
| D.E. Publicado em 12/03/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao reexame necessário e à apelação do INSS, para afastar o reconhecimento como especial dos períodos de 01/08/1970 a 09/04/1973, 01/11/1973 a 26/04/1974, 24/03/1975 a 17/09/1976, 01/10/1976 a 23/03/1981, 03/08/1981 a 12/04/1982, 18/02/1983 a 05/08/1983, 01/09/1983 a 18/12/1983, 01/02/1984 a 20/08/1985, 10/09/1985 a 06/02/1986, e 04/03/1986 a 13/09/1990 e condenar a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais, suspensa, no entanto, a sua execução, conforme artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007505-71.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de reexame necessário e apelação interposta contra a sentença de fls. 265/267 que julgou procedentes os pedidos deduzidos na Inicial, para:
"Declarar insalubres as funções desenvolvidas pelo autor nos períodos de 01/08/1970 a 13/09/1990, com intervalos, conforme descrição de fls. 10/12 (itens 4 a 14) e para condenar o requerido a revisar o benefício do autor para aposentadoria especial, com renda de 100% do salário de benefício, desde a data do requerimento administrativo. As diferenças entre o valor percebido e o valor devido deverão ser pagas de uma só vez, atualizadas monetariamente e acrescidas de juros legais de mora, a contar da citação. Arcará o réu com eventuais despesas processuais e honorários advocatícios, ora fixados em 15% do valor da condenação (diferenças vencidas até a prolação da sentença), tudo nos termos do art. 20, §4º do CPC. Após o decurso do prazo para recursos voluntários, encaminhem-se os autos ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, para o reexame necessário." |
O INSS interpôs apelação, argumentando, em síntese, o seguinte: (i) necessidade de análise do reexame necessário, (ii) não há provas da exposição do autor a agentes nocivos nos períodos anteriores a 29/04/1995, (iii) uso de equipamento de proteção eficaz, (iv) ausência de prévia fonte de custeio, (v) data do início do benefício fixada à data em que o autor parou de trabalhar em condições especiais, (vi) redução dos honorários advocatícios para 5% e (vii) juros de mora e correção monetária pela Lei nº 11.960/09.
Contrarrazões da parte autora (fls. 300/305).
Na sequência, subiram os autos a esta Corte.
É o breve relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, consigno que as situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº 13.105/2015.
DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
Antes de se adentrar no mérito, é preciso tecer algumas considerações acerca do labor especial.
O artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180 contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei".
Desde a edição da Lei 9.032/95, que conferiu nova redação ao artigo 57, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/91, o segurado passou a ter que comprovar o trabalho permanente em condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física; a efetiva exposição a agentes físicos, químicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou integridade física. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente insalubre.
O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente "aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo.
Consoante o artigo 58, da Lei 8.213/91, cabe ao Poder Público definir quais agentes configuram o labor especial e a forma como este será comprovado. A relação dos agentes reputados nocivos pelo Poder Público é trazida, portanto, por normas regulamentares, de que é exemplo o Decreto n. 2.172/97. Contudo, se a atividade exercida pelo segurado realmente importar em exposição a fatores de risco, ainda que ela não esteja prevista em regulamento, é possível reconhecê-la como especial. Segundo o C. STJ, "As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991)" (Tema Repetitivo 534, REsp 1306113/SC).
Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal.
Tal é a ratio decidendi extraída do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, no qual o C. STJ firmou a tese de que "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).
Já quanto à conversão do tempo de trabalho, deve-se obedecer à legislação vigente no momento do respectivo requerimento administrativo, o que também já foi objeto de decisão proferida pelo C. STJ em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva (art. 543-C, do CPC/73), no qual se firmou a seguinte tese: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço" (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR).
As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto 2.172, de 05.03.1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico.
Desde 01.01.2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidencia os riscos do respectivo ambiente de trabalho e consolida as informações constantes nos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral antes mencionados.
No julgamento do ARE 664335, o E. STF assentou a tese segundo a qual "o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial". Nessa mesma oportunidade, a Corte assentou ainda que "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".
Nos termos do artigo 57, §5°, da Lei 8.213/91, admite-se a conversão de tempo de atividade especial para comum, devendo-se observar a tabela do artigo 70, do Decreto 3.048/99, a qual estabelece (i) o multiplicador 2,00 para mulheres e 2,33 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 15 anos de trabalho; (ii) o multiplicador 1,50 para mulheres e 1,75 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 20 anos de trabalho; e (iii) o multiplicador 1,2 para mulheres e 1,4 para homens, nos casos em que aposentadoria especial tem lugar após 25 anos de trabalho.
Pelo exposto, pode-se concluir que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
Feitas tais ponderações, passo à análise do caso concreto, em que o INSS questiona o reconhecimento como especial dos períodos de 01/08/1970 a 09/04/1973, 01/11/1973 a 26/04/1974, 24/03/1975 a 17/09/1976, 01/10/1976 a 23/03/1981, 03/08/1981 a 12/04/1982, 18/02/1983 a 05/08/1983, 01/09/1983 a 18/12/1983, 01/02/1984 a 20/08/1985, 10/09/1985 a 06/02/1986, e 04/03/1986 a 13/09/1990.
DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NA PRODUÇÃO DE CALÇADOS
Segundo consta da cópia da CTPS, o autor trabalhou nos períodos de 01/08/1970 a 09/04/1973, 01/11/1973 a 26/04/1974, 24/03/1975 a 17/09/1976, 01/10/1976 a 23/03/1981, 03/08/1981 a 12/04/1982, 18/02/1983 a 05/08/1983, 01/09/1983 a 18/12/1983, 01/02/1984 a 20/08/1985, 10/09/1985 a 06/02/1986, e 04/03/1986 a 13/09/1990 na indústria de produção de calçados, nas mais diversas funções, como sapateiro, pregador de palmilha, auxiliar de montagem, montador e aviador de palmilha, todas elas fora das categorias profissionais contempladas pelos Decretos nºs 53.831/64 e 83.080/79.
Dada essa situação, o segurado teria que ter comprovado a exposição a agentes nocivos durante os períodos declinados na petição inicial por meio de instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova, o que não foi providenciado.
Fica afastado, portanto, o reconhecimento como especial dos períodos de 01/08/1970 a 09/04/1973, 01/11/1973 a 26/04/1974, 24/03/1975 a 17/09/1976, 01/10/1976 a 23/03/1981, 03/08/1981 a 12/04/1982, 18/02/1983 a 05/08/1983, 01/09/1983 a 18/12/1983, 01/02/1984 a 20/08/1985, 10/09/1985 a 06/02/1986, e 04/03/1986 a 13/09/1990.
Em caso que guarda similaridade com o presente, assim já decidiu a Colenda 7ª Turma desta Egrégia Corte, em acórdão que porta a seguinte ementa:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. DANOS MORAIS. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. ATIVIDADE ESPECIAL NÃO COMPROVADA. INDÚSTRIA CALÇADISTA. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL NÃO PERMITIDO. BENEFÍCIO INDEVIDO. SENTENÇA REFORMADA. TUTELA REVOGADA. REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, E APELAÇÃO DO INSS PROVIDAS. |
(...) 12 - Dentre a documentação que instrui a exordial, observam-se cópias de CTPS do autor, revelando a íntegra de seu ciclo laborativo. |
13 - Por sua vez, os interstícios pretensamente especiais, ora identificados com respectivas ex-empregadoras (do ramo calçadista, estabelecidas na cidade de Franca/SP) e correspondentes ofícios - 20/03/1970 a 16/01/1978 (Antonino Cáceres Stefani - sapateiro), 01/06/1978 a 29/10/1985 (Calçados Keller Ltda. - sapateiro), 01/06/1988 a 29/12/1990 (J. Garcia Parra e Irmão - prancheador), 01/06/1991 a 30/11/1991 (Edson de Oliveira Franca - seção de montagem), 01/08/1992 a 27/05/1994 (VestPé Artefatos de Couro Ltda. - Me - acabador) e 02/01/1995 a 30/06/1995 (VestPé Artefatos de Couro Ltda. - Me - supervisor). |
14 - A despeito das atividades em destaque denotarem forte indício de insalubridade, em virtude da sujeição a agentes nocivos inerentes à profissão, como cola de sapateiro, não foram contempladas nos Decretos nºs. 53.831/64 e 83.080/79, desautorizado o enquadramento pela categoria profissional, sendo que, assim, a excepcionalidade laborativa deveria restar notadamente comprovada. Todavia, não houve juntada de correlativa documentação pela parte autora, a qual, deveras, não se desincumbiu do ônus que lhe competia, vale ressaltar, de fornecer documentos pertinentes às condições insalubres às quais estivera exposta. E a apresentação - única e isolada - da carteira profissional não tem o condão de provar o exercício de atividade especial nos períodos vindicados. (...) |
19 - Remessa necessária, tida por interposta, e apelação do INSS, ambas providas. |
(AC nº 0001705-85.2012.4.03.6113, Relator Desembargador Federal Carlos Delgado, DE 30/10/2018) |
HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS
Vencida a parte autora, a ela incumbe o pagamento de custas e despesas processuais - inclusive honorários periciais -, e dos honorários do advogado, fixados em 10% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao reexame necessário e à apelação do INSS, para afastar o reconhecimento como especial dos períodos de 01/08/1970 a 09/04/1973, 01/11/1973 a 26/04/1974, 24/03/1975 a 17/09/1976, 01/10/1976 a 23/03/1981, 03/08/1981 a 12/04/1982, 18/02/1983 a 05/08/1983, 01/09/1983 a 18/12/1983, 01/02/1984 a 20/08/1985, 10/09/1985 a 06/02/1986, e 04/03/1986 a 13/09/1990 e condenar a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais, suspensa, no entanto, a sua execução, nos termos do artigo 98, § 3º, do CPC/2015, por ser ela beneficiária da assistência judiciária gratuita.
É o voto.
INÊS VIRGÍNIA
Desembargadora Federal
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| Data e Hora: | 27/02/2019 17:56:02 |
