Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2135404 / SP
0004285-31.2016.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/09/2019
Ementa
PREVIDENCIÁRIO. TRABALHO RURAL COMPROVADO. TRABALHO EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS NÃO COMPROVADO. BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO CONCEDIDO. TERMO INICIAL NA DATA DA CITAÇÃO. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIOS DE CÁLCULO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE
MORA. CUSTAS.
- Comprovado o exercício de 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e 30 (trinta) anos,
se mulher, concede-se a aposentadoria na forma integral, pelas regras anteriores à EC 20/98,
se preenchido o requisito temporal antes da vigência da Emenda, ou pelas regras permanentes
estabelecidas pela referida Emenda, se após a mencionada alteração constitucional (Lei
8.213/91, art. 53, I e II). Além do tempo de serviço, deve o segurado comprovar, também, o
cumprimento da carência, nos termos do art. 25, II, da Lei 8213/91. Aos já filiados quando do
advento da mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para
cada ano de implementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona-se
um número de meses de contribuição inferior aos 180 exigidos pela regra permanente do citado
art. 25, II.
- Nos termos do artigo 55, §§2º e 3º, da Lei 8.213/1991, é desnecessário a comprovação do
recolhimento de contribuições previdenciárias pelo segurado especial ou trabalhador rural no
período anterior à vigência da Lei de Benefícios, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço
rural, no entanto, tal período não será computado para efeito de carência (TRF3ª Região,
2009.61.05.005277-2/SP, Des. Fed. Paulo Domingues, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
2007.61.26.001346-4/SP, Des. Fed. Carlos Delgado, DJ 09/04/2018; TRF3ª Região,
2007.61.83.007818-2/SP. Des. Fed. Toru Yamamoto. DJ 09/04/2018; EDcl no AgRg no REsp
1537424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em
27/10/2015, DJe 05/11/2015; AR 3.650/RS, Rel. Ministro ERICSON MARANHO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/11/2015,
DJe 04/12/2015).
- Foi garantida ao segurado especial a possibilidade do reconhecimento do tempo de serviço
rural, mesmo ausente recolhimento das contribuições, para o fim de obtenção de aposentadoria
por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1
(um) salário mínimo, e de auxílio-acidente. No entanto, com relação ao período posterior à
vigência da Lei 8.213/91, caso pretenda o cômputo do tempo de serviço rural para fins de
aposentadoria por tempo de contribuição, cabe ao segurado especial comprovar o recolhimento
das contribuições previdenciárias, como contribuinte facultativo.
- Considerando a dificuldade do trabalhador rural na obtenção da prova escrita, o Eg. STJ vem
admitindo outros documentos além daqueles previstos no artigo 106, parágrafo único, da Lei nº
8.213/91, cujo rol não é taxativo, mas sim, exemplificativo, podendo ser admitido início de prova
material sobre parte do lapso temporal pretendido, bem como tempo de serviço rural anterior à
prova documental, desde que complementado por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse
passo, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a prova testemunhal possui aptidão
para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a
sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar.
Precedentes.
- No que tange à possibilidade do cômputo do labor rural efetuado pelo menor de idade, o
próprio C. STF entende que as normas constitucionais devem ser interpretadas em benefício do
menor. Por conseguinte, a norma constitucional que proíbe o trabalho remunerado a quem não
possua idade mínima para tal não pode ser estabelecida em seu desfavor, privando o menor do
direito de ver reconhecido o exercício da atividade rural para fins do benefício previdenciário,
especialmente se considerarmos a dura realidade das lides do campo que obrigada ao trabalho
em tenra idade (ARE 1045867, Relator: Ministro Alexandre de Moraes, 03/08/2017, RE
906.259, Rel: Ministro Luiz Fux, in DJe de 21/09/2015).
- No caso, verifica-se que o autor nasceu e trabalhou no meio rural, em regime de economia
familiar, sem registro em CTPS, sendo o conjunto probatório e o histórico das atividades de sua
vida laborativa aptos a ratificarem o exercício da atividade no período de 15.04.1974 a
18.08.1981, até mesmo porque não se exige ao trabalhador rural que apresente documento ano
a ano do exercício da atividade, dada à dificuldade na sua obtenção, precariedade em que o
labor era prestado (sem registro em CTPS) e em razão do tempo decorrido.
- Em reforço, não há nos autos quaisquer provas que tenha exercido labor urbano nos referidos
períodos, o que permite concluir que permaneceu na atividade rurícola por todo o intervalo
requerido na inicial. Nesse sentido, as declarações das testemunhas, que em uníssono
confirmaram o labor rural do autor, complementado e reforçando as provas materiais.
- Dessa forma, reconhecida a atividade rural exercida, em regime de economia familiar, no
período de 15.04.1974 a 18.08.1981, independentemente do recolhimento de contribuições
previdenciárias, não podendo tal período ser computado para efeito de carência, nos termos do
art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991, devendo o INSS proceder a devida averbação nos registros
previdenciários competentes.
- Sobre o tempo de atividade especial, o artigo 57, da Lei 8.213/91, estabelece que "A
aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei (180
contribuições), ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem
a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos,
conforme dispuser a lei". Considerando a evolução da legislação de regência pode-se concluir
que (i) a aposentadoria especial será concedida ao segurado que comprovar ter exercido
trabalho permanente em ambiente no qual estava exposto a agente nocivo à sua saúde ou
integridade física; (ii) o agente nocivo deve, em regra, assim ser definido em legislação
contemporânea ao labor, admitindo-se excepcionalmente que se reconheça como nociva para
fins de reconhecimento de labor especial a sujeição do segurado a agente não previsto em
regulamento, desde que comprovada a sua efetiva danosidade; (iii) reputa-se permanente o
labor exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do segurado ao
agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço; e (iv) as
condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de
proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE
5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT) ou outros meios de prova.
- O autor desistiu da averbação especial do período em razão da empresa onde realizou a
atividade Destilaria Nova Esperança se encontrar desativada e do período ser ínfimo.
- Consta dos autos que no período de 16/06/1989 a 10/04/2008, o autor trabalhou na
Telecomunicações de São Paulo S/A - TELESP nas funções de cabista, examinador de linhas e
aparelhos, técnico de linhas e técnico de telecomunicações. Para comprovar as condições de
trabalho especiais no período, o autor juntou aos autos peças das Reclamação Trabalhista nº
01026-2008-432-02-00-7, a qual contém Laudos Periciais que constataram o exercício de
atividades e operações perigosas com inflamáveis. Na sentença, o Juiz do Trabalho determinou
à empregadora o pagamento de adicional de periculosidade ao autor.
- Em que pese o Juiz do Trabalho ter reconhecido o direito da autora ao adicional de
periculosidade, essa compensação financeira não garante, necessariamente, o reconhecimento
do caráter especial do labor para fins previdenciários.
- Nos termos do artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91, "A concessão da aposentadoria especial
dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS,
do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado".
- O RPS - Regulamento da Previdência Social, no seu artigo 65, reputa trabalho permanente
"aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do
empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da
produção do bem ou da prestação do serviço".
- Portanto, nos termos da legislação de regência, para que uma atividade seja considerada
especial, para fins previdenciários, é preciso que o trabalhador fique exposto a agentes nocivos
de forma não ocasional (não eventual) nem intermitente.
- A legislação trabalhista (especialmente os artigos 192 e 193, da CLT), de seu turno, é menos
exigente do que a previdenciária, não fazendo alusão à necessidade de que o trabalho seja não
ocasional e nem intermitente para que o trabalhador tenha direito ao adicional de insalubridade
ou periculosidade. Por isso, o C. TST tem entendido que "O trabalho executado, em caráter
intermitente, em condições insalubres, não afasta, só por essa circunstância, o direito à
percepção do respectivo adicional" (Súmula 47) e que "Tem direito ao adicional de
periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de forma intermitente, sujeita-
se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o contato dá-se de forma eventual, assim
considerado o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido"
(Súmula 364, I, do TST).
- Como se vê, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio estabelece uma
gradação no tratamento da exposição do trabalhador a agentes nocivos: (i) em caso de
exposição habitual, isto é, não ocasional nem intermitente, o trabalhador faz jus, além do
adicional de periculosidade ou insalubridade, ao enquadramento da sua atividade como
especial para fins previdenciários; (ii) em caso de exposição intermitente, o trabalhador faz jus
ao adicional de insalubridade, mas não ao enquadramento da atividade como especial para fins
previdenciários; e (iii) em caso de exposição eventual, o trabalhador não faz jus ao adicional de
insalubridade nem ao enquadramento da sua atividade como especial. É essa gradação que
justifica que um trabalhador receba um adicional de insalubridade sem que isso signifique que
ele faça jus ao enquadramento da sua atividade como especial, reforçando a independência
entre as instâncias trabalhista e previdenciária.
- No caso dos autos, o PPP, dá conta que no intervalo requerido não houve exposição do autor
a agentes nocivos. Por outro lado, os Peritos e o Juiz do Trabalho entenderam passível de
recebimento de adicional de periculosidade a atividade do autor, única e exclusivamente, pelo
fato de que ele desempenhava seu labor no edifício da TELESP que continha no subsolo dois
tanques de 500 litros, cada um, para armazenamento de líquidos inflamáveis (óleo diesel) e em
razão do risco de choque elétrico.
- Não obstante a primeira perícia tenha consignado que o autor, com auxílio de uma escada,
acessava o ponto de conexão de dados aéreos, linha de dados aérea, localizado nos postes de
distribuição de energia elétrica - alta e baixa tensão e iluminação pública (70% dos casos), não
especifica expressamente a exposição ao agente periculoso eletricidade de forma habitual e
permanente.
- Já na segunda perícia foi atestado que o autor laborava junto às Centrais Telefônicas DGs -
Distribuidor Geral, que são de baixas tensões elétricas, de cerca de 24 a 48v e que não se
caracterizam como sistemas elétricos de potência, não havendo periculosidade em tais
atividades devidos aos chamados sistemas elétricos.
- Dessa sorte, havendo contradição entre os laudos e não havendo menção expressa nos
laudos realizados na Justiça do Trabalho da exposição do autor a tensões elétricas acima de
250 volts, de forma habitual e permanente, ou a qualquer outro agente nocivo à saúde, o
período de 16/06/1989 a 10/04/2008 deve ser considerado comum.
- De se ver, portanto, que não restou comprovado nos autos que a autora exercia atividade que
ocasionava a sua exposição, de forma habitual e permanente, a agentes nocivos à saúde,
tampouco que era tido como perigosa ou de risco inerente a processo produtivo/industrial, o que
impede o reconhecimento como especial do período de 16/06/1989 a 10/04/2008.
- Considerando o tempo de serviço rural ora reconhecido (15.04.1974 a 18.08.1981) aos demais
vínculos constantes em CTPS, até a data do ajuizamento da ação (04.10.2013), perfaz o autor
37 anos, 7 meses e 2 dias de tempo de serviço, fazendo jus ao benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição.
- O termo inicial deve ser fixado na data da citação, 06.11.2013, quando implementado o tempo
necessário para concessão do benefício vindicado e quando a autarquia tomou ciência e pode
resistir à pretensão do autor.
- Vencido o INSS em maior parte, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, os
quais devem ser fixados em 10% e apurado sobre o valor das prestações vencidas até a data
da sentença (Súmula nº 111/STJ).
- Vale destacar que a inconstitucionalidade do critério de correção monetária introduzido pela
Lei nº 11.960/2009 foi declarada pelo Egrégio STF, ocasião em que foi determinada a aplicação
do IPCA-e (RE nº 870.947/SE, repercussão geral). Tal índice deve ser aplicado ao caso, até
porque o efeito suspensivo concedido em 24/09/2018 pelo Egrégio STF aos embargos de
declaração opostos contra o referido julgado para a modulação de efeitos para atribuição de
eficácia prospectiva, surtirá efeitos apenas quanto à definição do termo inicial da incidência do
IPCA-e, o que deverá ser observado na fase de liquidação do julgado. E, apesar da recente
decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp repetitivo nº 1.495.146/MG), que estabelece o
INPC/IBGE como critério de correção monetária, não é o caso de adotá-lo, porque em confronto
com o julgado acima mencionado. Dessa forma, se a sentença determinou a aplicação de
critérios de juros de mora e correção monetária diversos daqueles adotados quando do
julgamento do RE nº 870.947/SE, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem
observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao
entendimento do Egrégio STF, em sede de repercussão geral.
- Assim, para o cálculo dos juros de mora e correção monetária aplicam-se, (1) até a entrada
em vigor da Lei nº 11.960/2009, os índices previstos no Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça
Federal; e, (2) na vigência da Lei nº 11.960/2009, considerando a natureza não-tributária da
condenação, os critérios estabelecidos pelo Egrégio STF, no julgamento do RE nº 870.947/SE,
realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, quais sejam, (2.1) os juros
moratórios serão calculados segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos
termos do disposto no artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009;
e (2.2) a correção monetária, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial -
IPCA-E..
- No que se refere às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, tanto no
âmbito da Justiça Federal (Lei nº 9.289/96, art. 4º, I) como da Justiça Estadual de São Paulo
(Lei 9.289/96, art. 1º, § 1º, e Leis Estaduais nºs 4.952/85 e 11.608/2003). Tal isenção,
decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora
(artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96), inexistentes, no caso, tendo em conta a
gratuidade processual que foi concedida à parte autora. Também não o dispensa do pagamento
de honorários periciais ou do seu reembolso, caso o pagamento já tenha sido antecipado pela
Justiça Federal, devendo retornar ao erário (Resolução CJF nº 305/2014, art. 32).
- Apelação do autor parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação do autor, a fim de condenar o ente autárquico a averbar o labor rurícola
desempenhado no período de 15.04.1974 a 18.08.1981, independentemente do recolhimento
de contribuições previdenciárias, não podendo tal período ser computado para efeito de
carência, conforme art. 55, §2º, da Lei 8.213/1991, e a conceder o benefício de aposentadoria
por tempo de contribuição, a partir da data da citação, 06.11.2013, com os devidos consectários
legais, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
