Processo
Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 2200055 / SP
0002734-23.2015.4.03.6128
Relator(a)
JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
13/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/05/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AGENTES NOCIVOS RUÍDO
E HIDROCARBONETOS. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. APELAÇÃO DO AUTOR
PROVIDA.
1. Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, as
situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em
conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº
13.105/2015.
2. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a
evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será
concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual
estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em
regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se
excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor
especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada
a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional
nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA,
PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e
CAT) ou outros meios de prova.
3. Consoante já destacado, no julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo
a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a
agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for
realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à
aposentadoria especial". Sendo assim, apresentando o segurado um PPP que indique sua
exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao
trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a
configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
4. Não há como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia
fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque
o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à
inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. Ademais, nesse particular, restou
consignado no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz
Fux, do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, que a ausência de prévia
fonte de custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de
não haver ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art.
195, § 5º, da Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios
previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador
ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria
constituição, como é o caso da aposentadoria especial.
5. A autarquia federal homologou administrativamente o período especial de 02/02/1987 a
05/03/1997, pelo que resta incontroverso.
6. Até a edição do Decreto 2.171/1997 (06.03.1997), considerava-se especial a atividade
exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis. A partir de então, passou-se a
considerar como especial o trabalho realizado em ambiente em que o nível de ruído fosse
superior a 90 decibéis. Por fim, com a entrada em vigor do Decreto 4.882, em 18.11.2003, o
limite de tolerância a esse agente físico foi reduzido para 85 decibéis. Considerando tal
evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido
como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -,
reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997);
superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
7. Com relação aos agentes hidrocarbonetos, é considerado especial o labor realizado pelo
indivíduo que fica exposto, de forma habitual e permanente, a agentes químicos
(hidrocarbonetos e derivados e outros tóxicos inorgânicos), conforme estabelecido pelos itens
1.2.9 e 1.2.11, do Quadro do Decreto nº 53.831/64; e 1.2.10 e 1.2.11, do Anexo I do Decreto nº
83.080/79 e 1.0.19 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
8. O PPP revela que, no período de 06/03/1997 a 25/04/2014 (data de emissão do documento),
o autor exerceu as atividades de operador de formol, operador de utilidades, operador de
produção e líder de fabricação do setor de Formol da SI Group Crios Resinas S/A., exposto de
forma habitual e permanente ao agente químico hidrocarboneto formol, o que impõe o
reconhecimento do trabalho em condições especiais em todo o período.
9. Segundo o Anexo 13, da NR-15 do Ministério do Trabalho, a exposição do trabalhador a
agentes químicos à base de hidrocarbonetos tem sua intensidade medida a partir de análise
qualitativa, bastando apenas o contato físico para caracterização da especialidade do labor.
10. Não há nos autos a comprovação de que o uso de EPI foi eficaz. Ademais, o fornecimento
de EPI não é suficiente a afastar o malefício do ambiente de trabalho quando se tratar de
agente nocivo qualitativo, tendo em vista a própria natureza deste, cuja ofensividade decorre da
sua simples presença no ambiente de trabalho, não havendo limites de tolerância ou doses
como parâmetro configurador da insalubridade, tampouco como se divisar que o EPI ou EPC
possa neutralizá-la. Isso, no mais das vezes, é reconhecido pelo próprio INSS.
11. Com relação ao agente ruído, somente é permitido o enquadramento até 28/08/1999, em
razão da exposição a 94 dB. No período restante, o autor ficou exposto a intensidades inferiores
a 85 dB, o que impede o reconhecimento especial com relação a esse agente nocivo em
específico.
12. Reconhecida, portanto, como de trabalho em condições especiais o período de 06/03/1997
a 25/04/2014.
13. Somado o período especial de labor incontroverso de 02/02/1987 a 05/03/1997 (já
homologado pelo INSS), ao especial ora reconhecido (06/03/1997 a 25/04/2014), perfaz o autor,
na data do requerimento administrativo de 18/11/2014, 27 anos, 2 meses e 24 dias de labor
exclusivamente em atividades especiais, fazendo jus ao benefício de aposentadoria especial
NB nº 42/171.749.735-4.
14. O termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo, 18.11.2014, quando
apresentada à autarquia federal a documentação necessária para reconhecimento do direito
vindicado.
15. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, os quais fixo no
patamar de 10% sobre o valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº
111/STJ), eis que de acordo com a moderada complexidade das questões e consenso deste
Colegiado.
16. A Autarquia Previdenciária, no âmbito da Justiça Federal, está isenta das custas
processuais (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I), mas (i) não do reembolso das custas recolhidas pela
parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em
conta a gratuidade processual que foi concedida à parte autora, (ii) nem do pagamento de
honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela
Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
17. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a
entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E.
18. Apelação do INSS desprovida.
19. Apelação do autor provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à
apelação do INSS e DAR PROVIMENTO à apelação do autor, para também condenar o ente
autárquico a reconhecer a especialidade do labor no período de 29/08/1999 a 25/04/2014 e a
conceder o benefício de aposentadoria especial, na data do requerimento administrativo,
18.11.2014, acrescidas as parcelas devidas de correção monetária e juros de mora, bem como
ao pagamento das verbas sucumbenciais, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
