Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5170409-40.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
01/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
1. A insuficiência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural no período de
carência caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do
processo a ensejar a sua extinção sem exame do mérito.
2. Honorários de advogado mantidos a cargo da autora, que deu causa à extinção do processo
sem resolução do mérito, observada a gratuidade da Justiça deferida nos autos.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIO
Nº
RELATOR:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5170409-40.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: DIVA PLENS DOS SANTOS MARQUES
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA):Trata-se de
apelação interposta pela parte autora em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade
rural.
A r. sentença de fls. 22/27 julgou improcedente o pedido inicial e condenou a parte autora no
pagamento dos ônus da sucumbência, suspensa a exigibilidade em razão dos benefícios da
assistência judiciária gratuita.
Em suas razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença aduzindo, em
síntese, que restaram comprovados os requisitos necessários à concessão do benefício
pleiteado.
Regularmente processado o feito, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5170409-40.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: DIVA PLENS DOS SANTOS MARQUES
Advogado do(a) APELANTE: MARCO ANTONIO DE MORAIS TURELLI - SP73062-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA):A parte autora
ajuizou a presente ação pretendendo a concessão da aposentadoria por idade rural, prevista no
artigo 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91, in verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida
nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se
mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso
de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I,
na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)"
Para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento
dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo
igual ao da carência exigida para a sua concessão, sendo imperioso observar o disposto nos
artigos 142 e 143, ambos da Lei nº 8.213/91.
Feitas essas considerações, no caso concreto, a idade mínima exigida para a obtenção do
benefício restou comprovada pela documentação trazida aos autos, onde consta que a parte
autora nasceu em 20/08/1962, implementando o requisito etário em 2017.
Segundo a apelante, ela sempre exerceu atividades rurais juntamente com os pais, irmãos e
familiares próximos, tendo nascido em uma família de lavradores, casou-se com lavrador
(embora não conviva atualmente com o marido) e trabalhou sempre na lavoura.
Para a comprovação do exercício da atividade rural, a parte autora apresentou os seguintes
documentos Certidão de Casamento (14/09/1985) onde seu marido está qualificado como
lavrador (fl. 277), CTPS da autora com dois registros rurais de 06/09/1995 a 08/01/1996 e de
01/10/2003 a 06/01/2004 (fl. 269/275); CTPS irmão da autora - lavrador ; CTPS pai da autora -
lavrador com vínculos rurais a partir de 1986 (fls. 180/ 181 e 186/187); CTPS do ex-marido (fl.
89/ 106 e 181/185) com vínculos rurais a partir de 2006 ; documentos de atividade rural em
nome de seu irmão , dentre eles, Declarações da Vacinação Contra Febre Aftosa – 2011, 2012,
2013, 2014, 2015, em nome de seu irmão Carlos Plens dos Santos (fl. 243/262, 264, 266);
notas fiscais de aquisição de vacinas em nome de seu irmão – 2015 (fl. 248, 265); atestados de
vacinação 2010, – 2013 (fl. 243), notas fiscais de produtor rural ; contrato de arrendamento
Dúvidas não subsistem sobre a possibilidade de extensão da qualificação de lavrador constante
em documento de familiar próximo.
Todavia, tal possibilidade deve ser analisada à luz do caso concreto.
Os documentos em nome de Cláudio não lhe socorrem porque, em seu depoimento pessoal
(ano de 2021) a autora afirmou que está separada de fato de seu ex-cônjuge há mais de 15
(quinze) anos, o que, inclusive, contraria o quanto alegado em sua inicial. Logo, os documentos
em seu nome não lhe aproveitam.
Por outro lado os documentos em nome de seu irmão não são extensíveis àautora pois, além
de não integrarem o mesmo núcleo familiar, a própria requerente, em seu depoimento pessoal,
disse que não trabalhou para o irmão, mas sim apenas trabalharam juntos para outros
empregadores, em outras Fazendas, não tendo sequer conseguido precisar efetivamente em
quais períodos isto ocorreu.
De igual sorte, os documentos em nome de seu pai não servem para comprovar eventual
condição de rurícola pois exige-se a apresentação de início de prova material no período de
carência, época em que a autora e seu genitor não integravam o mesmo núcleo familiar,
revelando-se imprescindível que a autora apresente documento em nome próprio.
Por oportuno, colho da certidão da Justiça Eleitoral de fl. 179 que, por ocasião de sua inscrição,
a autora declarou ser "Dona de Casa".
É certo que aparte autora instruiu o seu pedido com cópia de sua CTPS com os seguintes
registros: 06/09/1995 a 08/01/1996 como "ajudante geral de Fazenda"; 01/10/2003 a
06/01/2004 como "trabalhadora em serviços gerais rurais"., o que, a princípio constitui início de
prova material do labor rural, muito embora praticamente anterior ao período de carência (2002
a 2017).
Contudo, a prova testemunhal, no caso concreto, não possui aptidão para ampliar a sua eficácia
probatória, pois se revelou vaga e genérica.
No caso concreto, a prova testemunhal é frágilnão possuindo aptidão para ampliar a eficácia
probatória da prova material trazida aos autos e, assim, não estendendo sua eficácia tanto para
períodos anteriores como posteriores à data do documento apresentado.
Em seu depoimento pessoal, a autora disse que trabalhou no sítio do Mauro, para fazer cerca,
roçar, não soube indicar o ano. Trabalhou com o Silvio, com o José, como boia fria. Mora há
uns três anos na cidade, antes morava num sítio, alugado, e ia trabalhar nas Fazendas. Narrou
que o irmão da autora é o Carlos Plens. Trabalhava junto com o irmão, mas não para ele. Disse
que está separada há mais de 15 anos. Não divorciou no papel, mas não mora mais com ele há
muito tempo. Os filhos já são casados e não moram com a depoente.
A testemunha Silvio Carlos Sales de Araujo disse que a autora já trabalhou para os pais do
depoente, só sabe informar que foi antes de 2012. Nesta época que ela trabalhou com os pais
do depoente, ela namorava, mas não era casada ainda. Atualmente, esporadicamente, a autora
trabalha para o depoente com bicos na roça. A família da autora está sempre prestando
serviços para a depoente, inclusive a autora às vezes faz serviços de carpinagem.
No mesmo sentido foram as declarações de José Jerônimo Pedroso Kortz, dizendo que a
autora trabalhou para o sogro do depoente e desde criança ela ajuda a tirar leite da vaca.
Nunca trabalhou para o depoente, mas para o sogro do depoente sim. Consegue dizer que
desde 1986 até 1990 ela trabalhou. Atualmente ela não trabalha para o sogro do depoente.
Quando conversa com ela, ela diz que esta trabalhando no sítio.
Por fim, a testemunha Mauro Lopes de Oliveira disse que conhece a autora há mais de 30 anos
e ela trabalhou para o depoente, com "bicos", em serviço rural, fazendo cerca, plantando alface,
sem dar maiores detalhes.
Emerge dos autos a precariedade do conjunto probatório que não se presta a comprovar o
efetivo exercício pela parte autora da atividade rural pelo período de carência exigido.
A parte autora deveria ter comprovado o labor rural, mesmo que de forma descontínua, no
período imediatamente anterior ao implemento da idade , ao longo de, ao menos, 180meses,
conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91.
Considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação da atividade rural pelo
período previsto em lei, seria o caso de se julgar improcedente a ação, não tendo a parte autora
se desincumbido do ônus probatório que lhe cabe, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de
recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de
conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição
e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito
propiciando a parte autora intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários.
Por oportuno, transcrevo:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE
DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO
ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os
seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em
conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto
social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais
da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da
Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido
de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe
garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na
hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna,
a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental
à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Mantida a condenação da parte autora no pagamento das custas e despesas processuais e dos
honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11,
§2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à
extinção do processo sem resolução do mérito.
Ante o exposto, de ofício, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art.
485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural e julgo prejudicado o apelo
da parte autora.
É COMO VOTO.
*/gabiv/.soliveir..
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO: TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE.
EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS.
1. A insuficiência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural no período
de carência caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do
processo a ensejar a sua extinção sem exame do mérito.
2. Honorários de advogado mantidos a cargo da autora, que deu causa à extinção do processo
sem resolução do mérito, observada a gratuidade da Justiça deferida nos autos.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação prejudicada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro
no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural e julgar prejudicado
o apelo da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
