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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INADEQUAÇÃO DA VIA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA CONTIDA NO ANEXO V DA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1...

Data da publicação: 07/07/2020, 06:39:15

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INADEQUAÇÃO DA VIA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA CONTIDA NO ANEXO V DA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1.769/17. PEDIDO DE ISENÇÃO DE IPI ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA DE QUE TRATA A LEI 8.989/95. FINALIDADE QUE NÃO SE COMPATIBILIZA AO DIREITO A SER NORMATIZADO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. 1. A vedação contida no parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85 não se aplica ao caso dos autos na medida em que o direito aqui discutido diz respeito ao regramento definido pela Instrução Normativa RFB nº 1.769, de 18 de dezembro de 2017, especialmente a legalidade da previsão contida no Anexo V da referida Instrução que, ao apresentar o modelo de Laudo de Avaliação Médica para a concessão do benefício previsto no inciso IV do art. 1º da Lei nº 8.989/95, exige que a deficiência seja atestada "por equipe (dois médicos) responsável pela área correspondente à deficiência e que prestem serviço para a Unidade Emissora do Laudo (UEL)". 2. É ilegal a exigência aposta no Anexo V da IN RFB nº 1.769/17 na medida em se caracteriza desarrazoada frente ao necessário para o exercício do direito assegurado às pessoas com deficiência pela Lei 8.989/95. O combate às fraudes verificadas no exercício de tal direito deve se dar pela via adequada, não sendo razoável que seja veiculado pela oposição de entraves formais que exacerbam a finalidade para a qual a formalidade se faz necessária. (TRF4 5019216-45.2017.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/02/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5019216-45.2017.4.04.7200/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pela UNIÃO em face da sentença que, acolhendo o pedido apresentado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, julgou procedente esta Ação Civil Pública para o fim de declarar a ilegalidade da "exigência constante no Anexo V da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017, de assinatura de dois médicos da mesma unidade do SUS para a realização do Laudo de Avaliação Física, sendo suficiente a subscrição por apenas um médico do SUS ou profissional conveniado, estendendo os efeitos de tal decisão para todas as pessoas com deficiência residentes no Estado de Santa Catarina", deferindo, ainda, tutela específica de obrigação de fazer "consistente na imediata exigência de laudo de avaliação da pessoa com deficiência por apenas um médico do SUS ou profissional conveniado".

Em suas razões recursais, defende, em preliminar, a inadequação da via processual eleita pelo parquet uma vez que a discussão nesta ação versaria sobre matéria tributária, o que vai de encontro à previsão do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85. Quanto ao mérito, pontua que a satisfação do interesse público divide-se tanto em dar concretização às garantias às pessoas com deficiência como combater a evasão fiscal, na medida em que é a partir da arrecadação que o Estado reúne recursos para efetivar os mandamentos constitucionais. Assim, acentua que em nenhum momento nega o direito à isenção do IPI Às pessoas com deficiência. Assevera, por outro lado, que a exigência de laudo médico submetido a dois profissionais tem por finalidade inibir desvios de finalidade e evitar possíveis fraudes, não se tratando de mecanismo de desestímulo ao exercício do direito do contribuinte. Destarte, enfatiza que o regramento combatido decorre do exercício, pela autoridade fiscal competente, da competência discricionária que lhe foi conferida pela legislação. Salienta que a consulta às unidades de saúde que possuem mais de um profissional habilitado a firmar o respectivo laudo é possível através da rede mundial de computadores pelo portal do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde - CNES. Nesse sentido, suscita que o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito, qual seja o efetivo prejuízo da normativa às pessoas com deficiência. Defende também que o Anexo V da Instrução Normativa RFB nº 1.769 respeita o ordenamento jurídico na medida em que se limita à sua finalidade, inexistindo vício material ou formal em sua edição. Com fundamento no princípio da eventualidade, requereu-se a concessão de prazo razoável para a implementação das alterações determinadas.

Oportunizadas as contrarrazões, houve a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal com assento nesta Corte opinou pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

Da remessa oficial

Consoante já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, DJe 29.5.2009). Nesse sentido: AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 25/04/2011.

No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA. ART. 19 DA LEI Nº 4.717/64. APLICAÇÃO.
1. Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário. Doutrina.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1108542/SC, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REEXAME NECESSÁRIO. DESCABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ.
CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO, NA VIA ESPECIAL. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Agravo interno aviado contra decisão que julgara Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73.
II. Na origem, trata-se de Ação Civil Pública, ajuizada pela parte ora recorrida, com o objetivo de obter a declaração de nulidade de Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, sob o fundamento de tratar-se de ato ilegal. Julgada procedente a demanda, recorreu o SINTAP/MT, tendo o Tribunal local negado provimento à Apelação e não conhecido do reexame necessário.
III. Na forma da jurisprudência do STJ, por "aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (STJ, REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, DJe de 29.5.2009). Com efeito, ao contrário, julgada procedente a presente Ação Civil Pública, para que seja anulado Termo de Permissão de Uso de bem imóvel, constata-se, conforme asseverado no acórdão recorrido, que "a tutela do interesse da sociedade foi alcançada", de modo que "não há, portanto, que se falar em prejuízo ao Erário ou à sociedade". Registre-se, ainda, precedente da Primeira Turma do STJ, no sentido de que, excetuada a hipótese de carência de ação, "o Reexame Necessário na Ação Civil Pública, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular, somente ocorrerá com a improcedência da ação" (STJ, REsp 1.578.981/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 04/02/2019). Assim, estando o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência sedimentada nesta Corte, merece ser mantida a decisão ora agravada, em face do disposto no enunciado da Súmula 568 do STJ.
IV. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo, em vista dos fatos e provas dos autos - no sentido da ausência de prejuízo ao Erário ou à sociedade, a justificar o reexame necessário -, não pode ser revisto, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, sob pena de ofensa ao comando inscrito na Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ.
V. Agravo interno improvido.
(AgInt no REsp 1641233/MT, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 04/04/2019)

Dessa forma, considerando estar-se diante de sentença de procedência, sem conteúdo econômica, vota-se pelo não conhecimento da remessa interposta.

Preliminar de inadequação da via eleita

Neste tópico, a apelante alude ao fato de que a parte autora, ao justificar a presença da Fazenda Nacional no polo passivo da ação, o faz com fundamento no que dispõe o art. 153, IV, da Constituição Federal, o que enfatizaria a inadequação da via eleita na medida em que o art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85, expressamente veda a veiculação de pretensão que envolve tributo, o que vai ao encontro do entendimento pacificado da jurisprudência dos tribunais superiores.

Todavia, a vedação referida pela apelante não se aplica ao caso dos autos na medida em que a matéria veiculada pelo órgão ministerial, isto é, a pretensão aqui apresentada, não tem por escopo discutir o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, tampouco a isenção do mesmo assegurada aos portadores de deficiência. O direito aqui discutido diz respeito ao regramento definido pela Instrução Normativa RFB nº 1.769, de 18 de dezembro de 2017, especialmente a legalidade da previsão contida no Anexo V da referida Instrução que, ao apresentar o modelo de Laudo de Avaliação Médica para a concessão do benefício previsto no inciso IV do art. 1º da Lei nº 8.989/95, exige que a deficiência seja atestada "por equipe (dois médicos) responsável pela área correspondente à deficiência e que prestem serviço para a Unidade Emissora do Laudo (UEL)".

Nesses termos, rejeita-se a preliminar arguida.

Mérito

A presente ação tem por origem representação anônima encaminhada ao MPF (E1 - PROCADM2 - p.4) dando ciência ao órgão do procedimento adotado pela Receita Federal quando da exigência da documentação relativa ao Laudo de Avaliação Física para aquisição de automóvel com isenção de IPI, isto porque o laudo apresentado pelo representante ao órgão administrativo competente foi rejeitado uma vez que estava assinado por médicos de postos de saúde distintos.

Em razão disso, foram solicitadas informações ao Delegado da Receita Federal do Brasil em Florianópolis/SC (E1 - PROCADM2 - p.25), que, em resposta (E1 - PROCADM2 - p.27), justificou que o requisito acerca da necessidade de que o laudo seja assinado por profissionais do serviço emissor é medida que contribui "de forma eficaz para inibir desvio de finalidade, dificultando fraudes".

Novas informações foram solicitadas àquela autoridade, questionando o procedimento adotado nas hipóteses que na Unidade Emissora do Laudo possuísse apenas um médico (E1 - PROCADM2 - p.33). Em resposta, a autoridade assinalou a possibilidade de o interessado procurar atendimento em unidade de saúde possua junta médica, reafirmando que a avaliação realizada em unidade que disponha de apenas um médico não atende ao requisito normativo sob análise (E1 - PROCADM2 - p.37).

Embora o Procurador da República tenha promovido o arquivamento do procedimento preparatório (E1 - PROCADM2 - p.40), pelo Núcleo de Apoio Operacional da PRR/4ª Região houve a conversão em diligência a fim de colher junto ao Secretário Municipal de Saúde da localidade do denunciante informações acerca da existência de dificuldades para obter o referido laudo e, junto ao Secretário Nacional da Receita Federal, informações quanto à necessidade de que os dois médicos sejam vinculados à mesma unidade do SUS, assim como à exigência de que os médicos sejam resposnáveis pela área correspondente à deficiência, dada a dificuldade dos usuários do SUS para marcarem consulta com médicos especialistas em tempo razoável.

Diante das respectivas respostas (E1 - PROCADM2 - p.56 e E1 - PROCADM2 - p.62), o órgão ministerial não homologou a promoção de arquivamento, determinando fossem adotadas as medidas extrajudiciais ou judiciais em relação à Secretaria da Receita Federal para o fim de alterar o documento normativo, e para que se deixe de exigir a assinatura de dois médicos especialistas ou para que se deixe de exigir que o laudo médico seja subscrito por dois médicos vinculados à memsa unidade emissora do laudo, o que representa, portanto, o objeto desta ação.

A sentença ora recorrida valeu-se dos seguintes fundamentos para declarar a ilegalidade da exigência de assinatura de dois médicos prevista no Anexo V da IN RFB nº 1.769/17:

Mérito

A questão cifra-se em verificar a legalidade (ou não) da exigência de dois laudos médicos de unidades diferentes do SUS para que a pessoa com deficiência faça jus à isenção do IPI na aquisição de automóveis.

Tal isenção é prevista na Lei nº 8.989/95, em seu art. 1º, IV, nos seguintes termos:

Art. 1o Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por: (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) (Vide art 5º da Lei nº 10.690, de 16.6.2003)

IV – pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;

§ 1o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)

§ 2o Para a concessão do benefício previsto no art. 1o é considerada pessoa portadora de deficiência visual aquela que apresenta acuidade visual igual ou menor que 20/200 (tabela de Snellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20°, ou ocorrência simultânea de ambas as situações. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)

§ 4o A Secretaria Especial dos Diretos Humanos da Presidência da República, nos termos da legislação em vigor e o Ministério da Saúde definirão em ato conjunto os conceitos de pessoas portadoras de deficiência mental severa ou profunda, ou autistas, e estabelecerão as normas e requisitos para emissão dos laudos de avaliação delas. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003)

Verifica que a lei tributária relegou ao plano normativo, conforme dispõe o § 4o , art.º1º da Lei nº 8.989/95, acima transcrito, a regulamentação da emissão dos laudos de avaliação para que a pessoa com deficiência tenha direito a tal isenção.

Nesse sentido, a Instrução Normativa RFB nº 988/2009, atualmente revogada pela Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017, assim dispõe em seu art.2º:

CAPÍTULO I
DO EXERCÍCIO DO DIREITO À ISENÇÃO

Art. 2º Podem exercer o direito à isenção de IPI de que trata esta Instrução Normativa as pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de 18 (dezoito) anos, diretamente ou por intermédio do seu representante legal.

§ 1º Para a verificação da condição de pessoa com deficiência física e visual, deverá ser observado:

I - no caso de deficiência física, o disposto no art. 1º da Lei nº 8.989, de 1995, e nos arts. 3º e 4º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999; e

II - no caso de deficiência visual, o disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 8.989, de 1995.

§ 2º A condição de pessoa com deficiência mental severa ou profunda, ou a condição de autista, será atestada em conformidade com o disposto na Portaria Interministerial SEDH/MS nº 2, de 21 de novembro de 2003

Desta forma, regulamentando tal isenção, a referida Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017 dispõe que, em se tratando de deficiência visual deve-se observar o o disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 8.989, de 1995 (já transcrito na presente sentença) e, em se tratando de deficiência fisica, além de se observar o art. 1º da Lei nº 8.989, de 1995 (também já transcrito acima) deve-se observar o disposto nos arts. 3º e 4º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, os quais assim dispõem:

Art. 3o Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Art. 4o É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

III - deficiência visual - cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

IV - deficiência mental – funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização da comunidade;

d) utilização dos recursos da comunidade; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)

e) saúde e segurança;

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V - deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

A respeito da exigência do laudo de avaliação, atestando a deficiência do postulante à isenção, o parágrafo 3º, I, do art.4º da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017 assim dispõe:

Art. 4º A isenção de que trata esta Instrução Normativa será requerida eletronicamente por meio do Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção de IPI/IOF (Sisen), disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), na Internet.

§ 1º O acesso ao Sisen será realizado mediante a utilização de certificados digitais válidos, emitidos por autoridades certificadoras integrantes da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), ou por código de acesso gerado no sítio da RFB na Internet.

§ 2º No ato do requerimento, a pessoa com deficiência ou o autista, diretamente ou por intermédio do seu representante legal, prestará as informações que lhe forem solicitadas pelo Sisen e declarará, sob as penas da lei:

I - para fins de isenção do IPI, que possui disponibilidade financeira ou patrimonial compatível com o valor do veículo a ser adquirido, nos termos do art. 5º da Lei nº 10.690, de 16 de junho de 2003, salvo se a aquisição for feita mediante financiamento bancário; e

II - que não há contra si impedimentos legais à obtenção de benefícios fiscais, em conformidade com o disposto nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei nº 8429, de 2 de junho de 1992, no inciso II do art. 6º da Lei nº 10522, de 19 de julho de 2002, e no art. 10 da Lei nº 9605, de 12 de fevereiro de 1998.

§ 3º Deverão ser anexadas ao requerimento, por meio do Sisen, cópias digitalizadas:

I - do laudo de avaliação emitido por prestador de serviço público de saúde, por serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Detran ou por suas clínicas credenciadas, ou por intermédio de serviço social autônomo, sem fins lucrativos, criado por lei, caso não tenha sido emitido laudo de avaliação eletrônico; e

II - da certidão de nascimento atualizada do beneficiário, na qual esteja identificado o seu responsável legal, no caso de requerimento transmitido por tutor ou curador.

Verifica-se, assim, que no corpo normativo da referida instrução não há a exigência de que sejam realizados dois laudos médicos, bem como como que sejam de unidades do SUS diferentes, mas sim permite que a avaliação seja feita por "prestador de serviço público de saúde, por serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Detran ou por suas clínicas credenciadas, ou por intermédio de serviço social autônomo, sem fins lucrativos".

Observo, assim, que tal exigência aparece, apenas, no modelo de laudo de avaliação previsto no ANEVO V da referida instrução, na parte da assinatura do médico, em que consta dois campos, bem como a descrição de qual a Unidade de Saúde dos medicos, nos seguintes termos:

Desta forma, a RFB acabou por criar uma normatização da lei às avessas, posto que sequer aparece do texto da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017, mas tão somente no modelo do Laudo de Avaliação para Isenção do IPI previsto no Anexo V, o que entendo ser um claro vicio formal de regulamentação, a qual deve ser clara e prevista no próprio corpo normativo do ato regulamentador e não, tão somente, em formulário-padrão que lhe é anexo.

Além dessa violação formal, a exigência ora impugnada pelo parquet também não se sustenta do ponto de vista material. Isto porque as pessoas com deficiência (equivocadamente chamadas de pessoas "portadoras" de deficiência - pois deficiência não se porta - já que não é um objeto -, mas sim se tem ou não) são grupos constitucionalmente protegidos, que merecem, em razão de sua condição, especial proteção do Estado.

Tais mandamentos constitucionais de proteção à pessoa com deficiência são observados nos seguintes dispositivos da CF/88:

1) art. 5º XXXI (proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;);

2) art. 23, II (cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência);

3) art.24, XIV (proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

4) art. 37, VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

5) art.40, 4º, I (aposentadoria diferenciada da pessoa com deficiência no RPPS); art. 100, 2º (recebimento prioritários de RPV/Precatório) VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;

6) art. 201, 1º (aposentadoria diferenciada da pessoa com deficiência no RGPS);

7) art. 203, IV e V (recebimento do LOAS pela pessoa com deficiência e acesso a prestações de assistência social);

8) art. 208, III (atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

9) art. 227, 1º, II ( criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação)

10) art. 227, 2º (A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.)

11) art. 244 (A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.)

Desta forma, constata-se o ampla aspecto de proteção constitucional da pessoa com deficiência, nas mais diversas àreas, tais como, dentre outras, proteção ao trabalho, aposentadoria com critérios diferenciados, atendimento prioritário nas repartições públicas e acesso a educação compativeis com sua limitação, sendo tais mandamentos constitucionais verdadeiras ordem de cumprimento obrigatório pela Administração Pública, que delas não pode se furtar.

A importância de assegurar os direitos da pessoa com deficiência é tamanha a ponto da Convenção de Nova York (que versa sobre os direitos da pessoa com deficiência) ter sido o primeiro tratado sobre direitos humanos incorporado ao direito nacional pelo Decreto nº 6.949/2009 com o status de emenda constitucional, tendo em vista a sua aprovação pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da CF/88, em dois turnos de aprovação em cada casa legislativa (Câmara dos Deputados e Senado Federal) com quórum qualificado de aprovação de 3/5 dos votos dos deputados federais e senadores.

Ademais, ainda no plano de proteção normativa, foi editado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que assegura uma gama de direitos fundamentais ao deficiente, dentre os quais se destacam, em razão do objeto da presente ação, o Direito ao Atendimento Prioritário e o do Transporte e Mobilidade, nos seguintes termos:

Do Atendimento Prioritário

Art. 9o A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:

I - proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

II - atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público;

III - disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas;

IV - disponibilização de pontos de parada, estações e terminais acessíveis de transporte coletivo de passageiros e garantia de segurança no embarque e no desembarque;

V - acesso a informações e disponibilização de recursos de comunicação acessíveis;

VI - recebimento de restituição de imposto de renda;

VII - tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências.

§ 1o Os direitos previstos neste artigo são extensivos ao acompanhante da pessoa com deficiência ou ao seu atendente pessoal, exceto quanto ao disposto nos incisos VI e VII deste artigo.

§ 2o Nos serviços de emergência públicos e privados, a prioridade conferida por esta Lei é condicionada aos protocolos de atendimento médico.

DO DIREITO AO TRANSPORTE E À MOBILIDADE

Art. 46. O direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso.

§ 1o Para fins de acessibilidade aos serviços de transporte coletivo terrestre, aquaviário e aéreo, em todas as jurisdições, consideram-se como integrantes desses serviços os veículos, os terminais, as estações, os pontos de parada, o sistema viário e a prestação do serviço.

§ 2o São sujeitas ao cumprimento das disposições desta Lei, sempre que houver interação com a matéria nela regulada, a outorga, a concessão, a permissão, a autorização, a renovação ou a habilitação de linhas e de serviços de transporte coletivo.

§ 3o Para colocação do símbolo internacional de acesso nos veículos, as empresas de transporte coletivo de passageiros dependem da certificação de acessibilidade emitida pelo gestor público responsável pela prestação do serviço.

Art. 51. As frotas de empresas de táxi devem reservar 10% (dez por cento) de seus veículos acessíveis à pessoa com deficiência.

§ 1o É proibida a cobrança diferenciada de tarifas ou de valores adicionais pelo serviço de táxi prestado à pessoa com deficiência.

§ 2o O poder público é autorizado a instituir incentivos fiscais com vistas a possibilitar a acessibilidade dos veículos a que se refere o caput deste artigo.

Destaco que, em relação à avaliação para fins de reconhecimento da deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em seu art. 98, único, assegura, inclusive, o atendimento domiciliar para realização da perícia, nos seguintes termos:

Parágrafo único. É assegurado à pessoa com deficiência atendimento domiciliar pela perícia médica e social do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pelo serviço público de saúde ou pelo serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o SUS e pelas entidades da rede socioassistencial integrantes do Suas, quando seu deslocamento, em razão de sua limitação funcional e de condições de acessibilidade, imponha-lhe ônus desproporcional e indevido.

Verifica-se, assim, que o ordenamento juridico brasileiro, desde a Constituição Federal/1988 até a legislação infraconstitucional está voltado para assegurar os direitos fundamentais das pessoas com deficiência situação que, contrariamente, não é assegurada pelo Anexo V da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017 que exige que o laudo de avaliação para fins de reconhecimento da isenção de IPI seja assinado por 2 medicos da mesma unidade do SUS.

Isto porque tal normativa acaba por, ainda mais, colocar barreiras (desta vez burocráticas) para o exercicio dos direitos dos deficientes, que a legislação constitucional e infraconstitucional buscam, exatamente, retirar ou minimizar, pois é fato notório que poucos são as unidades de saúde do SUS que possuem mais de um médico lotado, razão pela qual a exigência de que o laudo seja assinado por dois médicos acaba, no caso concreto, trazendo diversos transtornos ao deficiente físico que, não obstante a sua já limitação física, terá que se deslocar até uma unidade de saúde do SUS que possua dois médicos.

Ocorre que há muitos municípios no Estado de Santa Catarina que, por serem pequenos, não possuem muitas unidades de saúde do SUS com mais de um médico, razão pela qual terão que se deslocar até o município de maior porte mais próximo para ter que cumprir a exigência.

Ou seja, a Administração Tributária está na contramão do que dispõe o Estatuto da Pessoa com Deficiência referente a busca pela eliminação das barreiras para o asseguramento dos seus direitos, na medida em que acaba por, burocraticamente, institui-las.

Destaco que não se sustenta a alegação de que a exigência de dois médicos é para se evitar fraudes. Isso porque, analogicamente, o reconhecimento da deficiência para fins de concessão da aposentadoria diferenciada da pessoa com deficiência (que exije mais gastos por parte do poder público) não exige o laudo de dois médicos, mas tão somente de um médico e de um assistente social, nos termos do art.4º e 5º da Lei Complementar nº 142/2013, regulamentada pela Portaria Interministerial SDH/MPS/MF/MOG/AGU nº 1, de 27 de janeiro de 2014.

Desta forma, em que pese se trate de pericia multiprofissional e interdisciplimar, conforme preve o proprio art.2º do Estatuto da Pessoa com deficiência, não pode o Estado conferir tratamento mais gravoso no âmbito tributário em relação à seara previdenciária, sob a alegação de evitar supostas fraudes, quando o gasto no âmbito previdenciário de manutenção do beneficio é maior do que com a concessão da isenção do IPI sobre os veículos.

Ante todo o exposto, entendo que a exigência de que o laudo de avaliação da deficiência para fins de isenção do IPI seja feito por dois médicos de unidades de saúde diferentes é ilegal, tanto pelo aspecto formal (na medida em que extrapolou o poder regulamentar, cuja previsão não tem na Lei nº 8.989/95, nem tampouco no próprio corpo da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017, mas somente no formulário presente no Anexo V) bem como sob o aspecto material (na medida em que viola o Estatuto da Pessoa com Deficiência, notadamente os arts. 9º, 46 e 98, único, que garantem prioridade de atendimento e direito ao transporte e mobilidade à pessoa com deficiência), razão pela qual a procedência da demanda é medida que se impõe.

Extensão dos Efeitos da Presente Decisão para Todo o Estado de Santa Catarina.

Por fim, observo que a presente demanda tem natureza transindividual, afeta ao tema da tutela coletiva de defesa dos direitos da pessoa com deficiência, razão pela qual é cabivel a aplicação das regras do microsistema processual coletivo, notadamente o art. 16 da Lei nº 7.347/85 em conjunto com o art. 93, II do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual é competente para a causa o Juízo do foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal "para os danos de âmbito nacional ou regional", que é justamente o caso dos autos, por se tratar de dano aos direitos da pessoa com deficência de âmbito regional, afetando todo o Estado de Santa Catarina, razão pela qual a presente decisão deverá surtir efeitos em todo o Estado de Santa Catarina.

III - DISPOSITIVO

Ante o exposto:

01. REJEITO a preliminar de inadequação da via eleita e JULGO PROCEDENTE o pedido, resolvendo o mérito da ação, nos termos do art. 487, I, do NCPC. Por conseguinte:

a) DECLARO ilegal a exigência constante no Anexo V da Instrução Normativa RFB nº 1769, de 18 de dezembro de 2017, de assinatura de dois médicos da mesma unidade do SUS para a realização do Laudo de Avaliação Física, sendo suficiente a subscrição por apenas um médico do SUS ou profissional conveniado, estendendo os efeitos de tal decisão para todas as pessoas com deficiência residentes no Estado de Santa Catarina.

02.Entendo que a presente sentença possui natureza mandamental em relação à obrigação de fazer consistente na imediata exigência de laudo de avaliação da pessoa com deficiência por apenas um médido do SUS ou profissional conveniado, que pode ser feita imediatamente, independentemente do trânsito em julgado, razão pela qual concedo a TUTELA ESPECÍFICA, nos termos do art. 497 do CPC/2015, consistente na obrigação de fazer, a fim de determinar que a UNIÃO se abstenha de exigir a assinatura de dois médicos para a realização do Laudo de Avaliação Física para isenção de IPI, bastando apenas uma assinatura, em todo o Estado de Santa Catarina, devendo comprovar nos autos o seu cumprimento no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais).

(...)

Das razões apresentadas pelo apelante não se extraem fundamentos aptos a superar a bem lançada conclusão alcançada pelo juízo a quo.

Como bem destacado no decisum recorrido, a prova dos autos demonstrou de forma inequívoca que a finalidade vinculada à exigência da assinatura de dois médicos da mesma unidade de saúde junto ao laudo médico indispensável ao exercício do direito de isenção tem por escopo direito distinto daquele vinculado aos compromissos assumidos pelo Estado quanto à promoção da dignidade da pessoa humana aos portadores de deficiência.

Com efeito, a apelante reitera que o formalismo ora questionado se faz necessário a fim de evitar fraudes decorrentes do indevido uso da isenção legal. Todavia, o combate a esse nefasto vício deve ser veiculado pela via própria, isto é, não se opondo óbices desarrazoados ao exercício do direito das pessoas portadoras de dificência, mas sim aprimorando os sistemas de fiscalização e tornando efeitvas as respectivas punições sob pena de subverter o papel garantidor dos direitos pelo Estado.

Não parece necessária, ainda, a concessão de prazo para implementação das alterações determinadas, tal como requerido pelo apelante. Nesse ponto, veja-se que a tutela de urgência foi deferida em sentença e ao pedido de atribuição de efeito suspensivo veiculado pela apelante (5046776-91.2018.4.04.0000) negou-se provimento, inexistindo nos autos qualquer notícia de que tenha havido óbice ao imediato cumprimento da tutela; pelo contrário, considerando a manifestação veiculada ainda na origem informando ao juízo a quo do cumprimento da medida antecipatória.

Assim, dada a evidente divergência entre a finalidade da exigência prevista no Anexo V da IN RFB nº 1.769/17 e a finalidade da norma a qual se encontra vinculada aquela exigência, além da inexistência de amparo legal a tanto e também do denso arcabouço normativo a referendar o compromisso assumido pelo Estado quanto à concretização dos direitos das pessoas com deficiência, é de se negar provimento ao apelo, mantendo-se a decisão proferida pela ilegalidade da exigência questionada.

Sobre a possibilidade de fixação da verba no âmbito desta ação, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, acolhido pela jurisprudência deste Regional e recentemente também por esta Relatora, "(...) o ônus de sucumbência, na Ação Civil Pública, rege-se por duplo regime de modo que, quando vencida a parte autora, incidem as disposições especiais dos artigos 17 e 18 da Lei 7.347/1985, contudo, quando houver sucumbência, em razão da procedência da demanda, deve-se aplicar subsidiariamente o art. 20 do CPC" (REsp 1659508/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/05/2017, DJe 17/05/2017).

Tal posição, entretanto, diz respeito às ACPs ajuizadas por todos os demais legitimados do art. 5º da Lei nº 7.347/85 que não o MINISTÉRIO PÚBLICO, tendo em vista expressa vedação do art. 128, §5º, II, 'a', da CRFB/88.

Resta mantida, portanto, em sua totalidade, a sentença proferida.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao recurso de apelação da União.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001591298v8 e do código CRC 84080b22.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 18/2/2020, às 18:47:55


5019216-45.2017.4.04.7200
40001591298.V8


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:39:14.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5019216-45.2017.4.04.7200/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INADEQUAÇÃO DA VIA. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA CONTIDA NO ANEXO V DA INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1.769/17. PEDIDO DE ISENÇÃO DE IPI ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA DE QUE TRATA A LEI 8.989/95. FINALIDADE QUE NÃO SE COMPATIBILIZA AO DIREITO A SER NORMATIZADO PELA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.

1. A vedação contida no parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85 não se aplica ao caso dos autos na medida em que o direito aqui discutido diz respeito ao regramento definido pela Instrução Normativa RFB nº 1.769, de 18 de dezembro de 2017, especialmente a legalidade da previsão contida no Anexo V da referida Instrução que, ao apresentar o modelo de Laudo de Avaliação Médica para a concessão do benefício previsto no inciso IV do art. 1º da Lei nº 8.989/95, exige que a deficiência seja atestada "por equipe (dois médicos) responsável pela área correspondente à deficiência e que prestem serviço para a Unidade Emissora do Laudo (UEL)".

2. É ilegal a exigência aposta no Anexo V da IN RFB nº 1.769/17 na medida em se caracteriza desarrazoada frente ao necessário para o exercício do direito assegurado às pessoas com deficiência pela Lei 8.989/95. O combate às fraudes verificadas no exercício de tal direito deve se dar pela via adequada, não sendo razoável que seja veiculado pela oposição de entraves formais que exacerbam a finalidade para a qual a formalidade se faz necessária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao recurso de apelação da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 18 de fevereiro de 2020.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001591299v4 e do código CRC cf13af90.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 18/2/2020, às 18:47:55


5019216-45.2017.4.04.7200
40001591299 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:39:14.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 18/02/2020

Apelação/Remessa Necessária Nº 5019216-45.2017.4.04.7200/SC

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PROCURADOR(A): JUAREZ MERCANTE

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 18/02/2020, na sequência 949, disponibilizada no DE de 05/02/2020.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA UNIÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Juíza Federal CARLA EVELISE JUSTINO HENDGES

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 03:39:14.

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