Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2204409 / SP
0038784-41.2016.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. AUXILIAR DE LIMPEZA
HOSPITALAR. ATENDENTE E AUXILIAR DE ENFERMAGEM. EXPOSIÇÃO A AGENTES
BIOLÓGICOS. APOSENTADORIA ESPECIAL CONCEDIDA DE OFÍCIO, NOS TERMOS DA IN
INSS/PRES Nº 77/2015, ARTIGO 687 e SEGUINTES. JUROS DE MORA E CORREÇÃO
MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Recebidas as apelações interpostas sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em
razão de suas regularidades formais, possível a apreciação, nos termos do artigo 1.011 do
Codex processual.
2. O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez
cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado
sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15
(quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei". Considerando a
evolução da legislação de regência pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será
concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual
estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em
regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se
excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor
especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada
a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional
nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser
provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA,
PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e
CAT) ou outros meios de prova.
3. A exposição a agentes biológicos em ambientes hospitalares é enquadrada como nociva nos
itens 1.3.2 e 1.3.4 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
4. As atribuições do atendente de enfermagem e de auxiliar de enfermagem equivalem, para
fins de enquadramento como atividade especial, à de enfermeira, sendo, destarte, consideradas
insalubres pelos Códigos 2.1.3 do Decreto 53.831/1964 e 2.1.3, Anexo II, do Decreto
83.080/1979, já que o contato com doentes ou materiais infecto-contagiantes é inerente às
atividades desenvolvidas por tais profissionais. Como visto, até 28/04/1995, o enquadramento
do labor especial poderia ser feito com base na categoria profissional. Após essa data, o
segurado passou a ter que provar, por meio de formulário específico, a exposição a agente
nocivo, no caso biológico, previsto no item 3.0.1 do Anexo IV dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
5. No período de 16.12.1987 a 01.01.1989, a autora desempenhou a atividade de auxiliar de
limpeza, efetuando a limpeza dos quartos e demais dependências do hospital, recolhendo e
transportando os sacos de lixo dos setores para a sala de expurgo, onde são separados e
posteriormente coletados por empresas terceirizadas, também executadas as atividades nas
'áreas de isolamento', o que a expunha de forma habitual e permanente a agentes biológicos
(vírus, bactérias e etc.), permitindo enquadramento especial do intervalo nos itens 1.3.2 e 1.3.4
dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
6. No período de 01.02.1989 a 01.07.1995, a autora desempenhou a atividade de atendente de
enfermagem, ao que lhe competia prestar assistência aos pacientes, realizando procedimentos
de maior complexidade (curativos) e auxiliando os médicos em procedimentos cirúrgicos e
também executava suas atividades nas áreas de isolamento, o que a expunha de forma
habitual e permanente a agentes biológicos (vírus, bactérias e etc.), permitindo enquadramento
especial do intervalo nos itens 1.3.2 e 1.3.4 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 e em razão de
sua atividade profissional, nos itens 2.1.3 dos Decretos 53.831/64 e 83.080/79.
7. No período de 07.08.1997 a 31.03.2000, desempenhou a atividade de auxiliar de
enfermagem, ao que lhe competia prestar assistência aos pacientes, realizando procedimentos
de maior complexidade (curativos) e auxiliando os médicos em procedimentos cirúrgicos e
também executava suas atividades nas áreas de isolamento, o que a expunha de forma
habitual e permanente a agentes biológicos (vírus, bactérias e etc.), permitindo enquadramento
especial do intervalo nos itens 3.0.1 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
8. No período de 10.04.2000 a 01.05.2015, desempenhou a atividade de auxiliar de
enfermagem, competindo-lhe apresentar-se, situando o paciente no ambiente de trabalho,
arrolar pertences de pacientes, controlar sinais vitais, mensurar paciente (peso, altura),
higienizar paciente, fornecer roupas, colocar grades laterais no leito, monitorar evolução de
paciente, puncionar acesso venoso, aspirar cânula orotraqueal e de traqueotomia, massagear
paciente, trocar curativos, mudar decúbito no leito, o que a expunha de forma habitual e
permanente a agentes biológicos (vírus, bactérias e etc.), permitindo enquadramento especial
do intervalo nos itens 3.0.1 dos Decretos 2.172/97 e 3.048/99.
9. Os PPP's dão conta que os registros ambientais passaram a ser monitorados/mensurados a
partir de 01.12.2008, contudo a monitoração biológica se deu a partir de 01.05.1977. Os
registros ambientais dos PPP's ou laudos técnicos não contemporâneos não invalidam suas
conclusões a respeito do reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de
natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo,
porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação
àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços.
10. Nesse cenário, reconhecidas as atividades especiais nos intervalos de 16.12.1987 a
01.01.1989, 01.02.1989 a 01.07.1995, 07.08.1997 a 31.03.2000 e 10.04.2000 a 01.05.2015.
11. Quando o PPP consigna que o EPI era eficaz, tal eficácia diz respeito à sua aptidão de
atenuar ou reduzir os efeitos do agente nocivo. Isso não significa, contudo, que o EPI era
"realmente capaz de neutralizar a nocividade". A dúvida, nesse caso, beneficia o trabalhador.
Noutras palavras, o fato de o PPP consignar que o EPI era "eficaz" (para atenuar os efeitos do
agente nocivo) não significa que tal equipamento era capaz de "neutralizar a nocividade". Logo,
não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo
264 § 5º, do RPS, "sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para
confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do art. 68 e
inciso III do art. 225, ambos do RPS".
12. Não há nos autos quaisquer provas de que no período de 2000 a 2015 o EPI utilizado pela
autora realmente foi eficaz a neutralizar a exposição aos agentes nocivos.
13. A autora requereu o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, contudo nos
termos da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, artigo 687 e seguintes, há previsão e a
possibilidade de se conceder, administrativamente, benefício diverso do pedido, se preenchidos
os requisitos legais para a sua obtenção. Aliás, dispõe que é dever do INSS conceder o melhor
benefício a que o segurado fizer jus. Ora, se o regulamento prevê que o INSS deve conceder ao
segurado benefício diverso do requerido se este lhe for mais vantajoso , não há porque adotar
outro entendimento no âmbito judicial. Em face desses erros materiais, esta Egrégia Corte pode
e deve corrigi-los, de ofício, para esclarecer que o benefício mais vantajoso a ser concedido à
autora é o benefício de aposentadoria especial.
14. Somados os períodos especiais reconhecidos até a data do ajuizamento da ação,
26.08.2015 (porquanto computado período especial posterior ao requerimento administrativo
(de 26.01.2015 a 01.05.2015), perfaz a autora 25 anos, 2 meses e 4 dias de labor exercidos em
condições especiais, fazendo jus ao benefício de aposentadoria especial.
15. Computados períodos especiais até a data do ajuizamento da ação, o termo inicial do
benefício deve ser fixado na data da citação, 21.08.2015, quando a autarquia federal tomou
conhecimento e pode resistir à pretensão.
16. Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral).
17. Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em
24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado
para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas
quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase
de liquidação do julgado.
18. E, apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº
1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso
de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
19. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, portanto, aplicam-se, (1) até a
entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E.
20. Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
21. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11,
como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos
honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte
contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os
limites estabelecidos na lei. Assim, desprovido o apelo interposto na vigência da nova lei, mas
não tendo sido o INSS, em primeira instância, condenada em honorários advocatícios, não há
que se falar, no caso, em majoração da verba honorária de sucumbência (STJ, AgInt no AREsp
nº 1.300.570/ES, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 29/08/2018).
22. A limitação imposta pelo artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, não se aplica à hipótese em que a
aposentadoria especial tenha sido deferida apenas judicialmente. Com efeito, o artigo 57, §8°
c.c o artigo 46, ambos da Lei 8.231/91 revelam que o segurado que estiver recebendo
aposentadoria especial terá tal benefício cancelado se retornar voluntariamente ao exercício da
atividade especial.
23. No caso, porém, não houve a concessão da aposentadoria especial, tampouco o posterior
retorno ao labor especial. A parte autora requereu o benefício e o INSS o indeferiu na esfera
administrativa, circunstância que, evidentemente, levou o segurado a continuar a trabalhar, até
mesmo para poder prover a sua subsistência e da sua família. Assim, considerando a recusa da
autarquia na concessão do benefício, que tem caráter alimentar e goza de proteção, não é
possível interpretar a vedação em comento em prejuízo do segurado. Ademais, referida questão
está pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal - STF, no RE 79161/PR, pela
sistemática da repercussão geral da matéria (art. 543-B do CPC/1972).
24. Por tais razões, o disposto no artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91 não se aplica ao caso dos
autos, não havendo, por conseguinte, que se falar em descontos, na fase de liquidação, das
parcelas atrasadas dos períodos em que a parte autora permaneceu exercendo atividades
consideradas especiais.
25. Apelação do INSS desprovida.
26. Apelação da autora parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação autárquica e dar parcial provimento à apelação da autora, para também reconhecer
como especiais os períodos de 16.12.1987 a 01.01.1989 e 07.08.1997 a 31.03.2000 e de ofício,
condenar o INSS a conceder, o benefício de aposentadoria especial à autora, desde a data da
citação, 21.08.2015, acrescidas as parcelas devidas de correção monetária e juros de mora,
bem como ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
