APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014798-21.2013.4.04.7001/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | LUZIA LUIZA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
: | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA | |
: | ALEXANDRE DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
previdenciário. prescrição. suspensão durante a tramitação do procedimento administrativo. revisão de aposentadoria por tempo de contribuição. segurado trabalhador rural. tempo de atividade anterior à lei nº 8.213/1991. limite de idade. razoável início de prova material. princípio do livre convencimento motivado. documentos em nome de terceiros. prova oral harmônica e coerente. consectários legais. data de início do benefício.
1. Durante a tramitação do procedimento administrativo, não corre o prazo de prescrição. Entendimento em consonância com o parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991 e o art. 4º do Decreto nº 20.910/32, que prevê a suspensão do prazo prescricional pela demora na apreciação do requerimento administrativo.
2. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
3. Embora o § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 refira-se apenas ao trabalhador rural, a jurisprudência entende que abarca, além do arrimo de família, único segurado abrangido pelo regime do antigo FUNRURAL, todos os membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei.
4. Até o advento da Lei nº 8.213/1991, pode ser reconhecida a prestação de serviço rural por menor a partir de doze anos de idade.
5. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ.
6. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido.
7. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental.
8. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ.
9. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte.
10. A prova oral complementa os subsídios colhidos dos elementos materiais de prova, devendo formar um conjunto probatório coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
11. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos.
12. A fim de possibilitar o prosseguimento do processo, a decisão final sobre os consectários legais deve ser relegada para a fase de cumprimento da sentença, após o julgamento do RE nº 870.947/SE.
13. A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991.
14. Entender que o termo inicial do benefício deve corresponder à data do requerimento administrativo de revisão, porque a prova da atividade rural foi apresentada somente naquela ocasião, implica conceber o surgimento do direito como decorrência da comprovação cabal da sua existência. Se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da autora e dar parcial provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 28 de agosto de 2017.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
| Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9124839v11 e, se solicitado, do código CRC F5F444B0. | |
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APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014798-21.2013.4.04.7001/PR
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
APELANTE | : | LUZIA LUIZA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
: | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA | |
: | ALEXANDRE DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Trata-se de apelação interposta contra sentença que: a) reconheceu a prescrição quinquenal das parcelas anteriores a 17/10/2008; b) julgou extinto o processo sem resolução de mérito em relação ao pedido de reconhecimento da atividade rural no período de 01/01/1980 a 31/12/1980, em virtude da falta de interesse processual; c) julgou parcialmente procedente o pedido para: c.1) reconhecer que o falecido autor, Hélio Cardoso de Oliveira, sucedido na demanda por Luzia Luiza de Oliveira, laborou como rurícola no período de 25/07/1963 a 31/12/1969, correspondente a 06 anos, 05 meses e 07 dias; c.2) condenar o INSS a efetuar a revisão da renda mensal inicial do benefício NB 133.002.973-6, computando o tempo de atividade rural, e a pagar as diferenças desde a data do pedido de revisão do benefício (18/11/2011), com correção monetária pelo INPC e juros de mora de 0,5% ao mês, a contar da citação.
A autora insurge-se contra o não reconhecimento do tempo de atividade rural entre 01/01/1982 a 01/01/1985, aduzindo que os documentos apresentados demonstram a vocação rural do falecido e sua família desde longa data. Sustenta que não cabe exigir prova documental abrangendo todo o período pretendido, pois o contexto social em que se encontravam inseridos os trabalhadores campesinos impedia a formalização do trabalho e sua consequente comprovação. Alega que a prova documental deve ser valorada conjuntamente com a testemunhal, aplicando-se o princípio da continuidade do trabalho rural. Salienta que o primeiro vínculo empregatício com anotação em CTPS se deu em 02/01/1985 e a testemunha Júlio dos Santos afirmou que o falecido Hélio trabalhou no meio rural até o ano de 1985, quando foi trabalhar na cidade. Discorda da determinação de pagamento das diferenças desde o pedido de revisão aforado em 18/11/2011, afirmando que a comprovação do direito em juízo não altera o dever do INSS de pagar as diferenças devidas desde a data do requerimento da aposentadoria, visto que todos os períodos já haviam sidos incorporados no patrimônio jurídico do titular em momento anterior à aposentação e a legislação estabelece que a DIB da aposentadoria por tempo de contribuição é a data do requerimento administrativo. Argumenta que a prescrição fica suspensa durante a tramitação do procedimento administrativo. Requer, ainda, que seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, tal como requerido na petição de habilitação (evento 43).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte, ainda, por força da remessa necessária, nos termos do art. 475, inciso I, do antigo CPC.
É o relatório. Peço dia.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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VOTO
O Sr. Desembargador Federal
AMAURY CHAVES DE ATHAYDE (Relator):
Prescrição
Nos termos do parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991, prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social.
Por sua vez, a interrupção da prescrição, consoante o § 1º do art. 219 do antigo CPC e o § 1º do art. 240 do CPC em vigor, retroage à data da propositura da demanda.
Havendo pedido de revisão do benefício, não corre o prazo de prescrição durante a tramitação do procedimento administrativo. Esse entendimento decorre não somente do que dispõe o parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/1991, como também o art. 4º do Decreto nº 20.910/32, que prevê a suspensão do prazo prescricional pela demora na apreciação do requerimento administrativo. Nesse sentido, a decisão desta Corte:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CAUSA SUSPENSIVA. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. COMPROVAÇÃO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. RECONHECIMENTO. REAFIRMAÇÃO DA DER. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. ARTIGO 462 DO CPC. POSSIBILIDADE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 76 DESTE TRIBUNAL. APLICAÇÃO.
1. O requerimento administrativo é causa suspensiva da prescrição. A suspensão mantém-se durante o período de tramitação do processo administrativo, até a comunicação da decisão ao interessado. Na verificação da prescrição quinquenal, computa-se, retroativamente, o lapso decorrido entre o ajuizamento da ação e a comunicação da decisão administrativa, exclui-se o período de tramitação do processo administrativo, e conta-se o tempo decorrido anteriormente ao requerimento administrativo. Precedentes do STJ e desta Corte.
(...)
(TRF4, APELREEX 5003903-90.2012.404.7209, SEXTA TURMA, Relator (AUXÍLIO VÂNIA) PAULO PAIM DA SILVA, juntado aos autos em 13/04/2015)
Dessa forma, na contagem do prazo prescricional deve ser excluído o período de tramitação do processo administrativo, computando-se o lapso decorrido entre o ajuizamento da ação, a comunicação da decisão sobre o pedido de revisão do benefício e o tempo anterior ao requerimento administrativo.
No caso dos autos, a ação foi ajuizada em 17/10/2013. A comunicação do segurado acerca do pedido de revisão do benefício, protocolado em 18/11/2011, ocorreu em 16/01/2012. Desconsiderando-se o período de tramitação do requerimento de revisão (01 mês e 28 dias), restam prescritas as parcelas anteriores a 19/08/2008. Assim, procede o apelo quanto ao ponto.
Tempo de serviço rural
Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência.
Embora o dispositivo refira-se apenas ao trabalhador rural, a jurisprudência entende que abarca, além do arrimo de família, único segurado abrangido pelo regime do antigo FUNRURAL, todos os membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial. O art. 11, inciso VII, da Lei nº 8.213/1991, define como segurado especial o produtor rural que exerça suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o eventual auxílio de terceiros, o cônjuge ou companheiro e filhos maiores de dezesseis anos ou a ele equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA 343/STF. INAPLICABILIDADE. CONTAGEM DO TEMPO DE SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR PARA APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. RGPS. RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE.
1. É inaplicável a Súmula 343/STF quando a questão controvertida possui enfoque constitucional.
2. Dispensa-se o recolhimento de contribuição para averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar, relativo a período anterior à Lei n. 8.213/1991, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS).
3. Ação rescisória procedente.
(AR 3.397/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/10/2012, DJe 19/11/2012)
A idade mínima de dezesseis anos referida no inciso VII do art. 11 da Lei de Benefícios considera a redação do inciso XXXIII do art. 7º da Constituição, dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Em relação ao período anterior à Lei nº 8.213/1991, a jurisprudência admite o reconhecimento da atividade rural, em regime de economia familiar, exercida por menor a partir dos doze anos, pois as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo e não para não prejudicá-lo. Colaciono julgado do STJ amparando esse entendimento:
AGRAVO INTERNO. PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO NO ÂMBITO DO AGRAVO INTERNO. IMPOSSIBILIDADE. RURÍCOLA. LABOR DE MENOR DE 12 ANOS DE IDADE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
3. É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento no sentido da possibilidade de cômputo do labor rural comprovadamente desempenhado por menor de doze anos de idade.
4. Agravo ao qual se nega provimento.
(AgRg no REsp 1150829/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2010, DJe 04/10/2010)
Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não aceitando prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. A legalidade da norma é corroborada pela jurisprudência do STJ, consoante a Súmula nº 149: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário". Em julgado mais recente, apreciado sob a sistemática dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento no Tema nº 297 (REsp 1133863/RN, 3ª Seção, Rel. Ministro Celso Limongi, julgado em 13/12/2010, DJe 15/04/2011).
Entende-se que a tarifação da prova imposta pelo § 3º do art. 55 da Lei de Benefícios dirige-se apenas à prova exclusivamente testemunhal. Portanto, o início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo cárater é meramente exemplificativo. Qualquer meio material que evidencie a ocorrência de um fato, aceito no processo judicial, é hábil à demonstração do exercício da atividade rural. Dessa forma, os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. Assim, representam início de prova material as certidões de casamento, nascimento, alistamento no serviço militar, do registro de imóveis e do INCRA, escritura de propriedade rural, histórico escolar, declaração da Secretaria de Educação, entre outros documentos públicos.
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rural nos intervalos próximos ao período efetivamente documentado, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso. A extensão da validade do início da prova material foi objeto da Súmula nº 577 do STJ, in verbis: "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório". Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que a prova testemunhal amplie sua eficácia probatória, tanto retrospectiva como prospectiva.
Ainda no tocante à matéria de comprovação do tempo de serviço rural, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Em suma, o exercício da atividade rural em regime de economia familiar pode ser comprovado por qualquer meio documental idôneo que propicie a formação de convencimento do julgador, não se exigindo a demonstração exaustiva dos fatos por todo o período requerido. O sistema de persuasão racional permite a livre valoração das provas, mas impõe ao juízo que examine a qualidade e a força probante do acervo colhido no processo, com base nas normas legais, motivando, assim, as razões pelas quais entendeu ou não comprovados os fatos. Nessa senda, a prova oral representa importante subsídio complementar ao início de prova material, devendo formar um conjunto probatório firme e coerente, sem indício de desempenho de atividade laboral urbana no período.
Caso concreto
A sentença acolheu o pedido de averbação do tempo de atividade rural exercido pelo falecido autor, Hélio Cardoso de Oliveira, entre 25/07/1963 a 31/12/1969, por estar demonstrada a atividade rural em regime de economia familiar, porém considerou insuficientes as provas quanto ao período de 01/01/1982 a 31/12/1985. Assinalo que, na via administrativa, já fora reconhecido o tempo de serviço rural entre 01/01/1970 a 31/12/1981.
Foram apresentados os seguintes documentos como início de prova material no processo administrativo e juntamente com a inicial:
a) certidão de casamento do falecido autor, em 20/09/1986, no qual é qualificado como lavrador (evento 7, procadm1, fl. 04);
b) título eleitoral datado de 06/08/1970, na qual consta sua profissão como lavrador (evento 7, procadm1, fl. 06);
c) declaração emitida pelo Ministério da Defesa, afirmando que o falecido autor informou a profissão de lavrador em 28/01/1970 (evento 7, procadm1, fl. 07);
d) declaração emitida pelo Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná, dando conta que o falecido afirmou exercer a profissão de lavrador em 14/09/1981, quando requereu a expedição da carteira de identidade (evento 7, procadm1, fl. 08);
e) certidão de nascimento, em 26/09/1963, de Ivani de Oliveira, irmã do falecido autor, na qual o pai é qualificado como lavrador (evento 7, procadm1, fl. 50);
f) certidão de nascimento, em 07/07/1964, de Ivete de Souza de Oliveira, irmã do falecido autor, na qual o pai é qualificado como lavrador (evento 7, procadm1, fl. 51);
g) certidão de nascimento, em 02/04/1966, de Adilson José de Oliveira, irmão do falecido autor, na qual o pai é qualificado como lavrador (evento 7, procadm1, fl. 52);
h) certidão de nascimento do autor, em 25/07/1951, na qual o pai é qualificado como lavrador (evento 1, out9, fl. 01).
Foi também produzida prova oral. A testemunha Júlio dos Santos informou que morava perto da fazenda onde o falecido autor e a família residiam, na Colônia Esperança; que a família do autor era grande; que eles tocavam cerca de 10.000 pés de café, trabalhando no sistema de porcentagem; que conheceu o falecido autor em 1963; que o autor continuou na atividade rural até ir para a cidade; que não sabe exatamente a data em que o autor deixou a fazenda, mas isso ocorreu entre 1980/1985 (evento 48, áudio2).
A testemunha Valmir Alexandre informou que conheceu o falecido autor desde 1963; que o autor trabalhava no sítio do Sebastião Cintra com a família, no sistema de porcentagem, tocando café; que ficou na região até 1970, quando foi para outro sítio, não sabendo informar a época que o falecido autor parou de trabalhar na lavoura (evento 48, áudio3).
A prova oral, fundada em razoável início de prova material, foi convincente, confirmando a atividade agrícola do falecido autor em regime de economia familiar, na condição de porcenteiro na lavoura de café, em imóveis rurais pertencentes a terceiros, no período de 25/07/1963 (quando o autor completou doze anos) a 31/12/1969.
Quanto ao período de 01/01/1982 a 31/12/1985, entendo que a ausência de prova documental não impede o reconhecimento do exercício da atividade rural. A presunção de continuidade do trabalho rural permite que sejam ampliados os efeitos probantes do início de prova material, com fundamento em prova testemunhal segura e convincente acerca da permanência e efetivo labor da parte no campo. No caso, a testemunha Júlio dos Santos não vacilou ao afirmar que o autor somente deixou a atividade rural quando passou a trabalhar na cidade. Conquanto a testemunha não tenha precisado a data em que o autor abandonou a agricultura, é comprensível o lapso de memória, considerando o largo espaço temporal decorrido desde a época em que o depoente conviveu com o autor (mais de trinta anos).
Dessa forma, tenho por comprovado o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, no período de 01/01/1982 a 31/12/1985, e determino a sua averbação para o fim de revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Data de início do benefício
A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria por idade, tempo de serviço/contribuição e especial é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõe o art. 49, inciso II, combinado com o art. 54 da Lei nº 8.213/1991.
Entender que o termo inicial do benefício deve corresponder à data do requerimento administrativo de revisão, porque a prova da atividade rural foi apresentada somente naquela ocasião, implica conceber o surgimento do direito como decorrência da comprovação cabal da sua existência. Tal exegese não se sustenta diante do disposto no art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, que fixa a data de início do pagamento da primeira prestação em até quarenta e cinco dias após a apresentação da documentação necessária para a concessão do benefício, pois a data de início do benefício não se confunde com a data do primeiro pagamento. Ora, se o segurado já havia cumprido todos os requisitos exigidos pela legislação para a concessão do benefício, o direito já estava aperfeiçoado e incorporado ao seu patrimônio jurídico no momento do pedido administrativo. Ademais, a prova do direito ao benefício não consiste em condição para o seu exercício, tanto que a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício, consoante o art. 105 da Lei nº 8.213/1991.
A propósito, cito julgado desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. REGRAS PERMANENTES. TUTELA ESPECÍFICA.
(...)
4. A data de início dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é a da entrada do requerimento administrativo do benefício (art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n° 8.213/91). O direito ao cômputo do tempo rural trabalhado representa o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico da segurado, cabendo ressaltar que tal entendimento subsiste ainda que ele não houvesse apresentado toda a documentação necessária à comprovação de seu direito naquela oportunidade. Assim, se ao postular o beneficio na via administrativa, o requerente já havia cumprido os requisitos necessários à sua inativação, estava exercendo um direito do qual já era titular, sendo que a comprovação posterior não compromete a existência do direito adquirido, nem lhe confere qualquer vantagem que já não estivesse em seu patrimônio jurídico.
(...)
(TRF4, AC 0023853-11.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 03/10/2014)
Assim, merece acolhimento o apelo da parte autora, devendo a revisão da renda mensal inicial retroagir à data de requerimento e de início do benefício (13/09/2004).
Correção monetária e juros
Analiso o ponto por força da remessa necessária.
No tocante à correção monetária, a sentença deixou de aplicar o artigo 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009, determinando o cômputo do INPC.
O STF, no julgamento das ADIs nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade do art. 100, § 12, da CF, com a redação dada pela EC nº 62/2009, em relação ao índice de correção monetária e, por arrastamento, declarou a inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Em julgamentos posteriores, a Suprema Corte evidenciou a abrangência temática dessa decisão, delimitando a inconstitucionalidade da correção monetária pela TR ao período compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Portanto, a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 limita-se à pertinência lógica entre esse dispositivo e o § 12 do art. 100 da CF, não implicando a alteração da disciplina dos juros de mora introduzida pela Lei nº 11.960/2009 e o afastamento da aplicação da TR como índice de correção monetária para apuração do montante devido ao credor.
Diante da controvérsia instaurada nos tribunais acerca da matéria, foi reconhecida a repercussão geral da questão relativa ao regime de correção monetária e juros moratórios incidente sobre as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública até a expedição do precatório, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009 (RE nº 870.947/SE e Tema nº 810).
Enquanto não for dirimida a controvérsia pelo STF, continua em pleno vigor o art. 5º da Lei nº 11.960/2009, incidindo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança para fins de correção monetária, remuneração do capital e compensação da mora no período anterior à expedição do precatório. Desse modo, se a sentença adotar índice de correção monetária e juros diverso do estabelecido pela Lei nº 11.960/2009, o processo necessariamente ficará sobrestado aguardando a decisão do STF.
Então, a fim de possibilitar o prosseguimento do processo, considerando os princípios da celeridade e da economia processual, a decisão final sobre os consectários legais deve ser relegada para a fase de cumprimento da sentença, quando será apurado o efetivo valor das parcelas vencidas, com o cômputo de atualização monetária e juros. O art. 491, inciso I, do CPC, admite essa solução, afastando a regra geral de fixação dos consectários na fase de conhecimento, caso não seja possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. Nesse sentido, o STJ enfrentou a matéria (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Se até o início do cumprimento de sentença não houver decisão no RE 870.947, é cabível a expedição de precatório consoante os índices de correção monetária e juros previstos na Lei nº 11.960/2009, diferindo-se para momento posterior ao julgamento do Tema nº 810 a decisão do juízo sobre a existência de eventuais diferenças remanescentes, caso o STF conclua pelo afastamento da TR.
Benefício da justiça gratuita
O pedido da autora está prejudicado, visto que foi deferido o benefício da justiça gratuita pelo juízo a quo (evento 65).
Conclusão
Dou provimento à apelação da autora, para: a) declarar a prescrição das parcelas anteriores a 19/08/2008; b) reconhecer o efetivo exercício do labor rural em regime de economia familiar, no período de 01/01/1982 a 31/12/1985, e determinar a sua averbação para o fim de revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição; c) determinar a retroação dos efeitos financeiros da revisão da renda mensal inicial à data de requerimento do benefício (13/09/2004).
Dou parcial provimento à remessa necessária, para que sejam adotados os índices de correção monetária e juros estabelecidos no art. 5º da Lei nº 11.960/2009, até que seja proferida a decisão definitiva na fase de cumprimento de sentença, após o julgamento do RE nº 870.947/SE.
Mantenho a condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas (Súmula nº 111/STJ).
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação da autora e dar parcial provimento à remessa necessária.
Desembargador Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 28/08/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5014798-21.2013.4.04.7001/PR
ORIGEM: PR 50147982120134047001
RELATOR | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
PRESIDENTE | : | Luiz Fernando Wowk Penteado |
PROCURADOR | : | Dr. Sérgio Cruz Arenhart |
APELANTE | : | LUZIA LUIZA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA |
: | HELDER MASQUETE CALIXTI | |
: | BRUNO ANDRÉ SOARES BETAZZA | |
: | ALEXANDRE DA SILVA | |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 28/08/2017, na seqüência 95, disponibilizada no DE de 15/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal AMAURY CHAVES DE ATHAYDE |
: | Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA | |
: | Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO |
Suzana Roessing
Secretária de Turma
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