Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP
0000012-34.2021.4.03.6345
Relator(a)
Juiz Federal LUCIANA MELCHIORI BEZERRA
Órgão Julgador
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
Data do Julgamento
17/11/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 23/11/2021
Ementa
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS) - DEFICIENTE. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de restabelecimento de benefício assistencial ao deficiente.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
Bem por isso a hipótese exigia a realização de perícia médica.
Efetuada, a senhora Perita respondeu afirmativamente à existência no autor de impedimentos de
longo prazo, conforme laudo médico pericial produzido no Evento 29.
O trabalho técnico levantado, minucioso e percuciente, verificou no autor a presença de Síndrome
de Down (CID: Q90), conforme resposta aos quesitos nº 1.1 e nº 3 do laudo pericial.
A digna Experta ofereceu a seguinte conclusão: “sob o ponto de vista médico psiquiátrico, o
periciado Rafael Vicente encontra-se INCAPAZ de exercer toda e qualquer função laborativa e/ou
os atos da vida civil. Incapacidade Total e Permanente. Quadro orgânico, irreversível” – ênfases
colocadas.
A patologia em questão remonta ao nascimento do autor (27.03.1992) e é irreversível.
Baseado nisso, a senhora Experta confirma a existência no autor de impedimentos de longo
prazo.
Satisfeito o requisito corporal, passo seguinte é analisar o requisito econômico.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
A quantidade de renda mensal per capita inferior à qual eclode o direito ao benefício é de 1/4 (um
quarto) de um salário mínimo. Passou a ser de 1/2 (meio) salário mínimo com o advento da Lei nº
13.981/2020, objeto de veto presidencial aposto, derrubado e judicializado, com a suspensão da
eficácia da norma. Voltou a ser de 1/4 (um quarto) de um salário mínimo por força da Lei nº
13.982/2020 e da MP nº 1.023/2020.
Mas o Plenário do E. STF, na Reclamação (RCL) 4374, proclamou a inconstitucionalidade do
parágrafo terceiro do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, parecendo consagrar, ao lembrar a
prevalência de critérios mais elásticos na identificação de destinatários de outros programas
assistenciais do Estado, o valor de meio salário mínimo (em vez de ¼), na razão do qual
emergiria renda mensal per capita indutora da concessão de benefício assistencial.
Nessa esteira, a Súmula 21 da Turma Regional de Uniformização estabelece:
“Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per
capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser
infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”.
Sem embargo, prevalece o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto
no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único a manejar (conforme STJ – REsp 841.060-
SP). Na jurisprudência dos Tribunais Superiores superaram-se posicionamentos que
preconizavam a intransponibilidade do critério objetivo.
Necessidade, segundo essa compreensão, há de demonstrar-se caso a caso.
Pois bem.
De acordo com a constatação social (Eventos 15 e 16), o autor divide teto com sua mãe,
Aparecida Lopes Vicente (aposentada), e com seu pai, José Sebastião Vicente (aposentado).
A renda que os sustenta é proveniente das duas aposentadorias por idade que os pais do autor
recebem do INSS, no importe mensal de R$1.040,00 (um mil e quarenta reais), para cada
aposentadoria, totalizando uma renda familiar mensal de R$2.080,00 (dois mil e oitenta reais),
conforme informado no estudo social, o que propicia a cada um dos integrantes do clã renda per
capita superior a 1/2 (metade) de um salário mínimo.
O autor e seu grupo familiar residem em casa própria, composta por um banheiro, dois quartos,
sala e cozinha. O imóvel encontra-se em regular estado de conservação.
A casa é guarnecida por móveis e utensílios domésticos: armários na cozinha e nos quartos,
refrigerador, fogão, televisão e ventiladores. A sala, cozinha e os quartos são revestidos com piso
de cerâmica e teto com forro.
A residência é humilde, mas propicia razoável conforto, conforme assinalado pela senhora
Oficiala no auto levantado.
A mãe do autor cuida dos afazeres da casa e dos cuidados com o filho e do marido. O autor não
faz uso de medicamentos. Frequenta a APAE em Marília, desde pequeno.
Sobressai que as despesas mensais da família comportam-se na renda noticiada.
Tudo isso está certificado pela senhora Oficiala de Justiça no auto de constatação social
levantado e se confirma pelas fotos que o instruem (Eventos 15 e 16).
Do que veio a lume, enfim, situação de paupérie não desabrocha.
As condições econômicas retratadas no estudo social não evidenciam quadro atual de
necessidade, hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
Não se avista em suma, a partir dos elementos coligidos, risco atual de perda da dignidade da
pessoa.
Dessa maneira, tendo em vista que benefício assistencial de prestação continuada não tem por
propensão suplementar renda, antes destinando-se a supri-la, quando não exista em quantidade
suficiente a debelar condições degradantes de vida, a prestação almejada não é devida.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado, resolvendo o mérito com
fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
(...)”
3. Recurso da parte autora: Alega que preenche os requisitos para a concessão do benefício.
Aduz que a renda do grupo familiar corresponde a um salário-mínimo, que decorre do
recebimento de aposentadorias por parte de seus genitores idosos. Sustenta que, sendo o núcleo
familiar constituído por 03 pessoas, e a respectiva renda oriunda de aposentadorias recebidas
pelos genitores do Autor, opera-se a presunção de miserabilidade insculpida no art. 20, §3º da Lei
8.742/93. Alega que devem ser excluídos do cálculo o benefício previdenciário de valor superior
ao mínimo, até o limite de um salário-mínimo, e o benefício previdenciário por incapacidade ou
assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Aduz que a Lei nº
10.741/2003 (Estatuto do Idoso), em seu art. 34, parágrafo único, dispõe que o benefício
assistencial (BPC) concedido a outro membro idoso (65 anos) do grupo familiar não será
considerado para o cálculo da renda familiar per capta, para fins assistenciais. Assim sendo,
considerando que os pais do autor são idosos, os benefícios de valor mínimo por eles auferido
deve ser excluído do cálculo da renda familiar, para fins de análise do benefício assistencial
pretendido. Conclui que a renda familiar deve ser considerada nula, o que pode permitir a
presunção da necessidade experimentada. Da moradia da família, informa que, apesar de estar
em bom estado de higiene, a casa sequer foi concluída, não possuindo em boa parte reboco, e
forro no teto, com paredes e portas e janelas de má qualidade, parte de fiação exposta sem
condições de segurança ficando em local de difícil acesso. Ainda existem evidentes sinais de
infiltrações em dias chuvosos, denotando ainda mais a precariedade do imóvel em que residem.
Assim, também se faz comprovada a satisfação do requisito socioeconômico relacionado ao
beneficio assistencial. Requer a reforma da sentença, para que seja determinada a concessão do
benefício assistencial de prestação continuada à demandante, a contar da data do requerimento
administrativo.
4. Requisitos para concessão do benefício: deficiência/idade e hipossuficiência econômica.
5. O STF manifestou entendimento no sentido de que o critério preconizado no art. 20, § 3º, Lei nº
8.742/93 não mais se coaduna com o ordenamento vigente, ante as mudanças econômico-
sociais. (RE 567.985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes e RE
580.963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 18/4/2013).
6. Comprovação da carência financeira, para fins de concessão do benefício assistencial, deve
considerar outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo. Possível
interpretação sistemática com normas que disciplinaram as políticas de amparo e assistência
social promovidas pelo governo federal, que estabelecem o critério de ½ salário mínimo como
patamar definidor da linha da pobreza (Leis n.º 10.836/01 (Bolsa-família), nº 10.689/03 (Programa
Nacional de Acesso à Alimentação), nº 10.219/01 (Bolsa-escola).
7. Por sua vez, o STJ decidiu, em sede de recursos repetitivos, que “em âmbito judicial vige o
princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação
legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve
ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se
pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear
o seu direito de julgar” (Resp 1.112.557/MG). Também possui precedentes no sentido de que
deve ser excluído, do cálculo da renda mensal familiar, os benefícios percebidos por membro do
núcleo familiar no valor de 01 (um) salário mínimo. Precedentes: Resp 1.226.027/PR; AgRg no
Resp 1.392.529/MG, dentre outros.
8. De uma análise conjugada destes precedentes, reputo que há de prevalecer, de qualquer
forma, o conjunto probatório do caso concreto. Com efeito, o critério objetivo, que pode ser
modificado pela exclusão de benefício no valor de um salário mínimo, não é exclusivo, devendo
ser cotejado com o critério subjetivo de cada caso concreto. Neste passo, deve ser realizada uma
análise do critério objetivo, que pode ser confirmado ou infirmado pelo subjetivo, devendo
prevalecer, a meu ver, este último, caso contrarie o primeiro.
9. CASO CONCRETO:
Laudo pericial médico (psiquiatria): Parte autora (28 anos) é portadora de quadro de Síndrome de
Down. Incapacidade Total e Permanente desde o nascimento. Quadro orgânico, irreversível.
Laudo socioeconômico: O autor reside com os pais em imóvel próprio. Consta do mandado de
constatação: “(...) O AUTOR vive com sua mãe e seu pai, recebem duas aposentadorias, o autor
também recebia um Benefício Assistencial, mas faz mais ou menos uns dois (02) anos que foi
cortado. O Autor tem de Necessidades Especiais, mas parece ser saudável, não faz uso de
medicamentos. O pai do autor, que também é seu curador, tem a perna direita amputada. Todos
são analfabetos, tendo bastante dificuldades em responder as minhas perguntas. (...) Quantidade
de Banheiros:01 Quantidade de Quartos:02 Demais Cômodos: sala e cozinha (...) Estado geral do
imóvel, interno: regular Estado geral do imóvel, externo: regular Observações acerca do imóvel:
fica em Bairro residencial, sem pavimentação asfáltica, servido de energia elétrica, agua
encanada (...) RENDA FAMILIAR: R$1.040,00(hum mil e quarenta reais) aposentadoria do pai
R$1.040,00(hum mil e quarenta reais) aposentadoria da mãe. TOTAL de R$2.080,00(dois mil e
oitenta reais). (...) DESPESAS MENSAIS TOTAIS (em valores médios): 4/5 Água: R$65,00
Energia elétrica: R$240,00 Gás: 01 por mes R$80,00 IPTU: R$300,00(anual) Aluguel: ////////////
Telefone e celular: Não possui Mercado, açougue, padaria: R$1.000,00 Medicamentos e fraldas:
//////////////////// Vestuário: Ganha-se Plano de saúde: ///////////// Fundo mútuo R$48,00 Condução:
//////////// Combustível: ////////////// Cigarros: R$20,00 Financiamento: //////////// Outros: Internet
R$100,00 (...) CONSIDERAÇÕES FINAIS: Constatei que a família é muito humilde, TODOS
ANALFABETOS, tem bastante dificuldades em se comunicar, residem em uma casa bem
simples, mas tem um conforto razoável. A mãe do autor cuida dos afazeres da casa e dos
cuidados com o filho e do marido que também é deficiente.”
10. A despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente todas as
questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo o recorrente
apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação. Com efeito, pelos
elementos trazidos aos autos, verifico que as condições de subsistência, descritas no laudo
social, afastam a hipossuficiência econômica, necessária ao benefício em tela. Anote-se, por
oportuno, que a desconsideração trazida pela aplicação analógica do art. 34 do Estatuto do idoso
se dá de maneira subjetiva. Ou seja, diante do caso concreto, em que se nota a situação de
miserabilidade do requerente, deve o intérprete aplicar o instituído no art. 34 para apurar, de
maneira mais próxima da realidade, os valores efetivamente recebidos pelo grupo familiar.
Porém, pelo que se constata dos autos, a dificuldade financeira vivida pela parte autora
assemelha-se à vivida pela maioria das famílias brasileiras. Neste passo, por mais que se
considerem as regras de interpretação das normas de assistência social, quais sejam, in dubio
pro misero, da interpretação extensiva da lei e, principalmente, o sentido social da lei, a parte
autora não se enquadra entre os necessitados que o legislador quis alcançar ao instituir o
benefício assistencial.
11. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r.
sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da
Lei nº 9.099/95. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
12. Recorrente condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da causa. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o
pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
11ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000012-34.2021.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: RAFAEL VICENTE
Advogados do(a) RECORRENTE: LEANDRO RENE CERETTI - SP337634-N, AGUINALDO
RENE CERETTI - SP263313-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000012-34.2021.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: RAFAEL VICENTE
Advogados do(a) RECORRENTE: LEANDRO RENE CERETTI - SP337634-N, AGUINALDO
RENE CERETTI - SP263313-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000012-34.2021.4.03.6345
RELATOR:33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: RAFAEL VICENTE
Advogados do(a) RECORRENTE: LEANDRO RENE CERETTI - SP337634-N, AGUINALDO
RENE CERETTI - SP263313-N
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
VOTO-EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS) - DEFICIENTE. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. NEGADO PROVIMENTO AO
RECURSO.
1. Pedido de restabelecimento de benefício assistencial ao deficiente.
2. Conforme consignado na sentença:
“(...)
Bem por isso a hipótese exigia a realização de perícia médica.
Efetuada, a senhora Perita respondeu afirmativamente à existência no autor de impedimentos
de longo prazo, conforme laudo médico pericial produzido no Evento 29.
O trabalho técnico levantado, minucioso e percuciente, verificou no autor a presença de
Síndrome de Down (CID: Q90), conforme resposta aos quesitos nº 1.1 e nº 3 do laudo pericial.
A digna Experta ofereceu a seguinte conclusão: “sob o ponto de vista médico psiquiátrico, o
periciado Rafael Vicente encontra-se INCAPAZ de exercer toda e qualquer função laborativa
e/ou os atos da vida civil. Incapacidade Total e Permanente. Quadro orgânico, irreversível” –
ênfases colocadas.
A patologia em questão remonta ao nascimento do autor (27.03.1992) e é irreversível.
Baseado nisso, a senhora Experta confirma a existência no autor de impedimentos de longo
prazo.
Satisfeito o requisito corporal, passo seguinte é analisar o requisito econômico.
A quantidade de renda mensal per capita inferior à qual eclode o direito ao benefício é de 1/4
(um quarto) de um salário mínimo. Passou a ser de 1/2 (meio) salário mínimo com o advento da
Lei nº 13.981/2020, objeto de veto presidencial aposto, derrubado e judicializado, com a
suspensão da eficácia da norma. Voltou a ser de 1/4 (um quarto) de um salário mínimo por
força da Lei nº 13.982/2020 e da MP nº 1.023/2020.
Mas o Plenário do E. STF, na Reclamação (RCL) 4374, proclamou a inconstitucionalidade do
parágrafo terceiro do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, parecendo consagrar, ao lembrar a
prevalência de critérios mais elásticos na identificação de destinatários de outros programas
assistenciais do Estado, o valor de meio salário mínimo (em vez de ¼), na razão do qual
emergiria renda mensal per capita indutora da concessão de benefício assistencial.
Nessa esteira, a Súmula 21 da Turma Regional de Uniformização estabelece:
“Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda
per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser
infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”.
Sem embargo, prevalece o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto
no § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 não é o único a manejar (conforme STJ – REsp 841.060-
SP). Na jurisprudência dos Tribunais Superiores superaram-se posicionamentos que
preconizavam a intransponibilidade do critério objetivo.
Necessidade, segundo essa compreensão, há de demonstrar-se caso a caso.
Pois bem.
De acordo com a constatação social (Eventos 15 e 16), o autor divide teto com sua mãe,
Aparecida Lopes Vicente (aposentada), e com seu pai, José Sebastião Vicente (aposentado).
A renda que os sustenta é proveniente das duas aposentadorias por idade que os pais do autor
recebem do INSS, no importe mensal de R$1.040,00 (um mil e quarenta reais), para cada
aposentadoria, totalizando uma renda familiar mensal de R$2.080,00 (dois mil e oitenta reais),
conforme informado no estudo social, o que propicia a cada um dos integrantes do clã renda
per capita superior a 1/2 (metade) de um salário mínimo.
O autor e seu grupo familiar residem em casa própria, composta por um banheiro, dois quartos,
sala e cozinha. O imóvel encontra-se em regular estado de conservação.
A casa é guarnecida por móveis e utensílios domésticos: armários na cozinha e nos quartos,
refrigerador, fogão, televisão e ventiladores. A sala, cozinha e os quartos são revestidos com
piso de cerâmica e teto com forro.
A residência é humilde, mas propicia razoável conforto, conforme assinalado pela senhora
Oficiala no auto levantado.
A mãe do autor cuida dos afazeres da casa e dos cuidados com o filho e do marido. O autor
não faz uso de medicamentos. Frequenta a APAE em Marília, desde pequeno.
Sobressai que as despesas mensais da família comportam-se na renda noticiada.
Tudo isso está certificado pela senhora Oficiala de Justiça no auto de constatação social
levantado e se confirma pelas fotos que o instruem (Eventos 15 e 16).
Do que veio a lume, enfim, situação de paupérie não desabrocha.
As condições econômicas retratadas no estudo social não evidenciam quadro atual de
necessidade, hipossuficiência econômica e vulnerabilidade social.
Não se avista em suma, a partir dos elementos coligidos, risco atual de perda da dignidade da
pessoa.
Dessa maneira, tendo em vista que benefício assistencial de prestação continuada não tem por
propensão suplementar renda, antes destinando-se a supri-la, quando não exista em
quantidade suficiente a debelar condições degradantes de vida, a prestação almejada não é
devida.
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado, resolvendo o mérito com
fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.
(...)”
3. Recurso da parte autora: Alega que preenche os requisitos para a concessão do benefício.
Aduz que a renda do grupo familiar corresponde a um salário-mínimo, que decorre do
recebimento de aposentadorias por parte de seus genitores idosos. Sustenta que, sendo o
núcleo familiar constituído por 03 pessoas, e a respectiva renda oriunda de aposentadorias
recebidas pelos genitores do Autor, opera-se a presunção de miserabilidade insculpida no art.
20, §3º da Lei 8.742/93. Alega que devem ser excluídos do cálculo o benefício previdenciário de
valor superior ao mínimo, até o limite de um salário-mínimo, e o benefício previdenciário por
incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Aduz que a
Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), em seu art. 34, parágrafo único, dispõe que o benefício
assistencial (BPC) concedido a outro membro idoso (65 anos) do grupo familiar não será
considerado para o cálculo da renda familiar per capta, para fins assistenciais. Assim sendo,
considerando que os pais do autor são idosos, os benefícios de valor mínimo por eles auferido
deve ser excluído do cálculo da renda familiar, para fins de análise do benefício assistencial
pretendido. Conclui que a renda familiar deve ser considerada nula, o que pode permitir a
presunção da necessidade experimentada. Da moradia da família, informa que, apesar de estar
em bom estado de higiene, a casa sequer foi concluída, não possuindo em boa parte reboco, e
forro no teto, com paredes e portas e janelas de má qualidade, parte de fiação exposta sem
condições de segurança ficando em local de difícil acesso. Ainda existem evidentes sinais de
infiltrações em dias chuvosos, denotando ainda mais a precariedade do imóvel em que residem.
Assim, também se faz comprovada a satisfação do requisito socioeconômico relacionado ao
beneficio assistencial. Requer a reforma da sentença, para que seja determinada a concessão
do benefício assistencial de prestação continuada à demandante, a contar da data do
requerimento administrativo.
4. Requisitos para concessão do benefício: deficiência/idade e hipossuficiência econômica.
5. O STF manifestou entendimento no sentido de que o critério preconizado no art. 20, § 3º, Lei
nº 8.742/93 não mais se coaduna com o ordenamento vigente, ante as mudanças econômico-
sociais. (RE 567.985/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Gilmar Mendes e RE
580.963/PR, rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 18/4/2013).
6. Comprovação da carência financeira, para fins de concessão do benefício assistencial, deve
considerar outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo. Possível
interpretação sistemática com normas que disciplinaram as políticas de amparo e assistência
social promovidas pelo governo federal, que estabelecem o critério de ½ salário mínimo como
patamar definidor da linha da pobreza (Leis n.º 10.836/01 (Bolsa-família), nº 10.689/03
(Programa Nacional de Acesso à Alimentação), nº 10.219/01 (Bolsa-escola).
7. Por sua vez, o STJ decidiu, em sede de recursos repetitivos, que “em âmbito judicial vige o
princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de
tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita
não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De
fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob
pena de cercear o seu direito de julgar” (Resp 1.112.557/MG). Também possui precedentes no
sentido de que deve ser excluído, do cálculo da renda mensal familiar, os benefícios percebidos
por membro do núcleo familiar no valor de 01 (um) salário mínimo. Precedentes: Resp
1.226.027/PR; AgRg no Resp 1.392.529/MG, dentre outros.
8. De uma análise conjugada destes precedentes, reputo que há de prevalecer, de qualquer
forma, o conjunto probatório do caso concreto. Com efeito, o critério objetivo, que pode ser
modificado pela exclusão de benefício no valor de um salário mínimo, não é exclusivo, devendo
ser cotejado com o critério subjetivo de cada caso concreto. Neste passo, deve ser realizada
uma análise do critério objetivo, que pode ser confirmado ou infirmado pelo subjetivo, devendo
prevalecer, a meu ver, este último, caso contrarie o primeiro.
9. CASO CONCRETO:
Laudo pericial médico (psiquiatria): Parte autora (28 anos) é portadora de quadro de Síndrome
de Down. Incapacidade Total e Permanente desde o nascimento. Quadro orgânico, irreversível.
Laudo socioeconômico: O autor reside com os pais em imóvel próprio. Consta do mandado de
constatação: “(...) O AUTOR vive com sua mãe e seu pai, recebem duas aposentadorias, o
autor também recebia um Benefício Assistencial, mas faz mais ou menos uns dois (02) anos
que foi cortado. O Autor tem de Necessidades Especiais, mas parece ser saudável, não faz uso
de medicamentos. O pai do autor, que também é seu curador, tem a perna direita amputada.
Todos são analfabetos, tendo bastante dificuldades em responder as minhas perguntas. (...)
Quantidade de Banheiros:01 Quantidade de Quartos:02 Demais Cômodos: sala e cozinha (...)
Estado geral do imóvel, interno: regular Estado geral do imóvel, externo: regular Observações
acerca do imóvel: fica em Bairro residencial, sem pavimentação asfáltica, servido de energia
elétrica, agua encanada (...) RENDA FAMILIAR: R$1.040,00(hum mil e quarenta reais)
aposentadoria do pai R$1.040,00(hum mil e quarenta reais) aposentadoria da mãe. TOTAL de
R$2.080,00(dois mil e oitenta reais). (...) DESPESAS MENSAIS TOTAIS (em valores médios):
4/5 Água: R$65,00 Energia elétrica: R$240,00 Gás: 01 por mes R$80,00 IPTU: R$300,00(anual)
Aluguel: //////////// Telefone e celular: Não possui Mercado, açougue, padaria: R$1.000,00
Medicamentos e fraldas: //////////////////// Vestuário: Ganha-se Plano de saúde: ///////////// Fundo
mútuo R$48,00 Condução: //////////// Combustível: ////////////// Cigarros: R$20,00 Financiamento:
//////////// Outros: Internet R$100,00 (...) CONSIDERAÇÕES FINAIS: Constatei que a família é
muito humilde, TODOS ANALFABETOS, tem bastante dificuldades em se comunicar, residem
em uma casa bem simples, mas tem um conforto razoável. A mãe do autor cuida dos afazeres
da casa e dos cuidados com o filho e do marido que também é deficiente.”
10. A despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente todas as
questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo o recorrente
apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação. Com efeito, pelos
elementos trazidos aos autos, verifico que as condições de subsistência, descritas no laudo
social, afastam a hipossuficiência econômica, necessária ao benefício em tela. Anote-se, por
oportuno, que a desconsideração trazida pela aplicação analógica do art. 34 do Estatuto do
idoso se dá de maneira subjetiva. Ou seja, diante do caso concreto, em que se nota a situação
de miserabilidade do requerente, deve o intérprete aplicar o instituído no art. 34 para apurar, de
maneira mais próxima da realidade, os valores efetivamente recebidos pelo grupo familiar.
Porém, pelo que se constata dos autos, a dificuldade financeira vivida pela parte autora
assemelha-se à vivida pela maioria das famílias brasileiras. Neste passo, por mais que se
considerem as regras de interpretação das normas de assistência social, quais sejam, in dubio
pro misero, da interpretação extensiva da lei e, principalmente, o sentido social da lei, a parte
autora não se enquadra entre os necessitados que o legislador quis alcançar ao instituir o
benefício assistencial.
11. Não obstante a relevância das razões apresentadas pelo recorrente, o fato é que todas as
questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r.
sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da
Lei nº 9.099/95. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
12. Recorrente condenado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o
valor da causa. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita,
o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma
decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
