
| D.E. Publicado em 10/12/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, com fulcro no artigo 1.013, §3º, inciso IV, do CPC/2015, dar parcial provimento ao recurso do autor, para reconhecer como atividade especial o período de 16/09/1987 a 28/04/1995, convertê-lo em tempo comum pelo fator de conversão de 1,40, e conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, atualizado com juros e correção monetária, e para os demais períodos não reconhecidos como especiais (de 23/04/1982 a 15/09/1987 e 29/04/1995 em diante) julgar extinto o processo, sem resolução do mérito (art. 485, inciso IV, do CPC/2015), invertendo-se os ônus da sucumbência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0035479-15.2017.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta por ADALBERTO SOARES SANTOS contra a r.sentença que julgou improcedente o pedido deduzido na inicial, condenando a apelante ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa, suspendendo a execução pela gratuidade de justiça.
O autor requer a anulação da r.sentença, em razão do indeferimento da pérícia técnica (cerceamento de defesa), a fim de que fosse comprovado o exercício de atividades laborativas em condições especiais, desde 23/04/1982 até o ajuizamento da ação.
Sem contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte.
Certificado pela Subsecretaria da Sétima Turma que as apelações foram interpostas dentro do prazo legal, e que a parte autora é beneficiária da Justiça Gratuita.
É o relatório.
VOTO
EXMA DESEMBARGADORA FEDERAL DRA. INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Por primeiro, recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.
SÍNTESE DOS FATOS
O autor pretende o reconhecimento de atividades laborativas exercidas em condições especiais, desde 23/04/1982 até o ajuizamento desta ação, em que trabalhou como "rurícola braçal".
Para comprovar suas atividades o autor juntou sua CTPS, na qual constam os seguintes vínculos:
- de 23/04/182 a 16/01/1987 - Rurícola - Fazenda Balbo S/A (Esp Estabelecimento - exploração agrícola - consta do CNIS;
- 01/04/1987 a 07/08/(ano ilegível) - Rurícola - Prestaser (Esp. Estabelecimento - serviços gerais da lavoura) - não consta do CNIS;
- 16/09/1987 - sem data de saída - Rurícola - Balbo S/A Agropecuária e Exploração Agrícola - consta do CNIS.
Constam, também, PPP's emitidos pela Usina Santo Antonio S/A (fls. 13/17), nos quais se anota que o autor trabalhou nos períodos de 16/09/1987 a 30/04/1997, 01/05/1998 a 31/08/2007, 01/09/2007 a 30/09/2009, 01/10/2009 - sem data de saída (emissão do PPP em 11/01/2016).
Para o primeiro período, qual seja, de 16/09/1987 a 30/04/1997, consta do PPP que sua função era: executar atividades agrícola como: capina manual, limpeza de carreadores, aceiramento entre talhões de cana, corte de olhadura, plantio de cana, picação das mudas, recobrição manual no plantio, esparramação de palhas após o corte de olhadura, corte de cana crua ou para moagem, e outras atividades executadas direta e indiretamente na produção de cana de açúçar determinadas pelo líder de produção agrícola.
Para os demais períodos (a partir de 01/05/1998), os PPP's listam como agentes nocivos, calor de 24,29 ºC e ruído de 82,3 dB.
O autor requereu a realização de perícia judicial a fim de comprovar suas alegações.
O Juízo "a quo" entendeu estar suficientemente instruído o feito, julgando o pedido improcedente.
Em sua apelação, o autor requer a nulidade da sentença, e a determinação da devolução dos autos à origem, para que seja produzida a prova pericial requerida.
DO CERCEAMENTO DE DEFESA
Sem razão a parte autora ao protestar pela nulidade da sentença, diante do indeferimento da prova pericial e por ter o Juízo "a quo" julgado antecipadamente a lide.
Seja na aplicação do art. 332 do CPC/2015 ou no julgamento antecipado da lide em conformidade com o art. 355, I, da mesma Lei Processual, é facultado ao Juiz julgar com celeridade lides como a presente, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência, como é o caso dos autos.
Nesse sentido a fundamentação da sentença, que entendeu estar o feito suficientemente instruído, seja porque o período requerido como trabalhador rural não pode ser enquadrado como atividade de agropecuária, seja porque os PPP's juntados demonstram os agentes nocivos ruído e calor abaixo dos limites máximos de tolerância.
A propósito:
De todo o modo, embora não se fale em cerceamento de defesa, percebo, no caso, duas situações distintas.
A primeira diz respeito ao não cabimento da realização da perícia neste feito e sua extinção sem resolução de mérito, e a segunda sobre a possibilidade de enquadrar o período trabalhado na lavoura da cana-de-açúcar (de 16/09/1987 a 28/04/1995) como especial.
Explico.
Com efeito, o artigo 58, §1°, da Lei 8.213/91, estabelece que "A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista".
Sendo assim, tendo a legislação de regência expressamente determinado que a exposição do segurado a agentes nocivos deve ser comprovada por meio do PPP, conclui-se que esse formulário é, nos termos do artigo 58, §1º, da Lei 8.213/91, c.c. o artigo 320, do CPC/15 (art. 283, CPC/73), documento indispensável à propositura da ação previdenciária que tenha por objeto o reconhecimento do labor especial e/ou a concessão de benefícios daí decorrentes.
Não se olvida que, excepcionalmente, o segurado poderá propor uma ação previdenciária sem apresentar o PPP ou formulário equivalente, desde que demonstre a impossibilidade de obtê-lo, hipótese em que se permite, inclusive, a realização de perícia, a fim de se aferir a alegada nocividade do ambiente de trabalho, o que sói ocorrer, por exemplo, nos casos em que o ex-empregador do segurado deixa de existir.
No entanto, nas ações previdenciárias, o segurado deve, em regra, apresentar o PPP corretamente preenchido juntamente com a sua inicial, eis que, repise-se, tal formulário é, nos termos da legislação que rege o tema, a prova legalmente estabelecida de demonstrar sua exposição aos agentes nocivos configuradores do labor especial.
É preciso registrar, ainda, que a ação previdenciária não é o locus adequado para o trabalhador impugnar o PPP fornecido pelo seu ex-empregador e, com isso, buscar a correção de incorreções supostamente ali constantes.
De fato, o artigo 58, §4°, da Lei 8.213/91, preceitua que "A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento".
Como se vê, é obrigação do empregador elaborar e fornecer ao empregado o PPP que retrate corretamente o ambiente de trabalho em que este último se ativou, indicando os eventuais agentes nocivos a que o trabalhador esteve exposto.
Essa obrigação do empregador decorre, portanto, da relação empregatícia, motivo pelo qual compete à Justiça do Trabalho, consoante o artigo 114, da CF/88, processar e julgar os feitos que tenham por objeto discussões sobre o fornecimento do PPP ou sobre a correção ou não do seu conteúdo.
Portanto, se o empregador não fornecer ou se entregar ao empregado um PPP com informações que o trabalhador entenda incorretas, caberá a este, antes de ajuizar a ação previdenciária visando ao reconhecimento do labor especial, propor a competente ação trabalhista, a fim de obter o PPP devidamente preenchido.
É dizer, se o segurado entende que há incorreções no formulário que lhe foi fornecido pelo seu ex-empregador, cabe a ele ajuizar a competente ação na Justiça do Trabalho - a qual, frise-se, não se sujeita a prazo prescricional , na forma do artigo 11, §1°, da CLT - buscando o fornecimento de um formulário com informações corretas, não tendo ele interesse jurídico de requerer a realização da prova pericial no âmbito do processo previdenciário, até porque nesta o seu ex-empregador, a quem cabe a obrigação de fornecer o formulário corretamente preenchido, sequer é parte. Isso só vem a corroborar que tal questão, em regra, não deve ser debatida no âmbito previdenciário e que se trata de uma autêntica questão prejudicial externa a esta.
Em suma, se o segurado não possui o PPP ou se discorda das informações nele constantes, deve obter o formulário que entenda fazer jus no âmbito trabalhista e apresentá-lo no feito previdenciário, não sendo tal circunstância idônea para autorizar a realização de prova pericial no âmbito do processo previdenciário.
No caso dos autos, para o período anterior a 16/09/1987, não há documentos comprobatórios suficientes para que a atividade exercida seja enquadrada pela categoria como especial. Para o período posterior a 28/04/1995, os PPP's juntados discriminam agentes nocivos abaixo dos limites máximos de tolerância, isto é, ruído de 82,3dB (de 01/05/1998 a 30/09/2009), quando na época o limite máximo suportado era de 90dB, reduzido para 85dB a partir de 19/11/2003; além do agente nocivo calor, cuja temperatura medida para o mesmo período foi de de 24,29ºC, que está abaixo do limite de 28ºC, previsto no Decreto 53.831/64 (Código 1.1.1 do Quadro Anexo) e NR-15, da Portaria no 3.214/78.
Dessa forma, para os períodos discriminados acima, embora não se fale em cerceamento de defesa, considero que a petição inicial apresentada pelo apelante não veio validamente instruída com o documento indispensável à propositura da ação previdenciária, nos termos do artigo 58, §1º, da Lei 8.213/91, c.c. o artigo 320, do CPC/15 (art. 283, CPC/73), o que impõe a extinção do processo sem resolução do mérito, por falta de pressuposto necessário ao seu regular desenvolvimento (art. 485, IV, do CPC).
Por outro lado, observo que dentre os períodos em que o autor pretende o reconhecimento de atividades laborativas exercidas em condições especiais, consta que de 16/09/1987 a 28/04/1995 trabalhou na lavoura da cana-de- açúcar.
Com efeito, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente insalubre.
Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal.
Posto isso, observo que a r.sentença entendeu não ser o caso de se enquadrar a atividade rural do autor pela categoria, porque não estava contemplada no Decreto 53.831/1964, no item 2.2.1.
No entanto, observo que consta do PPP emitido pela Usina Santo Antonio S/A (fls. 13/14), que no período de 16/09/1987 a 30/04/1997, sua função era: executar atividades agrícola como: capina manual, limpeza de carreadores, aceiramento entre talhões de cana, corte de olhadura, plantio de cana, picação das mudas, recobrição manual no plantio, esparramação de palhas após o corte de olhadura, corte de cana crua ou para moagem, e outras atividades executadas direta e indiretamente na produção de cana de açúçar determinadas pelo líder de produção agrícola.
Como é sabido, em regra, a atividade rural exercida na lavoura não justifica o enquadramento na categoria profissional prevista no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64, o qual prevê a especialidade das atividades desempenhadas pelos trabalhadores na agropecuária , ou seja, pelos prestadores de serviço da agricultura e da pecuária, de forma simultânea.
Contudo, nas situações do trabalhador rural, com registro em carteira profissional e apresentação de PPP, comprovando que sua atividade está afeta ao cultivo da cana-de-açúcar, no qual os métodos de trabalhos são voltados à produção agrícola em escala industrial com intensa utilização de defensivos e exigência de alta produtividade dos trabalhadores, há que se dar tratamento isonômico para fins previdenciários, à vista dos demais trabalhadores ocupados na agropecuária, como atividade especial prevista nos decretos previdenciários que regulam a matéria.
Nesse sentido:
Com base nisso, valho-me do disposto no artigo 1013, §3º, inciso IV, do CPC/2015, que autoriza o Tribunal a decidir desde logo o mérito, se estiver em condições de imediato julgamento, quando se constatar nulidade da sentença por falta de fundamentação, para julgar o feito nesta parte.
E dessa forma, pela categoria profissional prevista no item 2.2.1 do Decreto nº 53.831/64, reconheço como atividade especial desempenhada pelo autor o período de 16/09/1987 a 28/04/1995, em que trabalhou na lavoura da cana-de-açúcar, conforme demonstrado nos documentos de fls. 12/13 (CTPS e PPP).
Com essas considerações, convertendo-se o período especial doravante reconhecido (Fator de conversão 1,40) em tempo comum, somando-o aos demais períodos comuns incontroversos (fls. 18 e 51/62), verifica-se que o autor, na data do requerimento administrativo (21/09/2016), contava com 36 anos 09 meses e 28 dias de contribuição, fazendo jus, portanto, ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição integral.
O termo inicial dever ser a data do requerimento administrativo, pois nesta data o autor já reunia todas as condições para a concessão do benefício, tendo instruído seu pedido junto à Autarquia Previdenciária com os mesmos documentos da via judicial.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam: juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e correção monetária segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
Tal índice deve ser aplicado ao caso, até porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado.
Vencido o INSS na maior parte, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
Ante o exposto, com fulcro no artigo 1.013, §3º, inciso IV, do CPC/2015, dou parcial provimento o recurso do autor, para reconhecer como atividade especial o período de 16/09/1987 a 28/04/1995, convertê-lo em tempo comum pelo fator de conversão de 1,40, e conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo, atualizado com juros e correção monetária, e para os demais períodos não reconhecidos como especiais (de 23/04/1982 a 15/09/1987 e 29/04/1995 em diante) julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, inciso IV, do CPC/2015, invertendo-se os ônus da sucumbência.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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