se
trata de causa de grande complexidade, mas sim repetitiva, o que facilita o trabalho realizado
pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço. Suspende-se, no entanto, a sua
execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser a parte autora beneficiária da
Justiça Gratuita. Por outro lado, vencido o INSS no que tange ao reconhecimento de parte do
período rural e períodos especiais, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, que
fixo, da mesma foram, em 10% do valor atualizado da causa.
- Sentença anulada. Processo maduro para julgamento. Recursos das partes parcialmente
providos. Benefício revogado.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, anular a sentença por
ofensa ao art. 492 do CPC/2015, e com fulcro no art. art. 1.013 , §3º, do CPC/2015, dar parcial
provimento ao recurso da parte autora, para reconhecer a natureza especial das atividades
desempenhadas nos períodos de 01/10/1988 a 30/10/1990, 02/05/1994 a 10/02/1995,
09/04/1996 a 11/12/2007 e 01/05/2008 a 30/07/2010, convertendo-as em tempo comum, pelo
fator 1,40, e dar parcial provimento ao recurso interposto pelo INSS, para reconhecer o tempo
de serviço rural apenas com relação ao período de 11/01/1975 a 28/07/1976, revogando a
aposentadoria por tempo de contribuição concedida na sentença, fixando a sucumbência
recíproca, e, de ofício, para o período de atividade rural não reconhecido, de 08/04/1964 a
10/01/1975, julgar extinto o processo sem resolução do mérito, conforme dispõe o art. 485, IV,
do CPC/2015, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
