
| D.E. Publicado em 17/08/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar, de ofício, a alteração da correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | INES VIRGINIA PRADO SOARES:10084 |
| Nº de Série do Certificado: | 11DE18032058641B |
| Data e Hora: | 06/08/2018 12:16:38 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010543-93.2015.4.03.6183/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fls. 107/113 que julgou procedentes os pedidos deduzidos na inicial, apresentando a seguinte conclusão:
Com essas considerações, com esteio no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido formulado pelo autor VALTER DELMIRO DA SILVA, portador da cédula de identidade RG nº 17.303.445-7 SSP/SP, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda sob o nº 133.522.208-16, em ação proposta em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS. |
Com base no tipo de atividade exercida, declaro o tempo especial de trabalho da parte autora. Refiro-me à empresa:" Elektro Eletricidade e Serviços S/A., de 06-03-1997 a 12-06-2015 - sujeito a tensão elétrica superior a 250 (duzentos e cinquenta) Volts. |
Determino ao instituto previdenciário que considere o período acima descrito como especial, some ao período de trabalho especial reconhecido administrativamente à fl. 55, e conceda em favor do autor benefício de aposentadoria especial - NB 46/173.829.119-4. Condeno, ainda, o INSS a apurar e a pagar em favor do autor os atrasados vencidos desde 11-08-2015 (DIB e DIP). |
Atualizar-se-ão os valores conforme critérios de correção monetária e juros de mora previstos na Resolução nº 134/2010 e normas posteriores do Conselho da Justiça Federal. |
Antecipo, de ofício, a tutela jurisdicional, nos termos do art. 300 do novo Código de Processo Civil. Imponho ao INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS imediata implantação do benefício de aposentadoria especial em favor do autor. |
Condeno a autarquia previdenciária, diante de sua sucumbência máxima, conformer art. 86, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015, , ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre a soma das parcelas devidas até a data da prolação da sentença, excluídas as vincendas. Atuo com arrimo no art. 85, 3º, inciso I, do novo Código de Processo Civil. |
Está o réu dispensado do reembolso dos valores das custas processuais, conforem art. 4º, parágrafo único, Lei n. 9.289/96, pois a parte autora é beneficiária da justiça gratuita e nada recolheu. |
A presente sentença não está sujeita ao reexame necessário, conforme art. 496, 3º, I do novo Código de Processo Civil. |
Integram a presente sentença os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS. |
Com o trânsito em julgado, expeça-se o necessário. |
O INSS interpôs apelação, argumentando, em síntese, o seguinte: (i) impossibilidade de reconhecimento do labor especial em razão da exposição ao agente eletricidade após 1997; (ii) o uso de EPI impede o reconhecimento do labor especial, até porque não há prévia fonte de custeio; (iii) o termo inicial do benefício deve ser fixado na data do acórdão, eis que o apelado continua laborando; e (iv) os juros e correção monetária devem observar o disposto na Lei 11.960/09.
Contrarrazões da parte autora (fls. 134/136).
Na sequência, subiram os autos a esta Corte.
Certificado que a apelação é tempestiva (fl. 140).
É o breve relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, conforme certidão de fl. 140, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
Antes de se adentrar no mérito, é preciso tecer algumas considerações acerca do labor especial.
O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente insalubre.
O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente "aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo.
Consoante o artigo 58, da Lei 8.213/91, cabe ao Poder Público definir quais agentes configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares, de que é exemplo o Decreto n. 2.172/97. Contudo, se a atividade exercida pelo segurado realmente importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é possível reconhecê-la como especial. Segundo o C. STJ, "As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)" (Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC).
Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal.
Tal é a ratio decidendi extraída do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, no qual o C. STJ firmou a tese de que "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
Já quanto à conversão do tempo de trabalho, deve-se obedecer à legislação vigente no momento do respectivo requerimento administrativo, o que também já foi objeto de decisão proferida pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C, do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço" (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR).
As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição da MP 1.523, de 11.10.1996, tornou-se legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído, que sempre exigiu laudo técnico.
Acresça-se que, para se comprovar a atividade insalubre a partir de 10.12.1997, a Lei 9.528 passou a exigir laudo técnico, elaborado por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho, para demonstrar a efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos, sendo certo que os agentes ruído e calor sempre exigiram a apresentação de laudo.
Desde 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes mencionados.
No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Nessa mesma oportunidade, a Corte assentou ainda que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Considerando que a Lei 9.032/95 não previu a exigência de LTCAT (Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho) como requisito para a concessão da aposentadoria especial, consolidou-se o entendimento de que referido laudo só é exigível a partir de 11/10/06 (MP 1.523-10) e que a menção a EPI ou EPC somente é exigível após 14.12.98 (Portaria MPS 5.404/99).
Nos termos do artigo 57, §5°, da Lei 8.213/91, admite-se a conversão de tempo de atividade especial para comum, devendo-se observar a tabela do artigo 70, do Decreto 3.048/99, a qual estabelece (i) o multiplicador 2,00 para mulheres e 2,33 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 15 anos de trabalho; (ii) o multiplicador 1,50 para mulheres e 1,75 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 20 anos de trabalho; e (iii) o multiplicador 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 25 anos de trabalho.
Pelo exposto, pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
Feitas tais ponderações iniciais, já se pode analisar o caso dos autos.
AGENTE NOCIVO ELETRICIDADE
Nos termos do Decreto nº 53.831/64, código 1.1.8., reputa-se especial a atividade desenvolvida pelo segurado sujeito à tensão elétrica superior a 250 volts.
Considerando que o rol trazido no Decreto nº 2.172/97 é exemplificativo e não exaustivo, conforme decidido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.306.113/SC), o fato de nele não ter sido previsto o agente agressivo eletricidade não afasta a possibilidade de se reconhecer a especialidade do trabalho que importe sujeição do trabalhador à tensão elétrica superior a 250 volts mesmo após a edição de referido decreto (1997), desde que comprovada a exposição de forma habitual e permanente a esse fator de risco:
RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTE ELETRICIDADE. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997 (ANEXO IV). ARTS. 57 E 58 DA LEI 8.213/1991. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER EXEMPLIFICATIVO. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS. REQUISITOS PARA CARACTERIZAÇÃO. SUPORTE TÉCNICO MÉDICO E JURÍDICO. EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE (ART. 57, § 3º, DA LEI 8.213/1991). |
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com o escopo de prevalecer a tese de que a supressão do agente eletricidade do rol de agentes nocivos pelo Decreto 2.172/1997 (Anexo IV) culmina na impossibilidade de configuração como tempo especial (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/1991) de tal hipótese a partir da vigência do citado ato normativo. |
2. À luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). Precedentes do STJ. |
3. No caso concreto, o Tribunal de origem embasou-se em elementos técnicos (laudo pericial) e na legislação trabalhista para reputar como especial o trabalho exercido pelo recorrido, por consequência da exposição habitual à eletricidade, o que está de acordo com o entendimento fixado pelo STJ. |
4. Recurso Especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. |
(STJ, REsp nº 1.306.113/SC, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamin, DE 07/03/2013) |
No caso dos autos, o PPP de fls. 44/45 atesta que a parte autora, no período de 01.08.1988 a 12.06.2015, estava exposta, habitualmente, à tensão elétrica superior a 250 volts, agente nocivo que configura o labor especial alegado.
Destarte, existindo prova da efetiva exposição do segurado a tensão elétrica superior a 250 volts, de rigor a caracterização da especialidade do labor, conforme se infere da jurisprudência desta Colenda Turma:
PREVIDENCIARIO. APOSENTADORIA ESPECIAL (46). ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA. ELETRICIDADE. RESP N. 1.306.113/SC. APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. BENEFÍCIO CONCEDIDO. |
(...) 3. Conforme decidido pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (RESP N. 1.306.113/SC), o fato de nele não ter sido previsto o agente agressivo eletricidade não afasta a possibilidade de se reconhecer a especialidade do trabalho que importe sujeição do trabalhador à tensão superior a 250 volts, desde que comprovada exposição de forma habitual e permanente a esse fator de risco. (...) |
8. Apelação do autor provida. Benefício concedido. |
(AC nº 0015487-51.2009.4.03.6183, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Toru Yamamoto, DE 22/03/2018) |
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. ELETRICIDADE. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. RECONHECIMENTO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDAS. |
(...) 15 - Importante ser dito que restou superada a questão relacionada à supressão do agente "eletricidade" do rol do Decreto n.º 2.172/97, nos termos do entendimento adotado no REsp nº 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça. (...) |
20 - Remessa necessária e apelação do INSS parcialmente providas. |
(AC nº 0048862-75.2008.4.03.9999, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, DE 20/03/2018) |
Não se olvida que o PPP mencionado atesta que o EPI fornecido ao autor era eficaz.
Isso, contudo, não afasta a especialidade do labor.
Consoante já destacado, no julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial".
Sendo assim, apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
Nesse ponto, convém observar que o fato de o PPP consignar que o EPI é eficaz não significa que ele seja capaz de neutralizar a nocividade, tal como exigido pelo E. STF para afastar a especialidade do labor.
Conforme se infere do Anexo XV, da Instrução Normativa 11/2006, do INSS, o campo 15.7 do PPP deve ser preenchido com "S - Sim; N - Não, considerando se houve ou não a atenuação, com base no informado nos itens 15.2 a 15.5, observado o disposto na NR-06 do TEM, observada a observância: [...]".
Portanto, quando o PPP consigna que o EPI era eficaz, tal eficácia diz respeito à sua aptidão de atenuar ou reduzir os efeitos do agente nocivo. Isso não significa, contudo, que o EPI era "realmente capaz de neutralizar a nocividade". A dúvida, nesse caso, beneficia o trabalhador.
Noutras palavras, o fato de o PPP consignar que o EPI era "eficaz" (para atenuar os efeitos do agente nocivo) não significa que tal equipamento era capaz de "neutralizar a nocividade". Logo, não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo 264 § 5º, do RPS, "sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do art. 68 e inciso III do art. 225, ambos do RPS", o que não foi levado a efeito, in casu, de molde a não deixar dúvidas acerca da neutralização da nocividade.
Isso é o que se infere da jurisprudência desta C. Corte:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL/POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SAPATEIRO. INDÚSTRIA DE CALÇADOS. MECÂNICO. PROFISSÕES NÃO PREVISTAS NOS DECRETOS. LAUDO JUDICIAL. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL POR SIMILARIDADE. AFASTADA. HIDROCARBONETOS AROMÁTICOS. ENQUADRAMENTO PARCIAL. AUSENTES REQUISITOS À OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO. REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. APELAÇÃO AUTORAL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. |
[...] |
- Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/98 (convertida na Lei n. 9.732/98), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI). |
- Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998. |
- Sobre a questão, entretanto, o C. Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente. |
- Sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. |
[...] |
(TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2228745 - 0001993-28.2015.4.03.6113, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018 ) |
Essa C. Turma não vem reconhecendo a eficácia neutralizadora do EPI para o agente nocivo eletricidade:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. ELETRICIDADE. EXPOSIÇÃO A ALTAS TENSÕES. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. RECONHECIMENTO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. |
[...] |
7 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que, ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais. |
8 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior. |
9 - No mais, importante ser dito que restou superada a questão relacionada à supressão do agente "eletricidade" do rol do Decreto n.º 2.172/97, nos termos do entendimento adotado no REsp nº 1.306.113/SC, representativo de controvérsia, pela Primeira Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça. |
10 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91. |
11 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99, conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça. |
12 - Quanto ao período trabalhado na empresa "Cia. de Transmissão de Energia Elétrica Paulista" entre 01/09/1989 a 05/03/1997, nos termos do formulário de fl. 28 e do laudo pericial, elaborado por engenheiro de segurança, juntado aos autos às fls. 29/31, o autor, no exercício do cargo descrito como "Técnico em Eletricidade III", estava exposto, de modo habitual e permanente, a "energia elétrica, com tensão acima de 250 volts", portanto, cabendo o seu enquadramento no item 1.1.8 do Anexo do Decreto 53.831/64. Ao contrário do que constou na r. sentença, o fato de trabalhar em locais diversos, no entanto, na mesma função, não tornou eventual a sua exposição ao agente agressivo eletricidade. |
13 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrado como especial o período laborado de 28/01/1989 a 05/03/1997. |
[...] (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1526373 - 0012475-63.2008.4.03.6183, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 21/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/06/2018) |
Logo, no caso de eletricidade, ainda que haja registro no PPP de que o segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.
DA APOSENTADORIA ESPECIAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. DA INAPLICABILIADE DO ARTIGO 57, §8°, DA LEI 8.213/91. DO TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO.
Considerando período de tempo enquadrado neste feito (planilha de fl. 113, não impugnada pelo INSS), tem-se que a parte autora comprovou o labor em condições especiais por período superior a 25 anos, de sorte que ela faz jus à aposentadoria especial, a qual é devida desde a data do requerimento administrativo, em função do quanto estabelecido no artigo 57, §2° c.c. o artigo 49, I, b, ambos da Lei 8.213/91.
Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação do IPCA-e (RE nº 870.947/PE, repercussão geral).
Não pode ser acolhido, portanto, o apelo do INSS.
Apesar da recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto com o julgado acima mencionado.
Assim, como a sentença determinou a aplicação de critérios de correção monetária diversos daqueles adotados quando do julgamento do RE nº 870.947/PE, pode esta Corte alterá-la, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, aplicam-se, até a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal; e, após, considerando a natureza não-tributária da condenação, os critérios estabelecidos pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 870.947/PE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral.
De acordo com a decisão do Egrégio STF, os juros moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009; e a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E.
A limitação imposta pelo artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, não se aplica à hipótese dos autos, em que a aposentadoria especial foi deferida apenas judicialmente.
Tal dispositivo estabelece que "Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação referida no art. 58 desta Lei". Já o artigo 46, da Lei 8.231/91, determina que "o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente cancelada, a partir da data do retorno".
A inteligência do artigo 57, §8° c.c o artigo 46, ambos da Lei 8.231/91, revela que o segurado que estiver recebendo aposentadoria especial terá tal benefício cancelado se retornar voluntariamente ao exercício da atividade especial. Logo, só há que se falar em cancelamento do benefício e, consequentemente, em incompatibilidade entre o recebimento deste e a continuidade do exercício da atividade especial se houver (i) a concessão do benefício e, posteriormente, (ii) o retorno ao labor especial.
No caso, não houve a concessão da aposentadoria especial, tampouco o posterior retorno ao labor especial. A parte autora requereu o benefício; o INSS o indeferiu na esfera administrativa, circunstância que, evidentemente, levou o segurado a continuar a trabalhar, até mesmo para poder prover a sua subsistência e da sua família.
Considerando que a aposentadoria especial só foi concedida na esfera judicial e que o segurado não retornou ao trabalho em ambiente nocivo, mas sim continuou nele trabalhando após o INSS ter indeferido seu requerimento administrativo, tem-se que a situação fática verificada in casu não se amolda ao disposto no artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, de sorte que esse dispositivo não pode ser aplicado ao caso vertente, ao menos até que ocorra o trânsito em julgado da decisão que concedeu a aposentadoria especial.
Destaque-se que esta C. Turma, ao interpretar tal dispositivo, já decidiu que "Não há que se falar na impossibilidade do beneficiário continuar exercendo atividade especial, pois diferentemente do benefício por incapacidade, cujo exercício de atividade remunerada é incompatível com a própria natureza da cobertura securitária, a continuidade do labor sob condições especiais na pendência de ação judicial, na qual postula justamente o respectivo enquadramento, revela cautela do segurado e não atenta contra os princípios gerais de direito; pelo contrário, privilegia a norma protetiva do trabalhador". (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1928650 / SP 0002680-43.2012.4.03.6102, DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS).
Não se pode olvidar, ainda, que o entendimento que, com base numa interpretação extensiva, aplica o artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, a casos em que a aposentadoria especial é concedida apenas judicialmente, impedindo o pagamento dos valores correspondentes à aposentadoria especial no período em que o segurado continuou trabalhando em ambiente nocivo, não se coaduna com a interpretação teleológica, tampouco com o postulado da proporcionalidade e com a proibição do venire contra factum proprium (manifestação da boa-fé objetiva).
De fato, o artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, tem como finalidade proteger a saúde do trabalhador, vedando que o beneficiário de uma aposentadoria especial continue trabalhando num ambiente nocivo. Sendo assim, considerando que tal norma visa proteger o trabalhador, ela não pode ser utilizada para prejudicar aquele que se viu na contingência de continuar trabalhando pelo fato de o INSS ter indevidamente indeferido seu benefício.
A par disso, negar ao segurado os valores correspondentes à aposentadoria especial do período em que ele, após o indevido indeferimento do benefício pelo INSS, continuou trabalhando em ambiente nocivo significa, a um só tempo, beneficiar o INSS por um equívoco seu - já que, nesse cenário, a autarquia deixaria de pagar valores a que o segurado fazia jus por ter indeferido indevidamente o requerido - e prejudicar duplamente o trabalhador - que se viu na contingência de continuar trabalhando em ambiente nocivo mesmo quando já tinha direito ao benefício que fora indevidamente indeferido pelo INSS - o que colide com os princípios da proporcionalidade e da boa-fé objetiva (venire contra factum proprium).
Por tais razões, reconheço que o disposto no artigo 57, §8°, da Lei 8.213/91, não se aplica ao caso dos autos até que ocorra o trânsito em julgado e que o INSS implante o benefício deferido ao apelado. Logo, não há que se falar em fixação do termo inicial do benefício na data do acórdão, tampouco em descontos, na fase de liquidação, das parcelas atrasadas dos períodos em que a parte autora permaneceu exercendo atividades consideradas especiais.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar, de ofício, a alteração da correção monetária, nos termos expendidos no voto.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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