Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2217713 / SP
0002396-08.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
09/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTE NOCIVO RUÍDO. DO
USO DE EPI. FONTE DE CUSTEIO. ELETRICIDADE. HIDROCARBONETOS. PPP.
RESPONSÁVEL TÉCNICO. CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA.
1. Recebida a apelação interposta pelo INSS, já que manejada tempestivamente, conforme
certificado nos autos, e com observância da regularidade formal, nos termos do Código de
Processo Civil/2015.
2. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a
evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será
concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual
estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em
regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se
excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor
especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada
a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional
nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser
provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e
CAT) ou outros meios de prova.
3. A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Diante de tal
evolução normativa e do princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003. O C.
STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do
CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto 4.882/2003: "O
limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído
deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto
2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do
Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da
LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
4. O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na
hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a
declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da
eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço
especial para aposentadoria".
5. Não merece acolhida a alegação do INSS quanto ao uso de EPI, pois, conforme já
destacado, no caso de ruído, o fornecimento de equipamentos de proteção individual não é
suficiente para neutralizar a nocividade do agente, tendo tal tema sido definido pelo E. STF
quando do julgamento do ARE 664335, não havendo como se sonegar tal direito do segurado
sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio e de desequilíbrio financeiro e atuarial
do Sistema Previdenciário (195, §§ 5° e 6°, e art. 201, caput e §1°, ambos da CF/88 e artigo 57,
§§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode
ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
6. Nos termos do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.8., reputa-se especial a atividade
desenvolvida pelo segurado sujeito à tensão elétrica superior a 250 volts. Considerando que o
rol trazido no Decreto nº 2.172/97 é exemplificativo e não exaustivo, conforme decidido pelo
Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia
repetitiva (REsp nº 1.306.113/SC), o fato de nele não ter sido previsto o agente agressivo
eletricidade não afasta a possibilidade de se reconhecer a especialidade do trabalho que
importe sujeição do trabalhador à tensão elétrica superior a 250 volts, desde que comprovada
por meio de prova pericial a exposição de forma habitual e permanente a esse fator de risco.
7. Período de 01/01/1975 a 16/05/1980. A cópia da CTPS (fl. 47) aponta que, no período de
01/07/1974 a 16/05/1980, a parte autora trabalhou para Jair Antonio de Souza na Fazenda
Colorado.
8. O Formulário DSS-8030 (fl. 168) e o Laudo Pericial (fls. 279/305) apontam que, no período de
01/01/1975 a 16/05/1980, o autor exerceu a função de tratorista, haja vista que "desenvolvia
seu trabalho com trator Massey Fergunson 65 e Valmet 110, arando, adubando, gradeando,
cultivando, roçando e pulverizando as plantações de café, milho, laranja e cana-de-açúcar."
9. A atividade de tratorista é admitida como especial por equiparação à de motorista de
caminhão de carga, nos termos da jurisprudência desta Egrégia Corte e Súmula nº 70 do TNU,
motivo pelo qual o período de 01/01/1975 a 16/05/1980 deve ser enquadrado como especial,
com base nos itens 2.4.4 e 2.4.2 dos Decretos nºs 53.831/64 e 83.0890/79, respectivamente.
10. Período de 19/05/1980 a 26/04/1982. O PPP de fls. 169/170 revela que, no período de
19/05/1980 a 26/04/1982, a parte autora trabalhou exposta, de forma habitual e permanente, a
ruído de 94,0 dB. Considerando que se reconhece como especial o trabalho sujeito a ruído
superior a 80,0 dB até 05/03/1997, constata-se que a decisão recorrida andou bem ao
reconhecer o período de 19/05/1980 a 26/04/1982, já que neste a parte autora sempre esteve
exposta a níveis acima do tolerado pela respectiva legislação de regência.
11. Registre-se que consta do PPP o nome do responsável técnico habilitado para anotação
dos registros ambientais para todo o período reconhecido como especial.
12. Período de 01/11/1988 a 08/10/1993. O Formulário DSS-8030 revela que, no período de
01/11/1988 a 08/10/1993, a parte autora trabalhou exposta, de forma habitual e permanente, a
ruído superior a 85,0 dB. Considerando que se reconhece como especial o trabalho sujeito a
ruído superior a 80,0 dB até 05/03/1997, constata-se que a decisão recorrida andou bem ao
reconhecer o período de 01/11/1988 a 08/10/1993, já que neste a parte autora sempre esteve
exposta a níveis acima do tolerado pela respectiva legislação de regência.
13. Além disso, o Formulário DSS-8030 também traz a informação de que a parte autora, no
período de 01/11/1988 a 08/10/1993, estava exposta à tensão elétrica superior a 250 volts,
agente nocivo que configura o labor especial alegado. Destarte, existindo prova da efetiva
exposição do segurado a tensão elétrica superior a 250 volts, de rigor a caracterização da
especialidade do labor.
14. Período de 22/05/1995 a 01/04/1997. O Formulário de fl. 112 revela que, no período de
22/05/1995 a 01/04/1997, a parte autora trabalhou exposta a graxas e óleos.
15. É considerado especial o labor realizado pelo indivíduo que fica exposto, de forma habitual
e permanente, a agentes químicos (hidrocarbonetos e derivados), conforme estabelecido pelo
item 1.2.10, do Anexo I do Decreto nº 83.080/79, e item 1.0.19, do Anexo IV do Decreto nº
3.048/99.
16. Vale dizer que, segundo o Anexo 13, da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do
trabalhador a agentes químicos à base de hidrocarbonetos tem sua intensidade medida a partir
de análise qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade
do labor. Precedente desta Colenda Turma: AC nº 0001879-77.2010.4.03.6109, 7ª Turma,
Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, DE 29/05/2018. Reconhece-se, portanto, o
trabalho em condições especiais no período de 22/05/1995 a 01/04/1997pela exposição a
agentes químicos.
17. Período de 15/09/1997 a 30/01/2002. O PPP de fls. 172/173 revela que, no período de
15/09/1997 a 30/01/2002, a parte autora trabalhou exposta, de forma habitual e permanente, a
ruído de 92,6 dB. Considerando que se reconhece como especial o trabalho sujeito a ruído
superior a 90,0 dB de 06/03/1997 a 18/11/2003, constata-se que a decisão recorrida andou bem
ao reconhecer o período de 15/09/1997 a 30/01/2002, já que neste a parte autora sempre
esteve exposta a níveis acima do tolerado pela respectiva legislação de regência.
18. Registre-se que consta do PPP o nome do responsável técnico habilitado para anotação
dos registros ambientais para todo o período reconhecido como especial.
19. Período de 20/11/2003 a 31/07/2005. O PPP de fls. 174/175 aponta que, no período de
20/11/2003 a 31/07/2005, a parte autora trabalhou exposta, de forma habitual e permanente, a
ruído acima de 87,0 dB. Considerando que se reconhece como especial o trabalho sujeito a
ruído superior a 85,0 dB a partir de 19/11/2003, constata-se que a decisão recorrida andou bem
ao reconhecer o período de 20/11/2003 a 31/07/2005, já que neste a parte autora sempre
esteve exposta a níveis acima do tolerado pela respectiva legislação de regência.
20. Registre-se que consta do PPP o nome do responsável técnico habilitado para anotação
dos registros ambientais para todo o período reconhecido como especial.
21. Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
22. Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em
24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado
para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas
quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase
de liquidação do julgado.
23. E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº
1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso
de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
24. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a
entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E.
25. Apelação do INSS desprovida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
