Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000364-93.2019.4.03.6334
Relator(a)
Juiz Federal MAIRA FELIPE LOURENCO
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
04/10/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 07/10/2021
Ementa
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DA PARTE AUTORA.
1. Pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade rural.
2. Sentença de improcedência lançada nos seguintes termos:
“(...)
CASO DOS AUTOS:
Relata a autora que trabalhou como rurícola no período de 12/08/1972 até 24/10/2016, em regime
de economia familiar, nas terras pertencentes ao seu avô, propriedade denominada Sítio Bela
Vista, localizada na Água da Divisa, em Assis, SP, nas lavouras de arroz, milho e feijão. Após o
casamento, continuou morando e trabalhando na zona rural, juntamente com seu marido,
cuidando dos animais e da plantação.
Pede seja declarado por sentença o tempo de serviço rural de 12/08/1972 a 24/10/2016, com a
concessão da aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo, NB
nº 175.952.714-6, em 24/10/2016.
Juntou documentos, dentro os quais destaco:
(i) certidão do casamento contraído em 18/11/1978, constando a profissão de seu cônjuge como
“lavrador” (ff. 17, evento nº 02);
(ii) notas fiscais em nome de Otair da Silva, datadas de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, com
endereço na “S. Água da Divisa” e “Chácara Nova Esperança” (ff. 26/28 e 111/117, evento nº 02)
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
(iii) Declaração de vacinação contra a febre aftosa, em nome de Otair da Silva, relativa ao ano de
2016 (ff. 30, evento nº 02);
(iv) entrevista rural, realizada nos autos do processo administrativo, onde a autora declara ter
trabalhado em regime de economia familiar, no período de 01/01/1995 a 05/09/2016 (ff. 31/32,
evento nº 02);
(v) contrato particular de compra e venda de imóvel, constando a autora e seu cônjuge como
promitentes compradores, de uma chácara de um alqueire paulista, situada na Água da Divisa,
adquirida pelo valor de R$20.000,00, firmado em 20/12/2002 (ff. 49/51, evento nº 02);
(vi) notas fiscais em nome de Otair da Silva, endereço Chácara Nova Esperança, Chácara
Amanhecer e Sítio Água da Divisa, datadas de 2002 a 2010 (ff. 55/59 e 103/111, evento nº 02);
(vii) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 72, ano base 71, em nome de
José Maria Vasconcelos, com endereço na Água da Divisa (ff. 61, evento nº 02);
(vii) declaração de rendimentos pessoa física, exercício 71, ano base 70, em nome de José Maria
Vasconcelos ( ff. 62/63, evento nº 02);
(viii) declaração de rendimentos pessoa física, exercício 72, ano base 71, em nome de José Maria
Vasconcelos, Fazenda Bela Vista, com indicação das atividades econômicas do imóvel rural
(leite, cultura temporária, pecuária de médio porte (ff. 64/66, evento nº 02);
(ix) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 73, ano base 72, em nome de
José Maria Vasconcelos, endereço Água da Divisa, acompanhada da declaração de rendimentos
(ff. 67/73, evento nº 02);
(x) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 75, ano base 74, em nome de José
Maria Vasconcelos, Água da Divisa – Fazenda Bela Vista, acompanhada da declaração de
rendimentos (ff. 74/76, evento nº 02);
(xi) carteira emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Assis, em nome de Otair da Silva,
com endereço na água da pinga, admissão em 13/03/1979, acompanhada de recibo de
pagamento de mensalidade do ano de 1982, 1985, 1987, 1988, 1989 e 1990 (ff. 76/86, evento nº
02);
(xii) circular de vacinação dirigida ao Sr. Osvaldo de Souza Júnior e Otair da Silva (com rasura no
nome Otair) , datada de 22/03/1993 (ff. 88, evento nº 02);
(xiii) ficha de cadastramento familiar, constando o nome da autora e de seu cônjuge, endereço
Chácara do Amanhecer – Água da Divisa (ff. 89, evento nº 02);
(xiv) prontuário médico da autora (ff. 90/102, evento nº 02).
Em audiência, foram ouvidas a autora e as testemunhas arroladas.
Eugenia Lusia Vasconcelos da Silva contou que começou a trabalhar no meio rural aos 12 anos
de idade, na propriedade do pai dela, localizada no Município de Assis. Propriedade chamava-se
Fazenda Bela Vista. Estende-se por 42 alqueires. Teve três irmãos e três irmãs. Todos
trabalharam na terra. Autora estudou até a sexta série. Continuou a trabalhar na roça mesmo
após o casamento. Marido foi morar na propriedade do pai dela. Quando do nascimento da filha
dela, saiu da propriedade do pai, mas continuou a morar e trabalhar na roça. Saiu da propriedade
do pai dela por volta de 1980. Marido era empregado rural. Nunca viveram na cidade. No atual
momento, não faz os serviços mais pesados. Mas segue a desempenhar atividade rural. Dedica-
se principalmente a comercializar queijo, ovos, frangos. Filhos saíram da companhia dela ao se
casarem. Na companhia do pai, fazia cultivos diversos – algodão, feijão. Estudou até a sexta
série, parou de estudar e dedicou-se ao trabalho. Com o marido, morou na propriedade Agessê,
Sr. José Pascon. Trabalhou sem registro. Trabalhou com José Honorato, Otávio Torreti. Nesses
casos, o marido foi registrado como empregado rural. Ajudava principalmente no trato com o
gado, mas não era registrada. Marido aposentou por idade rural.
Wilson Bernardino de Souza, testemunha ouvida, contou que conhece a dona Eugenia há muitos
anos e a viu trabalhar na roça em diversas ocasiões. Mora em local próximo ao dela. Wilson
nasceu em 1972. Eugenia trabalhava com os pais. Depois de se casar, passou a trabalhar com o
marido e foi morar em local mais próximo ao de Wilson. Com o pai, Eugenia desempenhava
lavoura de algodão. Com o marido, produção de queijo de leite de vaca. Eugenia tem filhos.
Wilson presenciou Eugênia trabalhando na roça com os filhos. Conhece Eugênia há cerca de
trinta e cinco anos. Eugênia morou sempre no meio rural, embora não sempre no mesmo local.
Não tiveram funcionários, quando precisa paga serviço avulso, mas contratado não. A
propriedade que a autora mora com o marido atualmente tem um alqueire.
Rosane Aparecida Ferreira de Souza asseverou que é vizinha de Eugênia. Mora em local próximo
àquele em que estabelecida a propriedade rural da família de Eugênia. Rosane é agente
comunitária de saúde na zona rural. Presenciou Eugênia trabalhando na roça desde sempre.
Rosane nasceu em 1975. Rosane passava por dentro da propriedade dos pais de Eugênia para
chegar à escola. Rosane faz visitas regulares às famílias residentes na zona rural. Com o pai,
Eugênia plantava algodão, milho, arroz. De um tempo para cá, com o marido, Eugênia passou a
se dedicar à produção de queijo.
Pois bem. A autora, nascida em 12/08/1960, completou 55 anos de idade em 12/08/2015. O
prazo de carência a ser preenchido, de acordo com o artigo 142 da Lei nº 8213/91 é de 180
meses de tempo de labor rural, no período anterior ao cumprimento do requisito etário ou do
requerimento administrativo.
Ou seja, deve comprovar a permanência na atividade rural ao menos de 2000-2015 ou 2001-2016
(15 anos contados da data em que completou o requisito etário ou da data em que formulou o
requerimento administrativo)
Não se pode olvidar que o benefício buscado pela autora tem por fundamento o princípio
constitucional da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais, conforme artigo 194, § único, I, da CF. Essa matriz principiológica veio a reparar uma
discriminação que atingia o trabalhador rural que atuava quer na condição de empregado rural,
quer na de segurado especial, isso porque a condição especial a que estavam submetidos
implicava em difíceis condições financeiras porque, segundo o disposto no artigo 11, § 1º, da Lei
8.213/91, o trabalho dos membros da família era indispensável à própria subsistência e ao
desenvolvimento do núcleo familiar, daí porque não possuem nem sequer condições para
recolherem contribuições previdenciárias.
Não é por outro motivo que o artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/91 assegura a esse de trabalhador rural
o benefício no patamar de um salário mínimo justamente para lhe permitir condições mínimas de
dignidade na vida, ou seja, o benefício almejado pela autora é um instrumento de integração
social àquele que, vítima de uma sociedade discriminatória e sem proteção previdenciária até
1991, vem a ser reconhecido como tal e a obter benefício como mecanismo de sobrevivência.
Portanto, esse benefício tem um verdadeiro caráter assistencial, notadamente porque dispensa
contribuição justamente por entender que as pessoas que dele precisam não possuem condições
mínimas de contribuição ao RGPS.
Analisando o caso sob esse viés, a situação da autora não pode ser enquadrada como
trabalhadora rural em regime de economia familiar.
Afirma a autora que trabalhou a partir dos 12 anos de idade (em 12/08/1972) até 24/10/2016
(DER do NB nº 175.952.714-6). Para comprovar esse extenso período de 44 anos, não
apresentou uma única prova documental em nome próprio comprovando o exercício de atividade
rural em regime de economia familiar. Os documentos estão em nome de seu cônjuge e de seu
genitor.
Os documentos anteriores ao casamento foram emitidos em nome de seu genitor e são relativos
aos anos de 1970 a 1975 (entrega de declaração de rendimentos), constando terras na Água da
Divisa, em algumas declarações com a denominação do imóvel – Fazenda Bela Vista, com
indicação de atividade econômica rural – leite, pecuária de médio porte e culturas temporárias,
como por exemplo o documento de ff. 64/66, evento nº 02.
Não foi apresentada a matrícula do imóvel pertencente aos seus genitores. Em audiência, afirmou
que a propriedade se chamava Fazenda Bela Vista e se estendia por 42 alqueires, local onde
afirma ter trabalhado até 1980. Com efeito, a família da autora desenvolvia atividade rural em
terras com extensão muito superior ao limite previsto no artigo 11, inciso VII, alínea “a” da Lei nº
8.213/91, que considera segurado especial a pessoa física residente no imóvel rural ou em
aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia
familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja proprietário,
usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário
rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 ( quatro) módulos fiscais.
A autora casou-se em 18/11/1978 e, conforme depoimento, manteve-se na propriedade dos
genitores até 1980. Apresentou carteira emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Assis, em nome de seu cônjuge, com endereço na Água da Pinga, com admissão em 13/03/1979,
e recibo de pagamento de mensalidade referente aos anos de 1982, 1985, 1987, 1988, 1989 e
1990. No período de 1991 a 2001 não constam documentos (salvo aquele de 1993, com rasura
no nome do cônjuge da autora – ff. 88), seja em nome do seu cônjuge, seja em nome próprio, do
exercício de atividade rural. Para o ano de 2002, trouxe cópia de contrato particular de aquisição
de imóvel rural, situado na Água da Divisa, e nele não consta sua profissão ou a de seu cônjuge,
e menciona como endereço residencial a Chácara do Amanhecer do Sol.
As notas fiscais apresentadas, emitidas em favor de seu cônjuge, datam de 2002 a 2015 – Essas
notas, referem-se à aquisição de doses de vacina, e indicam endereços diversos: “S. Água da
Divisa”, “Chácara Nova Esperança”, “Chácara Amanhecer”. É certo que a autora reside/residiu
em zona rural. Contudo, de tal fato não se extrai que tenha exercido atividade rural em regime de
econômica familiar; se assim o fosse, bastaria a prova de endereço em propriedade rural.
Destaco inexistir nos autos um único documento sequer que faça referência direta ao labor rural
por parte da autora. Não foram juntados contratos de parceria/arrendamento porventura
existentes, certidão de nascimento de seus filhos (que poderia eventualmente constar a profissão
declarada), a CTPS de seu cônjuge, notas fiscais de entrada de mercadorias, documentos fiscais
relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, etc.
A propósito, a autora relatou que o marido foi registrado como empregado rural para alguns
empregadores. Não se deve confundir a condição de segurado especial – pessoa que explora só
ou com sua família um pequeno pedaço de terra, sem contratação de funcionários permanentes,
para garantir a própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômica do núcleo familiar, que
se estende a todos os membros da família - com a de empregado rural, cujo contrato de trabalho
é dotado de natureza individual e personalíssima, caracterizado pelos elementos de
habitualidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
Dessa forma, por não vislumbrar a existência de regime de economia familiar, improcede o pleito
de jubilação.
Os demais argumentos aventados pelas partes e porventura não abordados de forma expressa
na presente sentença deixaram de ser objeto de apreciação por não influenciarem diretamente na
resolução da demanda, a teor do quanto disposto no Enunciado nº. 10 da ENFAM (“A
fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a
nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie a
decisão da causa”).
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido (...)”.
3. Recurso da parte autora. Alega fazer jus ao benefício postulado, visto que: i) comprovado o
exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 12/08/1972 a
24/10/2016; ii) que “apenas seu marido, o qual trabalhou em alguns períodos com carteira
assinada, deixou de ser segurado especial, devendo apenas este ser excluído do regime de
economia familiar”; iii) “que o tamanho da propriedade rural, por si só, não é capaz de
descaracterizar o regime de economia familiar do segurado”.
4. Para o reconhecimento de período trabalhado em atividade rural sem registro, o ordenamento
jurídico exige, ao menos, início razoável de prova material, nos termos do § 2º do art. 55 da Lei
n.º 8.213/91. Não é admissível prova exclusivamente testemunhal. Por outro lado, é admissível
documento em nome de terceiros, consoante jurisprudência pacífica da TNU.
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo (a) recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas pelas partes foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau,
razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos
termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. Ressalto que a quantidade e a extensão das propriedades
rurais de titularidade de membros da família da parte autora levam à conclusão de que a
exploração da atividade econômica não se dava em regime de economia familiar. Assim,
indispensável o recolhimento de contribuições previdenciárias para cômputo do tempo de
contribuição.
6. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
7. Recorrente vencida condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da causa. Na hipótese de ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do artigo 98 do CPC.
8. É o voto.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000364-93.2019.4.03.6334
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: EUGENIA LUSIA VASCONCELLOS DA SILVA
Advogados do(a) RECORRENTE: MARCIA PIKEL GOMES - SP123177-A, ALEXANDRE PIKEL
GOMES EL KHOURI - SP405705-A, LAILA PIKEL GOMES EL KHOURI - SP388886-A,
JORDAO ROCHA LONGHINI - SP305165-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000364-93.2019.4.03.6334
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: EUGENIA LUSIA VASCONCELLOS DA SILVA
Advogados do(a) RECORRENTE: MARCIA PIKEL GOMES - SP123177-A, ALEXANDRE PIKEL
GOMES EL KHOURI - SP405705-A, LAILA PIKEL GOMES EL KHOURI - SP388886-A,
JORDAO ROCHA LONGHINI - SP305165-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000364-93.2019.4.03.6334
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: EUGENIA LUSIA VASCONCELLOS DA SILVA
Advogados do(a) RECORRENTE: MARCIA PIKEL GOMES - SP123177-A, ALEXANDRE PIKEL
GOMES EL KHOURI - SP405705-A, LAILA PIKEL GOMES EL KHOURI - SP388886-A,
JORDAO ROCHA LONGHINI - SP305165-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.
RECURSO DA PARTE AUTORA.
1. Pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade rural.
2. Sentença de improcedência lançada nos seguintes termos:
“(...)
CASO DOS AUTOS:
Relata a autora que trabalhou como rurícola no período de 12/08/1972 até 24/10/2016, em
regime de economia familiar, nas terras pertencentes ao seu avô, propriedade denominada Sítio
Bela Vista, localizada na Água da Divisa, em Assis, SP, nas lavouras de arroz, milho e feijão.
Após o casamento, continuou morando e trabalhando na zona rural, juntamente com seu
marido, cuidando dos animais e da plantação.
Pede seja declarado por sentença o tempo de serviço rural de 12/08/1972 a 24/10/2016, com a
concessão da aposentadoria por idade rural, a contar da data do requerimento administrativo,
NB nº 175.952.714-6, em 24/10/2016.
Juntou documentos, dentro os quais destaco:
(i) certidão do casamento contraído em 18/11/1978, constando a profissão de seu cônjuge
como “lavrador” (ff. 17, evento nº 02);
(ii) notas fiscais em nome de Otair da Silva, datadas de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015,
com endereço na “S. Água da Divisa” e “Chácara Nova Esperança” (ff. 26/28 e 111/117, evento
nº 02)
(iii) Declaração de vacinação contra a febre aftosa, em nome de Otair da Silva, relativa ao ano
de 2016 (ff. 30, evento nº 02);
(iv) entrevista rural, realizada nos autos do processo administrativo, onde a autora declara ter
trabalhado em regime de economia familiar, no período de 01/01/1995 a 05/09/2016 (ff. 31/32,
evento nº 02);
(v) contrato particular de compra e venda de imóvel, constando a autora e seu cônjuge como
promitentes compradores, de uma chácara de um alqueire paulista, situada na Água da Divisa,
adquirida pelo valor de R$20.000,00, firmado em 20/12/2002 (ff. 49/51, evento nº 02);
(vi) notas fiscais em nome de Otair da Silva, endereço Chácara Nova Esperança, Chácara
Amanhecer e Sítio Água da Divisa, datadas de 2002 a 2010 (ff. 55/59 e 103/111, evento nº 02);
(vii) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 72, ano base 71, em nome de
José Maria Vasconcelos, com endereço na Água da Divisa (ff. 61, evento nº 02);
(vii) declaração de rendimentos pessoa física, exercício 71, ano base 70, em nome de José
Maria Vasconcelos ( ff. 62/63, evento nº 02);
(viii) declaração de rendimentos pessoa física, exercício 72, ano base 71, em nome de José
Maria Vasconcelos, Fazenda Bela Vista, com indicação das atividades econômicas do imóvel
rural (leite, cultura temporária, pecuária de médio porte (ff. 64/66, evento nº 02);
(ix) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 73, ano base 72, em nome de
José Maria Vasconcelos, endereço Água da Divisa, acompanhada da declaração de
rendimentos (ff. 67/73, evento nº 02);
(x) recibo de entrega de declaração de rendimentos, exercício 75, ano base 74, em nome de
José Maria Vasconcelos, Água da Divisa – Fazenda Bela Vista, acompanhada da declaração de
rendimentos (ff. 74/76, evento nº 02);
(xi) carteira emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Assis, em nome de Otair da
Silva, com endereço na água da pinga, admissão em 13/03/1979, acompanhada de recibo de
pagamento de mensalidade do ano de 1982, 1985, 1987, 1988, 1989 e 1990 (ff. 76/86, evento
nº 02);
(xii) circular de vacinação dirigida ao Sr. Osvaldo de Souza Júnior e Otair da Silva (com rasura
no nome Otair) , datada de 22/03/1993 (ff. 88, evento nº 02);
(xiii) ficha de cadastramento familiar, constando o nome da autora e de seu cônjuge, endereço
Chácara do Amanhecer – Água da Divisa (ff. 89, evento nº 02);
(xiv) prontuário médico da autora (ff. 90/102, evento nº 02).
Em audiência, foram ouvidas a autora e as testemunhas arroladas.
Eugenia Lusia Vasconcelos da Silva contou que começou a trabalhar no meio rural aos 12 anos
de idade, na propriedade do pai dela, localizada no Município de Assis. Propriedade chamava-
se Fazenda Bela Vista. Estende-se por 42 alqueires. Teve três irmãos e três irmãs. Todos
trabalharam na terra. Autora estudou até a sexta série. Continuou a trabalhar na roça mesmo
após o casamento. Marido foi morar na propriedade do pai dela. Quando do nascimento da filha
dela, saiu da propriedade do pai, mas continuou a morar e trabalhar na roça. Saiu da
propriedade do pai dela por volta de 1980. Marido era empregado rural. Nunca viveram na
cidade. No atual momento, não faz os serviços mais pesados. Mas segue a desempenhar
atividade rural. Dedica-se principalmente a comercializar queijo, ovos, frangos. Filhos saíram da
companhia dela ao se casarem. Na companhia do pai, fazia cultivos diversos – algodão, feijão.
Estudou até a sexta série, parou de estudar e dedicou-se ao trabalho. Com o marido, morou na
propriedade Agessê, Sr. José Pascon. Trabalhou sem registro. Trabalhou com José Honorato,
Otávio Torreti. Nesses casos, o marido foi registrado como empregado rural. Ajudava
principalmente no trato com o gado, mas não era registrada. Marido aposentou por idade rural.
Wilson Bernardino de Souza, testemunha ouvida, contou que conhece a dona Eugenia há
muitos anos e a viu trabalhar na roça em diversas ocasiões. Mora em local próximo ao dela.
Wilson nasceu em 1972. Eugenia trabalhava com os pais. Depois de se casar, passou a
trabalhar com o marido e foi morar em local mais próximo ao de Wilson. Com o pai, Eugenia
desempenhava lavoura de algodão. Com o marido, produção de queijo de leite de vaca.
Eugenia tem filhos. Wilson presenciou Eugênia trabalhando na roça com os filhos. Conhece
Eugênia há cerca de trinta e cinco anos. Eugênia morou sempre no meio rural, embora não
sempre no mesmo local. Não tiveram funcionários, quando precisa paga serviço avulso, mas
contratado não. A propriedade que a autora mora com o marido atualmente tem um alqueire.
Rosane Aparecida Ferreira de Souza asseverou que é vizinha de Eugênia. Mora em local
próximo àquele em que estabelecida a propriedade rural da família de Eugênia. Rosane é
agente comunitária de saúde na zona rural. Presenciou Eugênia trabalhando na roça desde
sempre. Rosane nasceu em 1975. Rosane passava por dentro da propriedade dos pais de
Eugênia para chegar à escola. Rosane faz visitas regulares às famílias residentes na zona rural.
Com o pai, Eugênia plantava algodão, milho, arroz. De um tempo para cá, com o marido,
Eugênia passou a se dedicar à produção de queijo.
Pois bem. A autora, nascida em 12/08/1960, completou 55 anos de idade em 12/08/2015. O
prazo de carência a ser preenchido, de acordo com o artigo 142 da Lei nº 8213/91 é de 180
meses de tempo de labor rural, no período anterior ao cumprimento do requisito etário ou do
requerimento administrativo.
Ou seja, deve comprovar a permanência na atividade rural ao menos de 2000-2015 ou 2001-
2016 (15 anos contados da data em que completou o requisito etário ou da data em que
formulou o requerimento administrativo)
Não se pode olvidar que o benefício buscado pela autora tem por fundamento o princípio
constitucional da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas
e rurais, conforme artigo 194, § único, I, da CF. Essa matriz principiológica veio a reparar uma
discriminação que atingia o trabalhador rural que atuava quer na condição de empregado rural,
quer na de segurado especial, isso porque a condição especial a que estavam submetidos
implicava em difíceis condições financeiras porque, segundo o disposto no artigo 11, § 1º, da
Lei 8.213/91, o trabalho dos membros da família era indispensável à própria subsistência e ao
desenvolvimento do núcleo familiar, daí porque não possuem nem sequer condições para
recolherem contribuições previdenciárias.
Não é por outro motivo que o artigo 55, § 2º, da Lei 8.213/91 assegura a esse de trabalhador
rural o benefício no patamar de um salário mínimo justamente para lhe permitir condições
mínimas de dignidade na vida, ou seja, o benefício almejado pela autora é um instrumento de
integração social àquele que, vítima de uma sociedade discriminatória e sem proteção
previdenciária até 1991, vem a ser reconhecido como tal e a obter benefício como mecanismo
de sobrevivência.
Portanto, esse benefício tem um verdadeiro caráter assistencial, notadamente porque dispensa
contribuição justamente por entender que as pessoas que dele precisam não possuem
condições mínimas de contribuição ao RGPS.
Analisando o caso sob esse viés, a situação da autora não pode ser enquadrada como
trabalhadora rural em regime de economia familiar.
Afirma a autora que trabalhou a partir dos 12 anos de idade (em 12/08/1972) até 24/10/2016
(DER do NB nº 175.952.714-6). Para comprovar esse extenso período de 44 anos, não
apresentou uma única prova documental em nome próprio comprovando o exercício de
atividade rural em regime de economia familiar. Os documentos estão em nome de seu cônjuge
e de seu genitor.
Os documentos anteriores ao casamento foram emitidos em nome de seu genitor e são
relativos aos anos de 1970 a 1975 (entrega de declaração de rendimentos), constando terras na
Água da Divisa, em algumas declarações com a denominação do imóvel – Fazenda Bela Vista,
com indicação de atividade econômica rural – leite, pecuária de médio porte e culturas
temporárias, como por exemplo o documento de ff. 64/66, evento nº 02.
Não foi apresentada a matrícula do imóvel pertencente aos seus genitores. Em audiência,
afirmou que a propriedade se chamava Fazenda Bela Vista e se estendia por 42 alqueires, local
onde afirma ter trabalhado até 1980. Com efeito, a família da autora desenvolvia atividade rural
em terras com extensão muito superior ao limite previsto no artigo 11, inciso VII, alínea “a” da
Lei nº 8.213/91, que considera segurado especial a pessoa física residente no imóvel rural ou
em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia
familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de produtor, seja
proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou
arrendatário rurais, que explore atividade agropecuária em área de até 4 ( quatro) módulos
fiscais.
A autora casou-se em 18/11/1978 e, conforme depoimento, manteve-se na propriedade dos
genitores até 1980. Apresentou carteira emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Assis, em nome de seu cônjuge, com endereço na Água da Pinga, com admissão em
13/03/1979, e recibo de pagamento de mensalidade referente aos anos de 1982, 1985, 1987,
1988, 1989 e 1990. No período de 1991 a 2001 não constam documentos (salvo aquele de
1993, com rasura no nome do cônjuge da autora – ff. 88), seja em nome do seu cônjuge, seja
em nome próprio, do exercício de atividade rural. Para o ano de 2002, trouxe cópia de contrato
particular de aquisição de imóvel rural, situado na Água da Divisa, e nele não consta sua
profissão ou a de seu cônjuge, e menciona como endereço residencial a Chácara do
Amanhecer do Sol.
As notas fiscais apresentadas, emitidas em favor de seu cônjuge, datam de 2002 a 2015 –
Essas notas, referem-se à aquisição de doses de vacina, e indicam endereços diversos: “S.
Água da Divisa”, “Chácara Nova Esperança”, “Chácara Amanhecer”. É certo que a autora
reside/residiu em zona rural. Contudo, de tal fato não se extrai que tenha exercido atividade
rural em regime de econômica familiar; se assim o fosse, bastaria a prova de endereço em
propriedade rural.
Destaco inexistir nos autos um único documento sequer que faça referência direta ao labor rural
por parte da autora. Não foram juntados contratos de parceria/arrendamento porventura
existentes, certidão de nascimento de seus filhos (que poderia eventualmente constar a
profissão declarada), a CTPS de seu cônjuge, notas fiscais de entrada de mercadorias,
documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, etc.
A propósito, a autora relatou que o marido foi registrado como empregado rural para alguns
empregadores. Não se deve confundir a condição de segurado especial – pessoa que explora
só ou com sua família um pequeno pedaço de terra, sem contratação de funcionários
permanentes, para garantir a própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômica do
núcleo familiar, que se estende a todos os membros da família - com a de empregado rural,
cujo contrato de trabalho é dotado de natureza individual e personalíssima, caracterizado pelos
elementos de habitualidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
Dessa forma, por não vislumbrar a existência de regime de economia familiar, improcede o
pleito de jubilação.
Os demais argumentos aventados pelas partes e porventura não abordados de forma expressa
na presente sentença deixaram de ser objeto de apreciação por não influenciarem diretamente
na resolução da demanda, a teor do quanto disposto no Enunciado nº. 10 da ENFAM (“A
fundamentação sucinta não se confunde com a ausência de fundamentação e não acarreta a
nulidade da decisão se forem enfrentadas todas as questões cuja resolução, em tese, influencie
a decisão da causa”).
3. DISPOSITIVO
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido (...)”.
3. Recurso da parte autora. Alega fazer jus ao benefício postulado, visto que: i) comprovado o
exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 12/08/1972 a
24/10/2016; ii) que “apenas seu marido, o qual trabalhou em alguns períodos com carteira
assinada, deixou de ser segurado especial, devendo apenas este ser excluído do regime de
economia familiar”; iii) “que o tamanho da propriedade rural, por si só, não é capaz de
descaracterizar o regime de economia familiar do segurado”.
4. Para o reconhecimento de período trabalhado em atividade rural sem registro, o
ordenamento jurídico exige, ao menos, início razoável de prova material, nos termos do § 2º do
art. 55 da Lei n.º 8.213/91. Não é admissível prova exclusivamente testemunhal. Por outro lado,
é admissível documento em nome de terceiros, consoante jurisprudência pacífica da TNU.
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo (a) recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas pelas partes foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau,
razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos
termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. Ressalto que a quantidade e a extensão das propriedades
rurais de titularidade de membros da família da parte autora levam à conclusão de que a
exploração da atividade econômica não se dava em regime de economia familiar. Assim,
indispensável o recolhimento de contribuições previdenciárias para cômputo do tempo de
contribuição.
6. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
7. Recorrente vencida condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da causa. Na hipótese de ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do artigo 98 do CPC.
8. É o voto. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira
Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
