Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2279576 / SP
0037952-71.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTE NOCIVO FRIO.
APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE. DO USO DE EPI. LAUDO EXTEMPORÂNEO.
VALIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 57, § 8º, DA LEI 8.213/91. FIXAÇÃO DA DIB. DATA
DA JUNTADA DO LAUDO. DA CORREÇÃO MONETÁRIA.
1. Recebida a apelação interposta pelo INSS, já que manejada tempestivamente, conforme
certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de
Processo Civil/2015.
2. O INSS sustenta que o período que a parte eventualmente tenha gozado de auxílio -doença
previdenciário não deve ser considerado especial.
3. Ocorre que a sentença apelada não reconheceu como especial qualquer período em que o
autor gozou de auxílio-doença previdenciário.
4. O mesmo se diga em relação ao pedido de prescrição quinquenal das parcelas vencidas
anteriormente aos cinco anos do ajuizamento da demanda, porquanto há determinação
expressa no r. decisum para que a mesma seja observada (fl.131).
5. Destarte, não tendo a sentença reconhecido, como especial, período em que o autor esteve
em gozo de auxílio-doença previdenciário, e tendo determinado a observância da prescrição
quinquenal, constata-se que o recurso do INSS não pode ser conhecido, nestes particulares, à
míngua de interesse recursal.
6. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a
evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será
concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual
estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em
regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se
excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor
especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada
a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional
nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser
provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA,
PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e
CAT) ou outros meios de prova.
7. A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Diante de tal
evolução normativa e do princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 06.03.97); superior
a 90dB (de 06.03.1997 a 17.11.2003); e superior a 85 dB, a partir de 18.11.2003. O C. STJ,
quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do
CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto 4.882/2003: "O
limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído
deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto
2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do
Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da
LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
8. O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da
eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria". Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de que o
segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de
ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o
argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6°
e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser
atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
9. O trabalho habitual realizado à temperatura ambiente inferior à 12°C é considerada especial,
em razão da exposição ao agente nocivo frio , conforme previsto pelo código 1.1.2 do Decreto
nº 53.831/64 e dos itens 1.1.2 do Decreto nº 83.080/79.
10. Os PPP's de fls. 18/29 informam que nos períodos de 01/07/1986 a 06/11/1991 (fls. 18/19);
03/05/1993 a 29/11/1994 (fls. 20/20v); 05/05/1995 a 03/02/1997 (fls. 22/22V); 01/10/1997 a
30/08/199 (fls. 24/24v); 02/05/2000 a 13/09/2005 (fls. 26/26v); 01/06/2006 a 25/04/2014 (fl.
28/28v), a parte autora laborou em no setor de açougues, na função de açougueiro,
eminentemente, " (...) promovendo o preparo e cortes das carnes, arrumação dos balcões
expositores, recepção e armazenagem de câmaras frigoríficas, desossa das peças limpa a
higieniza o ambiente e balcões e etc."
11. O laudo técnico pericial, de fls. 91/117, esclarece de maneira incontroversa que nos
períodos em apreço, a parte autora se expôs, permanentemente, na forma do artigo 65, do
RPS, a frio, porquanto, " (...) a atividade exige que o mesmo entre e saia da Câmara frigorífica,
com mudanças de temperatura, além de exposição a frio e umidade e agentes biológicos, no
manuseio de carnes, etc.(...)".
12. Diversamente do que alega a autarquia previdenciária a intensidade do frio a que estava
submetido o autor, encontra-se provado e descrito, conforme se depreende da prova produzida.
13. O laudo técnico não contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do
reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro,
porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da
tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas
pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
14. Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
15. Convém observar que o fato de o PPP consignar que o EPI é eficaz não significa que ele
seja capaz de neutralizar a nocividade, tal como exigido pelo E. STF para afastar a
especialidade do labor.
16. No caso dos autos, embora os PPP ́s consignem que fora fornecido EPI eficaz a atenuar o
efeito nocivo do agente, não há provas de que tal EPI era capaz de neutralizar a insalubridade a
que o segurado estava exposto.
17. Na hipótese, o segurado estava exposto ao frio, por ser qualitativo, não têm a sua
nocividade neutralizada pelo uso de EPI.
18. A apelante não impugnou especificamente a conta elaborada pelo magistrado a quo, que
considerou que havia tempo de contribuição suficiente, "superior a 25 anos", para a concessão
da aposentadoria especial.
19. Considerando que na data do requerimento administrativo, 02/02/2015 (fl. 30), não estavam
implementados os requisitos para a concessão do benefício, conforme tabela que ora determino
a juntada, o termo inicial deve ser fixado, como pretende a apelante, na data da juntada do
laudo pericial, merecendo reforma, neste particular, a sentença.
20. A inteligência do artigo 57, §8° c.c o artigo 46, ambos da Lei 8.231/91, revela que o
segurado que estiver recebendo aposentadoria especial terá tal benefício cancelado se retornar
voluntariamente ao exercício da atividade especial. Logo, só há que se falar em cancelamento
do benefício e, consequentemente, em incompatibilidade entre o recebimento deste e a
continuidade do exercício da atividade especial se houver (i) a concessão do benefício e,
posteriormente, (ii) o retorno ao labor especial. No caso, não houve a concessão da
aposentadoria especial, tampouco o posterior retorno ao labor especial. A parte autora requereu
o benefício; o INSS o indeferiu na esfera administrativa, circunstância que, evidentemente,
levou o segurado a continuar a trabalhar, até mesmo para poder prover a sua subsistência e da
sua família. Considerando que a aposentadoria especial só foi concedida na esfera judicial e
que o segurado não retornou ao trabalho em ambiente nocivo, mas sim continuou nele
trabalhando após o INSS ter indeferido seu requerimento administrativo, tem-se que a situação
fática verificada in casu não se amolda ao disposto no artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, de sorte
que esse dispositivo não pode ser aplicado ao caso vertente, ao menos até que ocorra o
trânsito em julgado da decisão que concedeu a aposentadoria especial.
21. O artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, tem como finalidade proteger a saúde do trabalhador,
vedando que o beneficiário de uma aposentadoria especial continue trabalhando num ambiente
nocivo. Sendo assim, considerando que tal norma visa proteger o trabalhador, ela não pode ser
utilizada para prejudicar aquele que se viu na contingência de continuar trabalhando pelo fato
de o INSS ter indevidamente indeferido seu benefício. A par disso, negar ao segurado os
valores correspondentes à aposentadoria especial do período em que ele, após o indevido
indeferimento do benefício pelo INSS, continuou trabalhando em ambiente nocivo significa, a
um só tempo, beneficiar o INSS por um equívoco seu - já que, nesse cenário, a autarquia
deixaria de pagar valores a que o segurado fazia jus por ter indeferido indevidamente o
requerido - e prejudicar duplamente o trabalhador - que se viu na contingencia de continuar
trabalhando em ambiente nocivo mesmo quando já tinha direito ao benefício que fora
indevidamente indeferido pelo INSS - o que colide com os princípios da proporcionalidade e da
boa-fé objetiva (venire contra factum proprium).
22. A inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº
11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do
IPCA-e (RE nº 870.947/PE, repercussão geral). Apesar da recente decisão do Superior Tribunal
de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de
correção monetária, não pode subsistir a sentença na parte em que determinou a sua
aplicação, porque em confronto com o julgado acima mencionado, impondo-se a sua
modificação, inclusive, de ofício.
23. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor
da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os
Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando
a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de
Repercussão Geral. De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão
calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do
disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a
correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
24. Reexame necessário não conhecido. Apelação do INSS conhecido em parte e, na parte
conhecida, parcialmente provido. Correção monetária corrigida de ofício.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer do reexame
necessário, conhecer parcialmente da apelação do INSS e, nessa parte, por maioria, dar-lhe
parcial provimento somente para fixar a DIB na data da juntada do laudo pericial aos autos, nos
termos do voto da Relatora, com quem votaram o Des. Federal Paulo Domingues e o Des.
Federal Carlos Delgado, vencidos o Des. Federal Toru Yamamoto e o Des. Federal Luiz
Stefanini que lhe negavam provimento e, por unanimidade, determinar, de ofício, a alteração da
correção monetária.
Referência Legislativa
***** CPC-73 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
LEG-FED LEI-5869 ANO-1973 ART-543CLEG-FED DEC-2172 ANO-1997LEG-FED DEC-4882
ANO-2003***** LICC-42 LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL
LEG-FED DEL-4657 ANO-1942 ART-6***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ART-65***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-57 PAR-6 PAR-7 PAR-8 ART-46***** CF-1988
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-195 PAR-5 PAR-6LEG-FED DEC-53831 ANO-1964 ITE-1.1.2*****
RBPS-79 REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED DEC-83080 ANO-1979 ITE-1.1.2LEG-FED LEI-11960 ANO-2009LEG-FED LEI-9494
ANO-1997 ART-1F
Veja
STF ARE 664.335/SCREPERCUSSÃO GERALTEMA 555;
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810;
STJ RESP 1.398.260/PRREPETITIVOTEMA 694;
STJ RESP 1.495.146/MGREPETITIVOTEMA 905.
