| D.E. Publicado em 29/09/2017 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0025165-85.2014.4.04.9999/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | AMÉLIA DA CRUZ GONÇALVES |
ADVOGADO | : | Alan Rodrigo Pupin |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CORNELIO PROCOPIO/PR |
EMENTA
previdenciário. aposentadoria por tempo de contribuição. segurado trabalhador rural. tempo de atividade anterior à lei nº 8.213/1991. limite de idade. mitigação do início de prova material. volante ou diarista rural. princípio do livre convencimento motivado. empregado doméstico. ausência de dados sobre o recolhimento de contribuições no cnis. validade das anotações na ctps. consectários legais.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Em relação ao trabalhador rural eventual (diarista, volante ou boia-fria), a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho, razão pela qual deve ser admitido qualquer documento que evidencie a atividade rural, ainda que de forma indireta.
7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
8. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
9. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos.
10. Mesmo que os dados relativos ao vínculo e ao recolhimento de contribuições não constem nos registros do CNIS, admite-se a validade das anotações na carteira de trabalho para efeito de reconhecimento de tempo de serviço, desde que se apresentem em ordem cronógica e sem rasuras ou borrões que comprometam a nitidez e a exatidão. Somente a notória inconsistência formal ou material no documento e o indício de fraude podem afastar a presunção relativa de veracidade das anotações na CTPS. Jurisprudência consolidada na Súmula nº 75 da TNU.
11. O ônus da desídia do empregador doméstico e do órgão responsável por fiscalizar e exigir o recolhimento das contribuições previdenciárias não pode recair sobre o empregado.
12. A decisão final sobre os consectários legais deve ser relegada para a fase de cumprimento da sentença, após o julgamento do RE nº 870.947 (Tema nº 810 do STF).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e determinar que a decisão definitiva sobre os índices de correção monetária e juros seja proferida na fase de cumprimento de sentença, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 19 de setembro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9139013v12 e, se solicitado, do código CRC 5E8E3BAA. | |
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REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CORNELIO PROCOPIO/PR |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido para condenar o INSS a: a) averbar o tempo de atividade rural da autora, no período de 24/05/1964 a 10/01/1981, e o tempo de serviço urbano nos períodos de 12/01/1981 a 11/03/1984, 03/01/1987 a 19/01/1988, 01/01/1989 a 30/04/1991, 05/08/1991 a 20/06/1993, 22/06/1993 a 01/09/1993, 02/09/1993 a 31/03/2005, 01/07/2005 a 05/09/2007 e 07/01/2008 a 31/10/2008; b) conceder à autora o benefício de aposentadoria integral por tempo de contribuição, com implantação a partir do indeferimento do pedido administrativo em 16/02/2011; c) pagar as parcelas vencidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora simples a partir da citação, conforme os índices previstos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009. O INSS foi condenado ainda a pagar honorários advocatícios, no percentual de 10% (dez por cento) do valor da condenação.
O INSS aduz que não foi apresentado início de prova material para a comprovação do tempo de serviço rural. Sustenta que os documentos em nome de terceiros pertencentes ao mesmo grupo familiar podem ser aproveitados apenas na hipótese em que o regime de trabalho é o de economia familiar. Alega que a autora, na condição de diarista rural ou empregada rural, deve apresentar documento em nome próprio, não servindo como início de prova a certidão de óbito do pai com a qualificação de lavrador. Aponta que o outro documento, a ficha de filiação do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio, em 26/02/1980, não permite concluir o labor rural antes dessa data. Quanto ao tempo de atividade urbana, pondera que a anotação em carteira de trabalho tem presunção juris tantum, não constituindo prova plena do exercício da atividade. Argumenta que o empregado não pode ser penalizado pela ausência de contribuições previdenciárias por parte do empregador, porém não há como considerar comprovado o tempo de serviço apenas com base na CTPS, não sendo possível apurar a veracidade dos registros da relação de emprego no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS. Por fim, pede que seja determinada a aplicação da Lei nº 11.960/2009, com a aplicação de juros de 0,5% ao mês mais TR, para fins de juros e correção monetária.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte, ainda, por força da remessa necessária, nos termos do art. 475, inciso I, do antigo CPC.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9139011v12 e, se solicitado, do código CRC 1D04E4D0. | |
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias. É preciso lembrar que essa categoria contava até então somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). O regime do PRORURAL era tipicamente assistencial, porquanto os limitados benefícios oferecidos não exigiam o recolhimento de contribuições. O § 2º do art. 55 da Lei de Benefícios, portanto, concretiza a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais, possibilitando a transição entre o velho e novo regime previdenciário.
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material, por exemplo, as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, a escritura de propriedade rural, o histórico escolar, a declaração da Secretaria de Educação e o comprovante de filiação a sindicato de trabalhadores rurais.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Ademais, a extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Tempo de serviço urbano - empregado doméstico
O empregado doméstico presta serviço de natureza contínua no âmbito residencial a pessoa ou família, em atividades sem fins lucrativos, conforme a definição do art. 11, inciso II, da Lei nº 8.213/1991.
Nos termos do caput do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento. O art. 19 do Decreto nº 3.048/1999 (Regulamento dos Benefícios da Previdência Social), com a redação dada pelo Decreto nº 6.722/2008, dispõe que os dados constantes do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS relativos a vínculos, remunerações e contribuições valem como prova de filiação à previdência social, tempo de contribuição e salários de contribuição. Dessa forma, o INSS simplesmente desconsidera as anotações na carteira de trabalho e previdência social (CTPS), quando há informações divergentes, extemporâneas ou inexistentes no CNIS.
O procedimento do INSS, em relação ao empregado doméstico, implica notória inversão das normas que regulam a relação jurídica de custeio da Previdência Social. Com efeito, o art. 30, inciso V, da Lei nº 8.212/1991, estabelece que o empregador doméstico é obrigado a arrecadar e a recolher a contribuição do empregado a seu serviço, assim como a parcela a seu cargo. Se o empregador doméstico não cumpriu a sua obrigação tributária e o órgão responsável deixou de exercer o dever de fiscalizar e exigir o recolhimento das devidas contribuições previdenciárias, o ônus não pode recair sobre o empregado, que não teve qualquer responsabilidade pela desídia do empregador e do fisco.
A jurisprudência sobre a matéria entende que a anotação do vínculo empregatício na carteira de trabalho e previdência social constitui prova suficiente para o reconhecimento do tempo de serviço. Apresentando-se em ordem cronógica as anotações de contratos de trabalho, férias, alterações de salário e imposto sindical, sem rasuras ou borrões que comprometam a nitidez e a exatidão, forma-se a presunção relativa de veracidade dos registros na CTPS. Por conseguinte, somente a notória inconsistência formal ou material no documento ou o indício de fraude podem afastar o seu valor probatório. Neste sentido, a Súmula nº 75 da Turma Nacional de Uniformização da jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Federais:
A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS).
Então, mesmo que os dados relativos ao vínculo e às contribuições não constem nos registros do CNIS, admite-se a validade das anotações na carteira de trabalho para efeito de reconhecimento de tempo de serviço, salvo se houver indício de fraude ou notória inconsistência formal ou material no documento.
Caso concreto
A parte autora pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo de atividade rural exercido de 24/05/1964 a 10/01/1981, em que trabalhou como boia-fria em diversas propriedades rurais na região de Cornélio Procópio/PR. Apresentou como início de prova material a certidão de óbito do seu pai, fato ocorrido em 22/08/1964, na qual ele é qualificado como lavrador, e a ficha de filiação da autora no Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio/PR, com data de 26/02/1980, indicando que é trabalhadora rural volante.
Na justificação administrativa realizada por determinação judicial, a autora relatou que nasceu em Cornélio Procópio/PR, quando os pais moravam no Distrito Primavera, em Leópolis, e trabalhavam na lavoura; que quando tinha uns cinco anos de idade seus pais foram trabalhar na Água do Bugio, em Uraí; que em criança não estudou; que começou a trabalhar com sete anos de idade, acompanhando os pais na lavoura; que depois mudaram para Cornélio, morando primeiramente na Vila Independente; que nessa época tinha uns doze anos de idade e começou a trabalhar na boia-fria; que nessas condições trabalhou na Fazenda Santa Izabel, Santa Alice, Ouro Verde, Ricafé, Pedregulho e Santa Amélia; que na época as lavouras eram de algodão, serviços de colheita e raleamento, carpa e colheita de café, catação de milho excedente das colhedeiras; que trabalhou de 1964 até 1981 na boia-fria, tendo deixado essa atividade quando passou a trabalhar de empregada doméstica, na cidade; que ia trabalhar na boia-fria de caminhão, com os "gatos"; que se recorda dos nomes de Zé Dias, Zé Pratinha, Aníbal, Luiz Gato, Valdomiro, Astel, Laércio, Ademir, entre outros; que o ponto onde apanhava a condução era na venda do Zé Alfredo, na Vila Independência e no Jardim Progresso, para onde a autora se mudou, não tinha ponto fixo, os "gatos" pegavam nas esquinas; que depois de 1981 a autora trabalhou na lavoura, com registro, na Fazenda Santa Izabel, durante um ano em 1987/1988, e depois não mais voltou a trabalhar na boia-fria, prestou serviços somente na cidade; que atualmente está trabalhando de diarista, três vezes por semana, nas casas, porque não consegue trabalhar direito devido a problemas no joelho.
A testemunha Aurora das Dores Almeida disse que conhece a autora há mais de quarenta anos; que na época era mocinha nova e já trabalhava na boia-fria; que conheceu a autora nos caminhões de boia-fria; que muitas vezes trabalharam juntas nas lavouras da região; que lembra de ter trabalhado em serviços de carpas e colheita de algodão e café, catação de milho, carpa de soja; que foram muitas vezes trabalhar nas Fazendas Santa Izabel, Ricafé, Ouro Verde, Maria Amélia, Pedregulho e outras; que iam com os "gatos" que contratavam os serviços e faziam os pagamentos; que o pagamento era feito por semana, no sábado; que às vezes trabalhavam em propriedades grandes que nem sabiam o nome do proprietário ou da fazenda; que se recorda dos "gatos" Aníbal, Zé Dias, Zé Pratinha e outros; que o ponto, no Jardim Progresso, era perto de uma vendinha (não tinha nome), mas o "gato" já vinha pegando gente que ficava nas esquinas; que a autora morou alguns anos no Jardim Progresso antes de se mudar para o centro; que havia alguns pequenos proprietários que vinham buscar na cidade, entre eles o Sr. Jorge Licorini, que tinha sítio no Bairro Macuco, e Ângelo Padoti, cujo sítio era no Pedregulho; que nessas propriedades a lavoura era de algodão e os patrões é que efetuavam o pagamento diretamente aos trabalhadores; que sabe que a autora foi boia-fria até 1981 mais ou menos, tendo parado para trabalhar na cidade; que a declarante trabalhou na lavoura até 2004.
No caso dos autos, considerando as circunstâncias em que o trabalho do boia-fria era realizado, justifica-se a mitigação do início de prova material. Ainda que a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, a certidão de óbito do genitor da autora deve ser valorada em consonância com a prova oral, indicando que os pais e a autora eram trabalhadores rurais sem vínculo empregatício. Por sua vez, a inscrição da autora no Sindicato de Trabalhadores Rurais, apontando a condição de volante, conforma o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. As provas documentais, conquanto não se refiram a todo o período requerido, foram complementadas por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, no período de 24/05/1964 (quando a autora completou doze anos) a 10/01/1981.
No tocante ao tempo de serviço urbano, verifica-se que os períodos cujo reconhecimento foi requerido pela autora foram devidamente anotados na carteira de trabalho, não apresentando rasuras ou descontinuidade na sequência de contratos de trabalho, alterações de salário e férias. Embora os dados constantes no CNIS demonstrem a ausência de recolhimento das contribuições previdenciárias devidas, o empregado não pode ser penalizado por irregularidade cometida pelo empregador. Desprezar as anotações na CTPS, quando se mostram idôneas e destituídas de defeito formal, significa presumir a fraude, hipótese rechaçada veementemente pela jurisprudência. Portanto, as informações do CNIS podem ser supridas, excluídas ou retificadas com base nos registros na carteira de trabalho, que constituem prova documental do tempo de serviço com presunção juris tantum de veracidade.
Requisitos para a concessão do benefício
Somando-se o período de atividade rural (24/05/1964 a 10/01/1981) e os períodos de serviço urbano (12/01/1981 a 11/03/1984, 03/01/1987 a 19/01/1988, 01/01/1989 a 30/04/1991, 05/08/1991 a 20/06/1993, 22/06/1993 a 01/09/1993, 02/09/1993 a 31/03/2005, 01/07/2005 a 05/09/2007 e 07/01/2008 a 31/10/2008), mais o período reconhecido pelo INSS, excluídos os vínculos concomitantes (09/02/2009 a 31/10/2010), a autora possui, até a data do requerimento administrativo, 41 anos, 06 meses e 22 dias de tempo de atividade e a carência de 268 meses.
Assim, em 16/02/2011 (DER), a autora preencheu os requisitos para a concessão de aposentadoria integral por tempo de contribuição, de acordo com a regra permanente do art. 201, § 7º, da Constituição Federal.
Consectários legais
A matéria atinente aos índices de atualização monetária e de juros de mora pode ser examinada de ofício, por se tratar de ordem pública.
O STF, no julgamento das ADIs nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade do art. 100, § 12, da CF, com a redação dada pela EC nº 62/2009, em relação ao índice de correção monetária e, por arrastamento, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Em julgamentos posteriores, a Suprema Corte evidenciou a abrangência temática dessa decisão, delimitando a inconstitucionalidade da correção monetária pela TR ao período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Portanto, a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 limita-se à pertinência lógica entre esse dispositivo e o § 12 do art. 100 da CF, não implicando a alteração da disciplina dos juros de mora introduzida pela Lei nº 11.960/2009 e o afastamento da aplicação da TR como índice de correção monetária para apuração do montante devido ao credor.
Diante da controvérsia instaurada nos tribunais acerca da matéria, foi reconhecida a repercussão geral da questão relativa ao regime de correção monetária e juros moratórios incidente sobre as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública até a expedição do precatório, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009 (RE nº 870.947/SE e Tema nº 810).
Enquanto não for dirimida a controvérsia pelo STF, continua em pleno vigor o art. 5º da Lei nº 11.960/2009, incidindo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança para fins de correção monetária, remuneração do capital e compensação da mora no período anterior à expedição do precatório. Desse modo, se a sentença adotar índice de correção monetária e juros diverso do estabelecido pela Lei nº 11.960/2009, o processo necessariamente ficará sobrestado aguardando a decisão do STF.
Então, a fim de possibilitar o prosseguimento do processo, considerando os princípios da celeridade e da economia processual, a decisão final sobre os consectários legais deve ser relegada para a fase de cumprimento da sentença, quando será apurado o efetivo valor das parcelas vencidas, com o cômputo de atualização monetária e juros. O art. 491, inciso I, do CPC, admite essa solução, afastando a regra geral de fixação dos consectários na fase de conhecimento, caso não seja possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. Nesse sentido, o STJ enfrentou a matéria (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Se até o início do cumprimento de sentença não houver decisão no RE 870.947, é cabível a expedição de precatório consoante os índices de correção monetária e juros previstos na Lei nº 11.960/2009, diferindo-se para momento posterior ao julgamento do Tema nº 810 a decisão do juízo sobre a existência de eventuais diferenças remanescentes, caso o STF conclua pelo afastamento da TR.
Diante disso, relego a decisão definitiva sobre os índices de correção monetária e juros para a fase de cumprimento de sentença, após o julgamento do RE nº 870.947/SE.
Conclusão
Nego provimento à apelação do INSS e à remessa necessária.
De ofício, determino que a decisão definitiva sobre os índices de correção monetária e juros seja proferida na fase de cumprimento de sentença, após o julgamento do RE nº 870.947/SE, devendo ser adotados, até então, os critérios estabelecidos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária e determinar que a decisão definitiva sobre os índices de correção monetária e juros seja proferida na fase de cumprimento de sentença.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/09/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0025165-85.2014.4.04.9999/PR
ORIGEM: PR 00062597620118160075
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | AMÉLIA DA CRUZ GONÇALVES |
ADVOGADO | : | Alan Rodrigo Pupin |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE CORNELIO PROCOPIO/PR |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/09/2017, na seqüência 157, disponibilizada no DE de 04/09/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA E DETERMINAR QUE A DECISÃO DEFINITIVA SOBRE OS ÍNDICES DE CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS SEJA PROFERIDA NA FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO | |
AUSENTE(S) | : | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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