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PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. DECADÊNCIA. ART. 103-B DA LEI 8. 213/91. PRESCRIÇÃO. CONFIGURAÇÃO DA MÁ-FÉ. RE...

Data da publicação: 29/06/2020, 09:53:00

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. DECADÊNCIA. ART. 103-B DA LEI 8.213/91. PRESCRIÇÃO. CONFIGURAÇÃO DA MÁ-FÉ. REPETIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS. TERMO INICIAL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. 1. Os danos causados ao erário público por ilícito civil estão sujeitos à prescrição de acordo com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 669.069/MG. 2. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má-fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados, o que restou configurado em vista da manifesta omissão da parte acerca da existência de outra fonte de renda - proventos de aposentadoria de regime próprio - quando do requerimento de aposentadoria por idade rural. 3. Quando se trata de ressarcimento decorrente de benefício previdenciário entregue em razão de comprovada má-fé, há nítido caráter ilícito na percepção, razão pela qual os juros devem incidir desde a data do fato lesivo. 4. O benefício da gratuidade da justiça implica a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98 do CPC/2015. (TRF4, AC 0015638-75.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 27/04/2017)


D.E.

Publicado em 28/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015638-75.2015.4.04.9999/RS
RELATORA
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE
:
BEATRIZ DE MORAES BONADIMAN
ADVOGADO
:
Clauto João de Oliveira
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE COBRANÇA. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. DECADÊNCIA. ART. 103-B DA LEI 8.213/91. PRESCRIÇÃO. CONFIGURAÇÃO DA MÁ-FÉ. REPETIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS. TERMO INICIAL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.
1. Os danos causados ao erário público por ilícito civil estão sujeitos à prescrição de acordo com a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 669.069/MG.
2. Apesar da manifesta natureza alimentar do benefício previdenciário, havendo má-fé por parte do recebedor dos valores, devida será a restituição dos valores indevidamente sacados, o que restou configurado em vista da manifesta omissão da parte acerca da existência de outra fonte de renda - proventos de aposentadoria de regime próprio - quando do requerimento de aposentadoria por idade rural.
3. Quando se trata de ressarcimento decorrente de benefício previdenciário entregue em razão de comprovada má-fé, há nítido caráter ilícito na percepção, razão pela qual os juros devem incidir desde a data do fato lesivo.
4. O benefício da gratuidade da justiça implica a suspensão da exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98 do CPC/2015.
ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para reconhecer a prescrição das parcelas devidas anteriores à competência de 10/2008, bem como para estender os efeitos do benefício da gratuidade justiça à exigibilidade do valor devido a título de honorários advocatícios de sucumbência, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de abril de 2017.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora


Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8877216v5 e, se solicitado, do código CRC A7F7368C.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Vânia Hack de Almeida
Data e Hora: 20/04/2017 17:33




APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015638-75.2015.4.04.9999/RS
RELATORA
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE
:
BEATRIZ DE MORAES BONADIMAN
ADVOGADO
:
Clauto João de Oliveira
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação cobrança promovida pelo INSS em face de Beatriz de Moraes Bonadiman pertinente aos valores pagos através do benefício de aposentadoria por idade rural 41/121.461.066-5 no período de 03/08/2001 a 30/06/2009, os quais perfaziam o montante de R$ 66.970,95 consoante atualização realizada para a competência de 10/2013, bem como a concessão de cautelar incidental liminar para que fosse realizado o bloqueio de bens e numerário identificados em nome da ré.

Relatou a autarquia ter sido o referido benefício pago indevidamente uma vez que a requerente omitiu informação de que era titular de aposentadoria de regime próprio estadual no período relativo à carência necessária para a concessão do benefício que lhe foi deferido, fato que só foi apurado quando seu cônjuge, ao requerer o benefício de aposentadoria para si, informou em entrevista rural que ela havia exercido o cargo de professora estadual por determinado período, o que teria sido confirmado pelo documento emitido pelo órgão estadual competente.

O pedido cautelar foi deferido (fl. 155) e, bloqueados valores depositados em conta-poupança, foram os mesmos levantados em vista da proteção legal que a eles é estendida (fl. 184).

Foi proferida sentença de procedência, na qual se reconheceu a imprescritibilidade da ação de ressarcimento dos danos causados ao erário, danos os quais restaram incontroversos nos autos na medida em que a parte ré não defendeu a legalidade de seu recebimento, sendo, por tais razões, afastada a presunção de boa-fé e, com isto, possível a condenação à devolução dos valores apontados pelo INSS como devidos, determinando a atualização dos mesmos pelo IGP-M a contar de 10/2013 e a incidência de juros de mora de 1% a contar da citação. Condenou a ré ao pagamento de honorários advocatícios na quantia de R$ 1.300,00, suspendendo a exigibilidade da verba em razão de ser a parte beneficiária da gratuidade de justiça.

Os embargos declaratórios opostos pela parte demandada foram rejeitados (fl. 209).

A demandada interpôs recurso de apelação sustentando ter se operado a decadência do direito de o INSS proceder à revisão do ato concessório, dado o prazo quinquenal previsto no art. 54 da Lei 9.784/99. De forma subsidiária, requereu o reconhecimento da prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio retroativo à data do ajuizamento da presente ação. Ainda, a alteração dos índices adotados para o cômputo do montante devido, defendendo que as parcelas deverão ser corrigidas a partir da data do recebimento de cada prestação pelo INPC desde 04/2006 e por juros de mora em 1%, sendo que, a partir de 01/07/2009, a incidência de uma única vez dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança dado o previsto no art. 5º da Lei 11.960/09. Por fim, requereu a extensão dos efeitos do benefício da gratuidade da justiça que lhe foi deferido no que tange à exigibilidade da verba honorária de sucumbência.

Foram oportunizadas as contrarrazões.

Remetidos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, foi a competência declinada para esta Corte (fls. 227-228).
VOTO
Do Direito Intertemporal
Considerando que o presente processo está sendo apreciado por esta Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.
Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que 'o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código'; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que 'a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada'; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que 'ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973' (grifo nosso).
Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'.
Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.
Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:
(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Da decadência

A autora postula o reconhecimento da decadência do direito da autarquia à revisão do ato de concessão do benefício de aposentadoria, o qual foi praticado em 03/08/2001, uma vez que se configurou o transcurso de prazo superior a cinco anos até o momento em que identificada a irregularidade que deu ensejo à cessação. Defendeu aplicar-se o prazo previsto no art. 54 da Lei 9.784/99.

Pois bem, no exercício do princípio da autotutela, o INSS pode rever os atos administrativos praticados quando constatado erro ou equívoco por parte da Administração, desde que não se tenha verificado a decadência ou que a revisão no âmbito administrativo não viole a segurança jurídica (a ser avaliada no caso concreto, já que os administrados não podem permanecer indefinidamente sujeitos a alterações originadas da autotutela).
É sabido que a Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos quando eivados de vícios (Súmula 473 do STF).
Segundo Odete Medauar, em virtude do princípio da autotutela administrativa, "a Administração deve zelar pela legalidade de seus atos e condutas e pela adequação dos mesmos ao interesse público. Se a Administração verificar que atos e medidas contêm ilegalidades, poderá anulá-los por si própria; se concluir no sentido da inoportunidade e inconveniência, poderá revogá-los" (Medauar, Odete. Direito Administrativo Moderno. 12ª Edição: São Paulo.2008, p. 130).
Cuida-se de verdadeira ilegalidade que impõe ao ente público o dever de zelar pela regularidade de sua atuação, mesmo que não provocada.
No caso em tela, ademais, plenamente vigente a regra da decadência que, de acordo com entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.114.938/AL (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, Unânime, julgado em 14.04.2010), os benefícios previdenciários concedidos antes do advento da Lei n.º 9.784/99, têm, como termo inicial do prazo decadencial, a data de vigência da norma que o estabeleceu, ou seja, 01.02.1999. Já para os benefícios concedidos sob a égide da referida legislação, o termo inicial do prazo decadencial a ser considerado é a data do respectivo ato.
Considerando-se, ademais, que o elastecimento do prazo de cinco anos (art. 54 da Lei nº 9.784/99) para dez anos (MP nº 138, de 19 de novembro de 2003) se deu antes do decurso de cinco anos da vigência da primeira norma, em qualquer hipótese, tanto para benefícios concedidos antes quanto para os concedidos após o advento da Lei nº 9.784/99, o prazo decadencial aplicável é de dez anos.
Cabe referir, por fim, que não se vislumbra qualquer fraude ou má-fé no comportamento da parte autora, uma vez que à época do pedido administrativo o INSS entendeu que o autor possuía todos os requisitos para concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional.
A considerar a data do ato concessório do benefício (20/08/2001 - fl. 55) e a data da notificação do autor sobre a reavaliação do benefício (29/06/2009 - fl. 66), conclui-se pela inocorrência da consumação do prazo decadencial supra indicado.
Da prescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário

A controvérsia cinge-se à prescritibilidade ou não da ação de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de alegado ato ilícito. O débito questionado nesta demanda consiste em ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente.

Nesse passo, a discussão envolve, necessariamente, o alcance da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário, conforme previsto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal:

Art. 37.
(...)
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Ao interpretar o texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que a imprescritibilidade da ação de ressarcimento por dano ao erário seria ampla, abrangendo inclusive ilícitos administrativos e alcançando tanto agentes públicos quanto particulares (MS 26210, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008).

A decisão da Suprema Corte, porém, não encerrou o debate. Nesse sentido, em 26/08/2013, o STF reconheceu que a matéria tem repercussão geral, nos seguintes termos:

ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. INTERPRETAÇÃO DA RESSALVA FINAL PREVISTA NO ARTIGO 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Apresenta repercussão geral o recurso extraordinário no qual se discute o alcance da imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário prevista no artigo 37, § 5º, da Constituição Federal.
(RE 669069 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 02/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-166 DIVULG 23-08-2013 PUBLIC 26-08-2013)

O Ministro Teori Zavascki, por sua vez, relator do recurso extraordinário em questão, sintetizou as posições quanto ao tema do seguinte modo:

A questão transcende os limites subjetivos da causa, havendo, no plano doutrinário e jurisprudencial, acirrada divergência de entendimentos, fundamentados, basicamente, em três linhas interpretativas: (a) a imprescritibilidade aludida no dispositivo constitucional alcança qualquer tipo de ação de ressarcimento ao erário; (b) a imprescritibilidade alcança apenas as ações por danos ao erário decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa; (c) o dispositivo não contém norma apta a consagrar imprescritibilidade alguma.

Cabe assinalar que o mencionado recurso extraordinário (RE 669.069) já teve seu julgamento finalizado, quando então restou afirmada a tese de ser "prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil":

CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO.
1. É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.
2. Recurso extraordinário a que se nega provimento.(RE 669069, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-082 DIVULG 27-04-2016 PUBLIC 28-04-2016)

Nesse quadro, não há dúvidas de que, de fato, a posição que melhor se harmoniza com o sistema constitucional é a de que a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário, prevista no art. 37, § 5º, da Lei Fundamental, deve ser compreendida restritivamente.

Com efeito, a prescrição, instituto que tem íntima relação com a noção de segurança jurídica, é a regra no ordenamento, de forma que as exceções a ela devem ser expressas e interpretadas de modo restritivo. Atentaria contra a segurança jurídica exegese do art. 37, § 5º, que consagrasse a imprescritibilidade de ação de ressarcimento ao erário decorrente de qualquer ato ilícito. Aludido dispositivo constitucional deve ser lido em conjunto com o parágrafo que o antecede (art. 37, § 4º), o qual dispõe sobre os atos de improbidade administrativa. É dizer, somente diante de ilícitos especialmente graves é possível concluir pela condição imprescritível da respectiva ação de ressarcimento.

Tal orientação já vinha sendo sustentada por Teori Zavascki em sede doutrinária. Nesse sentido:

O instituto da prescrição, importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social, está consagrado como regra em nosso sistema de direito. São raríssimas as hipóteses de imprescritibilidade. Nas palavras de Pontes de Miranda, 'a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, quer de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional'. (...) Se a prescritibilidade das ações é a regra - pode-se até dizer, o princípio -, a imprescritibilidade é a exceção e, por isso mesmo, a norma que a contempla deve ser interpretada restritivamente.

Nessa linha de entendimento, merece interpretação restritiva a excepcional hipótese de imprescritibilidade prevista no citado § 5º do art. 37 da Constituição Federal. O alcance desse dispositivo deve ser buscado mediante sua associação com o do parágrafo anterior, que trata das sanções por ato de improbidade administrativa. Ambos estão se referindo a um mesmo conjunto de bens e valores jurídicos, que são os da preservação da idoneidade da gestão pública e da penalização dos agentes administrativos ímprobos. Assim, ao ressalvar da prescritibilidade "as respectivas ações de ressarcimento", o dispositivo constitucional certamente está se referindo não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos decorrentes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37 (ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, 6ª ed. p. 71).

Essa posição também foi sufragada, recentemente, pela 4ª Turma desta Corte, nos termos da seguinte ementa:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. PRESCRIÇÃO. CF/88, ART. 37, § 5º. DANO QUE NÃO DECORRE DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRAZO QUINQUENAL.
1. A redação do art. 37, § 5º, da Constituição da República ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento") sugere a imprescritibilidade da ação de ressarcimento de danos ao erário causados por ato ilícito praticado por qualquer agente, servidor ou não.
2. Contudo, a regra não deve ser interpretada no sentido de ser aplicável a todo e qualquer ato ilícito danoso cometido por qualquer agente em desfavor dos cofres públicos. Tamanha é a gama de atos ilícitos (civis, criminais, administrativos, tributários, aduaneiros, de trânsito, etc.) que, quando praticados por um agente qualquer, podem resultar em prejuízo ao erário, que tal interpretação extensiva daquele preceito constitucional erigiria a imprescritibilidade, que sabemos constituir-se em exceção no sistema jurídico, a regra geral quando se trata de responsabilidade civil do particular frente ao Estado.
3. A imprescritibilidade da ação de ressarcimento prevista no texto da Constituição dirige-se exatamente àqueles atos ilícitos prejudiciais ao erário para os quais o constituinte, no mencionado art. 37, § 5º, determinou ao legislador ordinário que definisse os prazos prescricionais. Isso ocorreu com a edição da Lei 8.429/92, na qual o legislador ordinário tipificou os atos de improbidade administrativa e estabeleceu os respectivos prazos prescricionais. Nessa perspectiva, é para as ações que visem o ressarcimento dos prejuízos ao erário provocados por esses atos ilícitos, qualificados pelo legislador como atos de improbidade administrativa, que a Constituição estabeleceu a imprescritibilidade.
4. No caso dos autos, não estando configurado ato de improbidade administrativa, e inexistindo prazo específico definido em lei, o prazo prescricional aplicável é o de cinco anos, de largo emprego no Direito Administrativo, e em respeito aos princípios da isonomia e simetria.
5. Execução fiscal extinta em face da ocorrência da prescrição intercorrente.
(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5008970-61.2014.404.0000, 4ª TURMA, Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR , POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR, JUNTADO AOS AUTOS EM 01/12/2014)

Nesse caso, em voto-vista lapidar, assentou o Des. Federal Candido Alfredo Silva Leal Junior:

Com efeito, atos ilícitos capazes de produzir danos ao erário existem nos mais diversos ramos da atividade humana e social, podendo ser ilícitos civis, criminais, administrativos, ambientais, eleitorais, aduaneiros, de trânsito, etc. Atribuir aquele alcance extensivo à norma constitucional significaria admitir como imprescritíveis praticamente todas as ações de ressarcimento movidas pelo Poder Público. Excetuados os casos fundados na responsabilidade objetiva, a imprescritibilidade abarcaria desde os casos mais singelos, como, v.g., danos produzidos à sinalização de trânsito provocados por uma colisão de automóveis, ou a danificação culposa da pintura de um prédio público, até os mais graves, como os "rombos" nos cofres públicos produzidos pela macrocriminalidade econômica. Ou seja, a imprescritibilidade passaria a ser a regra, provocando a formação de um imenso estoque de litígios em potencial, que poderiam eclodir a qualquer momento. Sem dúvida, isso comprometeria a função da pacificação social proporcionada pelo instituto da prescrição e obrigaria o cidadão (e, talvez, as gerações que o sucederem) a manter em seu poder verdadeiro arsenal de provas relativas aos eventos em que se viu envolvido e que possam vir a ser futuramente entendidos como danosos ao erário, de forma a poder exercer oportunamente sua defesa, caso o litígio renasça das cinzas.

É preciso que se balize que, como nos demais ramos do Direito, a prescritibilidade das ações é a regra nas relações entre administração e seus agentes e a administração e os administrados. Como bem salienta o doutrinador José Afonso da Silva,

"A prescritibilidade como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral de direito. Não será, pois, de se estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face da Administração." (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 673)

Nessa perspectiva, julgo que a regra do art. 37, § 5º, da Constituição de 1988, ao prever hipótese de imprescritibilidade, tem em vista não quaisquer atos danosos ao erário, mas atos ilícitos especialmente qualificados - tanto que mereceram tratamento em sede constitucional - e que correspondem àqueles que vieram a ser tipificados como "atos de improbidade administrativa" pelo legislador ordinário na Lei 8.429/92, em atendimento ao comando constitucional.

Assim, é imprescritível a ação tendente a ressarcir o dano ao erário produzido pelo ato de improbidade administrativa, configurado a partir do balizamento contido na Lei 8.429/92, e não por outro ato danoso qualquer. Consequência disso é que, na interpretação da regra do art. 23 da Lei da Improbidade, que dispõe sobre prazo prescricional para a aplicação das sanções previstas na lei, deve ser excluído o ressarcimento do dano ao erário.

Portanto, a imprescritibilidade da ação de ressarcimento do dano depende do reconhecimento do ato de improbidade que o originou, em ação própria. Inexistindo tal declaração do caráter de improbidade administrativa do ilícito causador do dano, a prescrição incidirá conforme as regras ordinárias relativas à matéria.

Em suma, é de se confirmar que a imprescritibilidade inscrita no art. 37, § 5º, da Constituição Federal deve abranger apenas as ações por danos decorrentes de ilícito penal ou de improbidade administrativa.
Diante desta consideração, ajuizada a ação em 24/10/2013, encontram-se prescritas as parcelas anteriores à competência de 10/2008.

Da repetibilidade dos valores de benefício previdenciário pagos indevidamente

No caso dos autos, não se está a tratar de benefício concedido provisoriamente em âmbito judicial, tampouco de erro administrativo, hipóteses nas quais a jurisprudência admite a irrepetibilidade dos valores pagos a maior desde que configurada a boa-fé do segurado, tendo em vista a natureza alimentar de tais parcelas.

À apelante foi concedido administrativamente o benefício de aposentadoria por idade rural requerido em 03/08/2001, momento em que ela afirmou de forma taxativa não possuir outra fonte de rendimento - o que se observa da análise de sua entrevista perante a autarquia (fl. 37).

No entanto, em face das informações prestadas por seu cônjuge no âmbito da entrevista rural realizada por ocasião do requerimento administrativo realizado em 04/05/2009, momento em que o mesmo afirmou que sua esposa lecionava no município e no Estado (fls. 61-62), foi a apelante notificada a se manifestar a respeito, bem como para que apresentasse declaração do órgão estadual responsável.

O documento apresentado (fl. 60) de fato comprovou que a apelante iniciou suas atividades no cargo público de professora estadual em 03/04/1972, alcançando sua aposentadoria quando da publicação do boletim 03742 no diário oficial estadual de 06/10/1987, situação que impede o reconhecimento da sua qualidade de segurada especial por força do que previsto no §9º do art. 11 da Lei 8.213/91.

Não há, neste contexto, como se manter incólume a presunção de boa-fé da parte, uma vez que quando do requerimento do benefício previdenciário junto ao RGPS a demandante já era, há muito, titular de proventos pagos por regime de previdência própria, possuindo, portanto, fonte de renda específica e autônoma do trabalho rural, tendo havido, como visto, omissão intencional da requerente quando de sua entrevista administrativa.

Por tais razões, entendo que ficou caracterizada a má-fé e, consequentemente, reconheço a obrigatoriedade de devolução dos valores. Precedente nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA PELO RECONHECIMENTO DE MÁ-FÉ NA CONCESSÃO.
1. Recebendo benefício previdenciário por erro na concessão, é cabível a restituição, com reconhecimento de má-fé, quando a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável.
2. Situação em que o beneficiário tinha ciência de que o benefício não lhe era devido, pois quando da concessão foi computado tempo de serviço que sabia inexistente.
3. Caracterizada má-fé no recebimento de benefício indevido afasta-se a ocorrência de prazo decadencial para revisão por parte do INSS. Decadência que corre normalmente, todavia, em relação a pedido do beneficiário para alteração do ato de concessão.
(TRF4, AC 5011495-92.2011.404.7122, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Paim da Silva, juntado aos autos em 30/05/2014)

Confirma-se, pois, o dever de restituir os valores recebidos indevidamente.

Dos juros moratórios e da correção monetária

De início, esclareço que a correção monetária e os juros de mora, sendo consectários da condenação principal, possuem natureza de ordem pública e podem ser analisados até mesmo de ofício. Assim, sua alteração não implica falar em reformatio in pejus.
Pois bem, quanto ao marco inicial dos juros de mora, nas hipóteses em que se está diante de ressarcimento decorrente de benefício previdenciário entregue em razão de comprovada má-fé, há nítido caráter ilícito na percepção, razão pela qual os juros de 1% ao mês, dado o previsto no art. 406 do Código Civil e art. 161, §1º do CTN, deverão incidir desde a data do fato lesivo.

Por seu turno, não se relacionando o fato danoso com relação jurídica tributária, não há se falar na incidência da taxa SELIC, devendo a correção monetária observar o IPCA-E desde o pagamento indevido de cada parcela (Súmula nº43 do STJ) até o efetivo pagamento.

Da suspensão dos ônus sucumbenciais em vista do benefício da gratuidade de justiça

Por fim, dada a redação do art. 3º da Lei 1.060/50, reiterado no art. 98 do Código de Processo Civil promulgado pela Lei 13.105/15, o recurso da parte autora deve ser provido para que seja também reconhecida a suspensão da exigibilidade da parcela devida a título de honorários advocatícios de sucumbência enquanto se mantiverem as condições fáticas que deram ensejo à concessão do benefício da gratuidade de justiça.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso de apelação da parte autora para reconhecer a prescrição das parcelas devidas anteriores à competência de 10/2008, bem como para estender os efeitos do benefício da gratuidade justiça à exigibilidade do valor devido a título de honorários advocatícios de sucumbência.
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Relatora


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015638-75.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00025712020138210133
RELATOR
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE
:
Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida
PROCURADOR
:
Procuradora Regional da República Solange Mendes de Souza
APELANTE
:
BEATRIZ DE MORAES BONADIMAN
ADVOGADO
:
Clauto João de Oliveira
APELADO
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/04/2017, na seqüência 156, disponibilizada no DE de 03/04/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA RECONHECER A PRESCRIÇÃO DAS PARCELAS DEVIDAS ANTERIORES À COMPETÊNCIA DE 10/2008, BEM COMO PARA ESTENDER OS EFEITOS DO BENEFÍCIO DA GRATUIDADE JUSTIÇA À EXIGIBILIDADE DO VALOR DEVIDO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
VOTANTE(S)
:
Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria


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