Teste grátis agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. ART. 115 DA LEI 8. 213/91. TEMA 979 DO STJ. RESOLUÇÕES INSS/PRES N. 185/2012 E 640/2018. DESCONT...

Data da publicação: 13/08/2021, 07:01:28

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. ART. 115 DA LEI 8.213/91. TEMA 979 DO STJ. RESOLUÇÕES INSS/PRES N. 185/2012 E 640/2018. DESCONTOS PELO PAGAMENTO DE BENEFÍCIO EM VALOR SUPERIOR AO DEVIDO POR ERRO OU MÁ INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO. ESCALONAMENTO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DO PODER PÚBLICO QUE JUSTIFIQUE INTERVENÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E PROPORCIONALIDADE. GARANTIA DA REMUNERAÇÃO MÍNIMA. 1. A extensão do dano é que definirá a competência da Ação Civil Pública para o caso concreto, fazendo com que a decisão proferida abarque toda coletividade. Evidentemente que tal entendimento não afasta a possibilidade da ACP ter abrangência e eficácia restrita, mas em se tratando de matéria previdenciária, essa é a exceção e não a regra. Não se pode confundir as regras que buscam regular a competência para apreciar a ação com os reflexos da coisa julgada. 2. A regra do art. 16 da Lei nº 7.347/86 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CPC. 3. Independentemente da posição que se tome acerca da intenção do legislador, é preciso ter sempre presente que a coisa julgada material não é efeito de um julgado (como o são a ordem, a condenação, a declaração, a desconstituição), e sim, na clássica lição de Liebman, uma qualidade que, num determinado momento cronológico, se agrega àqueles efeitos, tornando-os imutáveis. Essa imutabilidade, que num primeiro momento, já se formara para "dentro" do processo, introjetada perante as partes em face do esgotamento dos prazos recursais, que se convencionou chamar de preclusão máxima (coisa julgada formal), passa, no plano subsequente, a ter potencializada sua eficácia, vindo esta a se projetar também em face de terceiros, no que se convencionou chamar de efeito erga omnes, próprio da coisa julgada material. Tal projeção ocorre como condição para a plena realização prática do bem da vida assegurado no comando jurisdicional, dado o entrelaçamento das relações interpessoais na sociedade. 4. A propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, filiam-se ao entendimento de que o legislador incidiu em equívoco conceitual, registrando que a limitação territorial aos limites da coisa julgada não tem nenhuma eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada tem a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo, é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista.5. a melhor solução para a controvérsia, s.m.j., é a de que a regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator" de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. Ou seja, quando o dano for local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; por outro lado, quando o dano for de âmbito regional, assim considerado aquele que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada. Precedentes nesta linha do STJ (AgInt no REsp 1668939/RS) e do STF com repercussão geral ((RE 1101937, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-113 DIVULG 11-06-2021 PUBLIC 14-06-2021) 5. O STF, vem entendendo pela inaplicabilidade do art. 115 da Lei 8.213/91 nas hipóteses de inexistência de má-fé do beneficiário. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v.g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia. 6. Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, o STJ , com modulação de efeitos, entendeu que são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021). Na aferição da boa-fé, conforme o Superior Tribunal de Justiça, é preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento" (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, p. 31). Cabe adicionar que a simples entrega de prestação previdenciária com a ausência dos pressupostos para a concessão, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável o exame do elemento subjetivo. 7. O art. 201, § 2º, da CF/88 estabelece que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo". Assim, a aposentadoria não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir a dignidade da pessoa do segurado. Nesse contexto, embora se permita o desconto de até 30% do valor do benefício para fins de repetição, a quantia resultante não pode ser inferior a um salário mínimo. 8. Embora inegável a justeza de escalonamentos com número maior de faixas de descontos quanto menores os benefícios localizadas nos limites inferiores a seis salários mínimos do que aqueles definidos na Resolução 640, de 03 de abril/2018, não vejo como impor ao INSS limites desvinculados dos preceitos legais e normativos infralegais uma vez que sua atuação não é discricionária. E, de qualquer forma, houve um escalonamento, não se verificando omissão do Poder Público que justificasse intervenção judicial. 9. Há base para intervenção judicial em prol do cidadão como já enfatizado em TRF4, AC 2004.72.02.002059-4, TERCEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 11/02/2009, "Inexiste intromissão na discricionariedade administrativa em face de omissão administrativa", do que o sistema de checks and balances é justamente o lastro para o respeito ao Princípio da Separação dos Poderes, na medida em que havendo omissão em sua regulamentação acerca da proteção constitucional da proteção à percepção do mínimo legal, pelo que no ponto deve ser mantida a sentença. 10. Como já decretou o Superior Tribunal de Justiça, "A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica" (REsp 879.188/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 2.6.2009). Desta forma não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, AC 5056833-53.2014.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 05/08/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5056833-53.2014.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social e apelo adesivo interposto pelo Ministério Público Federal de sentença que julgou procedente em parte a Ação Civil Pública ajuizada em face da autarquia previdenciária, tendo por objeto a correção de irregularidades relacionadas à afronta a disposições constitucionais (dignidade da pessoa humana, garantia de remuneração mínima e proporcionalidade) e à jurisprudência pátria apontadas na Resolução INSS/PRES n. 185/12, editada pela autarquia ré para regulamentar o art. 154, II, e §3º, do Decreto n. 3.048/1999, que estabeleceu percentuais de desconto sobre a renda mensal de benefícios em caso de pagamentos além do devido por erro administrativo.

Especificamente, pediu o Ministério Público Federal que a autarquia ré
seja condenada a:

“(...) a) prever faixas de desconto entre 0% e 30% com proporcionalidade, estabelecendo outras abaixo de 20%; b) considerar outras faixas de renda inferiores a seis salários mínimos; c) vedar a realização de descontos sobre rendas iguais ou inferiores ao salário-mínimo nacional. Ainda, requer sejam tais percentuais imediatamente observados quando da implantação dos descontos, independentemente de requerimento do interessado”.

O magistrado sentenciante acolheu parcialmente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, nos seguintes termos:

“(...) ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública, para o fim de determinar ao INSS que edite novo ato administrativo suficiente à alteração da Instrução Normativa INSS/PRES nº 185/2012, para que passem a ser previstas as seguintes situações:

a) na hipótese de benefícios com renda mensal superior a 6 salários-mínimos, o percentual de desconto será sempre o máximo, ou seja, de 30% (trinta por cento), independentemente da idade do segurado;

b) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários-mínimos, o desconto será de 25% (vinte e cinco por cento), para os casos em que o titular possuir entre 21 e 53 anos de idade;

c) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários-mínimos, o desconto será de 20% (vinte por cento), para os casos em que o titular possuir menos de 21 ou mais de 53 anos de idade;

d) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários-mínimos, o desconto será de 12,5% (doze e meio por cento), para os casos em que titular possuir entre 21 e 53 anos de idade; e

e) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários-mínimos, o desconto será de 10% (dez por cento), para os casos em que o titular possuir menos de 21 ou mais de 53 anos de idade;

f) a implantação no sistema administrativo e no SUB dos referidos percentuais de desconto deverá ocorrer de modo automático, independentemente de prévio requerimento administrativo do segurado, procedendo o servidor autárquico que alimente o sistema ou o próprio sistema diretamente ao enquadramento do percentual adequado, tendo em conta a faixa etária e renda;

g) deverão ser cessados automática e independentemente de prévio requerimento administrativo dos segurados, quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário-mínimo nacional (situação a). De igual modo, será impedido o lançamento de novos descontos em situações assim descritas; e

h) deverão ser corrigidos automática e independentemente de prévio requerimento administrativo dos segurados, quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja superior ao salário-mínimo, embora possível a realização dos descontos, deverá a autarquia limitá-los de modo que a renda mensal atual dos benefícios, após efetuado o débito, não reste inferior àquele salário-mínimo nacional (situação b).

Sendo assim, deverá a autarquia, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado, proceder à edição de novo ato administrativo ou alteração daquele hoje existente, atendendo às determinações supra, sob pena de estabelecimento de multa diária por descumprimento.” (grifos ausentes do original)

Quanto à eficácia subjetiva e territorial da sentença, objeto de questionamento da apelação do INSS, fez constar o juízo a quo na sentença:

“(...) Nos termos da fundamentação e pela aplicação conjunta dos artigos 16 da Lei nº 7.347/85 e 103 da Lei nº 8.078/90, sendo o dano referido nos presentes autos de caráter nacional, resta a abrangência da presente decisão fixada em termos nacionais. Por fim, cabe ressaltar, como já salientado na decisão do evento 41, que este processo segue produzindo efeitos em relação a todo o território nacional, com exceção da Seção Judiciária da Bahia, na qual existe ação civil pública proposta pela DPU em relação à impossibilidade de que a renda mensal dos benefícios reste inferior ao salário- mínimo nacional, sendo que, ainda naquela SJ da Bahia, o restante dos pedidos formulados neste feito (ou seja, com exceção da letra 'd.1.3' na página 20 da inicial), produzirá igualmente efeitos”.

O Ministério Público Federal opôs embargos de declaração apontando que a sentença teria incorrido em omissão, na medida em que determinou o recebimento da apelação no duplo efeito (conferindo-lhe, portanto, efeito suspensivo) sem qualquer fundamentação específica para tanto, em contrariedade ao que dispõe o art. 14 da lei que disciplina a ação civil pública, n. 7.347/85, segundo o qual, nas ações civis públicas, o efeito suspensivo de qualquer recurso é a exceção e depende de específica fundamentação.

Julgando os embargos declaratórios, o juízo a quo deu provimento ao recurso para incluir na sentença a seguinte fundamentação quanto ao efeito suspensivo ao recebimento de recurso de apelação (evento 108 dos autos originários):

“(...) Tenho que, em que pese tenha sido efetivamente atribuído efeito suspensivo ao recebimento do recurso de apelação por este magistrado, restou sem a devida fundamentação o motivo pelo qual tenho ele por cabível. Ocorre que acaso de imediato seja implantada a deliberação da sentença, com a criação de novas faixas e parâmetros de desconto/consignação nas rendas mensais dos segurados, diminuindo-se, por conseguinte, as quantias descontadas dos segurados, a eventual alteração da sentença/acolhimento do apelo determinaria a necessidade de restabelecimento dos parâmetros anteriores. Em assim sendo, majorar-se-iam os percentuais de consignação/desconto na renda mensal dos segurados, com o que aqueles valores descontados em patamares inferiores durante o período de vigência da sentença ou 'não suspensividade' do recurso, deveriam ser ressarcidos à autarquia, momento a partir do qual, inequivocamente, exsurgiria a tese comumente levantada de que em se tratando de verba alimentar era indevido o desconto ou, ainda, de que não poderia ele ser levado a efeito de modo a produzir tamanha redução na renda mensal.
É evidente, portanto que acaso reformada a sentença, as quantias que deixaram de ser descontadas/consignadas pelo INSS não seriam objeto de imediata restituição à autarquia e, muito provavelmente, sequer seriam devolvidas, o que demonstra a possibilidade de dano irreparável a justificar, em nosso entendimento, a necessidade de que a sentença somente produza efeitos a partir do trânsito em julgado, restando a apelação, efetivamente, recebida no efeito suspensivo”.

Em sua apelação, o INSS requereu a reforma da sentença para que a demanda seja julgada improcedente e, se procedente, para que os efeitos sejam restritos à competência do órgão judicial prolator (Subseção Judiciária de Porto Alegre). Sustenta, em preliminar, a aplicabilidade do art. 16 da Lei n. 7.347/85 ao caso dos autos, para justificar a limitação territorial pretendida (fls. 15/16). No mérito, argumenta, em resumo, que: a) a atual regulamentação promovida pela Resolução INSS/PRES n. 185/12 não fere os princípios da proporcionalidade, da dignidade humana e da remuneração mínima; b) “não existe conflito entre a norma do art. 154, II, do Decreto n. 3.048/1999 e a Resolução INSS/PRES n. 185/2012” (fl. 13), já que o decreto não estabelece uma necessidade de progressão de alíquotas no desconto a ser efetuado, devendo a autarquia observar, de fato, apenas o limite de 30% sobre o valor do benefício; e c) o comando jurídico constante da sentença dependeria de uma declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91 (fl. 15).

O Ministério Público Federal apelou adesivamente, requerendo o provimento do recurso para que (fl. 11):

“(...) b.1) seja antecipada a tutela recursal a fim de compelir o INSS a dar imediato cumprimento à decisão do evento 8, integrada pela decisão do evento 24, ou às alíneas “g” e “h” do dispositivo da sentença do evento 998; b.2) subsidiariamente, retirar o efeito suspensivo atribuído à Apelação pelos mesmos fundamentos; c) seja dado provimento ao recurso de forma a não condicionar a eficácia da sentença ao seu trânsito em julgado”.

Argumentou, em síntese, que: a) “a suspensão da decisão liminar que deferira a tutela de urgência pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento da Suspensão de Liminar e de Sentença 2.068, interposta pelo INSS, teve seus efeitos limitados apenas até posterior confirmação do entendimento de mérito do pedido, o que ocorreu com o advento da sentença” (fl. 03); b) “a sentença absorve e substitui a decisão interlocutória que defere antecipação da tutela, daí assentar a doutrina que a suspensão da liminar só poderia produzir efeitos, de qualquer forma, até a prolação da sentença” (fl. 05), na linha da jurisprudência do TRF3 (SLAT n. 00153583420104030000, Relator Desembargador Federal Roberto Haddad, Órgão Especial, DJe 02/02/2011); c) “razões há sobejamente para que seja revigorada a decisão liminar, após análise exauriente na sentença”, pois a questão de fundo “é pacífica no TRF4, como salientado no julgamento do agravo de instrumento 5012417-23.2015.4.04.0000” e “o STJ tem posição consolidada pela completa vedação da realização de qualquer desconto, em razão de pagamento indevido pela Previdência Social, independentemente do valor do benefício a ser descontado” (fl. 08); e d) “o periculum in mora se faz presente em virtude do caráter alimentar da prestação”, dado que “a redução da renda mensal a patamar inferior ao salário-mínimo compromete, e de forma irreversível, a subsistência de pessoas para as quais quase um terço de sua parca renda é de importância literalmente vital” (fl. 07).

Intimado, o Ministério Público Federal com atuação em primeiro grau apresentou contrarrazões à apelação do INSS, argumentando, resumidamente: a) quanto à alegada limitação da eficácia da sentença, que a Corte Especial do STJ decidiu ser “indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante” (EREsp n. 1.134.957/SP), e que essa questão já foi objeto de agravo de instrumento, no qual o TRF4 manteve a abrangência nacional da decisão; b) que a postura da autarquia viola os princípios da proporcionalidade, da dignidade humana (art. 3°, I, CF) e a garantia constitucional da remuneração mínima (art. 201, §2°, CF); e c) quanto ao princípio da legalidade, que o “STF já assentou, em mais de uma oportunidade, que 'não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos' (STF, ARE n. 734.199, DJe 23/09/14; ARE 734.242, DJe 08/09/15)” (evento 122 dos autos originários).

O INSS não apresentou contrarrazões ao apelo adesivo do Ministério Público Federal.

Intimado a se manifestar, o Ministério Público Federal requereu o seguinte:

Ante o exposto, pugna o Ministério Público Federal pelo desprovimento da apelação do INSS e pelo provimento do recurso adesivo ministerial. Especificamente a propósito do provimento do apelo adesivo, requer o Ministério Público Federal que o e. Relator, no pleno e legítimo exercício de sua competência monocrática conferida pelo art. 1.012, §3º, do CPC, usurpada pelo juízo a quo, afaste, antes mesmo do julgamento colegiado, o efeito suspensivo da apelação interposta pelo INSS quanto aos itens “g” e “h” do dispositivo da sentença (proibição de desconto abaixo do mínimo), de modo a viabilizar imediatamente o correspondente cumprimento provisório da sentença.Para o mesmo fim, se entender o e. Relator cabível e necessário, reitera Ministério Público Federal o pedido deduzido no apelo adesivo para que seja concedida, em sede de antecipação da tutela recursal, com fundamento no art. 932, III, CPC, tutela provisória com o mesmo conteúdo dos referidos itens do dispositivo da sentença.

Deferi (evento 8 DESPADEC1), em sede de antecipação de tutela, liminar para fazer cessar quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário mínimo nacional e corrigir descontos que incidam sobre benefícios superiores ao valor mínimo para que a renda mensal atual, após o desconto, não fique inferior ao valor do salário mínimo nacional.

No despacho do ev. 22 expliquei os motivos pelos quais deferi a tutela, pois o Min. Fransico Falcão delimitou que a decisão do juízo de primeiro grau só devesse produzir efeitos após confirmado o entendimento de mérito do pedido. Transcrevo trecho da informação:

(...)Assim procedi, por verificar que a decisão proferida na SLD- Suspensão Liminar e de Sentença nº 2.068-RS, em 21.09.2015, da Relatoria do Presidente do STJ, Min. Francisco Falcão, expressamente deferiu prazo distinto daquele de que trata o § 9º do art. 4º da Lei 8.437/92. Para que se confira a plausibilidade de tal presunção, transcrevo trecho da decisão no que interessa à alegação de descumprimento de ordem dessa Corte Superior:

" Assim, entendo que o caso sub judice recomenda, por cautela e diante do âmbito nacional da demanda e da demonstração efetiva da lesão à ordem e à economia públicas, que a decisão impugnada só deva produzir efeitos após confirmado o entendimento de mérito do pedido, onde a discussão terá total abrangência relativamente ao entendimento sobre a interpretação do art. 154, II e § 3.º do Decreto n. 3.048/99. Em razão do exposto, e da peculiaridade do caso." (grifo meu)

A decisão suspensiva datada de 21.09.2015 se deu relativamente a juízo provisório, exarado em sede de antecipação de tutela, datada de de 17.10.2014, ainda ausente cognição exauriente por meio da sentença que restou proferida apenas em 31.03.2017.

Segundo orientação do próprio STJ a suspensão dos efeitos de decisão antecipatória de tutela perdura até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, nos termos da Lei nº 8.437 /92, art. 4º, § 9º , salvo estabelecimento de outro limite temporal pelo Presidente do tribunal.

A propósito confira-se Recurso Especial, REsp 1064759 SP 2008/0120343-3:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. LIMINAR. SUSPENSÃO. LEI 8.437 /92. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO, CONFIRMANDO LIMINAR. EFEITOS. TRÂNSITO EM JULGADO.

1. A suspensão dos efeitos de decisão antecipatória de tutela perdura até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, nos termos da Lei nº 8.437 /92, art. 4º , § 9º , salvo estabelecimento de outro limite temporal pelo Presidente do tribunal. 2. A decisão proferida no agravo de instrumento interposto pela recorrente, relativa aos efeitos da apelação, não interfere no interesse processual para o pedido de suspensão da tutela antecipada. 3. A análise da existência do dissídio é inviável, porque ausente similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma. 4. Recurso especial provido.

Consoante se vê da transcrição, cuida-se de Recurso Especial onde ficou definido que não é necessária a observância do trânsito em julgado quando o próprio Presidente estabelece outro limite temporal para os efeitos da suspensão de decisão antecipatória de tutela, que no caso, pelo caput da ementa cuidou-se da "superveniência de sentença de procedência da ação" confirmando a liminar.

O caso concreto trata de idêntica situação, assim, s.m.j, a nova tutela concedida não pode ser taxado de infringente à determinação do STJ e portanto passível de reclamação.

Por outro lado, a fundamentação para a concessão da liminar não se deu exclusivamente em razão do tema 979 do STJ:

Tema 979 - devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da administração da Previdência Social.

Quanto à parcela do julgamento que dizia respeito exclusivamente ao referido tema determinei o sobrestamento do feito.

A liminar fez referência a dois eixos de argumentação, um infra-legal outro constitucional, porém foi deferida sob o argumento da inconstitucionalidade, na linha de que não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

Isto porque perdurando o desconto dos valores indevidamente pagos a quem, inicialmente, o INSS entendeu detentor do direito, estará sendo vilipendiado o princípio do valor mínimo e reduzida a supremacia da norma constitucional. Não se cuida de inconstitucionalidade da norma prevista no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido;

Trata-se de aparente antinomia, que deve ser solucionada pela prevalência das regras e princípios constitucionais sobre as normas inferiores. Ante o conflito entre dois valores consagrados pela ordem jurídica, prevaleceria aquele mais caro aos fundamentos do Estado: a dignidade da pessoa humana.

É certo que repugna à consciência jurídica de qualquer cidadão o enriquecimento sem causa, porém não se pode negar a esse mesmo cidadão as condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela administração.

Nesta hipótese, deve ficar vedado o desconto que reduza a importância a ser recebida a patamar inferior ao piso mínimo constitucional.

Tal orientação não implica declaração de inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal, mas tão-somente a de impossibilidade de se efetuar os descontos procedidos no caso de benefício de valor mínimo, à luz do texto constitucional:

Art. 201, § 2º, da Constituição Federal assim dispõe:

Nenhum beneficio que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

A hipótese é de interpretação da norma infraconstitucional à luz da Carta Maior, com base em precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, e conquanto haja espaço para se afirmar a autorização para desconto de valores pagos indevidamente que não os de valor mínimo (inclusive sendo a questão objeto de repetitivo - Tema 979 -, sem o distinguishig quanto ao fundamento de inviabilidade de desconto de benefícios de valor mínimo) tenho que não é possível nenhum benefício ser reduzido aquém do salário mínimo legal.

Quando muito, poder-se-ia cogitar no caso de interpretação conforme a Constituição, a propósito da qual já entendeu o Supremo Tribunal Federal que não se confunde com a declaração de inconstitucionalidade da norma a que se refere o art. 97 da Constituição.

Logo, não bastasse a natureza alimentar de que se revestem as prestações previdenciárias, não se pode olvidar, tendo em conta as peculiaridades destes indivíduos que se mantém com o mínimo legal, a certeza de terem comprometida a sua capacidade de subsistência e de promoção de sua dignidade.

Assim fiz sob a convicção de que autorizar o desconto do benefício mínimo configuraria verdadeira violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, cristalizado no texto constitucional. E este princípio nutre e atua em todos os direitos estampados na Constituição, desde os clássicos, como a vida e a liberdade, até os conquistados mais recentemente pela sociedade, a duras penas, como os direitos Previdenciários.

Como se vê, os fundamentos da liminar que deferi quanto à impossibilidade de devolução, pelo segurado, de valores recebidos indevidamente, de boa-fé, por erro da administração, embora perpasse pela natureza alimentar dos benefícios previdenciários o cerne da liminar deu-se com base na convicção de que não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

Observe-se que o decidido se deu mediante fundamentação constitucional (obediência aos comandos insculpidos no art. 201, § 2º, da Constituição da República) e embora tenha feito referência à norma infraconstitucional (subsunção à tese segundo a qual os comandos normativos contidos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 e no art. 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/99, devem ser relativizados no caso de benefício de valor mínimo) o fundamento constitucional invocado é suficiente e autônomo à preservação do decisum.

Aliás, esta desvinculação se confirma na circunstância de que o STJ vem inadmitindo os recursos do INSS quando não interposto recurso Extraordinário concomitante, tese segundo a qual "é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário". (Nesta linha Agravo Interno não provido - AgInt no REsp 1584711/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 08/09/2016).

Uma vez que o STJ não é competente para examinar matéria de ordem constitucional a forma de reverter a decisão perpassaria pela necessária interposição de Recurso Extraordinário.

Aliás, já enuncia a Súmula 126 do STJ que: é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido se assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

Desta forma a superveniência do julgamento do Tema STJ nº 979 também não repercutirá de forma direta sobre a liminar, já que ela poderá ser mantida com base em seu fundamento constitucional.

Com efeito, O fato de haver repetitivo sobre a não devolução de valores percebidos de boa-fé por erro da administração (tese 979) não afasta o fundamento com base constitucional de inviabilidade de descontos em benefício de valor mínimo, ou descontos que, em benefício com renda superior ao mínimo, reduzam-no aquém no salário mínimo legal, controvérsia que independe da solução do repetitivo, ao menos para esta parcela de segurados.(...)

Após a liminar deferida foram interpostos embargos de declaração os quais julguei prejudicados, justamente em respeito à decisão liminar do STJ na Reclamação 37.297/RS (2019/0022997-0) da Relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, datada de 08 de fevereiro de 2019 que a suspendeu, assim como as demais relativas à antecipação de tutelas proferidas no bojo da Ação Civil Pública 5056833-53.2014.4.04.7100, facultando ao INSS o desconto pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, desde que evidente o erro operacional relevante da Autarquia Previdenciária, excetuando as hipótese de desconto "em decorrência de erro de interpretação ou má aplicação da lei por parte dela".

No ev. 51 despachei:

Cumpra-se a parte do despacho/decisão acostada no evento 8 que determinou o sobrestamento do feito, em razão da decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou a suspensão em todo o território nacional a tramitação de processos individuais ou coletivos que discutem a devolução de valores recebidos por beneficiários do INSS - mesmo que tenham sido recebidos de boa-fé - por força de erro da Previdência Social. A decisão foi tomada pelo colegiado ao determinar a afetação do Recurso Especial 1.381.734 para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil). (Tema n.º 979, STJ).

Desse modo, suspenda-se o andamento do feito até que ocorra a publicação do acordão do julgamento do recurso repetitivo atinente ao tema mencionado.

Cumpra-se.

Intimem-se.

Ainda no ev. 59 decidi:

Peticiona o MPF ev. 56 requerendo o viabilização do cumprimento parcial da antecipação de tutela recursal deferida no ev. 8. Sustenta o que segue:

Exmo. Sr. Relator:

Por ocasião da decisão proferida no evento 8, o Relator deferiu o pedido de antecipação da tutela recursal deduzido no apelo adesivo ministerial para o fim, resumidamente, de: (a) impedir que o INSS efetue descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário-mínimo nacional ou que dele resulte pagamento inferior a esse piso; e (b) corrigir descontos que incidam sobre benefícios superiores ao valor mínimo para que a renda mensal atual, após o desconto, não fique inferior ao valor do salário-mínimo nacional.

A tanto, reconheceu-se presente a probabilidade do direito, diante da orientação jurisprudencial majoritária que se inclina inclusive pela não devolução dos valores recebidos pelo segurado de boa-fé por erro da Autarquia inclusive o próprio STJ), e em especial quando envolvido benefício de valor mínimo.Constatou-se igualmente o perigo de dano, por estar-se diante de benefícios de valor mínimo, pagos a hipossuficientes que dependem destes parcos recursos para sua subsistência. Para além do ponto, determinou-se o sobrestamento do feito com vinculação ao Tema 979, do STJ (evento 8).

Todavia, a liminar deferida no evento 8 restou suspensa pelo STJ, em 08/02/2019, por decisão proferida nos autos da Reclamação nº 37.297-RS, constante do evento 17 – OFIC1, a qual ressaltou, ainda,"que o desconto que se autoriza é somente aquele decorrente de erro operacional relevante da administração, não sendo admissível o desconto de valores a maior recebidos em decorrência de erro de interpretação ou má aplicação da lei por parte dela."Dessa forma, facultou-se ao INSS, tão somente, a realização de descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, desde que evidenciado o erro operacional relevante da Autarquia Previdenciária; lado outro, manteve-se hígida a proibição judicial para o desconto de valores a maior recebidos em decorrência de erro de interpretação ou má aplicação da lei por parte do INSS, ao menos nas hipóteses em que tais descontos resultarem pagamento abaixo do mínimo.

Ao evento 36, para o fim específico de identificar eventual cabimento e necessidade de providências processuais para resguardar a efetividade do quanto assegurado até o momento, o MPF requereu que a Autarquia fosse intimada para esclarecer: a) quais os critérios administrativos que adota para distinguir, nos erros por ela cometidos que importam em pagamento a maior para os segurados, entre “erro operacional relevante” e “erro de interpretação ou má aplicação da lei”, para fins da realização de descontos nos benefícios pagos por ela? b) quais as medidas administrativas que tem adotado para não proceder ao desconto decorrente de seus“erros de interpretação ou má aplicação da lei”, ao menos nas hipóteses em que desse desconto resultará pagamento abaixo do salário-mínimo? Requereu, ainda, que a intimação determinasse que os esclarecimentos se fizesse acompanhar dos atos, ofícios circulares, notas técnicas ou orientações pertinentes. E após prestados os devidos esclarecimentos pelo INSS, requereu nova vista dos autos para analisar o cabimento e necessidade de novas providências processuais nesta ação.

Ao evento 38 o Relator determinou a intimação do INSS para manifestação da promoção ministerial do evento 36, no prazo de 10 dias.

O INSS, por sua vez, assim se manifestou no evento 42:

“(...) O STJ havia incluído o julgamento do Tema 979 na pauta de 28/08/2019, da sua 1ª Seção. O referido Tema, salvo melhor juízo, abrange integralmente o objeto da presente Ação Civil Pública (no mínimo, é prejudicial à SLS 2.068/RS e à RCL 37.297/RS). Contudo, ocorreu adiamento na sessão de 28/08/2019. O julgamento do Tema tem previsão de continuar em 11/09/2017. Por essa razão, o INSS pede seja sobrestado o prazo para falar sobre a respeitável petição do Evento 36 até que o STJ julgue o Tema 979 ou por 45 dias, o que ocorrer primeiro. Pede deferimento (...)”

Ao evento 44, o Relator deferiu o pedido de reabertura de prazo de 45 dias, formulado pelo INSS, tendo em conta o noticiado acerca do julgamento do Tema 979/STJ.

Na sequência, sobreveio despacho/decisão do Relator (evento 51), determinando o sobrestamento do feito até que ocorra a publicação do acórdão do julgamento do recurso repetitivo atinente ao tema mencionado – em cumprimento à parte da decisão exarada no evento 8 –, nos seguintes termos:

“(...) Cumpra-se a parte do despacho/decisão acostada no evento 8 que determinou o sobrestamento do feito, em razão da decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou a suspensão em todo o território nacional a tramitação de processos individuais ou coletivos que discutem a devolução de valores recebidos por beneficiários do INSS –mesmo que tenham sido recebidos de boa-fé - por força de erro da Previdência Social.

A decisão foi tomada pelo colegiado ao determinar a afetação do Recurso Especial 1.381.734 para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (artigo 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil). (Tema n.º979, STJ).

Desse modo, suspenda-se o andamento do feito até que ocorra a publicação do acórdão do julgamento do recurso repetitivo atinente ao tema mencionado (...)”.

Ao tempo em que se dá por ciente da decisão acima, o MPF reitera os termos da promoção veiculada no evento 36, a fim de viabilizar o cumprimento provisório parcial na sede própria – até porque se trata de verba de natureza alimentar –, sem prejuízo de se aguardar o julgamento do recurso repetitivo atinente à devolução ou nao de valores recebidos de boa-fé pelo INSS.

Ressalta-se, por oportuno, que o sobrestamento do feito não impede que o INSS preste, desde já, as informações solicitadas pelo MPF, as quais, repita-se, sobressaem necessárias para resguardar a efetividade do quanto assegurado judicialmente em favor dos segurados nesta ação até este momento.

Tal como asseverado pelo Relator no evento 18, o fato de haver repetitivo sobre a não devolução de valores percebidos de boa-fé, por erro da administração (tese 979), não afasta o fundamento com base constitucional de inviabilidade de descontos em benefício de valor mínimo, ou descontos que, em benefício com renda superior ao mínimo, reduzam-no aquém no mínimo legal, controvérsia que independe da solução do repetitivo, ao menos para esta parcela de segurados. Desse modo, a superveniência do julgamento do Tema STJ nº 979 não repercutirá de forma direta sobre a liminar, já que ela poderá ser mantida com base em seu fundamento constitucional (art. 201, § 2º, da CRFB)” (grifou-se).

Do quanto se vê, não é possível o cumprimento de tutela deferida nestes autos, ao menos até o desfecho da reclamação.

Todavia, vigora a decisão proferida em sede de liminar pelo STJ, no seguinte sentido:

RECLAMAÇÃO Nº 37.297 - RS (2019/0022997-0)
DECISÃO (LIMINAR CONCEDIDA)

1. Cuida-se de Reclamação, com pedido liminar, ajuizada pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL em face de decisão do Tribunal Regional Federal da 4a. Região que deferiu tutela antecipada, requerida pelo Ministério Público Federal, nos autos da Ação Civil Pública 5056833-53.2014.4.04.7100/RS, nos seguintes termos:
Concluo, portanto, que estão presentes os requisitos para a concessão da antecipação da tutela recursal pleiteada, razão pela qual o INSS deverá dar imediato cumprimento ao itens "g" e "h" da sentença proferida na presente Ação Civil Pública para: (a) fazer cessar quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário mínimo nacional e (b) corrigir descontos que incidam sobre benefícios superiores ao valor mínimo para que a renda mensal atual, após o desconto, não fique interior a um salário mínimo (fls. 69).

2. Sustenta o reclamante que o deferimento da tutela contraria decisão emanada pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos da SLS 2.068/RS, deferindo a suspensão de decisões relativas à antecipação de tutela proferidas no bojo da Ação Civil Pública 5056833-53.2014.4.04.7100.

3. Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos da decisão impugnada, considerando que se faz presente o periculum in mora, materializado na urgência da prestação jurisdicional, por comprometer as contas públicas da Previdência Social, bem como a caracterização do fumus boni juris, consistente na plausibilidade do direito alegado, ante a clara manifestação do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário.

4. É o relatório.

5. Cuida-se, na origem de Ação Civil Pública interposta pelo Ministério Público Federal objetivando a obstaculização de descontos dos valores recebidos a maior por Segurado, em razão de falha administrativa, que impliquem no recebimento de benefício em valor inferior a um salário mínimo.

6. Em 17.10.2014, o Juízo da 20a. Vara Federal de Porto Alegre, nos autos da Ação Civil Pública, deferiu tutela antecipada determinando que o INSS não mais poderia efetuar descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social e recebidos de boa-fé, nas situações em que o valor da renda mensal do benefício ficassem abaixo do valor de um salário-mínimo após a efetivação do desconto.
Garantindo, ainda, que nos casos em que a com renda mensal do Segurado seja superior ao salário-mínimo, os descontos, embora possíveis, estariam limitados àquele patamar da renda do benefício mínimo.

7. Diante dessa decisão, a Autarquia Previdenciária formulou pedido suspensivo nesta Corte, defendendo, em síntese, que a decisão atacada incorre em grave lesão à ordem e economia públicas, na medida em que deixará de ser ressarcido em valores devidos por mais de 50.000 benefíciários, com impacto financeiro superior a R$ 687.000.000,00 (seiscentos e oitenta e sete milhões de reais), e em razão do deslocamento de força de trabalho da Autarquia para cumprir, em nível nacional, uma decisão não transitada em julgado e que pode vir a ser reformada.

8. O pedido de suspensão de liminar foi acolhido por esta Corte, nos seguintes termos:

Em razão do exposto, e da peculiaridade do caso trazido à apreciação, DEFIRO o presente pedido, determinando a suspensão das decisões relativas à antecipação de tutela proferidas no bojo da Ação Civil Pública n.º 5056833-53.2014.4.04.7100 e confirmadas no Agravo de Instrumento n.º 5012417-23.2015.4.04.0000/RS em trâmite no juízo federal da 4.ª Região (SLS 2.068/RS, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 21.9.2015).

9. Ocorre que em 27.11.2018, o Tribunal Regional Federal da 4a. Região deferiu nova tutela antecipada nos autos da Ação Civil Pública, ordenando novamente a suspensão dos descontos de valores recebidos por erro da Administração quando resultar em pagamento de benefício em valor inferior a um salário-mínimo.

10. O que se verifica, assim, é que, de fato, o Tribunal Regional afronta a autoridade da decisão já tomada por esta Corte, nos autos da SLS 2.068/RS, ordenando a suspensão de decisões relativas à antecipação de tutela no bojo da Ação Civil Pública 5056833-53.2014.4.04.7100.

11. A decisão proferida na SLS 2.068/RS alcança a decisão suspensa desde o instante em que é proferida e se mantém até o trânsito em julgado da solução da Ação Civil Pública. Não se revela razoável que o transcurso do tempo faculte à Corte de origem repetir a mesma decisão já suspensa anos antes, sem sequer fazer referência à decisão desta Corte.

12. Nestes termos, impõe-se reconhecer a procedência do pedido liminar apresentado pelo INSS, determinando-se a suspensão da decisão que obstaculizou, novamente, os descontos de valores recebidos por erro operacional da Administração, ainda que o benefício pago ao Segurado resulte em valor inferior a um salário-mínimo.

13. Contudo, é importante deixar claro que o desconto que se autoriza é somente aquele decorrente de erro operacional relevante da Administração, não sendo admissível o desconto de valores a maior recebidos em decorrência de erro de interpretação ou má aplicação da lei por parte dela.

14. Ante o exposto, defere-se a liminar requerida, para, reafirmando o que foi decidido por esta Corte nos autos da SLS 2.068/RS, determinar a suspensão das decisões relativas à antecipação de tutela proferidas no bojo da Ação Civil Pública 5056833-53.2014.4.04.7100. Facultando-se ao INSS a realização de descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, desde que evidenciado o erro operacional relevante da Autarquia Previdenciária.

15. Determino que se proceda na forma do art. 2o., II e III da Resolução 12/2009 do STJ.

16. Decorrido o prazo para informações, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal, para parecer.

17. Publique-se.

18. Intimações necessárias.

Brasília (DF), 08 de fevereiro de 2019.

NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO MINISTRO RELATOR

Insiste o MPF no pedido de esclarecimentos, com a intimação da Autarquia para que seja intimada para responder:

a) quais os critérios administrativos que adota para distinguir, nos erros por ela cometidos que importam em pagamento a maior para os segurados, entre “erro operacional relevante” e “erro de interpretação ou má aplicação da lei”, para fins da realização de descontos nos benefícios pagos por ela? b) quais as medidas administrativas que tem adotado para não proceder ao desconto decorrente de seus “erros de interpretação ou má aplicação da lei”, ao menos nas hipóteses em que desse desconto resultará pagamento abaixo do salário-mínimo? Requereu, ainda, que a intimação determinasse que os esclarecimentos se fizessem acompanhar dos atos, ofícios circulares, notas técnicas ou orientações pertinentes.

E após prestados os devidos esclarecimentos pelo INSS, requereu nova vista dos autos para analisar o cabimento e necessidade de novas providências processuais nesta ação.

Efetivamente, o sobrestamento do feito com vinculação ao Tema 979, do STJ (evento 8) não impede que o INSS preste, desde já, as informações solicitadas pelo MPF, para que possa proceder segundo orientação retirada da decisão liminar do Min. Napoleão Nunes Maia Filho.

Intime-se o INSS para que se manifeste, em 10 dias, sobre a petição do ev. 36.

Após voltem conclusos.

No ev. 68 o INSS informa:

O INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, representado por Procurador Federal, vem respeitosamente dizer e requerer o que segue. Como informado na petição do Evento 66, aguardava-se a chegada de informações atualizadas da Autarquia a respeito do tema, as quais acabam de ser disponibilizadas e ora são trazidas aos autos.Em suma, não houve alteração de fundo em relação ao antes informado. O que há para se adicionar é que a Resolução nº 640/2018 veio abranger situações não contempladas na Resolução nº 185/2012 PRES/INSS. Anexa-se cópia do normativo. Pede juntada

Juntou no mesmo evento resolução 640/2018 que alterou a resolução 185/PRES/INSS a qual tem o seguinte teor:

O PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, no uso das atribuições que lhe confere o Decreto nº 9.104, de 24 de julho de 2017, resolve:Art. 1º Fica alterada a Resolução nº 185/PRES/INSS, de 15 de março de 2012, publicada no Diário Oficial da União nº 53, de 16 de março de 2012, Seção 1, pág. 168, incluindo-se o inciso I ao art. 2º, e renumerando-se os demais:

"Art. 2º .............................................................

I - para benefícios com renda mensal de até dois salários mínimos e idade do titular a contar de 70 (setenta) anos, o percentual de desconto será de 10% (dez por cento);

II - para benefícios com renda mensal de até seis salários mínimos e idade do titular menor do que 21 (vinte e um) anos e a contar de 53 (cinquenta e três) anos, o percentual de desconto será de 20%(vinte por cento);

III - para benefícios com renda mensal de até seis salários mínimos e idade do titular igual ou maior que 21 (vinte e um) anos e inferior a 53 (cinquenta e três) anos, o percentual de desconto será de 25%(vinte e cinco por cento); e

IV - para benefícios cuja renda mensal seja acima de seis salários mínimos, o percentual de desconto será de 30% (trinta por cento), independente da idade do titular do benefício." (NR)

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Julgado o tema 979 do STJ trago o feito para julgamento.

É o Relatório.

VOTO

1- Abrangência da decisão

Acerca da abrangência dos efeitos da sentença da Ação Civil Pública venho desde longa data e reiteradamente me manifestando na linha de que é a extensão do dano que definirá a competência para o caso concreto, sem descuidar o fato de que para a abrangência nacional a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal.

A propósito, confira-se manifestação por mim proferida na AC nº 5000117-333.2010.404.7201/SC da relatoria do eminente Des. Fed. Celso Kipper, julgamento da sessão de 05.09.2012, onde apresentei ressalva de fundamentação sobre a abrangência dos efeitos na ACP:

(...)

Tenho entendimento diverso do eminente relator exclusivamente quanto à restrição da eficácia da sentença aos limites da competência territorial do órgão prolator, como regra.

A interpretação mais apropriada, a meu juízo, para o artigo 16 da LACP sem dúvida é aquela constante nos votos vencedores do RESP 411.529/SP, onde se mantém a eficácia declaratória da decisão judicial, em decorrência da força cogente estatal, oponível a todos, conciliando as regras de competência territorial do art. 93, com o artigo 2º da LACP, sob o comando do art. 21 da LACP, portanto, com qualidade de competência absoluta, o que equivale dizer que a extensão do dano é que definirá a competência para o caso concreto, fazendo com que a decisão proferida abarque toda coletividade. Evidentemente que tal entendimento não afasta a possibilidade da ACP ter abrangência e eficácia restrita, mas a meu ver, principalmente se tratando de matéria previdenciária, essa é a exceção e não a regra.

Ou seja, a regra do art. 16 da Lei nº 7.347/86 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CPC.

Já decidi nessa linha por ocasião do julgamento das Ações Civis Públicas nºs 2000.71.00.009347-0/RS e 2007.71.00.010290-7/RS, nas quais fui relator para acórdão nos seguintes termos:

"(...)

Abrangência nacional da decisão

O Ministério Público Federal busca nesta ação um provimento jurisdicional de abrangência nacional. O INSS, entretanto, se opõe a tal pretensão ao argumento de que a atual redação do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 impõe restrições territoriais às decisões tomadas em sede da ação civil pública.

A discussão concernente à abrangência da decisão, ainda em sede liminar, já foi objeto de pronunciamento deste Tribunal, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 2000.04.01.044144-0, cuja ementa, da lavra do eminente Des. Federal Luis Carlos de Castro Lugon, ora transcrevo:

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. NORMAS CONSTITUCIONAIS. CF, ART. 226, § 3º. INTEGRAÇÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS HOMOSSEXUAIS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA O CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. AMPLITUDE DA LIMINAR. ABRANGÊNCIA NACIONAL.LEI N.º 7.347/85, ART. 16, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 9.494/97.

1. As normas constitucionais, embora soberanas na hierarquia, são sujeitas a interpretação. Afasta-se a alegação de que a espécie cuida de inconstitucionalidade de lei; o que ora se trata é de inconstitucionalidade na aplicação da lei; o que se cuida não é de eliminar por perversa a disposição legal; sim, de ampliar seu uso, por integração. 2. É possível a abrangência de dependente do mesmo sexo no conceito de companheiro previsto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal, frente à Previdência Social, para que o homossexual que comprovadamente vive em dependência de outro não fique relegado à miséria após a morte de quem lhe provia a subsistência. 3. Rejeitada foi a alegação de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal em relação ao controle concentrado da constitucionalidade pela própria Corte Constitucional em reclamação contra a mesma liminar ora telada, sob o fundamento de que a ação presente tem por objeto direitos individuais homogêneos, não sendo substitutiva da ação direta de inconstitucionalidade. 4. A nova redação dada pela Lei n.º 9.494/97 ao art. 16 da Lei n.º 7.347/85, muito embora não padeça de mangra de inconstitucionalidade, é de tal impropriedade técnica que a doutrina mais autorizada vem asseverando sua inocuidade, devendo a liminar ter amplitude nacional, principalmente por se tratar de órgão federal. (DJU 04-07-2001, pgs. 1132/1166) (grifamos).

Quanto ao alcance da sentença proferida em ação civil públcia, diz o art. 16 da Lei n.º 7.347/85, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 9.494/97:

Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contém disposição referente à abrangência dos efeitos da sentença proferida em ação civil públcia, na mesma redação originária do art. 16 da Lei n.º 7.347/85:

Art. 103 - Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo a improcedência por insuficiência de provas, nos termos inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

Não são pacíficas as posições doutrinárias no que concerne à restrição da coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão julgador. Na análise da questão, a doutrina divide-se em posições antagônicas: de um lado aqueles que compartilham do entendimento de Ada Pellegrini Grinover (Código de Defesa do Consumidor, 6ª ed., 1999, Ed. Forense, Rio de Janeiro), defendendo que a modificação do art. 16 altera os efeitos da coisa julgada restringindo sua abrangência territorial; de outro, aqueles que divergem dessa posição, ao lado do professor Hugo Nigri Mazzilli (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 12ª ed., 2000, Ed. Saraiva, São Paulo), entendendo que o legislador operou em confusão, pois buscava regular a competência para apreciar a ação e não os reflexos da coisa julgada.

Independentemente da posição que se tome acerca da intenção do legislador, é preciso ter sempre presente que a coisa julgada material não é efeito de um julgado (como o são a ordem, a condenação, a declaração, a desconstituição), e sim, na clássica lição de Liebman, uma qualidade que, num determinado momento cronológico, se agrega àqueles efeitos, tornando-os imutáveis. Essa imutabilidade, que num primeiro momento, já se formara para "dentro" do processo, introjetada perante as partes em face do esgotamento dos prazos recursais, que se convencionou chamar de preclusão máxima (coisa julgada formal), passa, no plano subseqüente, a ter potencializada sua eficácia, vindo esta a se projetar também em face de terceiros, no que se convencionou chamar de efeito erga omnes, próprio da coisa julgada material. Tal projeção ocorre como condição para a plena realização prática do bem da vida assegurado no comando jurisdicional, dado o entrelaçamento das relações interpessoais na sociedade.

A propósito, oportuno que se transcreva a interpretação de Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, filiando-se ao entendimento de que o legislador incidiu em equívoco conceitual, registrando que a limitação territorial aos limites da coisa julgada não tem nenhuma eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada tem a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo, é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista.

Nelson Nery Junior vai mais longe ainda, afirmando que com o advento do Código de Defesa do Consumidor, que regulou ampla e completamente o instituto da coisa julgada no processo coletivo (direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), o sistema legal que rege o instituto da coisa julgada no processo coletivo passou a ser apenas o CDC, havendo uma revogação tácita dos dispositivos que regulam a matéria na Lei n.º 7.347/85 pela legislação superveniente. Assim, defende o processualista, quando editada a Lei n.º 9.494/97, não mais vigorava o art. 16 da Lei n.º 7.347/85, de modo que ela não poderia ter alterado o que não existia, consignando, ainda, que o equívoco da Lei 9.949/97 demonstra que quem a redigiu, não tem noção, mínima que seja, do sistema processual das ações coletivas (Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante, 7ª ed., 2003, pgs. 1349 e 1350).

Não restam dúvidas de que a nova redação dada ao artigo em comento não primou pela melhor técnica e, no mínimo, confundiu os institutos da competência e da coisa julgada, acabando por ferir a garantia constitucional de tutela dos interesses transindividuais.

Nesse diapasão, a melhor solução para a controvérsia, s.m.j., é a de que a regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator" de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. Ou seja, quando o dano for local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; por outro lado, quando o dano for de âmbito regional, assim considerado aquele que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada.

Esse tem sido o posicionamento adotado nesta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. ADEQUAÇÃO DO PROCEDIMENTO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. INEXISTÊNCIA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROPOSITURA DE AÇÃO COLETIVA TENDO COMO OBJETO DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PRESENÇA DO RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. LEIS NºS 7.347/85 E 8.078/90. COMPROVAÇÃO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. DIREITO ADQUIRIDO. EPI OU EPC. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. ART. 57, § 5º, DA LB E 28 DA LEI N.º 9.711/98.

1. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA em que se discute, como questão prejudicial, sobre a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não deve ser confundida com a AÇÃO Direta de Inconstitucionalidade. A ADIN, sendo processo de natureza objetiva, em que não há partes (na acepção estrita do termo), a par de cumprir função precípua de salvaguarda do sistema constitucional, tutela direitos abstratamente considerados. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA, de sua vez, mesmo quando tenha por fundamento a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo do Poder Público, é destinada à proteção de direitos e interesses concretos.

2. O Ministério Público Federal tem legitimidade para de promover AÇÃO CIVIL PÚBLICA visando à proteção de direitos individuais homogêneos, contanto que esteja configurado o interesse social relevante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.

3. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei n.º 8.078/90, entendendo-se que os 'limites da competência territorial do órgão prolator', de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim: a) quando o dano for de âmbito local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o dano for de âmbito regional, assim considerado o que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área prejudicada. (grifamos)

(...)

(AC 2000.71.00.030435-2/RS, 5ª Turma, unânime, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 29-10-2002, p. 638)

Na presente ação civil pública, o dano resultante da conduta da Autarquia Previdenciária no cálculo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, tem, por óbvio, amplitude nacional, de modo que a violação ou ofensa ao direito somente poderá ser evitada se a decisão produzir efeito em todo o território nacional. Todavia, tendo sido a ação ajuizada na Subseção Judiciária de Joinville/SC, e não em uma capital ou Distrito Federal, não há como dar-lhe a abrangência nacional que poderia vir a ter.

Outrossim, qualquer outra interpretação, no sentido de restringir a abrangência das decisões em ações civis públicas aos limites territoriais de seu órgão prolator, contraria a própria teleologia das ações coletivas, que visam a garantir maior acesso à jurisdição, sem, contudo, sobrecarregar o Poder Judiciário com milhares de ações versando sobre matéria idêntica.

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL. VERBAS ALIMENTARES RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. É em razão da relevância do caráter alimentar das verbas percebidas de boa-fé que se invocam os princípios de direito pautados na razoabilidade, proporcionalidade, dignidade da pessoa humana que remetem ao princípio da supremacia e irrepetibilidade dos alimentos. 2. Tratando-se de valores recebidos em decorrência de decisão judicial posteriormente cassada, não é razoável argumentar simplesmente que a parte assumiu o risco de sucumbir. Tal postura, considerando-se que, de regra, em matéria previdenciária, a parte postulante é hipossuficiente ou depende do benefício como único meio de sobrevivência, acaba por afrontar o princípio constitucionalmente assegurado a qualquer cidadão, qual seja, o de petição. 3. Há que se privilegiar os princípios já referidos, vez que não se está diante de verbas que decorrem de aplicações financeiras, pautadas em outros princípios decorrentes de negócios jurídicos, mas sim de alimentos que, por óbvio, já foram consumados. 4. Não se tratando de reconhecimento de inconstitucionalidade de artigo de lei, mas mero conflito entre uma norma e um princípio geral de direito, não há razão para acolher a questão de ordem proposta. Em momento algum foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 115 da Lei 8.213/91, tendo a discussão se restringido à interpretação sistemática da legislação de regência, razão pela qual não se pode cogitar de ofensa ao princípio da reserva de plenário (full bench clause). 5. Trata-se de um caso de antinomia de normas, pois esta "representa um conflito entre duas normas, entre dois princípios, entre uma norma e um princípio geral de direito e sua aplicação prática a um caso particular", ou ainda, "é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular". (DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 6ª ed. S. Paulo: Saraiva, 2005, p. 15 e 19). 6. No caso dos autos, é patente a relevância social dos interesses em jogo, e ação civil pública, portanto, é o instrumento adequado, face à economia e praticidade da medida, a obviar o inconveniente do ajuizamento de centenas de ações individuais e a injustiça de não se reparar o prejuízo daqueles que, por ignorância ou dificuldade de meios, não vão à Justiça vindicar seus direitos. 7. A despeito das vantagens do uso das ações coletivas, não restam dúvidas de que o ponto que gera maiores controvérsias e discussões acerca do instituto da ação civil pública, diz respeito aos efeitos da decisão emanada pelo Órgão Julgador e sobre qual território estaria em vigor tal comando judicial. 8. A interpretação mais apropriada para o artigo 16 da LACP sem dúvida é aquela constante nos votos vencedores do RESP 411.529/SP, onde se mantém a eficácia declaratória da decisão judicial, em decorrência da força cogente estatal, oponível a todos, conciliando as regras de competência territorial do art. 93, com o artigo 2º da LACP, sob o comando do art. 21 da LACP, portanto, com qualidade de competência absoluta, o que equivale dizer que a extensão do dano é que definirá a competência para o caso concreto, fazendo com que a decisão proferida abarque toda coletividade. 9. Tal entendimento não afasta a possibilidade da ACP ter abrangência e eficácia restrita, a qual, principalmente se tratando de matéria previdenciária, essa é a exceção e não a regra. 10. A regra do art. 16 da Lei nº 7.347/86 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CPC. 11. Tratando-se de dano de âmbito nacional, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada. 12. A regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator" de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. Ou seja, quando o dano for local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; por outro lado, quando o dano for de âmbito regional, assim considerado aquele que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada. 13. In casu o dano resultante da conduta da Autarquia Previdenciária em cobrar os valores decorrentes da majoração do coeficiente da pensão por morte, tem, por óbvio, amplitude nacional, de modo que a violação ou ofensa ao direito somente poderá ser evitada se a decisão produzir efeito em todo o território nacional. 14. Qualquer outra interpretação, no sentido de restringir a abrangência das decisões em ações civis públicas aos limites territoriais de seu órgão prolator, contraria a própria teleologia das ações coletivas, que visam a garantir maior acesso à jurisdição, sem, contudo, sobrecarregar o Poder Judiciário com milhares de ações versando sobre matéria idêntica.

Concluindo, estou acompanhando o relator, todavia com a ressalva acerca da possibilidade de abrangência nacional em casos análogos nos quais as ações civis públicas sejam ajuizadas nas capitais ou no Distrito Federal.

(...)

Desta forma, este processo segue produzindo efeitos em relação a todo o território nacional, com exceção da Seção Judiciária da Bahia, na qual existe ação civil pública proposta pela DPU.

A evolução da jurisprudência do próprio STJ veio a se consolidar nesta linha, exemplo disso o AgInt no REsp 1668939/RS, Relator Min. Francisco Falcão, SEgunda Turma, Dje 22.10.2019:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022DO CPC/2015. INEXISTENTE. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO CIVIL ORIGINÁRIA.INTERESSE COLETIVO E INDIVISÍVEL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A RESPECTIVA PROPOSITURA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 103 DA LEI N. 8.213/91. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DEFICIÊNCIA RECURSAL. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS N. 283 E 284 DA SÚMULA DO STF.

I- Na origem, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública com o objetivo de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social -INSS a elaborar e executar plano de digitalização de procedimentos administrativos relativos à sua rotina de trabalho, bem como a restaurar autos extraviados ou a pagar indenização nos casos em que a restauração não fosse possível. Os pedidos foram julgados parcialmente procedentes, no sentido de determinar a restauração de procedimentos administrativos extraviados, mediante requerimento de legítimo interessado, e divulgação da sentença em jornal de circulação local. O Tribunal a quo, ao apreciar os recursos interpostos, reformou parcialmente a decisão de primeira instância,no sentido de estender a eficácia da ação civil aos três estados que compõem a 4ª Região. Nesta Corte deu-se provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal para para ampliar para o território nacional a abrangência dos efeitos da coisa julgada na ação civil pública originária do presente feito.

II - Cumpre analisar a alegação do INSS no sentido de violação do art. 1.022 do CPC/2015, porquanto prejudicial a todas as demais alegações recursais das partes. O INSS sustenta a existência de duas omissões pelo Tribunal a quo.

III - A pretensão não merece acolhida, pois não se vislumbra a alegada omissão das questões jurídicas apresentadas pelo recorrente,tendo o julgador abordado a controvérsia tal qual apresentada pelas partes e deliberado sobre os respectivos temas.

IV - Observa-se que a autarquia se volta contra o fato de a decisão não ter acolhido a tese por ela defendida, decidindo de forma contrária a seus interesses, situação que não ampara a alegação de omissão, sendo de rigor o afastamento da violação do art. 1.022 do CPC/2015, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

V - Sobre a invocada ilegitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da ação civil originária, a instância ordinária considerou que o pedido nesta ação diz respeito a interesse coletivo e indivisível, sendo legítimo o Ministério Público para a respectiva propositura, nos moldes da jurisprudência do STJ: EREsp n.1.378.938/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial,julgado em 20/6/2018, DJe 27/6/2018; AgRg no AREsp n. 611.299/SP,Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/6/2016,DJe 5/9/2016.

VI - No que diz respeito à alegação de violação do art. 103 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o acórdão recorrido não analisou seu conteúdo, pelo que carece o recurso do indispensável requisito do prequestionamento, ensejando a incidência do Enunciado Sumular n. 282/STF.VII - O reexame do acórdão recorrido, em confronto com as razões do recurso especial, revela que tal fundamento, utilizado de forma suficiente para manter a decisão proferida no Tribunal a quo, não foi rebatido no apelo nobre, o que atrai os óbices das Súmulas n.283 e 284, ambas do STF.

VIII - Relativamente à alegação de violação do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, este Tribunal tem entendimento jurisprudencial firmado no sentido de que a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas é determinada pelo pedido, pelas pessoas afetadas e que a imutabilidade dos efeitos que uma sentença coletiva produz deriva de seu trânsito em julgado e não da competência do órgão jurisdicional que a proferiu. Nesse sentido: AgInt no REsp n.1.659.842/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em7/12/2017, DJe 18/12/2017; EDcl no AgInt no AREsp n. 965.951/PR,Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em25/4/2017, DJe 8/5/2017; AgInt no REsp 1457464/SP, Rel. MinistroFRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe18/12/2018; REsp n. 1.696.980/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin,Segunda Turma, julgado em 16/11/2017, DJe 19/12/2017.IX - No julgamento do REsp. n. 1.243.887/PR, sob o rito dos recursos repetitivos, a Corte Especial fixou a interpretação a ser conferida ao art. 16 da Lei da Ação Civil Pública (alterado pelo art. 2º-A da Lei n. 9.494/97), no sentido de que "se o dano é de escala local,regional ou nacional, o juízo competente para proferir sentença,certamente, sob pena de ser inócuo o provimento, lançará mão de comando capaz de recompor ou indenizar os danos local, regional ou nacionalmente, levados em consideração, para tanto, os beneficiários do comando, independentemente de limitação territorial".

X - Correta, portanto, a decisão agravada que deu provimento ao recurso para para ampliar para o território nacional a abrangência dos efeitos da coisa julgada na ação civil pública originária do presente feito.

XI - Agravo interno improvido.

Considerando ainda que o STF finalmente decidiu, agora em junho do corrente ano, que o art. 16 da LACP é inconstitucional, não há mais espaço para discutir acerca da limitação dos efeitos da sentença em Ação Civil Pública:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 16 DA LEI 7.347/1985, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.494/1997. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA AOS LIMITES DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL DO ÓRGÃO PROLATOR. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS. 1. A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua pela efetividade. 2. O sistema processual coletivo brasileiro, direcionado à pacificação social no tocante a litígios meta individuais, atingiu status constitucional em 1988, quando houve importante fortalecimento na defesa dos interesses difusos e coletivos, decorrente de uma natural necessidade de efetiva proteção a uma nova gama de direitos resultante do reconhecimento dos denominados direitos humanos de terceira geração ou dimensão, também conhecidos como direitos de solidariedade ou fraternidade. 3. Necessidade de absoluto respeito e observância aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional. 4. Inconstitucionalidade do artigo 16 da LACP, com a redação da Lei 9.494/1997, cuja finalidade foi ostensivamente restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência, acarretando grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, bem como à total incidência do Princípio da Eficiência na prestação da atividade jurisdicional. 5. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS DESPROVIDOS, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: "I - É inconstitucional a redação do art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494/1997, sendo repristinada sua redação original. II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor). III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional e fixada a competência nos termos do item II, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas". (RE 1101937, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-113 DIVULG 11-06-2021 PUBLIC 14-06-2021)

Não procede o recurso do INSS no ponto.

2- Alegação necessidade de declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91

Quando do despacho do ev. 22 já havia me manifestado acerca do tema:

A liminar fez referência a dois eixos de argumentação, um infra-legal outro constitucional, porém foi deferida sob o argumento da inconstitucionalidade, na linha de que não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

Isto porque perdurando o desconto dos valores indevidamente pagos a quem, inicialmente, o INSS entendeu detentor do direito, estará sendo vilipendiado o princípio do valor mínimo e reduzida a supremacia da norma constitucional. Não se cuida de inconstitucionalidade da norma prevista no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido;

Trata-se de aparente antinomia, que deve ser solucionada pela prevalência das regras e princípios constitucionais sobre as normas inferiores. Ante o conflito entre dois valores consagrados pela ordem jurídica, prevaleceria aquele mais caro aos fundamentos do Estado: a dignidade da pessoa humana.

É certo que repugna à consciência jurídica de qualquer cidadão o enriquecimento sem causa, porém não se pode negar a esse mesmo cidadão as condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela administração.

Nesta hipótese, deve ficar vedado o desconto que reduza a importância a ser recebida a patamar inferior ao piso mínimo constitucional.

Tal orientação não implica declaração de inconstitucionalidade de qualquer dispositivo legal, mas tão-somente a de impossibilidade de se efetuar os descontos procedidos no caso de benefício de valor mínimo, à luz do texto constitucional:

Art. 201, § 2º, da Constituição Federal assim dispõe:

Nenhum beneficio que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo.

A hipótese é de interpretação da norma infraconstitucional à luz da Carta Maior, com base em precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, e conquanto haja espaço para se afirmar a autorização para desconto de valores pagos indevidamente que não os de valor mínimo (inclusive sendo a questão objeto de repetitivo - Tema 979 -, sem o distinguishig quanto ao fundamento de inviabilidade de desconto de benefícios de valor mínimo) tenho que não é possível nenhum benefício ser reduzido aquém do salário mínimo legal.

Quando muito, poder-se-ia cogitar no caso de interpretação conforme a Constituição, a propósito da qual já entendeu o Supremo Tribunal Federal que não se confunde com a declaração de inconstitucionalidade da norma a que se refere o art. 97 da Constituição.

Logo, não bastasse a natureza alimentar de que se revestem as prestações previdenciárias, não se pode olvidar, tendo em conta as peculiaridades destes indivíduos que se mantém com o mínimo legal, a certeza de terem comprometida a sua capacidade de subsistência e de promoção de sua dignidade.

Assim fiz sob a convicção de que autorizar o desconto do benefício mínimo configuraria verdadeira violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, cristalizado no texto constitucional. E este princípio nutre e atua em todos os direitos estampados na Constituição, desde os clássicos, como a vida e a liberdade, até os conquistados mais recentemente pela sociedade, a duras penas, como os direitos Previdenciários.

Como se vê, os fundamentos da liminar que deferi quanto à impossibilidade de devolução, pelo segurado, de valores recebidos indevidamente, de boa-fé, por erro da administração, embora perpasse pela natureza alimentar dos benefícios previdenciários o cerne da liminar deu-se com base na convicção de que não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

Observe-se que o decidido se deu mediante fundamentação constitucional (obediência aos comandos insculpidos no art. 201, § 2º, da Constituição da República) e embora tenha feito referência à norma infraconstitucional (subsunção à tese segundo a qual os comandos normativos contidos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 e no art. 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/99, devem ser relativizados no caso de benefício de valor mínimo) o fundamento constitucional invocado é suficiente e autônomo à preservação do decisum.

Aliás, esta desvinculação se confirma na circunstância de que o STJ vem inadmitindo os recursos do INSS quando não interposto recurso Extraordinário concomitante, tese segundo a qual "é inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário". (Nesta linha Agravo Interno não provido - AgInt no REsp 1584711/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 08/09/2016).

Decisões do próprio STF vêm reiterando que as hipóteses legais de vedação de desconto não importam declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/19.

O STF, quando instado a decidir sobre o tema, vem entendendo pela inaplicabilidade do art. 115 da Lei 8.213/91 nas hipóteses de inexistência de má-fé do beneficiário. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v.g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia.

Um dos precedentes, da relatoria da Ministra Rosa Weber, embora não vinculante, bem sinaliza para a orientação do STF quanto ao tema:

"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO RECEBIDO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DEVOLUÇÃO. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ E CARÁTER ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CF. RESERVA DE PLENÁRIO: INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.9.2008. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito à repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, ARE 734199 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 09/09/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-184 DIVULG 22-09-2014 PUBLIC 23-09-2014

Logo, não se aplica ao caso a declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, a hipótese é de não incidência do dispositivo legal, porque não concretizado o seu suporte fático.

Também no ponto não merece acolhida o recurso do INSS.

3 - A questão que antecede o limite dos recursos interpostos foi objeto de deliberação em tema repetitivo do Superior Tribunal de Justiça.

Devolução de valores recebidos por interpretação errônea, erro material ou operacional do INSS

Na pretensão ressarcitória do INSS, cumpre identificar se existe boa-fé do segurado que recebe valores indevidamente. Em sentido semelhante, aliás, este Tribunal já entendia que a demonstração da má-fé daria ensejo à repetição. Assim, por exemplo:

BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO RECEBIDO INDEVIDAMENTE. DECLARAÇÃO FALSA PARA OBTENÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. MÁ-FÉ CONFIGURADA. RESSARCIMENTO DEVIDO. 1. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados. 2. A afirmação da autora ao requerer a aposentadoria por idade rural de que não recebia qualquer outro benefício, quando, na verdade, vinha recebendo aposentadoria por invalidez há mais de três anos, evidencia a má-fé da beneficiária. (TRF4, AC 0006008-63.2013.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 20/04/2016).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE. PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR JUNTO AO CADIN. INCABÍVEL. 1. É indevida a repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, em virtude do caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos artigos. 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Precedentes desta Corte. 2. Ausente a comprovação de comportamento doloso, fraudulento ou de má-fé por parte do recorrente, deve ser deferida a liminar para que o INSS se abstenha de inscrever o nome do autor junto ao CADIN até final julgamento da ação originária. (TRF4, AG 0001792-15.2015.404.0000, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 28/09/2015).

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ. PRESCRIÇÃO. 1. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, §5º, da Constituição Federal, deve ser compreendida restritivamente, uma vez que atentaria contra a segurança jurídica exegese que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento decorrente de qualquer ato ilícito. 2. No que tange à prescrição a jurisprudência assentou entendimento de que em dívida de direito público, o prazo prescricional é qüinqüenal. 3. O pagamento originado de decisão administrativa devidamente motivada à luz das razões de fato e de direito apresentadas quanto do requerimento, tem presunção de legitimidade. 4. Evidenciada a boa-fé, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, dada a finalidade de prover os meios de subsistência a que se destina o benefício previdenciário. (TRF4, AC 5003822-52.2014.404.7216, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 30/06/2016).

O Superior Tribunal de Justiça, posteriormente, pacificou o assunto em exame de matéria repetitiva (Tema 979, STJ). A tese jurídica fixada foi a seguinte:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021).

Além disso, no mesmo julgamento, foi definida a necessidade de modulação para que os efeitos do representativo de controvérsia atingissem "os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão", isto é, a partir de 23/04/2021. Do julgamento em tela, é possível extrair as seguintes conclusões:

(i) o pagamento decorrente de interpretação errônea da lei não é suscetível de repetição;

(ii) o pagamento decorrente de erro material ou operacional é suscetível de repetição, salvo comprovação da boa-fé do segurado;

(iii) a exigência de comprovação da boa-fé vale para os processos distribuídos a partir de 23 de abril de 2021;

(iv) a repetição, quando admitida, permite o desconto do percentual de até 30% do valor do benefício do segurado.

Na aferição da boa-fé, conforme o Superior Tribunal de Justiça, é preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento" (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, p. 31).

Cabe adicionar que a simples entrega de prestação previdenciária com a ausência dos pressupostos para a concessão, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável o exame do elemento subjetivo.

Por fim, sobre a possibilidade de desconto para recuperar a quantia paga indevidamente, não houve deliberação do STJ sobre o resguardo ao patamar mínimo do benefício.

Ora, o art. 201, § 2º, da CF/88 estabelece que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo". Assim, a aposentadoria não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir a dignidade da pessoa do segurado.

Nesse contexto, embora se permita o desconto de até 30% do valor do benefício para fins de repetição, a quantia resultante não pode ser inferior a um salário mínimo. Nesse exato sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. BENEFÍCIO EM VALOR MÍNIMO.1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.2. De acordo com a orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. (TRF4, APELREEX 0019953-83.2014.404.9999, Quinta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 28/01/2015)

PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. PAGAMENTOS FEITOS INDEVIDAMENTE. DESCONTO DO BENEFÍCIO EM MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. SALÁRIO MÍNIMO. 1. Hipótese em que devida a remessa oficial. 2. Dada a manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, a norma do inciso II do art. 115 da Lei nº 8.213/91 deve restringir-se às hipóteses em que, para o pagamento a maior feito pela Administração, tenha concorrido o beneficiário. Precedentes do STJ pela aplicação do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução dos alimentos. 3. Em se tratando de benefício com proventos fixados em um salario mínimo, incabível qualquer desconto, sob pena de violação ao art. 201, § 2 º, da CF/88, na redação dada pela EC nº 20/98. (TRF4, AC 2008.70.14.000273-0, Quinta Turma, Relator João Batista Lazzari, D.E. 03/08/2009)

Concluo, portanto, que traduz afronta à Constituição a realização de desconto sobre benefício de um salário mínimo para cobrança de valores pagos indevidamente por força de erro material ou operacional. Caberá ao INSS, conforme o caso, buscar outros meios idôneos para a recuperação do crédito.

4 - Verificada hipótese de cabimento dos descontos alinhadas ao Tema 979 - correção da Resolução INSS/PRES 185/12, editada para regulamentar o cumprimento do artigo 154, II e § 3º, do Decreto nº 3.048/99

A sentença ao apreciar o mérito da questão posta invoca a necessidade de, até por tratamento isonômico e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade, se estabelecer a possibilidade de que o percentual de desconto dos segurados reste, em alguns casos, igual àquele previsto para os servidores públicos, para as situações nas quais a renda mensal do segurado seja da metade daquela usada pelo INSS como fator de discriminen, ou seja, para rendas mensais de até 3 salários mínimos.

Embora não tenha feito referência aos parâmetros estabelecidos no Tema 979 por evidente precedência temporal, qualquer disposição deve conformar-se aos parâmetros impositivos ali determinados.

Assim deixou consignado quanto ao exame de mérito:

Por fim, cabe ressaltar, como já salientado na decisão do evento 41, que este processo segue produzindo efeitos em relação a todo o território nacional, com exceção da Seção Judiciária da Bahia, na qual existe ação civil pública proposta pela DPU em relação à impossibilidade de que a renda mensal dos benefícios reste inferior ao salário mínimo nacional, sendo que, ainda naquela SJ da Bahia, o restante dos pedidos formulados neste feito (ou seja, com exceção da letra 'd.1.3' na página 20 da inicial), produzirá igualmente efeitos.

Passo, portanto, a apreciar o mérito da pretensão formulada.

Tenho que o pedido, por sua própria complexidade e abrangência, impõe sejam deliberadas individualmente as seguintes questões:

  • possibilidade de fixação de faixas de desconto variadas entre 0 e 30%, estabelecendo-se proporcionalidade;

  • admissibilidade de estabelecimento de novas faixas diferenciadas de desconto, para rendas inferiores a 6 salários mínimos;

  • vedação da realização de descontos nas hipóteses em que a renda mensal do benefício, após tais débitos, reste inferior ao salário mínimo nacional; e

  • imediata aplicação dos percentuais de descontos determinados independentemente de necessidade de expresso e prévio requerimento pelo segurado.

Passo, pois, à análise, inicialmente em relação às pretensões de estabelecimento de percentuais variados de desconto, incluindo percentuais inferiores a 20% (mínimo hoje admitido pelo INSS), assim como diferenciando outras faixas de renda (já que o atual critério se resume a rendas mensais abaixo e acima de 6 salários mínimos).

Cabe aferir, portanto, o modo de efetivação de tal descontos. A discussão passa, inicialmente, pela análise da aplicabilidade do artigo 115 da Lei nº 8.213/91, que assim preceitua:

"Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

...

II - pagamento de benefício além do devido;

...

§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.

§ 2o Na hipótese dos incisos II e VI, haverá prevalência do desconto do inciso II."

Como se vê, referido preceito seria a base legal invocada pelo INSS para proceder aos descontos administrativamente dos valores pagos a maior. Desde logo, necessário frisar que tal diploma legislativo não possui nenhuma especificação sobre modo do desconto e percentuais mínimos e máximos, sendo tal disciplina objeto de regulamentação no Decreto nº 3.048/99:

"Art.154. O Instituto Nacional do Seguro Social pode descontar da renda mensal do benefício:

...

II - pagamentos de benefícios além do devido, observado o disposto nos §§ 2º ao 5º;

...

§ 2º A restituição de importância recebida indevidamente por beneficiário da previdência social, nos casos comprovados de dolo, fraude ou má-fé, deverá ser atualizada nos moldes do art. 175, e feita de uma só vez ou mediante acordo de parcelamento na forma do art. 244, independentemente de outras penalidades legais.

§ 3º Caso o débito seja originário de erro da previdência social, o segurado, usufruindo de benefício regularmente concedido, poderá devolver o valor de forma parcelada, atualizado nos moldes do art. 175, devendo cada parcela corresponder, no máximo, a trinta por cento do valor do benefício em manutenção, e ser descontado em número de meses necessários à liquidação do débito.

..."

Da previsão do referido artigo 154 do Decreto nº 3.048/99 é que surge a convicção autárquica pela possibilidade de efetivação dos descontos nos moldes do asseverado na inicial, qual seja, em 30%. De início, registre-se, por lealdade da redação, que tal percentual de 30%, usualmente adotado e aceito na prática como o devido é, na estrita previsão daquele diploma regulamentar, o percentual máximo de desconto cabível.

O INSS, através da Resolução nº 185/12 regulamentou a questão, estabelecendo em síntese, o seguinte regramento: a) na hipótese de benefícios com renda mensal superior a 6 salários mínimos, o percentual de desconto seria sempre o máximo, ou seja, de 30%; b) para benefícios com renda mensal inferior a 6 salários mínimos, o desconto seria de 20% (titular menor de 21 ou maior de 53 anos de idade) ou 25% (titular com idade entre 21 e 53 anos).

Não desconheço que poder-se-ia, eventualmente estabelecer outros critérios de diferenciação do percentual de desconto além daqueles dois escolhidos pela autarquia, ou seja, idade e renda mensal do benefício. Com efeito, quiçá mesmo fosse adequado ainda que mantidos apenas tais elementos de discriminação, os mesmos sofressem maior subdivisão com fixação, por exemplo, de percentual diferenciado para situações de renda mensal de até 2 salários mínimos. No entanto, ainda que relevantes e sedutores os fartos argumentos tecidos pelo Ministério Público Federal, tenho que, com a devida vênia, não há afronta à proporcionalidade constitucionalmente garantidas! Isto porque a norma administrativa editada estabeleceu uma proporcionalidade, tanto que fixou 3 parâmetros/percentuais diversos de desconto a ser efetuado a título de reposição pelos segurados. O que se pode discutir, se for o caso, é a extensão da proporcionalidade aplicada, se deveria esta norma administrativa prever mais percentuais ou maiores faixas de renda mensal para adoção e aplicação do débito. Não vejo, porém, como nesta seara se imiscuir o Poder Judiciário, devendo ser prestigiada, quando não absurda, a opção do administrador.

No que tange à razoabilidade, no entanto, tenho que mister se faz procedimento e conclusão diversos! Ocorre que na previsão daquela Resolução 185/12, possuindo o segurado, atualmente, uma renda de R$ 880,00 (um salário mínimo) ou R$ 5.279,00 (menor que seis salários mínimos), o percentual de desconto será ou de 20% ou de 25%, conforme sua idade! Não bastasse a amplitude da faixa salarial adotada (a qual, s.m.j., abarcaria a totalidade dos benefícios pagos dentro do 'teto' do INSS), veja-se que, hipoteticamente um segurado com a renda máxima desta faixa (R$ 5.279,00) e o desconto mínimo (20%), efetuaria mensalmente um desconto de R$ 1.056,00, ou seja, superior à renda mensal do segurado com renda mínima desta faixa (R$ 880,00). Tenho que não há como reunir sob a mesma previsão a quase absoluta totalidade dos beneficiários da Previdência Social, não sendo tal a correta aplicação da razoabilidade constitucional e, mais ainda, a regra isonômica.

Se é certo que o salário mínimo nacional infelizmente não se faz de modo real suficiente para o efetivo sustento e atendimento das mínimas necessidade de sobrevivência da família, também correto é que, quanto mais próxima do salário mínimo é a renda mensal mais delicada é a situação econômica do grupo familiar. Sendo assim, não vejo como deixar de reconhecer que outra faixa de diferenciação deva ser criada e, tanto quanto possível, harmonizada com a atual previsão do ato administrativo.

Veja-se o díspar tratamento havido a partir do momento em que o segurado do INSS tem previstos descontos que variam de 20 a 30% enquanto o servidor público tem diverso tratamento. Sinale-se, de pronto, que para o servidor público o que a norma prevê é o valor mínimo a ser objeto de desconto, sendo este de 10%, nos moldes do artigo 46,§ 1º da Lei nº 8.112/90! Não há previsão de valor máximo na Lei! Já para o segurado do INSS, o que há é o inverso, com previsão do percentual máximo de 30% sem a fixação de um percentual mínimo. Ora, na prática - e a própria admissão pelo INSS de que o sistema automaticamente comanda o percentual de 30% até que ocorra expresso pedido pelo segurado assim demonstra - tais percentuais fixados numa e noutra legislação como mínimo (RJU/RPPS) e máximo (RGPS) findam por se tornar unificados, não sendo aumentado o desconto dos servidores ou diminuído dos segurados!

Sendo assim, tenho que, até por tratamento isonômico e em atenção à razoabilidade e proporcionalidade, deve ser estabelecido pelo INSS a possibilidade de que o percentual de desconto dos segurados reste, em alguns casos, igual àquele previsto para os servidores públicos, ou seja, de 10% (dez por cento)! Tendo em conta os critérios utilizados pela autarquia na elaboração da Resolução sub examine, vejo como adequados e razoáveis que sejam estabelecidos novos preceitos para as situações nas quais a renda mensal do segurado seja da metade daquela usada pelo INSS como fator de discriminen, ou seja, para rendas mensais de até 3 salários mínimos. Não vejo como, porém, estabelecer percentual abaixo dos 10% (dez por cento) não apenas pela necessidade de observância, também na via de um mínimo de pagamento mensal obrigatório, da isonomia com os servidores assim como pela necessidade de que os débitos sejam razoavelmente atendidos no tempo, sendo percentuais inferiores a esta décima parte irrazoáveis.

Por conseguinte, tenho que deva a presente demanda, neste aspecto, ser julgada parcialmente procedente a fim de que o INSS altere sua Resolução INSS/PRES nº 185/12 para que passem a ser previstos os seguintes descontos:

a) na hipótese de benefícios com renda mensal superior a 6 salários mínimos, o percentual de desconto será sempre o máximo, ou seja, de 30%; (já previsto);

b) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários mínimos, o desconto será de 20% (titular menor de 21 ou maior de 53 anos de idade) - em negrito itálico a alteração que se faz necessária para limitação da faixa de renda;

c) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários mínimos, o desconto será de 25% (titular maior de 21 ou menor de 53 anos de idade) - em negrito itálico a alteração que se faz necessária para limitação da faixa de renda;

d) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários mínimos, o desconto será de 10% (titular menor de 21 ou maior de 53 anos de idade) - nova hipótese/faixa de aplicação do desconto, equivalente à metade do percentual da faixa salarial superior e idêntica situação etária; e

e) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários mínimos, o desconto será de 12,5% (titular maior de 21 ou menor de 53 anos de idade) - nova hipótese/faixa de aplicação do desconto, equivalente à metade do percentual da faixa salarial superior e idêntica situação etária.

Em relação à necessidade de que haja o prévio requerimento administrativo pelo segurado para que seja aplicado o adequado percentual de desconto, deve também ser acolhido o pleito para determinar à autarquia que assim o proceda de ofício e imediatamente quando do 'comando' no sistema administrativo em relação ao débito. Com efeito, razoável a necessidade de pedido expresso do segurado para a hipótese em que pretende ele o reconhecimento de alguma situação que dependa de instrução ou análise administrativa ou de benefício não previsto em regulamento ou ato administrativo interno. No entanto, necessitar o cidadão requerer ao INSS que aplique a sua própria Instrução Normativa, cujo conhecimento, aliás, não é presumivelmente tido para todos os brasileiros já que destituída de força legal, não é nem razoável e nem tampouco aceitável! Sendo assim, deverá a autarquia, a partir do trânsito em julgado da decisão, estabelecer de modo automático a implantação no sistema dos descontos nos percentuais previstos no ato administrativo respectivo, independentemente de prévio pedido do segurado.

No entanto, outra questão imperiosa se faz necessária fixar. Ocorre que, embora se reconheça a legalidade dos descontos efetuados pelo INSS administrativamente em relação aos benefícios, na forma do artigo 115 da Lei nº 8.213/91 e do artigo 154 do Decreto nº 3.048/99, tenho que, de acordo com farta jurisprudência, não é cabível tal desconto quando o valor remanescente da renda mensal do segurado reste inferior ao salário-mínimo. Como se vê, o entendimento jurisprudencial sedimentado na 4ª Região é exatamente neste sentido, adotando o valor mínimo do benefício como limite a ser considerado após aplicado o desconto pretendido pela autarquia. Exemplificativamente, na linha do entendimento hoje esposado pela Corte Regional da 4ª Região, segurado que percebesse R$ 1.000,00 (hum mil reais) de renda mensal, não poderia ter aplicado o desconto do percentual de 30%, com o que a renda reduzir-se-ia a R$ 700,00, devendo restar limitado o desconto no valor do salário - mínimo. Neste sentido, os seguintes arestos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

'PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. ART. 115, II, DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE. ART. 201, § 2º DA CF/88.

1. A teor do disposto no art. 115, II, da Lei 8.213/91, o INSS pode descontar da renda mensal do benefício os pagamentos efetuados além do devido, respeitando, quando o débito for originário de erro da Previdência Social, o limite de 30% do valor do benefício em manutenção, conforme os termos do art. 154, § 3º, do Decreto 3.048/99.

2. Ainda que respeitado o limite previsto em lei, os descontos que reduzam os proventos do segurado à quantia inferior ao salário mínimo ferem a garantia constitucional de remuneração mínima e atentam contra o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.

3. De acordo com a orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.' (TRF4, AMS 2005.71.04.002599-0, Sexta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DJ 28/06/2006)

'PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. DESCONTO DE VALORES PAGOS A MAIOR. IMPOSSIBILIDADE. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. ART. 201, § 2º DA CF/88.

1. O art. 115, inc. II, da Lei n.º 8.213/91 possibilita o desconto, da renda mensal do benefício do segurado, dos pagamentos efetuados além do devido, assim compreendido benefício recebido indevidamente acumulado, sendo previsto, ainda, que referido desconto se dará em parcelas.

2. Em se tratando de verba de caráter alimentar, ainda que paga equivocadamente, mas recebida de boa-fé pela segurada idosa, é afastado o desconto a incidir sobre benefício remanescente de valor mínimo, desde que tais recursos são imprescindíveis para fazer frente às dificuldades e debilitação da saúde, próprios da idade avançada. Observância do princípio da segurança jurídica, da garantia constitucional de remuneração mínima (art. 201, § 2º, CF), e da própria previsão do Estatuto do Idoso (art. 20, Lei 10741/03).' (TRF4, APELREEX 2009.72.99.001822-0, Quinta Turma, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 30/11/2009)

Sendo assim, determino seja comunicado ao INSS para que, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado, cesse automática e independentemente de prévio requerimento administrativo dos segurados, quaisquer descontos efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário-mínimo nacional (situação a). De igual modo, para os benefícios com renda mensal superior ao salário-mínimo, embora possível a realização dos descontos, deverá a autarquia limitá-los de modo que a renda mensal atual dos benefícios, após efetuado o débito, não reste inferior àquele salário-mínimo nacional (situação b).

Esclareço, a exemplo do já ocorrido na decisão do evento 24, que os descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social e recebidos de boa-fé (inciso II, artigo 115, Lei nº 8.213/91) devem incidir anteriormente àqueles referentes a empréstimos e operações financeiras (inciso VI) e mensalidades (inciso V) e posteriormente aos de natureza tributária (incisos I e III) e alimentícia (inciso IV).

Isto porque as situações descritas nos incisos I, III e IV (contribuições previdenciárias, Imposto de Renda e pensão alimentícia) do artigo 115 devem ser de absoluta priorização quando do desconto no benefício dos segurados, sendo efetuadas anteriormente à aplicação dos descontos dos incisos II, V e VI, já que aquelas tratam de débitos do segurado de natureza tributária ou devidos por decisão judicial! Por conseguinte, acaso mediante a aplicação de qualquer desconto de contribuição, IR na fonte ou pensão alimentícia, reste a renda mensal do benefício inferior ao salário-mínimo nacional, não poderá o INSS efetuar quaisquer outros descontos a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social e recebidos de boa-fé.

A situação do inciso V, mensalidades associativas ou de entidades de aposentados, parece a este julgador ser a última, dentre as seis hipóteses arroladas, a ser priorizada, até porque da falta do desconto não decorrerá irreversível prejuízo nem ao segurado nem à entidade, já que poderá aquele procurar a instituição e efetuar o pagamento diretamente à mesma.

Por fim, nos casos dos incisos II e VI, concomitância de desconto pelo (1) pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social e recebidos de boa-fé, e (2) empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, a própria redação do § 2º determina seja prioridade a primeira situação. Assim, antes de aplicar o desconto autorizado pelo segurado para quitar os empréstimos, financiamentos e arrendamentos mercantis pactuados pelo mesmo, deverá o INSS proceder ao desconto necessário para o ressarcimento do pagamento indevido de benefício limitando-se à quantia que permita que a renda mensal não reste inferior ao salário-mínimo. Se, existindo também empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, após o desconto desta respectiva parcela restar a renda mensal inferior ao salário-mínimo, não há óbice a que o INSS proceda o débito, já que a percepção de quantia inferior ao salário-mínimo decorrerá única e exclusivamente da opção exercida pelo segurado quanto à operação comercial e à autorização de desconto em folha.

ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente Ação Civil Pública, para o fim de determinar ao INSS que edite novo ato administrativo suficiente à alteração da Instrução Normativa INSS/PRES nº 185/2012, para que passem a ser previstas as seguintes situações:

a) na hipótese de benefícios com renda mensal superior a 6 salários mínimos, o percentual de desconto será sempre o máximo, ou seja, de 30% (trinta por cento), independentemente da idade do segurado;

b) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários mínimos, o desconto será de 25% (vinte e cinco por cento), para os casos em que o titular possuir entre 21 e 53 anos de idade;

c) para benefícios com renda mensal superior a 3 e inferior a 6 salários mínimos, o desconto será de 20% (vinte por cento), para os casos em que o titular possuir menos de 21 ou mais de 53 anos de idade;

d) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários mínimos, o desconto será de 12,5% (doze e meio por cento), para os casos em que titular possuir entre 21 e 53 anos de idade; e

e) para benefícios com renda mensal inferior a 3 salários mínimos, o desconto será de 10% (dez por cento), para os casos em que o titular possuir menos de 21 ou mais de 53 anos de idade;

f ) a implantação no sistema administrativo e no SUB dos referidos percentuais de desconto deverá ocorrer de modo automático, independentemente de prévio requerimento administrativo do segurado, procedendo o servidor autárquico que alimente o sistema ou o próprio sistema diretamente ao enquadramento do percentual adequado, tendo em conta a faixa etária e renda;

g) deverão ser cessados automática e independentemente de prévio requerimento administrativo dos segurados, quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja equivalente ao salário-mínimo nacional (situação a). De igual modo, será impedido o lançamento de novos descontos em situações assim descritas; e

h) deverão ser corrigidos automática e independentemente de prévio requerimento administrativo dos segurados, quaisquer descontos que estejam sendo efetuados a título de ressarcimento pelo pagamento de benefício em valor superior ao devido, por erro da Previdência Social, para todas as situações em que o valor da renda mensal atual do benefício seja superior ao salário-mínimo, embora possível a realização dos descontos, deverá a autarquia limitá-los de modo que a renda mensal atual dos benefícios, após efetuado o débito, não reste inferior àquele salário-mínimo nacional (situação b).

Sendo assim, deverá a autarquia, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado, proceder à edição de novo ato administrativo ou alteração daquele hoje existente, atendendo às determinações supra, sob pena de estabelecimento de multa diária por descumprimento.

Nos termos da fundamentação e pela aplicação conjunta dos artigos 16 da Lei nº 7.347/85 e 103 da Lei nº 8.078/90, sendo o dano referido nos presentes autos de caráter nacional, resta a abrangência da presente decisão fixada em termos nacionais. Por fim, cabe ressaltar, como já salientado na decisão do evento 41, que este processo segue produzindo efeitos em relação a todo o território nacional, com exceção da Seção Judiciária da Bahia, na qual existe ação civil pública proposta pela DPU em relação à impossibilidade de que a renda mensal dos benefícios reste inferior ao salário mínimo nacional, sendo que, ainda naquela SJ da Bahia, o restante dos pedidos formulados neste feito (ou seja, com exceção da letra 'd.1.3' na página 20 da inicial), produzirá igualmente efeitos.

Custas, na forma da lei nº 9.289/96, artigo 4º, I e IV, indevidas.

Tendo em vista que a presente ação foi proposta pelo MPF, no uso de suas funções institucionais, dispensando o patrocínio de advogado, não são devidos honorários de sucumbência, consoante a jurisprudência do STJ sobre o artigo 18 da Lei n° 7.347/1985 (REsp 1264364/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 06/03/2012, DJe 14/03/2012).Deixo de condenar o réu ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, conforme a fundamentação supra.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Embora inegável a justeza de escalonamentos com número maior de faixas de descontos quanto menores os benefícios localizadas nos limites inferiores a seis salários mínimos do que aqueles definidos na Resolução 640, de 03 de abril/2018, juntado pelo INSS no ev. 68, em março/2021, não vejo como impor ao INSS limites desvinculados dos preceitos legais e normativos infralegais uma vez que sua atuação não é discricionária. E, de qualquer forma, houve um escalonamento, não se verificando omissão do Poder Público que justificasse intervenção judicial:

A Resolução nº 185/PRES/INSS de 15/03/2012, com alterações promovidas pela Resolução nº 640, de 03/04/2018, estabelece uma gradação dos descontos de acordo com o valor do benefício e a idade do beneficiário:

Art. 1º. Ficam estabelecidos os parâmetros para realização de consignação em benefício, com base nos termos da Lei, e o preceito de fixar a consignação em um percentual de até 30% do valor da renda do benefício.

Art. 2º. Excepcionalmente poderá ser consignado percentual menor que 30%, desde que observadas as seguintes situações:

I - para benefícios com renda mensal de até dois salários mínimos e idade do titular a contar de 70 (setenta) anos, o percentual de desconto será de 10% (dez por cento); (Incluído pela Resolução INSS 640/2018)

II - para benefícios com renda mensal de até seis salários mínimos e idade do titular menor do que 21 (vinte e um) anos e a contar de 53 (cinquenta e três) anos, o percentual de desconto será de 20% (vinte por cento); (Renumerado pela Resolução INSS 640/2018)

III - para benefícios com renda mensal de até seis salários mínimos e idade do titular igual ou maior que 21 (vinte e um) anos e inferior a 53 (cinquenta e três) anos, o percentual de desconto será de 25% (vinte e cinco por cento); e (Renumerado pela Resolução INSS 640/2018)

IV - para benefícios cuja renda mensal seja acima de seis salários mínimos, o percentual de desconto será de 30% (trinta por cento), independente da idade do titular do benefício. (Renumerado pela Resolução INSS 640/2018)

Todavia há base para intervenção judicial em prol do cidadão como já enfatizado em TRF4, AC 2004.72.02.002059-4, TERCEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 11/02/2009, "Inexiste intromissão na discricionariedade administrativa em face de omissão administrativa", do que o sistema de checks and balances é justamente o lastro para o respeito ao Princípio da Separação dos Poderes, na medida em que havendo omissão em sua regulamentação acerca da proteção constitucional da proteção à percepção do mínimo legal, pelo que no ponto deve ser mantida a sentença.

Como já decretou o Superior Tribunal de Justiça, "A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica" (REsp 879.188/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 2.6.2009).

Desta forma, na linha do que já sustentei em liminar, não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

Isto porque perdurando o desconto dos valores indevidamente pagos a quem, inicialmente, o INSS entendeu detentor do direito, estará sendo vilipendiado o princípio do valor mínimo e reduzida a supremacia da norma constitucional. Não se cuida de inconstitucionalidade da norma prevista no art. 115, II, da Lei nº 8.213/91:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento de benefício além do devido;

Trata-se de aparente antinomia, que deve ser solucionada pela prevalência das regras e princípios constitucionais sobre as normas inferiores. Ante o conflito entre dois valores consagrados pela ordem jurídica, prevaleceria aquele mais caro aos fundamentos do Estado: a dignidade da pessoa humana.

É certo que repugna à consciência jurídica de qualquer cidadão o enriquecimento sem causa, porém não se pode negar a esse mesmo cidadão as condições mínimas para a sua sobrevivência, diminuídas por um erro que a ele não pode ser atribuído, cometido unicamente pela administração.

Nesta hipótese, deve ficar vedado o desconto que reduza a importância a ser recebida a patamar inferior ao piso mínimo constitucional, com produção de efeitos desde já, nos termos em que requerido em apelação pelo MPF.

Assim resta mantida em parte a sentença.

Frente ao exposto, voto por dar parcial provimentos aos recursos.



Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002634817v24 e do código CRC c479c3d2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 5/8/2021, às 19:38:11


5056833-53.2014.4.04.7100
40002634817.V24


Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:27.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5056833-53.2014.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITAÇÃO TERRITORIAL. art. 115 da lei 8.213/91. tema 979 do STJ. RESOLUÇÕES inss/pres N. 185/2012 E 640/2018. DESCONTOS PELO PAGAMENTO DE BENEFÍCIO EM VALOR SUPERIOR AO DEVIDO POR ERRO OU MÁ INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO. ESCALONAMENTO. inexistência de omissão do Poder Público que justifique intervenção judicial. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE HUMANA E PROPORCIONALIDADE. GARANTIA DA REMUNERAÇÃO MÍNIMA.

1. A extensão do dano é que definirá a competência da Ação Civil Pública para o caso concreto, fazendo com que a decisão proferida abarque toda coletividade. Evidentemente que tal entendimento não afasta a possibilidade da ACP ter abrangência e eficácia restrita, mas em se tratando de matéria previdenciária, essa é a exceção e não a regra. Não se pode confundir as regras que buscam regular a competência para apreciar a ação com os reflexos da coisa julgada.

2. A regra do art. 16 da Lei nº 7.347/86 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), entendendo-se que os limites da competência territorial do órgão prolator, de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas sim, aqueles previstos no art. 93 do CPC.

3. Independentemente da posição que se tome acerca da intenção do legislador, é preciso ter sempre presente que a coisa julgada material não é efeito de um julgado (como o são a ordem, a condenação, a declaração, a desconstituição), e sim, na clássica lição de Liebman, uma qualidade que, num determinado momento cronológico, se agrega àqueles efeitos, tornando-os imutáveis. Essa imutabilidade, que num primeiro momento, já se formara para "dentro" do processo, introjetada perante as partes em face do esgotamento dos prazos recursais, que se convencionou chamar de preclusão máxima (coisa julgada formal), passa, no plano subsequente, a ter potencializada sua eficácia, vindo esta a se projetar também em face de terceiros, no que se convencionou chamar de efeito erga omnes, próprio da coisa julgada material. Tal projeção ocorre como condição para a plena realização prática do bem da vida assegurado no comando jurisdicional, dado o entrelaçamento das relações interpessoais na sociedade.

4. A propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, filiam-se ao entendimento de que o legislador incidiu em equívoco conceitual, registrando que a limitação territorial aos limites da coisa julgada não tem nenhuma eficácia e não pode ser aplicada às ações coletivas. Confundiram-se os limites da coisa julgada erga omnes, isto é, quem são as pessoas atingidas pela autoridade da coisa julgada, com jurisdição e competência, que nada tem a ver com o tema. Pessoa divorciada em São Paulo, é divorciada no Rio de Janeiro. Não se trata de discutir se os limites territoriais do juiz de São Paulo podem ou não ultrapassar seu território, atingindo o Rio de Janeiro, mas quem são as pessoas atingidas pela sentença paulista.5. a melhor solução para a controvérsia, s.m.j., é a de que a regra do art. 16 da Lei n.º 7.347/85 deve ser interpretada em sintonia com os preceitos contidos no Código de Defesa do Consumidor, entendendo-se que os "limites da competência territorial do órgão prolator" de que fala o referido dispositivo, não são aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim, aqueles previstos no art. 93 do CDC. Ou seja, quando o dano for local, isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios limites territoriais da comarca ou circunscrição; por outro lado, quando o dano for de âmbito regional, assim considerado aquele que se estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por expressiva parcela do território brasileiro, a competência será do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a sentença produzirá os seus efeitos sobre toda área prejudicada. Precedentes nesta linha do STJ (AgInt no REsp 1668939/RS) e do STF com repercussão geral ((RE 1101937, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/04/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-113 DIVULG 11-06-2021 PUBLIC 14-06-2021)

5. O STF, vem entendendo pela inaplicabilidade do art. 115 da Lei 8.213/91 nas hipóteses de inexistência de má-fé do beneficiário. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito, o que afasta a necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da Constituição Federal). Nesse sentido vem decidindo o STF, v.g.: AI 820.685-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie; AI 746.442-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia.

6. Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados, decorrentes de erro administrativo (material ou operacional) não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela administração, o STJ , com modulação de efeitos, entendeu que são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% do valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprove sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021). Na aferição da boa-fé, conforme o Superior Tribunal de Justiça, é preciso avaliar a aptidão do segurado "para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento" (STJ, REsp 1381734/RN, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, p. 31). Cabe adicionar que a simples entrega de prestação previdenciária com a ausência dos pressupostos para a concessão, por si só, não enseja a devolução dos valores. É indispensável o exame do elemento subjetivo.

7. O art. 201, § 2º, da CF/88 estabelece que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo". Assim, a aposentadoria não pode ser inferior ao valor mínimo, sob pena de descumprimento de preceito constitucional cujo desiderato é garantir a dignidade da pessoa do segurado. Nesse contexto, embora se permita o desconto de até 30% do valor do benefício para fins de repetição, a quantia resultante não pode ser inferior a um salário mínimo.

8. Embora inegável a justeza de escalonamentos com número maior de faixas de descontos quanto menores os benefícios localizadas nos limites inferiores a seis salários mínimos do que aqueles definidos na Resolução 640, de 03 de abril/2018, não vejo como impor ao INSS limites desvinculados dos preceitos legais e normativos infralegais uma vez que sua atuação não é discricionária. E, de qualquer forma, houve um escalonamento, não se verificando omissão do Poder Público que justificasse intervenção judicial.

9. Há base para intervenção judicial em prol do cidadão como já enfatizado em TRF4, AC 2004.72.02.002059-4, TERCEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 11/02/2009, "Inexiste intromissão na discricionariedade administrativa em face de omissão administrativa", do que o sistema de checks and balances é justamente o lastro para o respeito ao Princípio da Separação dos Poderes, na medida em que havendo omissão em sua regulamentação acerca da proteção constitucional da proteção à percepção do mínimo legal, pelo que no ponto deve ser mantida a sentença.

10. Como já decretou o Superior Tribunal de Justiça, "A discricionariedade administrativa é um dever posto ao administrador para que, na multiplicidade das situações fáticas, seja encontrada, dentre as diversas soluções possíveis, a que melhor atenda à finalidade legal. O grau de liberdade inicialmente conferido em abstrato pela norma pode afunilar-se diante do caso concreto, ou até mesmo desaparecer, de modo que o ato administrativo, que inicialmente demandaria um juízo discricionário, pode se reverter em ato cuja atuação do administrador esteja vinculada. Neste caso, a interferência do Poder Judiciário não resultará em ofensa ao princípio da separação dos Poderes, mas restauração da ordem jurídica" (REsp 879.188/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 2.6.2009). Desta forma não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimentos aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 04 de agosto de 2021.



Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002634818v7 e do código CRC 2eb7ed25.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 5/8/2021, às 19:38:11


5056833-53.2014.4.04.7100
40002634818 .V7


Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:27.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 07/07/2021

Apelação Cível Nº 5056833-53.2014.4.04.7100/RS

INCIDENTE: QUESTÃO DE ORDEM

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/07/2021, na sequência 295, disponibilizada no DE de 28/06/2021.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

ADIADO O JULGAMENTO.

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:27.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 04/08/2021

Apelação Cível Nº 5056833-53.2014.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: CLOVIS JUAREZ KEMMERICH por INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 04/08/2021, na sequência 144, disponibilizada no DE de 26/07/2021.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTOS AOS RECURSOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:27.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Teste grátis agora!