Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5174195-92.2021.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal THEREZINHA ASTOLPHI CAZERTA
Órgão Julgador
8ª Turma
Data do Julgamento
17/02/2022
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 22/02/2022
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. TUTELA PROVISÓRIA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR.
APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91.
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO
REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não se conhece da apelação, na parte em que alegada a necessidade de atribuição de efeito
suspensivo ao recurso, em razão da tutela provisória, por falta de interesse de agir.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5174195-92.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DO CARMO SANTOS SUATE
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5174195-92.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DO CARMO SANTOS SUATE
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhador rural,
prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado, reconhecendo à parte autora o direito ao
benefício pretendido, a partir da data do requerimento administrativo.
O INSS apela, requerendo, preliminarmente, o recebimento do recurso no duplo efeito, tendo
em vista a concessão da tutela provisória. No mérito, pleiteia a reforma da sentença,
sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em
questão. Se vencido, prequestiona a matéria.
Sem contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5174195-92.2021.4.03.9999
RELATOR:Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA DO CARMO SANTOS SUATE
Advogado do(a) APELADO: EVELISE SIMONE DE MELO ANDREASSA - SP135328-N
OUTROS PARTICIPANTES:
-V O T O
Inicialmente, ressalte-se que a apelação do Instituto Nacional do Seguro Social será
parcialmente conhecida, ante a falta de interesse em recorrer com relação a tutela provisória,
uma vez que não houve condenação a respeito.
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame
da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts.
39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de
1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha
que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a
concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural
deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do
pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou
para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do
benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve
comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de
Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever
de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício
laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício
de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos
rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante
15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como
segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a
uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2
(dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na
Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu
nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu
art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º
8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e,
em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor
equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro
de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991;
II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado
por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016
a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a
12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra
permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria
por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que
de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por
tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício
pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da
retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em
02.10.2019, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- CTPS da autora, com registro de atividade em serviço rural de 02.07.1979 a 31.12.1986;
- Certidão de casamento, celebrado em 28.05.1983, qualificando o cônjuge da requerente como
lavrador;
- Certidões de inteiro teor do nascimento dos filhos da autora, registrados em 29.02.1984 e
13.02.1991, constando em ambas a qualificação de lavrador do marido da demandante;
- CTPS deste último, com registro de atividade em serviço rural de 01.08.1983 a 21.04.1987 e
- Consulta Cadastral – Cadastro de Contribuintes de ICMS – Cadesp, com data de inscrição em
25.08.2006, constando como "Participante" o marido da autora, qualificando-o como “Produtor
Rural” e “CNAE Principal 01.33-4/04 – Cultivo de cítricos, exceto laranja e CNAE Secundários:
01.21-0/01 – Horticultura, exceto morango”;
Foram acostados aos autos as informações do Sistema CNIS da Previdência Social em nome
da autora e de seu marido.
Com relação à autora consta o recolhimento como “Contribuinte Individual” de 01.08.2009 a
31.10.2019 e 01.11.2019 a 29.02.2020.
No que tange ao cônjuge da requerente, consta o registro indicado na CTPS, bem como o
período de atividade de segurado especial com data de início em 28.09.2006 e o recolhimento
como contribuinte individual de 01.08.2009 a 30.09.2010, 01.11.2010 a 31.10.2019 e
01.11.2019 a 29.02.2020.
Cumpre mencionar que o fato de o vínculo empregatício indicado na CTPS da autora não
constar do Sistema CNIS da Previdência Social em nada impede o reconhecimento da
veracidade do registro.
Ressalte-se que as anotações em CTPS gozam de presunção de veracidade juris tantum,
devendo o INSS demonstrar a ocorrência de eventual irregularidade para desconsiderá-las.
Vale dizer, à autarquia previdenciária cabe provar a falsidade das declarações inseridas na
carteira de trabalho da parte autora, ou, em outras palavras, demonstrar a inexistência dos
vínculos empregatícios nela constantes.
Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região:
"Conquanto diga o Enunciado n° 12 do C. TST que as anotações apostas pelo empregador na
carteira profissional do empregado não geram presunção "iure et iure", mas apenas "iures
tantum", menos certo não é que anotada a carteira profissional do reclamante, inverte-se o ônus
da prova incumbindo à reclamada, que reconhece a anotação, fazer prova das alegações da
defesa."
(RO proc. 95.02950368365; Relator: Braz José Mollica; 1ª Turma; DJ: 27.02.97)
"...CTPS. Anotações. Valor probante. A presunção de relatividade quanto aos registros em
carteira de trabalho não pode ser dissociada do princípio da condição mais benéfica (...) Se é
certo que o erro de fato não gera direito, quando provado, não menos certo é que a condição
anotada em CTPS e não infirmada reveste-se do caráter de direito adquirido."
(RO proc. 20000587430; Relatora: Wilma Nogueira de Araujo Vaz da Silva; 8ª Turma; DJ:
20.08.2002)
E levando-se em conta que, nos termos da alínea "a" do inciso I do artigo 30 da Lei n.º
8.212/91, compete à empresa arrecadar as contribuições previdenciárias dos segurados
empregados a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração e repassando-as ao
INSS, a que incumbe a fiscalização do devido recolhimento, é de se admitir como efetuadas as
arrecadações relativas ao período de trabalho registrado em CTPS, visto que o empregado não
pode ser prejudicado por eventual desídia do empregador e da autarquia, se estes não
cumpriram as obrigações que lhes eram imputadas.
Na linha do exposto é o entendimento firmado pela 8.ª Turma (ApCiv n.º 0031434-12-
2010.4.03.9999 – Des. Fed. Newton De Lucca – Julgado em 05/08/2019 – Publicado em
19/08/2019; ApCiv n.º 5003185-82.2018.4.03.9999 – Des. Fed. Diva Malerbi – Julgado em
08/10/2019 – Publicado em 10/10/2019; ApCiv n.º 5001097-47.2018.4.03.6127 – Des. Fed.
Tânia Marangoni – Julgado em 09/08/2019 – Publicado em 15/08/2019; ApCiv n.º 0033186-
77.2014.4.03.9999 – Des. Fed. Luiz Stefanini – Julgado em 22/07/2019 – Publicado em
05/08/2019).
Esclareça-se que o fato de a autora e seu marido terem recolhido como “Contribuinte
Individual”, em nada afasta o trabalho campesino desempenhado, uma vez que os documentos
juntados aos autos indicam que a demandante exerceu suas atividades no meio rural.
Importante, ainda, acrescentar que tais contribuições servem a preservar a qualidade de
segurado e não impedem a concessão do benefício vindicado, tendo sido efetuadas, no caso
dos autos, sobre o valor de um salário mínimo.
Nesse sentido, o art. 39, inciso II, da Lei n.º 8.213/91, autoriza o segurado especial a realizar
recolhimentos previdenciários, como segurado facultativo, o que não afasta a sua condição de
rurícola (9.ª Turma: Apelação Cível/SP 5651025-05.2019.4.03.9999 – Relatora:
Desembargadora Federal MARISA FERREIRA DOS SANTOS – eDJF3 Judicial 1 02/03/2020;
Apelação Cível/SP 5002327-30.2017.4.03.6105 – Relator: Juiz Federal Convocado RODRIGO
ZACHARIAS – eDJF3 Judicial 12/07/2019).
Cabe ressaltar a existência de prova oral. As testemunhas declaram que conhecem a parte
autora há bastante tempo e confirmam o alegado labor rural.
É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir
a profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar.
E os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova
testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora.
De rigor, portanto, o deferimento do benefício, porquanto comprovado o exercício de atividade
rural pelo período de carência legalmente exigido.
A aposentadoria corresponde ao valor de um salário mínimo mensal, nos termos do art. 143 da
Lei n.º 8.213/91.
O termo inicial do benefício previdenciário deve retroagir à data do requerimento administrativo,
de acordo com a previsão contida no inciso II do art. 49 da Lei n.º 8.213/91. Na ausência de
demonstração do requerimento, o termo inicial deve retroagir à data da citação, ocasião em que
a autarquia tomou conhecimento da pretensão.
No caso, existe comprovação de requerimento, devendo o termo inicial ser nele fixado.
Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição
da República.
Quer seja em relação aos juros moratórios, devidos a partir da citação, momento em que
constituído o réu em mora; quer seja no tocante à correção monetária, incidente desde a data
do vencimento de cada prestação, há que prevalecer tanto o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do
Ministro Luiz Fux, quanto o estabelecido no Manual de Orientação de Procedimentos para
Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião da execução do julgado, observada a
rejeição dos embargos de declaração no âmbito do julgamento em epígrafe, em 03/10/2019.
Quanto ao prequestionamento suscitado, saliente-se inexistir contrariedade alguma a legislação
federal ou a dispositivos constitucionais.
Posto isso, conheço em parte do recurso de apelação e, na parte conhecida nego-lhe
provimento.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. TUTELA PROVISÓRIA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR.
APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91.
COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE DE RURÍCOLA NO PERÍODO ANTERIOR AO
REQUERIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Não se conhece da apelação, na parte em que alegada a necessidade de atribuição de efeito
suspensivo ao recurso, em razão da tutela provisória, por falta de interesse de agir.
- A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente para ensejar a concessão do benefício vindicado.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Oitava Turma, por
unanimidade, decidiu conhecer em parte do recurso de apelação e, na parte conhecida negar-
lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
