APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001948-49.2015.4.04.7005/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MIGUEL BARBOSA |
ADVOGADO | : | CAROLINA CELICIA PICCININ BORGES |
EMENTA
previdenciário. segurado trabalhador rural. tempo de atividade anterior à lei nº 8.213/1991. limite de idade. mitigação do início de prova material. volante ou diarista rural. princípio do livre convencimento motivado. não conhecimento da remessa necessária.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Em relação ao trabalhador rural eventual (diarista, volante ou boia-fria), a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho, razão pela qual deve ser admitido qualquer documento que evidencie a atividade rural, ainda que de forma indireta.
7. Restou pacificado pela jurisprudência o entendimento de que "(...) é assegurada a condição de segurado especial ao tralhador rural denominado "boia-fria" (REsp 1674064/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017). Assim, conquanto a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos em nome de familiar que comprovam a profissão de lavrador, devem ser valorados em consonância com a prova oral.
8. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
9. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
10. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos.
11. Uma vez que a sentença limitou-se a determinar a averbação do tempo de atividade rural, não se vislumbra projeção de montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário, nos termos do art. 496, § 3º, inciso I, do CPC (condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido superior a mil salários mínimos).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e não conhecer da remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 03 de outubro de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9172514v8 e, se solicitado, do código CRC 2F369C73. | |
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ADVOGADO | : | CAROLINA CELICIA PICCININ BORGES |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que: a) reconheceu a ausência de interesse processual em relação ao pedido de averbação do tempo de serviço já reconhecido administrativamente pelo INSS, extinguindo o feito sem exame do mérito; b) julgou parcialmente procedentes os demais pedidos, para o fim determinar ao INSS que proceda à averbação do tempo de serviço rural prestado pela parte autora nos períodos de 01/01/1976 a 15/08/1980 e de 01/01/1986 a 31/10/1991. A sentença foi submetida a reexame necessário, com base no art. 496, I, do CPC e na Súmula nº 490 do STJ.
O INSS não se conforma com a procedência do pedido de averbação do tempo de serviço rural para o interregno de 01/01/1976 a 15/08/1980. Sustenta que, embora existam documentos indicando a ligação de seu pai com o meio rural para os anos de 1978 e 1979 (certidões de nascimento de irmãos em que o pai está qualificado como agricultor), não foram apresentadas provas de que o requerente tenha trabalhado em regime de economia familiar durante todo o período reconhecido, porque o próprio autor declarou em entrevista administrativa que não havia trabalho fixo nessa época, que às vezes ajudava o pai, mas que o trabalho desempenhado era por dia, para diversas pessoas. Aduz que, por se tratar de diarista, a atividade do pai não pode ser simplesmente estendida para o autor, sendo necessária a apresentação de início de prova material em nome próprio. Aponta que, para os anos de 1976 e 1977, o reconhecimento se deu sem a existência de qualquer início de prova material. Ressalta que o trabalho de diarista para diversas pessoas naquela época poderia envolver também atividade de caráter urbano, não sendo possível a averbação sem início de prova material do efetivo trabalho rural do requerente, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991.
Em contrarrazões, o autor pede a condenação do recorrente em honorários e em multa pela má-fé protelatória.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9172512v8 e, se solicitado, do código CRC EF022121. | |
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Não conhecimento da remessa necessária
A teor do artigo 29, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o valor do salário de benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício. No que tange ao valor máximo, ao teto, de acordo com a Portaria nº 08 do Ministério da Fazenda, de 13/01/2017, o benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a partir de 01/01/2017, é de R$ 5.531,31 (cinco mil, quinhentos e trinta e um reais e trinta e um centavos).
Seguindo, vale observar que no âmbito do Superior Tribunal de Justiça há entendimento sedimentado no sentido de que a sentença ilíquida está sujeita a reexame necessário (Súmula 490). Importa atentar, no entanto, que é excluída da ordem do duplo grau de jurisdição a sentença contra a União e respectivas autarquias e fundações de direito público que esteja a contemplar condenação ou proveito econômico na causa por valor certo e líquido inferior 1.000 (mil) salários mínimos, ex vi do artigo 496, parágrafo 3º, inciso I, do Código de Processo Civil.
Ora, ao cuidar-se de ação de cunho previdenciário, é imperioso reconhecer que o valor da condenação ou do proveito econômico à parte, operada a correção monetária e somados juros de mora, em nenhuma hipótese alcançará o valor de 1.000 (um mil) salários mínimos. É o que se dá mesmo na hipótese em que a renda mensal inicial (RMI) do benefício previdenciário deferido seja fixada no valor máximo (teto) e bem assim seja reconhecido o direito do beneficiário à percepção de parcelas em atraso, a partir daquelas correspondentes aos 05 anos que antecedem o aforamento da ação (Lei nº 8.213/91, art. 103, § único).
Uma vez que a sentença limitou-se a determinar a averbação do tempo de atividade rural, não se vislumbra projeção de montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Nesse contexto, não conheço da remessa oficial, forte no artigo 932, inciso III, do CPC.
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991.
O legislador ordinário não concedeu uma benesse aos trabalhadores rurais, ao permitir o cômputo de serviço anterior à Lei nº 8.213/1991, mesmo sem o recolhimento de contribuições previdenciárias; apenas concretizou a norma do inciso II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988, que assegurou a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços aos trabalhadores urbanos e rurais. No regime anterior à Lei nº 8.213/1991, os trabalhadores rurais contavam somente com o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL) instituído pela Lei Complementar nº 11/1971. Os beneficiários do PRORURAL, além do trabalhador rural que exercia a atividade individualmente ou em regime de economia familiar, eram o empregado rural (contratado por produtor rural pessoa física ou jurídica), o avulso rural (contratado mediante a intermediação de sindicato ou órgão gestor de mão de obra) e o trabalhador rural eventual (volante, diarista ou boia-fria). Os benefícios oferecidos pelo PRORURAL não requeriam o pagamento de contribuições, porém eram limitados e tipicamente assistenciais, não prevendo a aposentadoria por tempo de serviço. A regra do § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991, assim, objetiva conciliar a substancial diferença entre o velho e o novo regime previdenciário, no tocante à contagem de tempo de serviço.
Além de todos os beneficiários do antigo PRORURAL, o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 abarca os membros do grupo familiar, visto que o art. 11, inciso VII, da Lei de Benefícios, define como segurado especial não só o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, mas também o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
É bem de ver que, para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias. São recrutados por agenciadores de mão de obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 10/10/2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural boia-fria:
TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
No que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural no período anterior à Lei nº 8.213/1991 pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
Conquanto o INSS tenha se insurgido quanto ao reconhecimento do tempo de atividade rural exercido pelo autor entre 01/01/1976 a 15/08/1980, a análise do caso concreto abrangerá também o período de 01/01/1986 a 31/10/1991, a fim de facilitar a exposição e o exame das provas.
Transcrevo a parte da sentença que analisa os elementos de prova juntados aos autos:
Como início de prova material, a parte autora apresentou os seguintes documentos (evento 32, PROCADM1):
(a) Declaração de exercício de atividade rural, emitida em 2012, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guaraniaçu (p. 14/16).
(b) Certidão de casamento do autor, na qual é qualificado como lavrador, emitida em 16/08/1980 (p. 18).
(c) Certidão de nascimento de Elenir Barbosa, filha do autor, na qual é qualificado como "lavrador", emitida em 13/08/1981 (p. 19).
(d) Certidão de nascimento de Cleiton Barbosa, filho do autor, na qual é qualificado como "agricultor", emitida em 24/04/1985 (p. 20).
(e) Certidão de nascimento de Eliane Barbosa, filha do autor, na qual é qualificado como "lavrador", emitida em 14/09/1988 (p. 21).
(f) Certidão de nascimento de Jeandro Barbosa, filho do autor, na qual é qualificado como "lavrador", emitida em 09/04/1991 (p. 22).
(g) Certidão de nascimento de Gustavo Barbosa, filho do autor, na qual é qualificado como "jardineiro", emitida em 24/02/2000 (p. 23).
(h) Certidão de nascimento de Rafaela Barbosa, filha do autora, na qual é qualificado como "jardineiro", emitida em 26/12/2011 (p. 24).
(i) Certidão da Justiça Eleitoral, constando que da inscrição eleitoral do autor consta sua ocupação como "agricultor" (p. 26).
(j) Carteira de filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Guaraniaçu, em nome do autor, constando como admitido em 16/07/1984 (p. 28).
(l) Carteira de filiado ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Braganey, em nome do autor, constando como admitido em 14/06/1988 (p. 28).
(m) Histórico Escolar de Elenir e Elesandre Barbosa, filhas do autor, constando que estudaram nas Escolares Rurais Municipais William James, John Dewey e Dom Pedro I, em Campo Bonito/PR, nos anos de 1989 a 1992 (pp. 29/31).
(n) Notas fiscais e de romaneio de produtos agrícolas em nome do do autor, referente aos anos de 1988, 1989, 1991, 1992 (pp. 33/52).
(o) Certidão de nascimento de Maria Creusa Barbosa de Aguiar, Marleni Barbosa de Aguiar e José Barbosa de Aguiar, irmãos do autor, apontando registros realizados em 14/04/1979 e 23/08/1978, constando a profissão do pai do autor como "lavrador" (pp. 67/69).
(p) Declarações de Pedro Soares dos Santos, Benedito Ferreira Camargo, Lourival de Aguiar Camargo e Jair da Silva Alves (evento 1, DECL32/DECL35).
O documento descrito na letra "a" não serve como início de prova material, porque não é contemporâneo à época dos fatos (Súmula nº 34/TNU) e também foi homologado pelo INSS (art. 106, III, da Lei nº 8.213/91).
Os documentos apontados nas letras "g" e "h" não se prestam para comprovar a atividade rural, já que indicam que no período a parte autora exercia a profissão de jardineiro.
As declarações elecandas na letra "p", além de não serem contemporâneas à época dos fatos (Súmula nº 34/TNU), não se qualificam como prova documental, porquanto são meras manifestações unilaterais não sujeitas ao crivo do contraditório (art. 408, parágrafo único, do NCPC).
As demais provas satisfazam a exigência do art. 55, §3º, da Lei nº 8.212/91 e da Súmula nº 149/STJ, porquanto indicam o exercício de atividade rural pela parte autora, durante a década de 1980 até o ano de 1992, nos municípios de Guaraniaçu, Corbélia, Braganey e Campo Bonito/BR.
Contudo, é necessário analisar se a prova testemunhal complementa a prova documental em relação aos demais períodos por ela não abrangidos.
Na entrevista rural (evento 32, PROCADM, pp. 56/57), a parte autora afirmou:
O requerente nasceu em Londrina/PR, foi morar em Nova Cantu com dois anos, com a família, lá o pai não tinha terra, trabalhavam por dia, o requerente e o pai; afirma que são em seis irmãos e o requerente é o mais velho, assim saía para ajudar o pai. Morou em Nova Cantu até os dezoito anos mais ou menos. Em todo o período que se lembra, ajudava o pai que trabalhava por dia, assim também, quando teve idade, trabalhava por dia, não tinham terra própria. Pelo que se lembar, nessa cidade trabalhou para várias pessoas que já faleceram. Aos dezoito anos se mudou para Guaraniaçu, foi morar com o pai, trabalhando por dia ali também. Ali trabalhou para Antônio Ribeiro, Pedro, recebia todo final de semana. Após o casamento, afirma que arrendou algumas roças, que a esposa ajudava às vezes, mas não direto, os filhos eram pequenos e não podiam ajudá-lo no serviço da lavoura. Assim trabalhou em terras do Dr. Luiz Prado e Dr. Francisco, ali trabalhou até 1993, quando se mudou para Cascavel e iniciou na atividade urbana. Conta que sua atividade sempre foi manual, tendo em vista a terra pequena, que plantava milho, feijão, mandioca, batata, e vendia o milho, tudo na mão. Que sempre trabalhou com a ajuda da esposa e dos filhos, sem empregados, sem diaristas. Como não estudou, trabalhava o dia todo, primeiramente com o pai, como boia-fria, depois de casado, tinha os serviços de boia-fria, mas também um pedaço de terra para plantar para a família. Afirma que até se casar não tinha lugar fixo para trabalhar, sendo que morava em um sítio dos patrões para quem trabalhava por dia, que não tem documentos para comprovar atividade rural de boia-fria, não tem recibos da época, não tem contato com os donos das terras, acha até que já faleceram.
Na justificação administrativa, foram ouvidas 3 (três) testemunhas (evento 32, PROCADM1, pp. 88/90).
VALDEVINO FERREIRA DE LIMA prestou as seguintes declarações:
Conheceu o justificante entre os anos de 1976/1978, ele era solteiro e morava com os pais dele, depois ele casou com a Sra. Marli, ela teve quatro filhos quando morava no local, eles moravam na Fazenda Ribeirão, localizada no interior do Município de Guaraniaçu/PR, nessa Fazenda ele morou e trabalhou até quando veio morar em Cascavel/PR, nessa Fazenda ele trabalhava de boia-fria/diarista; viu ele trabalhando, exercendo atividade de roçar, carpir, plantar, colher em lavoura de milho, feijão, arroz; ele também trabalhava no Sítio do Sr. Carlos Simão, Sr. Dorval do Amaral, Sr. Pedro Alves, todos na região da Fazenda Ribeirão; ele ganhava por dia trabalhado; não tinha terras próprias; ele arrendava uma área de terra da Fazenda Ribeirão onde plantava milho, não tinha criação de animais, pagava arrendamento para a Fazenda, não sabe se ele tinha contrato com o dono da Fazenda; ele vendia os produtos em Guaraniaçu ou para quem viesse comprar no local; o pai do justificante, Sr. Antônio Barbosa, e o irmão José também trabalhavam de boia-fria; ele não tinha outras atividades ou fonte de renda além do serviço de boia-fria e com sua roça; a esposa do justificante era do lar e cuidava da casa; não lembra se os filhos dele estudavam; que o declarante tinha um sítio no local onde morou desde quando nasceu até o ano de 1985, depois mudou para o Município de Cascavel/PR, vendeu o sítio para o Sr. José Vidal.
Por sua vez, JOSÉ MARIA ALVES relatou o seguinte:
Que foi morar na Fazenda Ribeirão durante o ano de 1981, ficou conhecendo o justificante que era casado com a Sra. Marli e tinha quatro filhos, Elesandro, Lenir, Eliane, Geandro; eles moravam na Fazenda São Francisco, de propriedade do Dr. Francisco Gales, ambas no Município de Guaraniaçu/PR; depois ele mudou para a Fazenda Cananeia de propriedade de Luiz Prando; o justificante tocava roça de 4 a 5 alqueires e pagava porcentagem de 30% para os proprietários; ele também trabalhava nas fazendas, exercendo atividade de boia-fria/diarista; exercia atividade de roçada de pasto, fazia cerca; ele também trabalhava na Fazenda Ouro Fino; ele ganhava por dia trabalhado ou por empreita; na parte arrendada ele plantava manualmente milho, feijão, arroz; não criava animais; vendia um pouco daquilo que colhia; vendia em Guaraniaçu ou em Campo Bonito, não sabe para quem; que viu ele exercendo atividade de roçar pasto, fazendo cerca; não tinha empregados; não contratava boia-fria ou diaristas; não tinha terras próprias, não arrendava outras áreas; não tinha outras atividades fora das mencionadas, não tinha renda que não fosse proveniente da atividade agrícola; os filhos do justificante estudavam na escola da Fazenda Ouro Fino e Sertãozinho; a esposa do justificante cuidava da casa; não sabe se ele tinha contrato com os donos das terras; que eram vizinhos do justificante o Sr. Carlos Simão, Sr. Ivanir Talioto, eram sitiantes do local; que o justificante morou em torno de 6 ou 7 anos em cada Fazenda, depois ele mudou para a cidade de Cascavel/PR; que o declarante mudou do local durante o ano de 1991/1992.
Finalmente, DOMINGOS BORGES DE LIMA esclareceu o seguinte:
Que conheceu o justificante durante o ano de 1976, ele era solteiro, não sabe se ele casou, não sabe se ele tem filhos, ele morava nas vilas de Campo Bonito/PR, não sabe com quem ele morava, ele trabalhava de boia-fria, ganhava por dia; ele trabalhava de boia-fria na Fazenda Ouro Fino, Agrinco, viu ele carpindo, limpando roça de soja, milho, colhendo; depois ele tocou roça na Fazenda Cananeia e Fazenda São Francisco, pagava porcentagem, ele plantava milho, feijão; ele não tinha empregados, não contratava boia-fria ou diaristas; não tinha terras próprias; ele não tinha outra atividade ou fonte de renda; conheceu os pais do justificante, Sr. Antônio Barbosa e a Sra. Isaura Ferreira; que o declarante morou em Campo Bonito até o ano de 1984, depois mudou para Guaraniaçu, onde ficou uns dez anos, depois foi para Quedas do Iguaçu, mora em Cascavel há cerca de um ano e pouco; que o declarante não sabe quanto tempo o justificante exerceu essa atividade ou até quando ele morou no local.
O INSS reconheceu o exercício da atividade rural apenas no período de 16/08/1980 (data da certidão de casamento) a 31/12/1985, porque somente uma testemunha (JOSÉ MARIA ALVES) presenciou o labor rural após 1985 (evento 32, PROCADM1, p. 91).
Contudo, entendo que o marco inicial da contagem do tempo de serviço rural pode ser retroagido, no mínimo, até 23/08/1978 - data do documento mais antigo (certidão de nascimento do irmão do autor) acostado no processo.
Não obstante, entendo que neste caso em particular é possível considerar o início da atividade rural em data anterior ao documento mais antigo (Súmula nº 577/STJ), tendo em vista: (a) que na data do documento mais antigo a parte autora contava com 22 (vinte e dois) anos; (b) que a parte autora não cursou o ensino básico; (c) que a parte autora é o primogênito de uma família de 6 (seis) irmãos (d) que consta sua qualificação como "lavrador" em documento próprio desde o ano de 1980 até 1991 (certidões de nascimento dos filhos); (e) as testemunhas Valdevino e Domingos afirmam que conheceram a parte autora no ano de 1976, quando ele morava com os pais no meio rural de Guaraniaçu/PR.
Por outro lado, não há óbice que o marco final da atividade rural seja posterior a 31/12/1985, notadamente pela farta prova documental que instruiu o feito e que foi produzida após tal data (v. g. certidões de nascimento e notas fiscais de produtos agrícolas).
Por tais razões, elasteço o período de atividade rural já reconhecido, fixando como marco inicial em 01/01/1976 (ano no qual duas testemunhas afirmam ter conhecido a parte autora) e final em 31/10/1991, data a partir da qual é necessário o recolhimento de contribuições para averbação.
Portanto, somado o período de atividade rural já reconhecido pelo INSS, a parte autora conta com 15 (quinze) anos e 10 (dez) meses de tempo de serviço rural anterior à competência de novembro/1991.
No caso dos autos, considerando as circunstâncias em que o trabalho de boia-fria/diarista era realizado, justifica-se a mitigação do início de prova material. Restou pacificado pela jurisprudência o entendimento de que "(...) é assegurada a condição de segurado especial ao trabalhador rural denominado "boia-fria" (REsp 1674064/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 30/06/2017). Assim, conquanto a atividade rural não tenha sido exercida em regime de economia familiar, os documentos em nome do pai do autor, que comprovam a profissão de lavrador, devem ser valorados em consonância com a prova oral, indicando que o pai e o autor eram trabalhadores rurais sem vínculo empregatício. Por sua vez, a farta documentação relativa ao autor, apontando que sempre laborou na agricultura, conforma o lastro probatório mínimo exigido pela legislação previdenciária para a comprovação do tempo de serviço rural. As provas documentais, conquanto não se refiram a todo o período requerido, foram complementadas por prova testemunhal firme e coerente, hábil a produzir o convencimento quanto ao efetivo exercício do labor rural, sem interrupção, no período de 01/01/1976 a 15/08/1980.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS e não conhecer da remessa necessária.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 03/10/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5001948-49.2015.4.04.7005/PR
ORIGEM: PR 50019484920154047005
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Eduardo Kurtz Lorenzoni |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | MIGUEL BARBOSA |
ADVOGADO | : | CAROLINA CELICIA PICCININ BORGES |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/10/2017, na seqüência 217, disponibilizada no DE de 18/09/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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