Apelação Cível Nº 5000829-39.2023.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
APELANTE: CONSTRUTORA KAFER LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): SAULO BAÚ (OAB RS065969)
ADVOGADO(A): SERGIO SAMORA DOS SANTOS FILHO (OAB RS084455)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
A juíza da causa assim relatou a controvérsia:
Trata-se de ação pelo procedimento comum proposta por CONSTRUTORA KAFER LTDA em face da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL, por meio da qual objetiva declarar a inexistência de relação jurídico-tributária como componentes do cálculo do FAP, especificamente no cálculo dos Índices de Frequência, Gravidade e Custo o benefício B91/6368404195, por inexistência de NTEP, devendo os referidos componentes serem excluídos do cálculo do FAP. Afirmou que o valor majorado da alíquota nas Contribuições Previdenciárias Patronal da empresa é resultante de inserção indevida pelo INSS de benefício previdenciário no cálculo do FAP, que não apresenta conexão com as atividades da Empresa. Referiu que o benefício previdenciário nº B91/6368404195 foi concedido ao funcionário Sr. JUAREZ MENDES DUTRA em 26/10/202 na espécie B91, ou seja, acidentário pela aplicação do NTEP, sem registro de CAT, mas que inexiste qualquer nexo causal entre a doença que originou o benefício previdenciário e o trabalho e a atividade profissional que desenvolvia o segurado. Requereu a repetição do indébito tributário em relação aos valores já pagos e aos vincendos. Juntou procuração e documentos.
Recolhidas custas iniciais e anexados documentos (eventos 5 e 7).
O pedido liminar foi indeferido (evento 9).
Citada, a União apresentou contestação (evento 15). Discorreu acerca do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), no que se refere a legislação e forma de cálculo. Quanto ao caso concreto, defendeu o enquadramento realizado na esfera administrativa, nos termos da nota técnica anexada. Requereu a improcedência.
Houve réplica (evento 18).
Oficiado ao INSS, o processo administrativo de concessão do benefício foi anexado aos autos (evento 24).
Com vista, as partes se manifestaram, postulando a autora a realização de prova pericial (eventos 33 e 34).
O processo veio concluso para sentença.
Ao final (evento 36, SENT1), o feito foi extinto sem resolução do mérito por entender a magistrada pela ilegitimidade passiva da União. A parte autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor atualizado da causa.
Em suas razões recursais (evento 46, APELAÇÃO1), a parte autora alega que (a) houve evidente cerceamento de defesa, uma vez que a parte autora/apelante requereu a realização de perícia a fim de dirimir a controvérsia do feito, com intuito de esclarecer se a doença incapacitante que ensejou a concessão do referido benefício previdenciário está relacionada à atividade do segurado na sede da empresa; (b) desde o advento da Lei nº 11.457/2007, não é mais competência do INSS arrecadar e fiscalizar a contribuição questionada. Dessa forma, mesmo que seja função determinada ao INSS fornecer os dados que deverão ser utilizados para o cálculo do FAP, a União é o sujeito ativo da obrigação tributária em questão, sendo da Secretaria da Receita Federal do Brasil a competência para arrecadar, fiscalizar, administrar, lançar e normatizar o recolhimento das contribuições sociais. Pede o provimento da apelação para:
b) Reformar a sentença proferida pelo Juiz a quo, determinando que a União é parte legítima para integrar o polo passivo de ação proposta para correção do cálculo do FAP, determinando o retorno dos autos à origem e o consequente regular processamento do feito;
c) O deferimento de prova pericial, tendo em vista que a controvérsia principal do feito é a alegada existência de Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário entre a comorbidade do segurado e as atividades desenvolvidas por ele na apelante;
d) Condenar o apelado a suportar os ônus legais e jurídicos da sucumbência.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade
Cabe conhecer da apelação, por ser o recurso próprios ao caso, e se apresentar formalmente regular e tempestivo.
Legitimidade passiva
No caso concreto, o questionamento repousa sobre a composição do FAP. Embora a definição do FAP seja da competência do Ministério da Previdência Social, a responsabilidade pela fiscalização e arrecadação das contribuições sociais é da União.
Ainda, cumpre referir que a presente demanda é de natureza tributária (e não previdenciária) e por meio dela o autor questiona exigência tributária (contribuição previdenciária para custeio de benefícios acidentários) propriamente dita, promovida pela Fazenda Nacional (e não pelo INSS) e pede a restituição dos pagamentos indevidos, o que deve ser feito pela Fazenda Nacional (e não pelo INSS). Assim, a Fazenda Nacional é parte legítima para responder a todos os pedidos formulados pelo parte autora na petição inicial.
Ao contrário do que sustenta a União, a afirmação de que a composição do Fator Acidentário de Prevenção é da competência do Ministério da Previdência Social não leva à conclusão de que o INSS, autarquia vinculada a tal ministério, seja parte legítima para responder por essa demanda. Pelo contrário, conforme consta do seguinte julgado do STJ, a União possui legitimidade ad causam para figurar no polo passivo da presente demanda, e não o INSS, na medida em que as controvérsias relativas à apuração do Fator Acidentário de Proteção - FAP - para efeito de definição da alíquota da contribuição a cargo da empresa, destinada ao financiamento da aposentadoria especial - inserem-se entre as atribuições de responsabilidade do Ministério da Previdência Social, atual Ministério da Economia, integrante da Administração Pública Federal Direta (STJ, REsp n. 1.581.829, Ministra Assusete Magalhães, DJe de 29/04/2022).
Vale observar que, em demandas dessa natureza ajuizadas contra a União, a obrigação de fazer, relativa à correção do FAP, é devidamente cumprida pela parte ré, independentemente da participação do INSS no feito (cf. Apelação Cível nº 50002877920174047000).
Impõe-se, pois, reconhecer a legitimidade passiva da União.
Preliminar de nulidade da sentença
Não há que se falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa, posto que a referida decisão, ao reconhecer a ilegitimidade passiva da União, fez que restasse prejudicada a análise do pedido de produção de prova pericial.
No mais, não se vislumbra necessária a produção de prova pericial, muito menos na modalidade indireta, como requer a parte autora (evento 33, PET1), eis que o presente processo encontra-se munido de carga probatória suficiente para a solução da demanda. Assim, é de ser negado provimento à apelação no ponto.
Deste modo, com base no art. 1.013, §3º, I, do Código de Processo Civil, passo à análise do mérito da demanda.
Mérito da causa
Inicialmente, consigno que eventual ausência de impugnação administrativa ao cálculo do FAP pela parte autora não inviabiliza seu questionamento pela via judicial, uma vez que, em face da inafastabilidade do controle jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), não se exige o prévio esgotamento das vias administrativas.
Postula a parte autora que seja excluído do cômputo do cálculo do FAP de 2022 (vigência 2023) o benefício de n° 6368404195, consistente em auxílio-doença concedido por acidente de trabalho (B91), sob a alegação de que a doença que deu origem à concessão do benefício não possui nexo laboral, já que o afastamento laboral foi de cunho recuperatório pós-cirúrgico.
O perito médico do INSS, em laudo que integra o processo administrativo NB 91/636.840.419-5, consignou expressamente que "Há relação entre a atividade laboral e o surgimento de hérnias" (evento 24, PROCADM2, pg. 26), ao contrário do que afirma a parte autora. Em função disso, o segurado até mesmo foi isento de cumprir a carência para usufruir do benefício.
Por outro lado, o argumento da parte autora no sentido de que as hérnias inguinais não são causadas pelo trabalho, pois tem origem em predisposição específica de determinação congênita que provoca fraqueza das paredes abdominais não merece prosperar, havendo até mesmo jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4° Região em que se reconhece a relação entre o trabalho na construção civil e o surgimento de hérnia inguinal, ao menos como nexo concausal, conforme a ementa transcrita abaixo:
RECURSO ORDINÁRIO DA RÉ. DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÕES. Hipótese em que a prova dos autos demonstrou que o autor desenvolveu hérnia inguinal bilateral, sem obstrução ou gangrena (CID 10 K40.2) e hérnia umbilical (CID 10 K42), tendo o trabalho realizado pelo autor como empregado da ré contribuído (nexo concausal) para o surgimento/agravamento das hérnias. Devidas as indenizações. (TRT da 4ª Região, 8ª Turma, 0021406-58.2017.5.04.0030 ROT, em 13/11/2023, Desembargador Luiz Alberto de Vargas)
Enfim, não há irregularidade no cômputo do benefício de n° 6368404195 no cálculo do FAP de 2022, devendo a presente demanda ser julgada improcedente.
Honorários advocatícios
Julgada improcedente a demanda, deve ser mantida a condenação em honorários advocatícios, não sendo cabível, porém, a majoração de que trata o §11 do art. 85 do CVódigo de Processo Civil, porque, com o recurso, foi superada a ilegitimidade passiva, reconhecida na sentença, apesar de não ter sido acolhida a demanda e ter sido rejeitado o recurso (Tema 1.059 do STJ).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por RÔMULO PIZZOLATTI, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004355856v38 e do código CRC 625fc1f9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RÔMULO PIZZOLATTI
Data e Hora: 16/7/2024, às 19:14:9
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Apelação Cível Nº 5000829-39.2023.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
APELANTE: CONSTRUTORA KAFER LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): SAULO BAÚ (OAB RS065969)
ADVOGADO(A): SERGIO SAMORA DOS SANTOS FILHO (OAB RS084455)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
INTERESSADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
AÇÃO ORDINÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. União. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO - FAP. auxílio-doença. benefício. NEXO COM A atividade laboral. construção civil. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de julho de 2024.
Documento eletrônico assinado por RÔMULO PIZZOLATTI, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004355857v11 e do código CRC f112a0e8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/07/2024 A 16/07/2024
Apelação Cível Nº 5000829-39.2023.4.04.7113/RS
RELATOR: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
PRESIDENTE: Desembargador Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA
PROCURADOR(A): ELTON VENTURI
APELANTE: CONSTRUTORA KAFER LTDA (AUTOR)
ADVOGADO(A): SAULO BAÚ (OAB RS065969)
ADVOGADO(A): SERGIO SAMORA DOS SANTOS FILHO (OAB RS084455)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/07/2024, às 00:00, a 16/07/2024, às 16:00, na sequência 1070, disponibilizada no DE de 28/06/2024.
Certifico que a 2ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 2ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
Votante: Desembargador Federal RÔMULO PIZZOLATTI
Votante: Desembargador Federal EDUARDO VANDRÉ OLIVEIRA LEMA GARCIA
Votante: Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2024 04:00:59.