APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5008452-14.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | LUIZ CARLOS COLTRES |
ADVOGADO | : | JOABI MARTINS |
: | EDSON LOPES DE DEUS | |
APELADO | : | OS MESMOS |
EMENTA
previdenciário. aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. segurado trabalhador rural. tempo de atividade anterior à lei nº 8.213/1991. limite de idade. razoável início de prova material. princípio do livre convencimento motivado. documentos em nome de terceiros. prova oral harmônica e coerente. tempo de serviço posterior à lei nº 8.213/1991 na condição de empregado rural volante (boia-fria). ausência de prova da relação de emprego. tempo de serviço posterior à lei nº 8.213/1991 na condição de segurado especial. exigência de recolhimento de contribuição facultativa.
1. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
2. Embora o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 refira-se apenas ao trabalhador rural, a jurisprudência entende que abarca, além do arrimo de família, único segurado abrangido pelo regime do antigo FUNRURAL, todos os membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
3. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
7. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
8. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
9. O testemunho de referência possui a mesma credibilidade que o presencial, devendo ser avaliados os fatos cuja ciência se deu por meio de terceiros diante das demais provas coligidas aos autos. Se o conjunto probatório é coerente, a testemunha referencial é tão hábil para formar o convencimento do juízo quanto a presencial.
10. Presume-se a continuidade na atividade rural até a data do evento modificativo, em consonância com o início de prova material e a prova testemunhal.
11. O exercício de atividade rural pelo trabalhador conhecido como diarista, volante ou boia-fria caracteriza-se, geralmente, pela eventualidade da relação de trabalho. Por isso, na condição de pessoa física que presta serviço eventual de natureza rural, em um mesmo período ou em períodos diferentes, sem relação de emprego, a uma ou mais empresas ou contribuintes individuais, em fazendas, sítios ou chácaras, enquadra-se na categoria de contribuinte individual. Logo, o reconhecimento do tempo de serviço, a partir de novembro de 1991, exige o recolhimento de contribuição previdenciária, exceto quando for requerido o benefício de aposentadoria por idade previsto no art. 143 da Lei nº 8.213/1991.
12. O trabalho do safrista, volante, eventual ou temporário rural pode também caracterizar a relação de emprego, em conformidade com as Instruções Normativas INSS/DC nº 68/2002, nº 71/2002, nº 95/2003 e 118/2005, desde que o vínculo esteja documentado por meio de registro do contrato na carteira de trabalho, acordo coletivo de trabalho, declaração do empregador ou recibos de pagamento contemporâneos ao fato alegado, com a necessária identificação do empregador. O reconhecimento do tempo de serviço posterior à Lei nº 8.213/1991 não prescinde de prova documental do vínculo empregatício.
13. Para que o segurado especial perceba aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, deve recolher a contribuição facultativa de que trata o art. 21 da Lei nº 8.212/1991 (Lei de Custeio da Previdência Social), no percentual de 20% sobre o salário de contribuição. A Lei de Benefícios não considera a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural para efeito de concessão de outros benefícios, salvo os enumerados no inciso I do art. 39 (aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão e auxílio-acidente). Entendimento consolidado na Súmula nº 272 do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de agosto de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9120103v18 e, se solicitado, do código CRC 3C9CACBB. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5008452-14.2014.4.04.7003/PR
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RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar o INSS a averbar em favor do autor, como tempo de serviço rural em regime de economia familiar, o período de 26/10/66 a 31/12/71, exceto para fins de carência.
O INSS aduz que não foi apresentado início de prova material para a comprovação do tempo de serviço rural, contemporâneo ao período reconhecido na sentença; além disso, as informações contidas nos documentos consistem em mera declaração em cartório. Sustenta que o boia-fria deve contribuir para a Previdência, pois esse trabalhador rural percebe remuneração por diárias realizadas em cada propriedade, não se enquadrando na qualidade de segurado especial, mas sim na de contribuinte individual. Alega que o autor não faz jus ao benefício pretendido, visto que o princípio constitucional da equivalência dos benefícios rurais e urbanos submete-se ao princípio da prévia fonte de custeio e do equilíbrio atuarial. Pede que, no tocante aos índices de correção monetária e aos juros de mora, seja aplicado o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009.
O autor insurge-se contra o não reconhecimento do exercício de atividade rural em regime de economia familiar entre 01/01/1972 a 15/05/1979, em que trabalhou como porcenteiro, alegando que apresentou início de prova material relativo ao período, confirmada pelas testemunhas ouvidas na justificação administrativa. Argumenta que a testemunha Maria do Carmo Medeiros não mencionou o trabalho rural do autor somente até 1971, dizendo que o autor e sua família trabalhavam em atividade rural e, quando se mudaram do local onde a testemunha residia, foram para outra fazenda localizada no município de Mandaguari/PR. Aduz que os documentos acostados provam a permanência do trabalho no campo, presumindo-se a continuidade na atividade rural até o evento modificativo ocorrido em 16/05/1979, quando o autor passou a trabalhar como empregado urbano. Esgrime que não pode ser exigida prova exaustiva referente a todos os anos, pois isto inviabilizaria o reconhecimento do direito do trabalhador rural, tendo em vista a grande dificuldade de levantar tais documentos. Em relação aos períodos de 21/10/94 a 14/05/95, 26/01/96 a 31/05/2001, 28/11/2001 a 23/04/2002, 19/10/2002 a 24/04/2003, 17/10/2003 a 02/05/2004, 01/06/2005 a 08/04/2007, sustenta a desnecessidade de indenização para o reconhecimento do exercício de atividade rural, visto que o trabalhador chamado de boia-fria deve ser considerado empregado, de modo que o recolhimento das contribuições previdenciárias cabe ao empregador. Aventa que o INSS, a teor das Instruções Normativas INSS/DC nº 68/2002 (artigo 27), INSS/DC nº 71/2002 (alínea "c" do inciso I do artigo 4º) e INSS/DC nº 95/2003 (alínea "c" do inciso I do artigo 2º), qualifica o boia-fria/volante como empregado. Invoca o disposto no art. 14-A da Lei nº 5.889/1973, incluído pela Lei nº 11.718/2008, que atribui ao empregador a responsabilidade pelo recolhimento da contribuição incidente sobre a contratação de trabalhador rural por pequeno prazo. Defende a possibilidade de contagem do tempo de serviço entre 08/12/2007 a 31/03/2010 e 01/03/2012 a 27/05/2014, em que trabalhou como porcenteiro, porquanto recolheu a contribuição sobre a comercialização dos produtos rurais, conforme as notas fiscais de venda da produção agrícola. Pleiteia o deferimento da aposentadoria por tempo de contribuição, com data de início na DER (30/01/2014), ou ainda a reafirmação da DER, se necessário.
Com contrarrazões oferecidas pelo INSS, vieram os autos a esta Corte, ainda, por força da remessa necessária, tratando-se de sentença proferida sob a égide do antigo CPC.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9120101v17 e, se solicitado, do código CRC 18E11DFD. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5008452-14.2014.4.04.7003/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
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APELANTE | : | LUIZ CARLOS COLTRES |
ADVOGADO | : | JOABI MARTINS |
: | EDSON LOPES DE DEUS | |
APELADO | : | OS MESMOS |
VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Tempo de serviço rural anterior à Lei nº 8.213/1991
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
Embora o dispositivo refira-se apenas ao trabalhador rural, a jurisprudência entende que abarca, além do arrimo de família, único segurado abrangido pelo regime do antigo FUNRURAL, todos os membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial. O art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991, define como segurado especial o produtor rural que exerça suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o eventual auxílio de terceiros, o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA 343/STF. INAPLICABILIDADE. CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RGPS. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. É inaplicável a Súmula 343/STF quando a questão controvertida possui enfoque constitucional.
2. Dispensa-se o recolhimento de contribuição para averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar, relativo a período anterior à Lei n. 8.213/1991, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
3. Ação rescisória procedente.
(AR 3.397/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2012, DJe 19/11/2012)
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto de forma retrospectiva como prospectiva.
Ainda no tocante à matéria de comprovação do tempo de serviço rural, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural em regime de economia familiar pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Análise do caso concreto quanto ao período anterior à Lei nº 8.213/1991
A parte autora, nascida em 26/10/1954, pleiteou o reconhecimento e a averbação do tempo de atividade rural exercido no período de 26/10/1966 a 15/05/1979. Foram apresentados os seguintes documentos no processo administrativo (evento 1, certcas6 e evento 6, procadm1 e 2):
a) certidão de casamento do autor, informando a sua profissão de lavrador, datada de 1975;
b) certidão de nascimento do filho do autor, informando a sua profissão de lavrador, datada de 1976;
c) certidão de casamento de Lázaro Coltres, irmão do autor, datada de 1965, informando a profissão de lavrador do pai e do nubente.
Na justificação administrativa (evento 35), foram ouvidas três testemunhas e tomado o depoimento do autor.
A testemunha Maria do Carmo Medeiros relatou: que o conheceu por volta do ano de 1966, quando começou a trabalhar como alfabetizadora do projeto MOBRAL na Escola Rural John Kennedy e passou a dar aulas para o justificante. Nesta época o justificante tinha por volta uns 10 ou 11 anos de idade e já trabalhava com os pais que eram parceiros agrícolas na propriedade do Sr. Aparecido Luviseto na Estrada Vitória de São Pedro, por volta do km 11 no município de Mandaguari/PR, que o justificante trabalhava de dia na roça e frequentava a escola à noite. Sabe que a família tocava café e plantavam feijão, milho para o sustento da família, que era uma família bem grande, uns 08 irmãos e todos moravam com os pais, que a testemunha presenciou o trabalho do justificante, pois também era vizinha deles e a escola rural ficava próxima à propriedade em que eles trabalhavam. Acha que o justificante morou ali uns 05 anos, quando foram morar e trabalhar na propriedade do Sr. Geraldo Figueiredo entre Jandaia do Sul e Mandaguari/PR e a testemunha ficou mais distante da família do justificante. Não sabe informar se o justificante trabalhava como porcenteiro ou empregado ali, sabe apenas que ele e sua família passaram a morar naquela fazenda. Que o justificante e sua família se mudavam muito, que a testemunha perdeu um pouco o contato com a família do justificante, sempre ficava sabendo deles quando os encontrava na igreja ou nas festas, sabe que continuava trabalhando na atividade rural, mas não presenciou mais o seu trabalho. Dada a palavra ao procurador, foi perguntado o nome dos pais e dos irmãos do justificante, a testemunha respondeu: que os pais do justificante se chamavam Antônio Cortes e D. Conceição Aparecida Cortes e os irmãos lembra o nome de alguns: Lázaro, Vicente, João, Benedito e Bendita; perguntou ainda se recorda do nome de alguns vizinhos da propriedade em que o justificante trabalhava quando o conheceu e a testemunha respondeu que: sim, o Sr. João Baptista Medeiros e Manoel Reine.
As testemunhas Zelina Merli Muchiny e Sidney Rosseto, por sua vez, informaram ter conhecido o autor em 2005 e 2007, respectivamente, não dizendo acerca de períodos anteriores.
O autor, ouvido como justificante, disse: declara que começou a trabalhar na atividade rural no ano de 1966, com uns 11 ou 12 anos de idade, na propriedade do Sr. Aparecido Luviseto na Estrada Vitória de São Pedro km 12, onde os pais do justificante Sr. Antônio e D. Conceição Aparecida eram porcenteiros na lavoura de café, uns 03 mil pés, com a ajuda do justificante e três irmãos dele: João Donizete, Antônio e Lázaro, que tem outros irmãos mas os outros já eram casados e não moravam com eles, não havia empregados. Que a família morou e trabalhou ali entre 1966 a 1971, quando se mudaram para a fazenda do Sr. Geraldo Figueiredo, onde atualmente é a granja, na BR 376 entre Mandaguari e Jandaia do Sul/PR, onde foi trabalhar como diarista na lavoura de café, que nesta época o justificante tinha uns 18 ou 20 anos de idade e era solteiro, que trabalhou ali por uns 02 anos e passou a trabalhar para o Sr. Adelino Godoi, na Estrada Caitu, km 05 ou 06 em Mandaguari/PR, também na lavoura de café como porcenteiro, que o contrato era verbal entre o proprietário e o pai do justificante, ali tocavam 3.500 pés de café somente com a família, o justificante e os irmãos já citados, que não havia contratação de empregados nem troca de dias entre vizinhos, que a família tinha que se virar para dar conta do serviço, pois não tinham condições de pagar empregados. Que trabalharam para o Sr. Adelino até o final de 1975, quando o justificante se casou e passou a trabalhar para o Sr. Eduardo Marques de Moraes na Estrada Cambota, km 08, município de Mandaguari/PR, onde passou a tocar café em porcentagem com contrato em seu próprio nome, que também plantava milho e feijão para a despesa, que ali tocava uns 2.500 pés de café somente com a ajuda da esposa, que morou e trabalhou ali de 1977 até 1979. Que em 1979 se mudou para a cidade de Mandaguari/PR e foi trabalhar com registro na carteira para os Corazza como servente, mas ficou somente um mês trabalhando ali e foi trabalhar na fábrica de macarrão, que trabalhou na cidade por uns 06 anos, foi trabalhar no corte de cana com registro na carteira por uns 03 anos e passou a trabalhar na Romagnole até por volta de 1987, quando voltou a trabalhar na atividade rural na cooperativa com registro na carteira até mais ou menos 2004, que neste período trabalhou também como diarista rural sem registro. (...)
A prova oral colhida na justificação administrativa, fundada em razoável início de prova material, foi convincente, confirmando a atividade agrícola do autor em regime de economia familiar, na condição de porcenteiro na lavoura de café, em imóveis rurais pertencentes a terceiros.
Em que pese a testemunha Maria do Carmo Medeiros tenha dito que a convivência com a família deixou de ser rotineira depois de 1971, asseverou a continuidade do trabalho rural do autor e de sua família, pois encontrava-os ocasionalmente na igreja e em festas. O testemunho de referência possui a mesma credibilidade que o presencial, devendo ser avaliados os fatos cuja ciência se deu por meio de terceiros diante das demais provas coligidas aos autos. Se o conjunto probatório é coerente, a testemunha referencial é tão hábil para formar o convencimento do juízo quanto a presencial. Uma vez que existe início de prova material comprovando o trabalho agrícola após 1971 (certidão de casamento do autor e certidão de nascimento do seu filho), presume-se a continuidade na atividade rural até a data em que o autor passou a trabalhar como empregado urbano, com registro na carteira de trabalho.
Dessa forma, tenho por comprovado o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, sem interrupção, no período de 26/10/1966 (quando o autor completou 12 anos de idade) até 15/05/1979. Por conseguinte, reconheço o tempo de atividade rural entre 01/01/1972 a 15/05/1979 e determino a sua averbação para o fim de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
Tempo de serviço rural posterior à Lei nº 8.213/1991 na condição de empregado rural volante (boia-fria)
O autor busca o reconhecimento do tempo de serviço rural relativo aos períodos de 21/10/94 a 14/05/95, 26/01/96 a 31/05/2001, 28/11/2001 a 23/04/2002, 19/10/2002 a 24/04/2003, 17/10/2003 a 02/05/2004, 01/06/2005 a 08/04/2007, em que trabalhou como boia-fria (diarista). Alega, em síntese, que o boia-fria é empregado rural, cabendo ao empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias.
O exercício de atividade rural pelo trabalhador conhecido como diarista, volante ou boia-fria caracteriza-se, geralmente, pela eventualidade da relação de trabalho. Por isso, na condição de pessoa física que presta serviço eventual de natureza rural, em um mesmo período ou em períodos diferentes, sem relação de emprego, a uma ou mais empresas ou contribuintes individuais, em fazendas, sítios ou chácaras, enquadra-se na categoria de contribuinte individual. Logo, o reconhecimento do tempo de serviço, a partir de novembro de 1991, exige o recolhimento de contribuição previdenciária, exceto quando for requerido o benefício de aposentadoria por idade previsto no art. 143 da Lei nº 8.213/1991.
No entanto, ainda que a duração do contrato dependa das variações da atividade agrária, o trabalho do safrista, volante, eventual ou temporário rural pode caracterizar a relação de emprego. As Instruções Normativas INSS/DC nº 68/2002, nº 71/2002, nº 95/2003 e 118/2005 preveem o enquadramento como empregado do trabalhador rural safrista, volante, eventual ou temporário, desde que o vínculo estivesse documentado. Para esse efeito, admite-se o registro do contrato na carteira de trabalho, o acordo coletivo de trabalho, a declaração do empregador ou os recibos de pagamento contemporâneos ao fato alegado, com a necessária identificação do empregador. Cuidando-se de vínculo empregatício, a exigência de início de prova material é mais rigorosa.
Por sua vez, a Instrução Normativa INSS/PRES nº 11/2006 considera trabalhador volante o que presta serviço a agenciador de mão de obra constituído como pessoa jurídica; porém, se o agenciador não estiver constituído como pessoa jurídica, ambos (trabalhador e agenciador) serão considerados empregados do tomador de serviços. Observa-se que, no período de 09/03/1992 (OS/INSS-DISES nº 078/92) a 24/11/1994 (OS/INSS/DSS nº 456/94), o prestador de serviços, sob forma de agenciamento de mão de obra de natureza agrária para produtores rurais, era considerado autônomo, caso não estivesse constituído juridicamente como empresa.
Pois bem. O autor, conquanto assevere que trabalhou como empregado rural volante (boia-fria), não apresentou qualquer início de prova material, sendo que as Instruções Normativas citadas admitem até mesmo a declaração do empregador, comprovada mediante apresentação dos documentos originais, que serviram de base para sua emissão, confirmando o vínculo empregatício. Não bastando a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação de vínculo empregatício, não procede o pedido de reconhecimento do tempo de serviço rural relativo ao período em que o autor alega haver trabalhado como empregado rural volante (boia-fria).
Tempo de serviço rural posterior à Lei nº 8.213/1991 na condição de segurado especial
O autor defende a possibilidade de contagem do tempo de serviço entre 08/12/2007 a 31/03/2010 e 01/03/2012 a 27/05/2014, em que trabalhou como porcenteiro, porquanto recolheu a contribuição sobre a comercialização dos produtos rurais.
A legislação previdenciária prevê a contagem do tempo de serviço do segurado trabalhador rural, sem o recolhimento das contribuições, salvo para efeito de carência, somente do período anterior a novembro de 1991, considerado para esse efeito como data de vigência da Lei nº 8.213/1991, conforme o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, e o art. 58, inciso X, do Decreto nº 357/1991.
O § 2º do artigo 55 deve ser interpretado em consonância com o disposto no artigo 39 da Lei nº 8.213/1991, in verbis:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; ou (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013)
II - dos benefícios especificados nesta Lei, observados os critérios e a forma de cálculo estabelecidos, desde que contribuam facultativamente para a Previdência Social, na forma estipulada no Plano de Custeio da Seguridade Social.
Para que o segurado especial perceba aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, deve recolher a contribuição facultativa de que trata o art. 21 da Lei nº 8.212/1991 (Lei de Custeio da Previdência Social), no percentual de 20% sobre o salário de contribuição. A Lei de Benefícios não considera a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural para efeito de concessão de outros benefícios, salvo os enumerados no inciso I do art. 39 (aposentadoria por idade ou por invalidez, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão e auxílio-acidente). Esse é o entendimento consolidado do STJ:
O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas.
(Súmula 272, Terceira Seção, julgado em 11/09/2002, DJ 19/09/2002, p. 191)
Importa salientar que a Lei de Benefícios concede uma faculdade ao segurado especial, caso queira contar o tempo de atividade rural ulterior à Lei nº 8.213/1991 como tempo de serviço/contribuição.
Não procede, portanto, o pedido de reconhecimento de tempo de serviço rural posterior à Lei nº 8.213/1991 na condição de segurado especial.
Requisitos para a aposentadoria por tempo de contribuição
Na data do requerimento administrativo (07/03/2014), o INSS computou o tempo de contribuição de 17 anos, 06 meses e 20 dias e a carência de 193 meses.
O tempo de serviço rural reconhecido em juízo, no período de 26/10/1966 a 15/05/1979, perfaz 12 anos, 06 meses e 20 dias.
A soma do tempo de serviço reconhecido judicialmente e na via administrativa resulta em 30 anos, 01 mês e 10 dias.
Nessas condições, a parte autora, em 07/03/2014 (DER), não tinha direito à aposentadoria por tempo de contribuição, porque não preenchia o tempo mínimo de 35 anos de contribuição.
Conclusão
Dou parcial provimento à apelação do autor, para reconhecer o tempo de atividade rural em regime de economia familiar no período de 01/01/1972 a 15/05/1979 e determinar a sua averbação para o fim de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, exceto para fins de carência.
Nego provimento à apelação do INSS e à remessa necessária.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação do INSS e à remessa necessária.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/08/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5008452-14.2014.4.04.7003/PR
ORIGEM: PR 50084521420144047003
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELANTE | : | LUIZ CARLOS COLTRES |
ADVOGADO | : | JOABI MARTINS |
: | EDSON LOPES DE DEUS | |
APELADO | : | OS MESMOS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/08/2017, na seqüência 97, disponibilizada no DE de 15/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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