Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000144-91.2021.4.03.6345
Relator(a)
Juiz Federal MAIRA FELIPE LOURENCO
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
17/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 23/11/2021
Ementa
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.
1. Pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade rural, mediante o
reconhecimento de exercício de atividade rural.
2. Sentença de parcial procedência lançada nos seguintes termos:
“(...)
Na espécie, o autor preencheu a idade mínima de60 anosem2018, pois nascido em29/10/1958(id.
56853437 – Pág. 40). Portanto, precisa demonstrar tempo de serviço equivalente a180
contribuiçõesmensais ou15 anospara ter direito ao benefício.
Quanto ao tempo de serviço, verifica-se que o INSS, quando do requerimento do benefício na orla
administrativa, computou o total de9 anos, 3 meses e 5 diasde tempo de contribuição comum, e
considerou, para efeito de carência, entre tempo rural e urbano, o total de116 contribuições
mensais, todavia, como carência em meses de atividade rural foram apuradas apenas37
contribuições, nos termos do cálculo anexado no id. 56853437 – Pág. 125/126.
O autor, todavia, alega ter desempenhado atividade rural sem registro no período de29/10/1972 a
30/05/1979juntamente com seus familiares, em diversas propriedades rurais localizadas no
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Município de Vera Cruz. Também afirma que nos períodos de27/08/1988 a
31/03/2003e01/04/2003 a 26/08/2004desempenhou a atividade de “puxador de trabalhadores
rurais volante – gato” (boia-fria) e como fiscal de lavoura, em propriedades rurais localizadas no
município de Vera Cruz. Por fim, afirma que em27/08/2004adquiriu uma pequena propriedade
rural, denominada Chácara Recanto do Vale, onde passou a se dedicar ao cultivo de mandioca,
café, hortaliças etc.
Nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência
consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do
trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser
complementada por prova testemunhal.
Ressalte-se que o início de prova material exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91 não
significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de
documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isso importaria em se exigir
que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma utilidade
a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Início de prova material, conforme a própria expressão traduz, não indica completude, mas sim
começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da
situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Ainda, sobre a extensão significativa da expressão“início de prova material”, o Tribunal Regional
Federal da Quarta Região bem enfrentou a questão, não limitando o aproveitamento da prova
material ao ano ou à data em que foi produzido: AC nº 333.924/RS, Relator Desembargador
Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, j. 12/06/2001, DJ 11/07/2001, p. 454.
No caso, como início de prova material do alegado trabalho rural, o autor apresentou o Recibo de
id. 56853437 – Pág. 65, datado de13/12/1972, por ele assinado, indicando o recebimento de
pagamento por serviço realizado na propriedade rural denominada Fazenda São Manoel;
Certificado de Dispensa de Incorporação, indicando ter sido dispensado do Serviço Militar Inicial
em31/12/1976, por “residir em município não tributário” (id. 56853437 – Pág. 68); Título de Eleitor,
datado de01/02/1977, onde consta a sua profissão como lavrador (id. 56853437 – Pág. 70).
Também anexou Ficha de Associado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vera Cruz,
indicando a filiação do pai José Candido em04/02/1980e desfiliação na data do falecimento, em
15/06/1991 (id. 56853437 – Pág. 66/67). Nessa data, contudo (02/1980), conforme registro em
sua CTPS (id. 56853437 – Pág. 44), o autor trabalhava nomeio urbano, exercendo atividade de
motorista para a empresa Estrela Azul – Serviços de Vigilância e Segurança Ltda., na cidade de
Embu/SP. Portanto, referido documento em nome do pai não serve como início de prova material
de trabalho rural desempenhado pelo autor.
Nesse ponto, oportuno registrar que o autor, a partir de29/06/1979, manteve diversos vínculos
detrabalho no meio urbano, nos períodos de29/06/1979 a 27/05/1980,20/06/1980 a
10/06/1981,19/06/1981 a 10/05/1982,11/05/1983 a 30/11/1983,16/04/1984 a
13/11/1984,21/01/1985 a 28/10/1985e01/04/1986 a 26/07/1988, passando a ter registros rurais na
CTPS, como empregado, somente a partir de16/08/2010(CTPS – id. 56853437 – Pág. 42/63).
Logo, o início de prova material anexado aos autos, referente aos anos de1972,1976e1977, não
servem como indício do exercício de trabalho rural sem registro para períodos posteriores aos
vínculos urbanos registrados na CTPS do autor. Assim, para o alegado trabalho rural do autor
como “gato” e fiscal de lavoura, nos períodos de27/08/1988 a 31/03/2003e01/04/2003 a
26/08/2004, a prova oral produzida não pode ser avaliada, vez que desacompanhada de qualquer
prova material para os respectivos períodos.
Quanto ao período posterior a27/08/2004, em que o autor alega ter adquirido uma pequena
propriedade rural denominada Chácara Recanto do Vale e passado a se dedicar ao cultivo de
mandioca, café, hortaliças etc., o único documento anexado aos autos é o Contrato Particular de
Compromisso de Venda e Compra de Imóvel Rural e Cessão de Direitos datado de 27/08/2004
(id. 56853437 – Pág. 72/75), onde consta ter o autor, juntamente com José Carlos Candido,
adquirido um imóvel rural com área de 01 (um) alqueire paulista, localizado no município de Vera
Cruz, com posse imediata do bem. Referido documento, todavia, não serve como prova de
propriedade, tampouco se presta a comprovar eventual atividade rural ali exercida.
Portanto, para o período posterior a27/08/2004não há início de prova material do alegado
trabalho rural do autor, de modo que a prova oral também não pode ser valorada para o
respectivo período.
Por outro lado, convém mencionar, como inclusive está declarado na inicial, que o autor
exerceuatividade urbanaapós tal data, prestando serviços para o município de Vera Cruz, com
recolhimentos ao RGPS como contribuinte individual nos períodos de01/04/2005 a
31/08/2005,01/03/2006 a 31/03/2006,01/03/2008 a 31/05/2008,01/07/2008 a
31/08/2008,01/10/2008 a 31/12/2008,01/04/2009 a 31/05/2009e01/04/2012 a 31/05/2012(CNIS –
id. 56853437 – Pág. 122/123).
A esse respeito, o egrégio STJ tem jurisprudência consolidada no sentido de que o exercício de
atividade urbana, por si só, não afasta a condição de segurado especial, que poderá fazer jus à
aposentadoria por idade rural se demonstrar exercer a atividade rurícola, ainda que descontínua,
no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
RURÍCOLA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. I - De acordo com a jurisprudência do
STJ, entende-se "que o exercício de atividade urbana, por si só, não afasta a condição de
segurado especial, que poderá fazer jus à aposentadoria por idade rural, conquanto que fique
demonstrado o exercício de atividade campesina no período imediatamente anterior ao
requerimento administrativo" (AgInt no REsp n. 1.397.910/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia
Filho, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 3/8/2017). Outros precedentes: REsp n.
1.659.714/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/4/2017, DJe
5/5/2017; AgRg no REsp n. 1.301.993/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado
em 7/6/2016, DJe 30/6/2016; e AgRg no REsp n. 1.572.242/PR, Rel. Ministra Diva Malerbi
(Desembargadora convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 5/4/2016, DJe
13/4/2016. III - No caso dos autos, o Tribunal de origem, em conformidade com a jurisprudência
desta Corte, consignou expressamente os registros na carteira de trabalho de vínculos urbanos
que foram a maioria por curtos períodos e todos fora do período de carência de 138 meses. IV -
Agravo em recurso especial conhecido para negar provimento ao recurso especial.
(STJ, ARESP – 1243766, Relator FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJE
DATA:10/12/2018)
Certamente, a realidade do trabalhador campesino impõe, muitas vezes, a procura de trabalho
urbano, intercalados com a atividade rural, para manutenção de sua sobrevivência. Todavia, para
que tal fato não interfira no direito ao benefício rural, o tempo de labor urbano não pode superar o
tempo de labor rural, a fim de não descaracterizar a condição de rurícola do trabalhador.
Assim, nada impede a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural se o segurado
alcança tempo suficiente de trabalho campesino, e desde que o trabalho urbano intercalado
represente a ínfima minoria do histórico laborativo do postulante.
Todavia, na hipótese dos autos, computando-se todos os períodos de trabalho urbano do autor,
anotados no CNIS (id. 56853437 – Pág. 122/123), verifica-se que computa ele o total de9 anos, 2
meses e 7 diasde atividade de natureza urbana,conforme planilha de cálculo ora anexada, o que,
certamente, não pode ser considerado ínfima minoria em relação ao seu histórico laborativo,
sendo suficiente, a meu ver, para descaracterizar a sua condição de trabalhador rural.
Oportuno observar, quanto aos períodos de01/04/2003 a 31/05/2003e01/07/2003 a 31/07/2003,
ter o autor afirmado na inicial que nos respectivos períodos trabalhou para a Intercoffee Comércio
e Indústria Ltda. como empregado rural (serviços gerais). Todavia, tendo sido efetuados os
recolhimentos dos períodos na condição de contribuinte individual, e sem qualquer outra prova da
natureza dos citados vínculos, não é possível considerar que se tratem, de fato, de vínculos de
natureza rural.
Por outro lado, diante da prova material produzida em relação aos anos de1972,1976e1977,
cumpre analisar a prova oral relativa ao período de29/10/1972 a 30/05/1979, época em que o
autor alega ter desempenhado atividade de trabalhador rural juntamente com seus familiares, em
propriedades rurais do município de Vera Cruz.
Em seu depoimento pessoal afirmou o autor que começou a trabalhar com uns 10/12 anos de
idade, época em que era avulso (boia-fria), junto com o pai e a mãe, em lavouras de café. Afirmou
que nunca residiu no meio rural, tendo trabalhado em diversas fazendas da região de Vera Cruz.
Tal relato do autor foi confirmado pelas testemunhas ouvidas, que afirmaram ter trabalho na roça
junto com o autor em tempos remotos. A testemunha Eugênio disse que começou a trabalhar
com ele por volta de 1973/1974, ficando uns 12 anos trabalhando juntos na roça. Wilson, por sua
vez, afirmou que conhece o autor desde a infância e que trabalharam juntos entre 1972 e 1979,
quando a testemunha se mudou para Campinas. Por fim, Manoel informou que conhece o autor
faz uns 50 anos, tendo trabalhado na fazenda que o pai do autor administrava, quando este tinha
uns 8/9 anos, tendo afirmado que trabalharam juntos no café.
Dessa forma, as testemunhas ouvidas, de quem não se pode exigir precisão de datas, porquanto
relatam fatos muito remotos não registrados em documentos, complementaram plenamente o
início de prova documental ao confirmarem, sob o crivo do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal, sem contraditas, o trabalho do autor no meio campesino quando ainda era
bastante jovem.
Assim, nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e em estrita observância à Súmula 149
do Superior Tribunal de Justiça, é possível reconhecer o exercício de trabalho rural pelo autor,
sem registro, no período de29/10/1972 a 30/05/1979, ou seja, até o momento anterior ao primeiro
vínculo urbano anotado em sua CTPS.
Ainda que descaracterizada a condição de rurícola do autor, diante dos inúmeros vínculos
urbanos que manteve, como acima mencionado, convém observar que somando tal período aos
demais vínculos de natureza rural anotados na CTPS, totaliza ele apenas7 anos, 11 meses e 15
diasde trabalho de natureza rural e100 mesesa título de carência,conforme planilha de cálculo ora
anexada, o que certamente não basta para a concessão do benefício de aposentadoria por idade
rural postulado.
Portanto, em resumo, somente se reconhece para o autor trabalho rural sem registro no período
de29/10/1972 a 30/05/1979, em consonância com a prova material e oral produzidas.
Registre-se que não há obstáculo à contagem de tempo rural anterior à vigência da Lei nº
8.213/91 para obtenção de qualquer benefício do RGPS, independentemente de contribuição,
com a ressalva de que dito tempo, em regra, não se computa para efeito de carência, nem para
contagem recíproca (art. 55, § 2º, e art. 96, IV, ambos da Lei nº 8.213/91).
Ante todo o exposto, resolvendo o mérito com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil, JULGOPARCIALMENTE PROCEDENTEo pedido de reconhecimento de tempo
de serviço, para reconhecer o trabalho do autor no meio rural sem registro no período
de29/10/1972 a 30/05/1979, determinando ao INSS que proceda à devida averbação para fins
previdenciários, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei de
Benefícios.JULGO IMPROCEDENTE, todavia, o pedido de concessão do benefício de
aposentadoria por idade rural, conforme exposto na fundamentação.
(...)”.
3. Recurso da parte autora. Alega fazer jus ao benefício postulado, haja vista que comprovado o
exercício de atividade rural nos períodos de 27/08/1988 à 31/03/2003, de 01/04/2003 à
26/08/2004, de 01/06/2009 à 15/08/2010, de 10/06/2010 à 31/05/2011, de 19/07/2011 à
31/03/2012, de 03/01/2013 à 31/05/2017, de 09/09/2017 à 06/05/2018 e de 01/09/2018 à
04/12/2018.
4. Para o reconhecimento de período trabalhado em atividade rural sem registro, o ordenamento
jurídico exige, ao menos, início razoável de prova material contemporânea, nos termos do § 2º do
art. 55 da Lei n.º 8.213/91. Não é admissível prova exclusivamente testemunhal. Por outro lado, é
admissível documento em nome de terceiros, consoante jurisprudência pacífica da TNU.
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo (a) recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas pelas partes foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau,
razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos
termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.Ressalto que não foram reconhecidas as firmas dos
subscritores do contrato particular de compromisso de venda e compra de imóvel rural e cessão
de direitos (fls. 72/75 – documentos que instruem a petição inicial). Assim, sequer é possível aferir
a autenticidade do documento e em que data ele foi produzido.
6. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
7. Recorrente vencida condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da causa. Na hipótese de ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do artigo 98 do CPC.
8. É o voto.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000144-91.2021.4.03.6345
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: ELI OSMAR CANDIDO
Advogado do(a) RECORRENTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000144-91.2021.4.03.6345
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: ELI OSMAR CANDIDO
Advogado do(a) RECORRENTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000144-91.2021.4.03.6345
RELATOR:32º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: ELI OSMAR CANDIDO
Advogado do(a) RECORRENTE: RICARDO SALVADOR FRUNGILO - SP179554-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. SENTENÇA DE PARCIAL
PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.
1. Pedido de concessão de benefício de aposentadoria por idade rural, mediante o
reconhecimento de exercício de atividade rural.
2. Sentença de parcial procedência lançada nos seguintes termos:
“(...)
Na espécie, o autor preencheu a idade mínima de60 anosem2018, pois nascido
em29/10/1958(id. 56853437 – Pág. 40). Portanto, precisa demonstrar tempo de serviço
equivalente a180 contribuiçõesmensais ou15 anospara ter direito ao benefício.
Quanto ao tempo de serviço, verifica-se que o INSS, quando do requerimento do benefício na
orla administrativa, computou o total de9 anos, 3 meses e 5 diasde tempo de contribuição
comum, e considerou, para efeito de carência, entre tempo rural e urbano, o total de116
contribuições mensais, todavia, como carência em meses de atividade rural foram apuradas
apenas37 contribuições, nos termos do cálculo anexado no id. 56853437 – Pág. 125/126.
O autor, todavia, alega ter desempenhado atividade rural sem registro no período de29/10/1972
a 30/05/1979juntamente com seus familiares, em diversas propriedades rurais localizadas no
Município de Vera Cruz. Também afirma que nos períodos de27/08/1988 a
31/03/2003e01/04/2003 a 26/08/2004desempenhou a atividade de “puxador de trabalhadores
rurais volante – gato” (boia-fria) e como fiscal de lavoura, em propriedades rurais localizadas no
município de Vera Cruz. Por fim, afirma que em27/08/2004adquiriu uma pequena propriedade
rural, denominada Chácara Recanto do Vale, onde passou a se dedicar ao cultivo de mandioca,
café, hortaliças etc.
Nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91 e de acordo com a jurisprudência
consubstanciada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, é possível a comprovação do
trabalho rural mediante a apresentação de início de prova documental, devendo esta ser
complementada por prova testemunhal.
Ressalte-se que o início de prova material exigido pelo § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91 não
significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por intermédio de
documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isso importaria em se exigir
que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de nenhuma
utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural.
Início de prova material, conforme a própria expressão traduz, não indica completude, mas sim
começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da
situação jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios.
Ainda, sobre a extensão significativa da expressão“início de prova material”, o Tribunal Regional
Federal da Quarta Região bem enfrentou a questão, não limitando o aproveitamento da prova
material ao ano ou à data em que foi produzido: AC nº 333.924/RS, Relator Desembargador
Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, j. 12/06/2001, DJ 11/07/2001, p. 454.
No caso, como início de prova material do alegado trabalho rural, o autor apresentou o Recibo
de id. 56853437 – Pág. 65, datado de13/12/1972, por ele assinado, indicando o recebimento de
pagamento por serviço realizado na propriedade rural denominada Fazenda São Manoel;
Certificado de Dispensa de Incorporação, indicando ter sido dispensado do Serviço Militar Inicial
em31/12/1976, por “residir em município não tributário” (id. 56853437 – Pág. 68); Título de
Eleitor, datado de01/02/1977, onde consta a sua profissão como lavrador (id. 56853437 – Pág.
70).
Também anexou Ficha de Associado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vera Cruz,
indicando a filiação do pai José Candido em04/02/1980e desfiliação na data do falecimento, em
15/06/1991 (id. 56853437 – Pág. 66/67). Nessa data, contudo (02/1980), conforme registro em
sua CTPS (id. 56853437 – Pág. 44), o autor trabalhava nomeio urbano, exercendo atividade de
motorista para a empresa Estrela Azul – Serviços de Vigilância e Segurança Ltda., na cidade de
Embu/SP. Portanto, referido documento em nome do pai não serve como início de prova
material de trabalho rural desempenhado pelo autor.
Nesse ponto, oportuno registrar que o autor, a partir de29/06/1979, manteve diversos vínculos
detrabalho no meio urbano, nos períodos de29/06/1979 a 27/05/1980,20/06/1980 a
10/06/1981,19/06/1981 a 10/05/1982,11/05/1983 a 30/11/1983,16/04/1984 a
13/11/1984,21/01/1985 a 28/10/1985e01/04/1986 a 26/07/1988, passando a ter registros rurais
na CTPS, como empregado, somente a partir de16/08/2010(CTPS – id. 56853437 – Pág.
42/63).
Logo, o início de prova material anexado aos autos, referente aos anos de1972,1976e1977, não
servem como indício do exercício de trabalho rural sem registro para períodos posteriores aos
vínculos urbanos registrados na CTPS do autor. Assim, para o alegado trabalho rural do autor
como “gato” e fiscal de lavoura, nos períodos de27/08/1988 a 31/03/2003e01/04/2003 a
26/08/2004, a prova oral produzida não pode ser avaliada, vez que desacompanhada de
qualquer prova material para os respectivos períodos.
Quanto ao período posterior a27/08/2004, em que o autor alega ter adquirido uma pequena
propriedade rural denominada Chácara Recanto do Vale e passado a se dedicar ao cultivo de
mandioca, café, hortaliças etc., o único documento anexado aos autos é o Contrato Particular
de Compromisso de Venda e Compra de Imóvel Rural e Cessão de Direitos datado de
27/08/2004 (id. 56853437 – Pág. 72/75), onde consta ter o autor, juntamente com José Carlos
Candido, adquirido um imóvel rural com área de 01 (um) alqueire paulista, localizado no
município de Vera Cruz, com posse imediata do bem. Referido documento, todavia, não serve
como prova de propriedade, tampouco se presta a comprovar eventual atividade rural ali
exercida.
Portanto, para o período posterior a27/08/2004não há início de prova material do alegado
trabalho rural do autor, de modo que a prova oral também não pode ser valorada para o
respectivo período.
Por outro lado, convém mencionar, como inclusive está declarado na inicial, que o autor
exerceuatividade urbanaapós tal data, prestando serviços para o município de Vera Cruz, com
recolhimentos ao RGPS como contribuinte individual nos períodos de01/04/2005 a
31/08/2005,01/03/2006 a 31/03/2006,01/03/2008 a 31/05/2008,01/07/2008 a
31/08/2008,01/10/2008 a 31/12/2008,01/04/2009 a 31/05/2009e01/04/2012 a 31/05/2012(CNIS
– id. 56853437 – Pág. 122/123).
A esse respeito, o egrégio STJ tem jurisprudência consolidada no sentido de que o exercício de
atividade urbana, por si só, não afasta a condição de segurado especial, que poderá fazer jus à
aposentadoria por idade rural se demonstrar exercer a atividade rurícola, ainda que
descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE
RURÍCOLA NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO
ADMINISTRATIVO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. I - De acordo com a jurisprudência do
STJ, entende-se "que o exercício de atividade urbana, por si só, não afasta a condição de
segurado especial, que poderá fazer jus à aposentadoria por idade rural, conquanto que fique
demonstrado o exercício de atividade campesina no período imediatamente anterior ao
requerimento administrativo" (AgInt no REsp n. 1.397.910/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes
Maia Filho, Primeira Turma, julgado em 27/6/2017, DJe 3/8/2017). Outros precedentes: REsp n.
1.659.714/MS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 25/4/2017, DJe
5/5/2017; AgRg no REsp n. 1.301.993/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma,
julgado em 7/6/2016, DJe 30/6/2016; e AgRg no REsp n. 1.572.242/PR, Rel. Ministra Diva
Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região), Segunda Turma, julgado em 5/4/2016,
DJe 13/4/2016. III - No caso dos autos, o Tribunal de origem, em conformidade com a
jurisprudência desta Corte, consignou expressamente os registros na carteira de trabalho de
vínculos urbanos que foram a maioria por curtos períodos e todos fora do período de carência
de 138 meses. IV - Agravo em recurso especial conhecido para negar provimento ao recurso
especial.
(STJ, ARESP – 1243766, Relator FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJE
DATA:10/12/2018)
Certamente, a realidade do trabalhador campesino impõe, muitas vezes, a procura de trabalho
urbano, intercalados com a atividade rural, para manutenção de sua sobrevivência. Todavia,
para que tal fato não interfira no direito ao benefício rural, o tempo de labor urbano não pode
superar o tempo de labor rural, a fim de não descaracterizar a condição de rurícola do
trabalhador.
Assim, nada impede a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural se o segurado
alcança tempo suficiente de trabalho campesino, e desde que o trabalho urbano intercalado
represente a ínfima minoria do histórico laborativo do postulante.
Todavia, na hipótese dos autos, computando-se todos os períodos de trabalho urbano do autor,
anotados no CNIS (id. 56853437 – Pág. 122/123), verifica-se que computa ele o total de9 anos,
2 meses e 7 diasde atividade de natureza urbana,conforme planilha de cálculo ora anexada, o
que, certamente, não pode ser considerado ínfima minoria em relação ao seu histórico
laborativo, sendo suficiente, a meu ver, para descaracterizar a sua condição de trabalhador
rural.
Oportuno observar, quanto aos períodos de01/04/2003 a 31/05/2003e01/07/2003 a 31/07/2003,
ter o autor afirmado na inicial que nos respectivos períodos trabalhou para a Intercoffee
Comércio e Indústria Ltda. como empregado rural (serviços gerais). Todavia, tendo sido
efetuados os recolhimentos dos períodos na condição de contribuinte individual, e sem qualquer
outra prova da natureza dos citados vínculos, não é possível considerar que se tratem, de fato,
de vínculos de natureza rural.
Por outro lado, diante da prova material produzida em relação aos anos de1972,1976e1977,
cumpre analisar a prova oral relativa ao período de29/10/1972 a 30/05/1979, época em que o
autor alega ter desempenhado atividade de trabalhador rural juntamente com seus familiares,
em propriedades rurais do município de Vera Cruz.
Em seu depoimento pessoal afirmou o autor que começou a trabalhar com uns 10/12 anos de
idade, época em que era avulso (boia-fria), junto com o pai e a mãe, em lavouras de café.
Afirmou que nunca residiu no meio rural, tendo trabalhado em diversas fazendas da região de
Vera Cruz.
Tal relato do autor foi confirmado pelas testemunhas ouvidas, que afirmaram ter trabalho na
roça junto com o autor em tempos remotos. A testemunha Eugênio disse que começou a
trabalhar com ele por volta de 1973/1974, ficando uns 12 anos trabalhando juntos na roça.
Wilson, por sua vez, afirmou que conhece o autor desde a infância e que trabalharam juntos
entre 1972 e 1979, quando a testemunha se mudou para Campinas. Por fim, Manoel informou
que conhece o autor faz uns 50 anos, tendo trabalhado na fazenda que o pai do autor
administrava, quando este tinha uns 8/9 anos, tendo afirmado que trabalharam juntos no café.
Dessa forma, as testemunhas ouvidas, de quem não se pode exigir precisão de datas,
porquanto relatam fatos muito remotos não registrados em documentos, complementaram
plenamente o início de prova documental ao confirmarem, sob o crivo do contraditório, da ampla
defesa e do devido processo legal, sem contraditas, o trabalho do autor no meio campesino
quando ainda era bastante jovem.
Assim, nos termos do artigo 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, e em estrita observância à Súmula 149
do Superior Tribunal de Justiça, é possível reconhecer o exercício de trabalho rural pelo autor,
sem registro, no período de29/10/1972 a 30/05/1979, ou seja, até o momento anterior ao
primeiro vínculo urbano anotado em sua CTPS.
Ainda que descaracterizada a condição de rurícola do autor, diante dos inúmeros vínculos
urbanos que manteve, como acima mencionado, convém observar que somando tal período
aos demais vínculos de natureza rural anotados na CTPS, totaliza ele apenas7 anos, 11 meses
e 15 diasde trabalho de natureza rural e100 mesesa título de carência,conforme planilha de
cálculo ora anexada, o que certamente não basta para a concessão do benefício de
aposentadoria por idade rural postulado.
Portanto, em resumo, somente se reconhece para o autor trabalho rural sem registro no período
de29/10/1972 a 30/05/1979, em consonância com a prova material e oral produzidas.
Registre-se que não há obstáculo à contagem de tempo rural anterior à vigência da Lei nº
8.213/91 para obtenção de qualquer benefício do RGPS, independentemente de contribuição,
com a ressalva de que dito tempo, em regra, não se computa para efeito de carência, nem para
contagem recíproca (art. 55, § 2º, e art. 96, IV, ambos da Lei nº 8.213/91).
Ante todo o exposto, resolvendo o mérito com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de
Processo Civil, JULGOPARCIALMENTE PROCEDENTEo pedido de reconhecimento de tempo
de serviço, para reconhecer o trabalho do autor no meio rural sem registro no período
de29/10/1972 a 30/05/1979, determinando ao INSS que proceda à devida averbação para fins
previdenciários, exceto para efeito de carência, nos termos do artigo 55, § 2º, da Lei de
Benefícios.JULGO IMPROCEDENTE, todavia, o pedido de concessão do benefício de
aposentadoria por idade rural, conforme exposto na fundamentação.
(...)”.
3. Recurso da parte autora. Alega fazer jus ao benefício postulado, haja vista que comprovado o
exercício de atividade rural nos períodos de 27/08/1988 à 31/03/2003, de 01/04/2003 à
26/08/2004, de 01/06/2009 à 15/08/2010, de 10/06/2010 à 31/05/2011, de 19/07/2011 à
31/03/2012, de 03/01/2013 à 31/05/2017, de 09/09/2017 à 06/05/2018 e de 01/09/2018 à
04/12/2018.
4. Para o reconhecimento de período trabalhado em atividade rural sem registro, o
ordenamento jurídico exige, ao menos, início razoável de prova material contemporânea, nos
termos do § 2º do art. 55 da Lei n.º 8.213/91. Não é admissível prova exclusivamente
testemunhal. Por outro lado, é admissível documento em nome de terceiros, consoante
jurisprudência pacífica da TNU.
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo (a) recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas pelas partes foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau,
razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos
termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.Ressalto que não foram reconhecidas as firmas dos
subscritores do contrato particular de compromisso de venda e compra de imóvel rural e cessão
de direitos (fls. 72/75 – documentos que instruem a petição inicial). Assim, sequer é possível
aferir a autenticidade do documento e em que data ele foi produzido.
6. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
7. Recorrente vencida condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10%
sobre o valor da causa. Na hipótese de ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do artigo 98 do CPC.
8. É o voto.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira
Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os
Senhores Juízes Federais: Maíra Felipe Lourenço, Paulo Cezar Neves Junior e Luciana
Melchiori Bezerra., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
