Ação Rescisória (Seção) Nº 5014571-72.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: ANTONIO PAULO FERREIRA
RELATÓRIO
O INSS ajuizou ação rescisória contra Antônio Paulo Ferreira, com fundamento no art. 966, inciso V, do Código de Processo Civil, na qual postula a desconstituição parcial do acórdão proferido nos autos do processo nº 5035874-89.2017.404.9999 (0004604-83.2012.821.0014 no primeiro grau), e a realização de novo julgamento da causa, para que seja declarada a improcedência dos pedidos de conversão do tempo de serviço comum em especial e de concessão de aposentadoria especial.
Alegou que o julgado incorreu em manifesta violação às disposições do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e do art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/1991.
Referiu que a redação original do art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/91, que permitia a conversão do tempo de atividade comum em especial, foi alterada pela Lei nº 9.032/1995, a qual passou a exigir, para a concessão de aposentadoria especial, a comprovação de prestação de trabalho em condições especiais durante todo o período mínimo fixado.
Aduziu que a controvérsia sobre a aplicação da lei vigente à época do exercício da atividade ou da lei vigente ao tempo da concessão de aposentadoria especial, para a conversão do tempo comum em especial, foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso especial repetitivo (REsp 1.310.034), definindo-se o entendimento de que é aplicável a lei vigente na data da concessão do benefício.
Sustentou que, a contar do julgamento dos embargos de declaração no recurso especial, em 26 de novembro de 2014, a conversão de tempo comum em especial estava vedada para todas as aposentadorias especiais concedidas após a edição da Lei nº 9.032/1995.
O pedido de antecipação de tutela foi deferido, para determinar a suspensão da execução.
A parte ré, devidamente citada, deixou transcorrer o prazo legal sem oferecer contestação.
A revelia da parte foi decretada, porém sem o efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.
Procedimento sem interveniência do Ministério Público Federal (art. 967, parágrafo único, do Código de Processo Civil).
VOTO
Prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória
A última decisão proferida no processo originário transitou em julgado em 8 de fevereiro de 2018 e a propositura da ação rescisória ocorreu em 4 de abril de 2019. Portanto, a ação foi ajuizada antes do decurso do prazo decadencial de dois anos.
Legislação aplicável
Uma vez que o trânsito em julgado da decisão ocorreu após a vigência da Lei nº 13.105/2015, são aplicáveis, no que diz respeito à ação rescisória, as normas do Código de Processo Civil em vigor (cf. AR 5007382-14.2017.404.0000, TRF4, 3ª Seção, unân., julg. em 5.07.2018).
Violação manifesta de norma jurídica
A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando violar manifestamente norma jurídica, nos termos do artigo 966, inciso V, do CPC.
A ofensa manifesta de norma jurídica está associada ao fenômeno de sua incidência. A violação pode ocorrer em decorrência da incorreta aplicação do dispositivo legal, quando o julgador identifica de modo errôneo a norma jurídica incidente sobre o caso concreto, ou da desconsideração de regra que deveria incidir. Também envolve a interpretação da norma jurídica e o exame da materialização do seu suporte fático. Há violação, assim, tanto na hipótese em que a decisão rescindenda aplica a lei em desacordo com o seu suporte fático, ao qualificar equivocadamente os fatos jurídicos, quanto no caso em que a decisão confere interpretação evidentemente equivocada ou visivelmente dissociada da norma.
A interpretação corrente da norma nos tribunais consiste no critério de aferição da razoabilidade da decisão rescindenda. Os precedentes com caráter vinculante, nos termos do art. 927 do CPC, conformam padrões interpretativos cuja inobservância torna manifesta a violação da norma jurídica.
No entanto, se pairava controvérsia na jurisprudência sobre a interpretação da norma e a decisão adotou uma das interpretações possíveis, não há violação manifesta da norma jurídica, porquanto a divergência jurisprudencial é indicativa de que as decisões dos tribunais, mesmo dissonantes, oferecem interpretação razoável da lei. Nesse sentido, a Súmula nº 343 do STF estabelece que não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, em sede de recurso especial repetitivo, no sentido de que a conversão do tempo de serviço comum em especial deve observar a disciplina legal em vigor quando se aperfeiçoaram os requisitos para a concessão do benefício. O que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador é a prestação de trabalho em condições especiais, a qual é regida pela legislação vigente na época do exercício da atividade. Dessa forma, é possível a contagem do tempo especial independentemente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício, porém o tempo comum pode ser computado para a concessão de aposentadoria especial apenas se a lei admitir a conversão na época em que o segurado reuniu as condições necessárias para o deferimento do benefício.
Eis a tese firmada no Tema nº 546 do STJ: A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (REsp 1.310.034/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012).
Embora o acórdão tenha sido publicado em 19 de dezembro de 2012, a tese somente foi definitivamente fixada em 2 de fevereiro de 2015, após a publicação da decisão que julgou os embargos de declaração interpostos pelo INSS no REsp 1.310.034/RS, visto que houve o acolhimento do recurso com efeitos infringentes. Neste sentido, já decidiu a Terceira Seção deste Tribunal:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL CONTROVERTIDA. DESCABIMENTO DE MANEJO DA VIA DESCONSTITUTIVA DA COISA JULGADA. SÚMULA 343 DO STF. APLICAÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM EM TEMPO ESPECIAL. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELO STJ NOS JULGAMENTO DO EDRESP 1.310.034/PR.1. A Súmula STF n. 343 (Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais) sofreu restrição de em sua exegese pelo Pretório Excelso no julgamento, em 06-03-2008, dos Embargos Declaratórios no Recurso Extraordinário n. 328.812-1, oportunidade em que a Magna Corte, considerando a força normativa da Constituição, assentou a viabilidade jurídica do manejo da ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal (Rel. Ministro Gilmar Mendes). 2. A relativização do declinado verbete ocorre, conforme taxativa orientação firmada em regime de repercussão geral pelo Pretório Excelso, apenas em se tratando de matéria constitucional. Na hipótese de veiculação de questões infraconstitucionais, aplica-se, sem qualquer limitação, o enunciado sumular. 3. A Terceira Seção deste Regional, no julgamento do Agravo Regimental na Ação Rescisória n. 5032207-90.2015.4.04.0000 (Rel. Juiz Federal Luiz Antônio Bonat, julg. 29-10-2015) firmou entendimento no sentido de que somente com a apreciação integrativa dos Embargos Declaratórios opostos no Recurso Especial nº 1.310.034/PR, analisado sob o rito do art. 543-C do CPC/73, é que houve a pacificação pretoriana pelo STJ acerca da conversão de tempo comum em especial, para fins de obtenção de aposentadoria especial. (TRF4 5005950-57.2017.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 21/05/2018) - destacado
No caso dos autos, quando foi prolatada a sentença rescindenda (22-12-2016), não mais subsistia espaço para margem interpretativa acerca do âmbito de aplicação do art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, visto que já há muito o Superior Tribunal de Justiça firmara entendimento quanto à aplicação da lei em vigor no tempo da concessão do benefício para fins de conversão do tempo comum em especial.
Diante da manifesta violação de norma jurídica, a sentença deve ser desconstituída, no ponto em que determinou a conversão do tempo comum em especial.
Em juízo rescisório, cumpre verificar o preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício no caso concreto.
O segurado implementou os requisitos para a aposentadoria na data do requerimento administrativo (23-11-2011). Logo, somente o tempo de serviço exercido em atividade prejudicial à saúde ou à integridade física pode ser contado para a concessão de aposentadoria especial.
Os períodos de atividade especial reconhecidos na sentença (19-05-1970 a 16-12-1970, 05-11-1981 a 30-06-1982, 16-11-1982 a 01-08-1983, 02-08-1983 a 28-09-1987, 22-07-1996 a 07-04-1997, 09-03-1998 a 29-05-1998, 01-12-1998 a 11-01-1999, 03-01-2000 a 17-10-2005, 19-05-2006 a 15-08-2006, 02-10-2007 a 10-10-2011), somados ao período especial reconhecido pelo INSS (01-11-1971 a 18-06-1975), correspondem a 20 anos, 10 meses e 4 dias.
Assim, o autor não preencheu o tempo de serviço em atividade especial exigido para a concessão de aposentadoria especial (25 anos).
Cabe salientar que, embora a Terceira Seção deste Tribunal Regional Federal admita a reafirmação da data de entrada do requerimento (DER) em ação rescisória, essa medida é inviável no caso presente.
O juízo rescisório permite que o tribunal exerça a atividade jurisdicional de forma plena, desde que sejam observados os limites da controvérsia estabelecidos na própria ação rescisória. Portanto, não basta haver o requerimento da parte autora na demanda originária, é necessário que o segurado manifeste expressamente, na ação rescisória, a pretensão de obter o reconhecimento do tempo de serviço especial posterior ao requerimento administrativo e a reafirmação da DER. Além disso, a prova não se limita à consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais, exigindo a apresentação de documentos hábeis a demonstrar a exposição aos agentes nocivos e, porventura, a realização de prova pericial.
Uma vez que o réu não apresentou contestação, é vedado ao tribunal, de ofício, reconhecer o tempo de serviço especial e determinar a reafirmação da DER. Caso o faça, haverá evidente afronta aos princípios da demanda e do devido processo legal.
No entanto, o tribunal pode verificar se a parte tem direito à aposentadoria por tempo de contribuição, considerando o tempo de serviço já reconhecido na decisão transitada em julgado, sem incorrer em violação aos princípios do devido processo legal e da congruência da decisão aos limites do pedido.
O INSS, na data do requerimento administrativo, computou o tempo de contribuição de 30 anos, 8 meses e 10 dias, incluindo a conversão do período de atividade especial para comum (01-11-1971 a 18-06-1975), e a carência de 361 meses.
O tempo de atividade especial, convertido pelo fator 1,4, e os períodos de contribuição do autor como autônomo (01-12-1976 a 01-12-1978 e 01-01-1979 a 01-07-1979), reconhecidos em juízo, somados ao tempo de contribuição apurado pelo INSS, resulta em 40 anos e 29 dias de tempo de contribuição.
Portanto, a parte ré preencheu os requisitos para a aposentadoria integral por tempo de contribuição, desde a data do requerimento administrativo (23-11-2011). Assim, em lugar do benefício de aposentadoria especial, deve ser implantada a aposentadoria por tempo de contribuição.
Conclusão
Julgo procedente a ação rescisória, para desconstituir em parte a sentença proferida no processo nº 0004604-83.2012.821.0014 e julgar improcedentes os pedidos de conversão do tempo de serviço comum em especial e de concessão de aposentadoria especial improcedentes.
Por consequência, deve ser cassada a aposentadoria especial e implantado o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, com o pagamento das prestações vencidas desde a data do requerimento administrativo.
Confirmo a decisão que concedeu a tutela provisória de urgência.
Condeno a parte ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.
Em face do que foi dito, voto no sentido de julgar procedente a ação rescisória.
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Ação Rescisória (Seção) Nº 5014571-72.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: ANTONIO PAULO FERREIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. MANIFESTA VIOLAÇÃO DE NORMA JURÍDICA. PRECEDENTE COM CARÁTER VINCULANTE. CONVERSÃO DO TEMPO COMUM EM ESPECIAL APÓS A LEI Nº 9.032/1995. IMPOSSIBILIDADE DE REAFIRMAÇÃO DA DER.
1. A ofensa manifesta de norma jurídica (art. 966, V, CPC) ocorre tanto na hipótese em que a decisão rescindenda aplica a lei em desacordo com o seu suporte fático, ao qualificar equivocadamente os fatos jurídicos, quanto no caso em que a decisão confere interpretação evidentemente equivocada ou visivelmente dissociada da norma.
2. Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais (Súmula nº 343 do STF).
3. Os precedentes com caráter vinculante, nos termos do art. 927 do CPC, conformam padrões interpretativos cuja inobservância torna manifesta a violação da norma jurídica.
4. Infringe manifestamente norma jurídica a sentença que admite a conversão do tempo de serviço comum em especial após o Superior Tribunal de Justiça firmar entendimento em sentido contrário, em precedente vinculante (Tema nº 546 - REsp nº 1.310.034).
5. Com a exclusão do tempo comum convertido em especial, os requisitos para a concessão de aposentadoria especial não foram preenchidos.
6. O reconhecimento do tempo de serviço especial, para fins de reafirmação da data de entrada do requerimento, sem que haja pedido da parte na própria ação rescisória, implica afronta aos princípios da demanda e do devido processo legal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de setembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001243536v6 e do código CRC 714d76d8.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 25/09/2019
Ação Rescisória (Seção) Nº 5014571-72.2019.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
AUTOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RÉU: ANTONIO PAULO FERREIRA
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 25/09/2019, na sequência 80, disponibilizada no DE de 09/09/2019.
Certifico que a 3ª Seção, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª SEÇÃO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO RESCISÓRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
PAULO ANDRÉ SAYÃO LOBATO ELY
Secretário
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