Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2066813 / SP
0019488-67.2015.4.03.9999
Relator(a)
JUIZA CONVOCADA LEILA PAIVA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/04/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/05/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. TRABALHO AGRÍCOLA NA
LAVOURA CANAVIEIRA. ATIVIDADE ESPECIAL DE VIGILÂNCIA. BENEFÍCIO DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDO. TERMO INICIAL NA
DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E
CRITÉRIOS DE CÁLCULO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA.
- Por ter sido a sentença proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, as
situações jurídicas consolidadas e os atos processuais impugnados serão apreciados em
conformidade com as normas ali inscritas, consoante determina o artigo 14 da Lei nº
13.105/2015.
- O autor instruiu os autos com cópia de sua CTPS e PPP's e laudo técnico relativos aos
períodos em que deseja ser reconhecida a especialidade do labor, documentos suficientes para
a análise vindicada e seus conteúdos/validade/autenticidade não foram impugnados durante a
instrução probatória pelo ente autárquico, pelo que rejeitada a preliminar de nulidade da
sentença em razão do cerceamento de defesa, diante do indeferimento da prova pericial
- Comprovado o exercício de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos,
se mulher, concede-se a aposentadoria na forma integral, pelas regras anteriores à EC 20/98,
se preenchido o requisito temporal antes da vigência da Emenda, ou pelas regras permanentes
estabelecidas pela referida Emenda, se após a mencionada alteração constitucional (Lei
8.213/91, art. 53, I e II). Ressalta-se que, além do tempo de serviço, deve o segurado
comprovar, também, o cumprimento da carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
já filiados quando do advento da mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de
transição), em que, para cada ano de implementação das condições necessárias à obtenção do
benefício, relaciona-se um número de meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela
regra permanente do citado art. 25, II.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- Presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem
proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário,
seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder
Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas.
- Em que pese não constar do PPP campo específico referente à efetiva exposição da segurada
durante sua jornada de trabalho a agente nocivo, de forma habitual e permanente, não
ocasional nem intermitente, há que se considerar que a responsabilidade pela elaboração do
documento é do empregador, na forma determinada pelo INSS, o qual não prevê tal anotação,
não podendo ser transferido ao trabalhador o ônus decorrente da ausência desta observação.
- Apresentando o segurado um PPP que indique sua exposição a um agente nocivo, e
inexistindo prova de que o EPI eventualmente fornecido ao trabalhador era efetivamente capaz
de neutralizar a nocividade do ambiente laborativo, a configurar uma dúvida razoável no
particular, deve-se reconhecer o labor como especial.
- Não há como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte
de custeio (195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei 8.213/91), até porque o não
recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à
inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. Nesse particular, restou consignado no
Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do
Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, que a ausência de prévia fonte de
custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver
ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o art. 195, § 5º, da
Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios
previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador
ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria
constituição, como é o caso da aposentadoria especial.
- Constando da perícia que o segurado ficava exposto a agente nocivo, seja pela simples
presença do agente no ambiente, ou porque estava acima do limite de tolerância, deve-se
concluir que tal exposição era, nos termos do artigo 65, do RPS - Regulamento da Previdência
Social, habitual, não ocasional nem intermitente e indissociável da produção do bem ou da
prestação do serviço.
- A autarquia federal reconheceu a especialidade do labor nos períodos de 03.04.1989 a
26.06.1992 e 05.04.1994 a 03.01.1995 e o tempo de serviço de 30 anos, 11 meses e 1 dia de
labor na data do requerimento administrativo, 05.11.2013 (fls. 130/135).
- No período de 29.06.1992 a 14.01.1994, o autor exerceu o cargo de serviços agrícolas no
cultivo e corte de cana-de-açúcar para Usina São Martinho S/A. Com efeito, até 28.04.1995, o
enquadramento como atividade especial poderia ser feito com base na categoria profissional,
não havendo necessidade de produzir provas da exposição ao agente nocivo, havendo uma
presunção da nocividade.
- Os trabalhadores rurais dedicados ao cultivo e corte de cana -de-açúcar e empregados
agroindustriais exercem atividades ostensivamente insalubres, dada às peculiaridades das
tarefas (grandes esforços físicos, uso em grande escala de defensivos agrícolas, etc.), o que
permite o enquadramento como insalubre no código 2.2.1 do anexo ao Decreto 53.841/64.
Precedentes desta Corte.
- Com tais considerações, o período de 29.06.1992 a 14.01.1994 deve ser averbado como de
natureza especial.
- O trabalho desenvolvido pelo guarda patrimonial, vigia, vigilante, bombeiro e afins deve ser
reconhecido como especial por analogia à atividade de guarda, prevista no código 2.5.7 do
Decreto nº 53.831/64 (que exige tempo de trabalho mínimo de 25 anos para a aposentadoria
especial), tendo em vista que aquela expõe o trabalhador aos mesmos riscos desta. Esta C.
Turma tem entendido que "No tocante à profissão de guarda patrimonial, vigia, vigilante e afins,
entende-se que é considerada de natureza especial durante todo o período a que está a
integridade física do trabalhador sujeita aos riscos de seu dever de proteger o bem alheio e
inibir eventual ação ofensiva" (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApReeNec -
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1392026 - 0006949-52.2007.4.03.6183, Rel.
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 07/05/2018, e-DJF3 Judicial 1
DATA:16/05/2018).
- Sobre o tema, o Colegiado registrou, ainda, o seguinte: (i) "a reforma legislativa realizada pela
Lei nº 12.740/2012, que alterou o art. 193 da CLT, para considerar a atividade de vigilante como
perigosa, com o adicional de 30%, em virtude da exposição da categoria a roubos ou outras
espécies de violência, mesmo não fazendo menção a uso de armas"; (ii) "reputa-se perigosa tal
função por equiparação da categoria àquelas previstas no item 2.5.7 do Decreto nº 53.831/64,
ainda que não tenha sido incluída pelos Decretos nº 83.090/79 e nº 89.312/84, cujos anexos
regulamentares encerram classificação meramente exemplificativa"; e (iii) "o laudo pericial
resulta inviável no caso dos vigias, na medida em que a avaliação do grau de periculosidade se
dá no mesmo âmbito da presunção adotada pelo enquadramento no Decreto nº 53.831/64, vale
dizer, somente seria possível avaliar a efetiva exposição de risco numa situação real de defesa
ao patrimônio tutelado, justamente o que se procura prevenir com contratação dos profissionais
da área da segurança privada" (ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1392026).
- A CTPS, PPP's e laudo técnico atestam que nos períodos de 18.09.1996 a 22.10.1997,
30.01.1998 a 16.08.2001, 02.05.2007 a 17.06.2011 e 18.06.2011 a 08.05.2013, o autor exerceu
as atividades de vigilante e cargos de fiscal de segurança, inspetor de segurança, vigilante,
segurança industrial para as empresas Carrefour Comércio e Ind. Ltda., Space Vigilância e
Segurança Ltda., Quality Serviços de Segurança e Vigilância Patrimonial, Ltda. e Pires Serviços
de Segurança e Transporte de Valores Ltda., inclusive em algumas delas, portava arma de fogo
de calibre 38. Enfim, dessume-se de suas atividades habituais e permanentes que lhe competia
assegurar pelos bens patrimoniais, bem como à integridade física de terceiros, o que enseja o
enquadramento da atividade, por equiparação às categorias profissionais do código 2.5.7 do
quadro anexo ao Decreto n.º 53.831/64 (EXTINÇÃO DE FOGO, GUARDA - Bombeiros,
Investigadores, Guardas). Com tais considerações, reconhecidos os períodos de 18.09.1996 a
22.10.1997, 30.01.1998 a 16.08.2001, 02.05.2007 a 17.06.2011 e 18.06.2011 a 08.05.2013
como exercidos em condições especiais.
- Considerando o tempo de serviço reconhecido pelo ente autárquico (30 anos, 11 meses e 1
dia de labor) e o acréscimo decorrente da conversão do tempo especial reconhecido
(29.06.1992 a 14.01.1994, 18.09.1996 a 22.10.1997, 30.01.1998 a 16.08.2001, 02.05.2007 a
17.06.2011 e 18.06.2011 a 08.05.2013), verifica-se que o autor, na data do requerimento
administrativo (05.11.2013), fazia jus ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição
integral, porquanto possuía, na data do ajuizamento da ação, mais de 35 anos de tempo de
contribuição (35 anos, 9 meses e 19 dias) e mais de 180 meses de carência.
- O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo,
05.11.2013, quando apresentada à autarquia federal documentação necessária para o
reconhecimento do benefício vindicado.
- Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% do
valor das prestações vencidas até a data da sentença (Súmula nº 111/STJ).
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até
porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de
declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de
eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do
IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o
INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto
com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de
critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do
julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem
observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao
entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
- Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada
em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E..
- Apelação do autor parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar
arguida e DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação do autor para condenar o INSS a
reconhecer a especialidade do labor desempenhado nos períodos de 29.06.1992 a 14.01.1994,
18.09.1996 a 22.10.1997, 30.01.1998 a 16.08.2001, 02.05.2007 a 17.06.2011 e 18.06.2011 a
08.05.2013 e a conceder-lhe o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde
data do requerimento administrativo, 05.11.2013, acrescidas as parcelas devidas de correção
monetária e juros de mora, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios, porém, no
patamar de 10% sobre o valor da data da sentença, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-14LEG-FED EMC-20 ANO-1998***** LBPS-91 LEI DE
BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8213 ANO-1991 ART-53 INC-1 INC-2 ART-25 INC-2 ART-57 PAR-6 PAR-7*****
CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-195 PAR-5 PAR-6***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL
LEG-FED DEC-3048 ANO-1999 ART-65LEG-FED DEC-53831 ANO-1964 ITE-2.2.1 ITE-
2.5.7LEG-FED LEI-12740 ANO-2012***** CLT-43 CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO
LEG-FED DEL-5452 ANO-1943 ART-193LEG-FED DEC-83090 ANO-1979***** CLPS-84
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL DE 1984
LEG-FED DEC-89312 ANO-1984***** STJ SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
LEG-FED SUM-111LEG-FED LEI-11960 ANO-2009LEG-FED LEI-9494 ANO-1997 ART-1F
Veja
STF ARE 664.335/SCREPERCUSSÃO GERALTEMA 555;
STF RE 870.947/SEREPERCUSSÃO GERALTEMA 810;
STJ RESP 1.495.146/MGREPETITIVOTEMA 905.
