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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. MENOR DE 16 ANOS. INDÍGENA. ART. 7º, XXXIII, DA CF. NORMA PROTETIVA. TRF4. 5006268-70.2014.4.0...

Data da publicação: 29/06/2020, 06:51:45

EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. MENOR DE 16 ANOS. INDÍGENA. ART. 7º, XXXIII, DA CF. NORMA PROTETIVA. 1. Tratando-se de norma protetiva, incabível evocar a proibição do art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal para obstar o acesso ao reconhecimento de direito previdenciário. 2. Viável reconhecer a condição de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas, mesmo que menores de 16 anos de idade, inclusive no caso de indígenas, sob pena de se estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere. (TRF4 5006268-70.2014.4.04.7105, SEXTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 07/06/2017)


APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006268-70.2014.4.04.7105/RS
RELATOR
:
HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. MENOR DE 16 ANOS. INDÍGENA. ART. 7º, XXXIII, DA CF. NORMA PROTETIVA.
1. Tratando-se de norma protetiva, incabível evocar a proibição do art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal para obstar o acesso ao reconhecimento de direito previdenciário.
2. Viável reconhecer a condição de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas, mesmo que menores de 16 anos de idade, inclusive no caso de indígenas, sob pena de se estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere.
ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 31 de maio de 2017.

Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator


Documento eletrônico assinado por Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8959734v5 e, se solicitado, do código CRC 991E58.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Hermes Siedler da Conceição Júnior
Data e Hora: 07/06/2017 13:12




APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006268-70.2014.4.04.7105/RS
RELATOR
:
HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
RELATÓRIO
Trata-se de remessa necessária e recurso interposto contra sentença que julgou procedentes os pedidos veiculados na presente Ação Civil Pública:

(...) Ante o exposto, no mérito, julgo procedentes os pedidos veiculados na presente ação civil pública, para determinar que o Instituto Nacional do Seguro Social admita o ingresso na Previdência Social e se abstenha de indeferir, exclusivamente por motivo de idade ou com este relacionado, os requerimentos de benefícios de salário-maternidade formulados pelas seguradas indígenas de cultura Mbyá-Guarani, entre 14 e 16 anos, provenientes de qualquer cidade que compõe a área de competência territorial da Subseção Judiciária Federal de Santo Ângelo/RS.
Sem custas e honorários advocatícios (art. 18 da Lei nº 7.347/85 e art. 4º, I e III, Lei nº 9.289/96).
Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496 do CPC). (...)

Em recurso de apelação, sustentou o INSS a pessoa não considerada segurada não faz jus à concessão de benefício de salário-maternidade. Referiu que as índias não podem ser enquadradas como seguradas especiais. Alegou que a legislação infralegal realiza o enquadramento do índio segurado especial, desde que não esteja incorporado ao cotidiano urbano de vida e trabalho. Afirmou que o menor de 16 não pode ser considerado segurado especial, seja por força da proibição constitucional do trabalho do menor, seja porque a Lei nº 11.718/08 não o abarca. Sustenta que conferir a qualidade de segurado especial à pessoa menor de 16 anos, independente de ser índio ou não, seria atuar como legislador positivo. Alegou que o inc. XXXIII do art. 7º da Constituição Federal veda qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos. Referiu o princípio da isonomia e dos critérios racionais e razoáveis de diferenciação da proteção constitucional contra o trabalho da criança e do adolescente. Alegou que inexiste qualquer forma de discriminação legal. A eventual procedência do feito ocasionará a falta de proteção ao grupo indígena e dano a saúde pública com o risco da gravidez na adolescência. Por fim, na hipótese de acolhimento do pedido, requer o apelante que seja expressamente consignado que para concessão do benefício de salário-maternidade às indígenas deve ser observada a carência necessária com início após a integralidade da idade de 14 anos.

Com as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Encaminhados os autos ao Ministério Público Federal que ofereceu parecer pelo conhecimento parcial da apelação e, na parte conhecida, pelo não provimento do recurso e da remessa necessária.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Ilegitimidade ativa do Ministério Público.

Esta Corte reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor Ação Civil Pública em defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária. Seguem precedentes desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGO 74 DA LEI Nº 8.213/91 COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.528/91. PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.
1. A atual posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os direitos individuais homogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, na medida em que se revestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público por ação coletiva.
(Proc. 2000.04.01.097994-3/PR, Apelação Cível, TRF4, 6ª Turma, Decisão de 30.03.2005, unânime, DJU de 13.04.2005, p. 850)

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E REGIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. RISCO DE DANO. AUSÊNCIA.
Considerando que o tema referente à titularidade ativa da ação manejada em primeiro grau tem assento constitucional (arts. 127, caput e 129, III) e que a última palavra pertence ao não menos egrégio STF, e tendo este, em hipótese análoga (igualmente versava sobre causa em que discutido um direito social, como são os benefícios mantidos pela Previdência Social - art. 6º da CF), recentemente decidido que a Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao MPT legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista (STF, RE 213.015, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 24-5-2002), não há como afastar a plausibilidade dessa última em relação ao MPF - igualmente um dos ramos do Ministério Público da União - em sede previdenciária. Inteligência, ademais, do disposto nos artigos 1º, 2º e 74, I, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).
(Proc. 2004.04.01.001232-6/RS, Agravo de Instrumento, TRF4, 6ª Turma, Decisão de 31.03.2004, unânime, DJU de 09.06.2004, p. 609, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus)

CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos.
(Proc. 2000.71.00.009347-0/RS, Apelação, TRF4, 6ª Turma, Decisão de 27.07.2005, unânime, DJU de 10.08.2005, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira)

O Supremo Tribunal Federal ao apreciar os art. 127, caput, e 129, inc. III, da Constituição Federal, refere que é possível ao Ministério Público Federal promover a defesa dos direitos individuais homogêneos, pela Ação Civil Pública, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social, cabendo referir os seguintes precedentes:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA . IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO : LEGITIMIDADE . Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. C.F., artigos 127 e 129, III.
II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis. Nesses casos, a ação civil pública presta-se a defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. C.F., art. 127, caput, e art. 129, III.
...
(STF, RE 195.056/PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30/05/2003, p. 30)

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública , porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública , a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada i legitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.
(STF, RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29/06/2001, p. 55)

Estabelecida, então, a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor a presente ação para garantir acesso previdenciário ao benefício de salário-maternidade a índias gestantes de cultura Mbyá-Guarani menores de dezesseis anos.

Mérito

O Ministério Público Federal ajuizou a presente Ação Civil Pública em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS postulando impor à Autarquia Previdenciária a admitir ou se abster de indeferir, exclusivamente por motivo de idade ou com este relacionado, os requerimentos de salário-maternidade formulados por indígenas de cultura Mbyá-Guarani provenientes de qualquer cidade situada na área de competência territorial da Subseção Judiciária Federal/RS.
O art. 7º, inciso XXXIII, da Carta da República, proibia o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, exceto na condição de aprendiz. A Emenda Constitucional nº 20/98, alterou a idade mínima para o trabalho, a qual passou a ser permitido a partir dos dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

Conforme entendimento dos Tribunais Superiores, os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários, ainda que contrariamente à Constituição, visto que o limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em benefício do menor. Ou seja, a mesma norma que protege o menor não pode prejudicá-lo naqueles casos em que efetivamente trabalhou, pois equivaleria a uma penalidade.
O Supremo Tribunal Federal vem reiteradamente afirmando que a idade mínima foi inscrita como proteção aos menores e não em seu detrimento, culminando por reconhecer, para fins previdenciários, o tempo de serviço rural desenvolvido antes da idade mínima prevista constitucionalmente. Nesse sentido, as decisões a seguir colacionadas:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. TRABALHADORA RURAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE. ART. 7º, XXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. PRECEDENTES. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 7º, XXXIII, da Constituição "não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos" (RE 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli). Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 600.616-AgR/RS, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 10/9/14).
1. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 2. TRABALHADOR RURAL OU RURÍCOLA MENOR DE QUATORZE ANOS. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. ART. 11, VII, DA LEI Nº. 8213. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 3. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XXXVI; E 97, DA CF/88. IMPROCEDENTE.
Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México, Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86 5. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AI 529.694/RS, Rel. Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJ de 11/3/05).
Esta Corte decidiu que não pode ser interpretada em desfavor daquele cuja proteção é colimada no que se refere a norma constitucional protetiva. A vedação do trabalho do menor não é absoluta. Ele é permitido, a partir dos quatorze anos de idade, na condição de aprendiz. Assim, a situação do maior de quatorze anos e menor de dezesseis anos de idade que atua na atividade rurícola pode ser equiparada à do aprendiz, pois, dá os primeiros passos para adquirir os conhecimentos e a habilidade necessários ao exercício dessa atividade.

Em consonância com o mesmo entendimento a decisão da 6ª Turma deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ART. 7º, XXXIII, DA CF.
1. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, tem direito a parte autora à concessão do benefício de salário-maternidade. 2. Incabível a evocação da proibição do art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal para indeferir o pedido da autora, ante o caráter protetivo da norma. (grifei)
(AC Nº 0000563-69.2010.404.9999/RS, Rel. Des. João Batista Pinto da Silveira, j. 13-04-10).

Nesta senda, possível a interpretação conforme a nova moldura constitucional, a fim de reconhecer a condição de segurado especial como aprendiz a partir dos quatorze anos de idade, conforme ainda previsto no art. 11, inc. VII, da Lei n.º 8.213/91, mormente no caso de indígenas, que, por suas características culturais e sociais, sabidamente, iniciam precocemente o trabalho na agricultura, bem como costumam ter filhos ainda no início da adolescência. Nesse sentido, o entendimento deste Tribunal:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SALÁRIO-MATERNIDADE. INDÍGENAS. 1. Este Tribunal vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal. Hipótese, ademais, em que se discute sobre direito de indígenas de idade inferior a 16 anos, de modo que a legitimidade do Ministério Público Federal decorre do que expressamente dispõem os artigos 129 da CF, e 5º e 6º da LC 75/93. 2. A vedação do trabalho do menor não é absoluta, pois há possibilidade de desempenho a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz. Assim, a situação da maior de 14 anos e menor de 16 anos de idade que atua na atividade rurícola pode ser equiparada à do aprendiz, pois dá os primeiros passos para adquirir os conhecimentos e a habilidade necessários ao exercício dessa atividade. 3. Dentro dessa perspectiva, possível construir uma interpretação em consonância com a nova moldura constitucional, para reconhecer a condição de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas a partir dos 14 anos de idade, conforme ainda previsto no artigo 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91, notadamente no caso de indígenas, que, por suas características culturais e sociais, iniciam o trabalho na agricultura precocemente e têm filhos ainda no início da adolescência. 4. Deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, para que o INSS admita os requerimentos de benefícios de salário-maternidade formulados pelas seguradas indígenas de idade entre 14 e 16 anos de idade provenientes da aldeia Kaingang da Terra indígena Inhacorá (São Valério do Sul/RS) e se abstenha de indeferi-los, exclusivamente por motivo de idade ou com este relacionado, respeitadas as demais exigências constantes em lei. (TRF4, Agravo de Instrumento Nº 5001913-31.2010.404.0000, 5a. Turma, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, JUNTADO AOS AUTOS EM 17/12/2010)

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORES INDÍGENAS. REQUISITO ETÁRIO. A vedação do trabalho do menor não é absoluta, pois é admitido o desempenho de atividade laboral a partir dos 14 anos de idade, na condição de aprendiz, situação a que se equiparam os que exercem atividade rurícola. Além disso, a norma constitucional não pode ser invocada em seu prejuízo. Nessa perspectiva, é possível reconhecer a qualidade de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas a partir dos 14 anos de idade, conforme previsto no artigo 11, inciso VII, da Lei n.º 8.213/91, notadamente no caso de indígenas, que, por suas características culturais e sociais, iniciam o trabalho na agricultura precocemente e geram filhos ainda no início da adolescência. (TRF4, AG 5012610-43.2012.404.0000, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 26/10/2012)

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. RAZOÁVEL INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. CONTINUIDADE DOS ESTUDOS. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL COMPROVADA. MENOR DE 16 ANOS DE IDADE. ART. 7º, XXXIII, DA CF DE 1988. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e do egrégio STJ. 2. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, a autora tem direito à percepção do salário-maternidade. 3. O fato da autora estudar no intervalo legal anterior ao parto não descaracteriza a sua condição de segurada especial, porquanto é comum os filhos jovens ajudarem os pais na agricultura e continuarem estudando durante um turno, situação que, efetivamente, caracteriza o regime de economia familiar no qual o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados. 4. Incabível a evocação da proibição do art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal de 1988, para indeferir o pedido da autora, ante o caráter protetivo da norma. (TRF4, AC 0017522-47.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 30/01/2013)

Desta forma, o indeferimento do pedido de salário-maternidade, evocando proibição do inciso XXXIII do art. 7º da Carta da República, ou mesmo do art. 12, VII, 'c', da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 11.718/08, em se tratando de norma protetiva, não serve de óbice ao reconhecimento de direitos. Ademais, viável reconhecer a condição de segurado especial aos que exercem atividades rurícolas, mesmo que menores de dezesseis anos de idade, assim como para não se estabelecer uma discriminação à mulher indígena impúbere.

Nesta corte, no julgamento da apelação cível e reexame necessário nº 5061478-33.2014.4.04.7000 (sessão de julgamento em 24/08/2016), a relatora, Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene, assim se pronunciou acerca da questão ora em liça, verbis:

(...) Com a edição de legislação de tutela, o Estatuto do Índio - Lei 6.001/73, e, principalmente, com a Constituição de 1988, houve a consagração do respeito aos povos tradicionais com uma conquista de bases orientadoras para uma nova história. Neste norte, a edição da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, em 1989, ratificada pelo Brasil em 2002, provoca uma mudança de paradigmas quanto ao respeito, preservação e inserção social igualitária dos povos tradicionais.
O aludido diploma internacional elenca três espécies de normas que se pode invocar para a tutela do trabalho indígena, a saber, as de diretrizes políticas, as de proteção ao trabalho e as de seguridade e saúde. Neste cabedal, como principais garantias asseguradas aos povos tradicionais, importa, para o caso em exame, a compreensão dos seguintes dispositivos:
1) gozo pleno dos direitos humanos e fundamentais, sem obstáculos nem discriminação (art. 3º., 1);
2) aplicação das disposições da própria Convenção 169 com reconhecimento e proteção dos valores e práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais próprias dos povos tradicionais, com respeito à integridade desses valores, práticas e instituições, e adoção, com a sua participação e cooperação, de medidas voltadas a aliviar dificuldades que possam ser experimentadas ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho (art. 5º);
3) direito à não discriminação (acesso ao emprego, isonomia, salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação - art. 20, 2);
Já no Estatuto do Índio, colhem-se, dentre outras, as seguintes regras: - direito de não discriminação e direito de gozo pleno dos direitos trabalhistas e previdenciários - art. 14;
Registre-se que coube à Constituição da República garantir, ainda, o direito de acesso à justiça aos índios, suas comunidades e organizações, com a intervenção do Ministério Público em todos os atos do processo.
Assim, ao cotejar a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, a Declaração das Nações Unidas, a Constituição e o Estatuto do Índio - Lei 6001/73, é possível extrair um núcleo básico de proteção social ao trabalho indígena contendo, dentre outras garantias, o direito a não discriminação (direitos trabalhistas e previdenciários em igualdades de condições com não índios e igualdade de oportunidades entre homens e mulheres indígenas e mais desdobramentos quanto ao acesso ao emprego, isonomia salarial, assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho, seguridade social, habitação e direito de associação).
Logo, a proteção previdenciária, também, impõe-se aos indígenas.
No caso em exame, a questão etária posta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada, tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. Logo, de acordo com essa lógica, a mulher indígena com idade inferior a 16 anos não poderia ser enquadrada no RGPS como segurada especial.
Efetivamente, o limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida na legislação trabalhista e previdenciária.
No entanto, aludida regra, editada para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não pode prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalharam.
A história constitucional brasileira demonstra que o trabalho já foi permitido a partir dos 12 (doze) anos, depois a partir dos 14 (catorze) anos, e, após a EC n. 20/1998, a partir dos 16 (dezesseis) anos, salvo a partir dos 14 (catorze), na condição de aprendiz.
É certo que as normas constitucionais anteriores à EC n. 20/1998 reconheciam a realidade do trabalhador brasileiro, principalmente das áreas rurais, que desde cedo labutavam na lavoura, ao lado de seus pais.
Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição, é público e notório que a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país. (...)

A propósito, a Terceira Seção desta Corte, já se posicionou sobre o assunto:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. BENEFÍCIO REQUERIDO POR INDÍGENAS MENORES DE 16 ANOS. PROCESSAMENTO PELO INSS. OBRIGATORIEDADE. DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA DOS EFEITOS DA DECISÃO. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. Comprovado o exercício da atividade rural em período em que a autora ainda não contava 16 anos de idade (art. 7º, inc. XXXIII, da CF), é de ser reconhecido para fins previdenciários o tempo de serviço respectivo, uma vez que não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à Constituição e à lei no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho, porquanto a norma editada para proteger o menor não pode prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional, efetivamente trabalhou. Precedentes do STF e do STJ. 2. Consagrada orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que não pode deixar de ser adotada aos trabalhadores indígenas, sob pena de estabelecer uma discriminação injustificada em detrimento de grupo social constitucionalmente protegido. 3. O alcance da sentença proferida em ação civil pública deve levar em consideração a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (REsp 1243887/PR, Corte Especial, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 12-12-2011). 4. Orientação jurisprudencial que desafiaria a atribuição de efeitos nacionais à decisão, tendo em conta a extensão do dano e a natureza da demanda (que objetiva compelir a Autarquia Previdenciária a receber e processar os pedidos de salário-maternidade das trabalhadoras indígenas menores de 16 anos, sem opor-lhes tal condição como fundamento para indeferimento do pedido). No entanto, considerando os limites do pedido formulado na petição inicial, os efeitos da presente ação civil pública ficam restritos ao território do Estado de Santa Catarina. (TRF4, EMBARGOS INFRINGENTES Nº 5010723-55.2012.404.7200, 3ª SEÇÃO, Des. Federal CELSO KIPPER, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 15/05/2014)

Em vista das considerações expedidas pelo Procurador da República, agrego ao voto questão específica caso haja comprovação de tempo de trabalho anterior aos quatorze anos, que seja computada para fins de carência.

Assim, não merece reparos a sentença que determinou que o INSS admita o ingresso na Previdência Social e se abstenha de indeferir, exclusivamente por motivo de idade ou com este relacionado, os requerimentos de benefícios de salário-maternidade formulados pelas seguradas indígenas de cultura Mbyá-Guarani, entre 14 e 16 anos, provenientes de qualquer cidade que compõe a área de competência territorial da Subseção Judiciária Federal de Santo Ângelo/RS.

Honorários e Custas
Considerando a natureza pública da ação (art. 18 da Lei 7.347/85), não são devidas custas judiciais nem honorários advocatícios.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial.
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior
Relator


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 31/05/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5006268-70.2014.4.04.7105/RS
ORIGEM: RS 50062687020144047105
RELATOR
:
Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
PRESIDENTE
:
Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida
PROCURADOR
:
Procurador Regional da República Maurício Pessutto
SUSTENTAÇÃO ORAL
:
Dr. Mauricio Pessutto.
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 31/05/2017, na seqüência 1275, disponibilizada no DE de 15/05/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
VOTANTE(S)
:
Juiz Federal HERMES S DA CONCEIÇÃO JR
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria


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