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Apelação Cível Nº 5016599-42.2013.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: ELOCILDO DE CARVALHO CASTEDO (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação de sentença (Evento 67) publicada na vigência do CPC/2015 em que o magistrado a quo julgou parcialmente procedente o pedido para, reconhecendo a especialidade do labor prestado nos períodos 28/10/1986 a 29/04/1987, 11/11/1996 a 05/03/1997, 01/01/1999 a 14/12/1999 e 24/03/2000 a 24/11/2007, bem como o tempo de contribuição no intervalo 31/10/2007 a 24/11/2007, revisar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição titulado pela parte autora, condenando o Instituto Previdenciário ao pagamento das parcelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal, desde 28/11/08, atualizadas e acrescidas de juros moratórios. Tendo em vista a sucumbência recíproca, as partes foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor da condenação, na proporção de 50% para cada parte, e o requerente ao pagamento das custas, por metade. Foi suspensa a exigibilidade de tais verbas, com relação à parte autora, por litigar com o benefício da Assistência Judiciária Gratuita.
O INSS recorre (Evento 72) postulando a reforma da sentença.
A parte autora, por sua vez, recorre (Evento 73) pleiteando o reconhecimento da especialidade nos períodos 08/05/1984 a 08/06/1984 e 14/08/1986 a 13/10/1986, e a utilização do fator de conversão 1,75 para o interregno 18/06/1984 a 11/07/1986, e a concessão de aposentadoria especial ao autor.
Processados, subiram os autos a este Tribunal.
É o breve relatório.
VOTO
Da remessa necessária
Inicialmente, cumpre referir que, conforme assentado pelo STJ, a lei vigente à época da prolação da sentença recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
As decisões proferidas sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório caso condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos. O CPC de 2015, contudo, visando à racionalização da proteção do interesse público que o instituto ora em comento representa, redefiniu os valores a partir dos quais terá cabimento o reexame obrigatório das sentenças, afastando aquelas demandas de menor expressão econômica, como a generalidade das ações previdenciárias. Assim, as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública na vigência do CPC de 2015 somente estarão sujeitas a reexame caso a condenação ou o proveito econômico deferido à outra parte seja igual ou superior a mil salários mínimos.
Considerando que o valor do salário de benefício concedido no RGPS não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício (art. 29, §2.º, da Lei n.º 8.213/91), o qual atualmente equivale a R$5.645,80 (art. 2.º da Portaria n.º 15/2018, do Ministério da Fazenda), e considerando, ainda, que nas lides previdenciárias o pagamento das parcelas em atraso restringe-se ao período não atingido pela prescrição, qual seja, os últimos 5 anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação (art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício deferido na sentença seja fixada no teto máximo, o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, não excederá o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Necessário ainda acrescentar que as sentenças previdenciárias não carecem de liquidez quando fornecem os parâmetros necessários para a obtenção desse valor mediante simples cálculo aritmético, o que caracteriza como líquida a decisão, para fins de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
No caso, considerando a DIB e a data da sentença, verifica-se de plano, não se tratar de hipótese para o conhecimento do reexame obrigatório, portanto, correta a sentença que não submeteu o feito à remessa necessária.
Da questão controversa
A questão controversa dos presentes autos na fase recursal cinge-se à possibilidade de reconhecimento de períodos de atividade especial e a conversão da Aposentadoria por Tempo de Contribuição atualmente percebida em Aposentadoria Especial.
Da prescrição quinquenal
O parágrafo único do art. 103 da Lei 8213/91 (redação dada pela Lei 9.528/97) dispõe sobre a prescrição quinquenal das parcelas de benefícios não reclamados nas épocas próprias, podendo, inclusive, ser reconhecida, de ofício.
No caso, tendo transcorrido lapso superior a cinco anos entre o requerimento administrativo, efetivado em 24/11/07 e o ajuizamento da ação, em 28/11/13, encontram-se prescritas as parcelas anteriores a 28/11/08.
Do ônus da impugnação específica
É ônus dos recorrentes em processo judicial impugnar especificamente os pontos da decisão que entendem estar contrários à lei ou à justiça, não se admitindo a interposição de recurso com fundamentação exclusivamente genérica (art. 341 c/c 1.010, III, ambos do CPC/2015).
Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA DE PROFESSOR. RENDA MENSAL INICIAL. APURAÇÃO. FATOR PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ÔNUS DA IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. RAZÕES DISSOCIADAS DA SENTENÇA. 1. Não se conhece da apelação que discorre sobre questões desvinculadas da sentença, por não haver impugnação específica ao julgado, conforme previsto no artigo 1.010, III, do NCPC. (TRF4, AC 5044221-15.2016.404.7100, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 16/03/2017)
APELAÇÃO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. RAZÕES DISSOCIADAS DA SENTENÇA. PIS E COFINS. RECEITAS SUJEITAS À ALÍQUOTA ZERO. ÔNUS DA PROVA. 1. Não se conhece da apelação que discorre sobre questões desvinculadas da sentença, por não haver impugnação específica ao julgado, conforme previsto nos artigos 514, II e 515, do CPC/1973. 2. Cabe ao autor demonstrar que as receitas consideradas pelo Fisco para realizar o lançamento de ofício estavam sujeitas à alíquota zero da contribuição ao PIS e da COFINS. (TRF4, AC 5002177-06.2015.404.7200, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 14/09/2016)
No caso dos autos, a apelação autárquica limitou-se a apresentar fundamentos genéricos relativos à matéria, e também jurisprudência, sem que em momento algum fosse apresentado o elo entre seus argumentos e aqueles apresentados na sentença.
De fato, a apelação, após referir que a sentença foi de parcial procedência, passa a discorrer sobre as atividades urbanas especiais e os agentes insalutíferos (inclusive agentes que não são tratados no presente processo) sem referir especificamente qualquer período de labor, meio de prova, ou argumentos em razão dos quais as conclusões alcançadas na sentença merecem ser reformadas.
Assim, ausentes as razões e os fundamentos da irresignação atinente ao caso concreto tratado no presente processo, não conheço da apelação autárquica e passo a analisar a apelação da parte autora.
DA ATIVIDADE ESPECIAL
O reconhecimento da especialidade de determinada atividade é disciplinado pela lei em vigor à época em que efetivamente exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, sem a incidência retroativa de uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR n.º 3320/PR, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24.09.2008; EREsp n.º 345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08.03.2004; AGREsp n.º 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23.06.2003; e REsp n.º 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23.06.2003), que passou a ter expressa previsão legislativa com a edição do Decreto n.º 4.827/2003, o qual alterou a redação do art. 70, §1.º, do Decreto n.º 3.048/99.
Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmente definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:
a) no período de trabalho até 28.04.1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído, frio e calor (STJ, AgRg no REsp n.º 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04.08.2008; e STJ, REsp n.º 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07.11.2005), em que necessária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desses agentes;
b) a partir de 29.04.1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção daquelas a que se refere a Lei n.º 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13.10.1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória n.º 1.523, que revogou expressamente a Lei em questão - de modo que, no interregno compreendido entre 29.04.1995 (ou 14.10.1996) e 05.03.1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído, frio e calor, conforme visto acima;
c) a partir de 06.03.1997, data da entrada em vigor do Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória n.º 1.523/96 (convertida na Lei n.º 9.528/97), passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
d) a partir de 01.01.2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade for postulada (art. 148 da Instrução Normativa n.º 99 do INSS, publicada no DOU de 10.12.2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Para fins de enquadramento das categorias profissionais, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 2.ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos n.º 53.831/64 (Quadro Anexo - 1.ª parte), n.º 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e n.º 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.1997, e os Decretos n.º 2.172/97 (Anexo IV) e n.º 3.048/99 a partir de 06.03.1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto n.º 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP n.º 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003).
Ainda para fins de reconhecimento da atividade como especial, cumpre referir que a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física, referidas no artigo 57, § 3.º, da Lei n.º 8.213/91 não pressupõem a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Deve ser interpretada no sentido de que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina laboral, e não de ocorrência eventual, ocasional. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho, e em muitas delas a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível. A propósito do tema, vejam-se os seguintes precedentes da Terceira Seção deste Tribunal: EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, de relatoria do Desembargador Federal Néfi Cordeiro, D.E. 24.10.2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07.11.2011.
Ademais, conforme o tipo de atividade, a exposição ao respectivo agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta ser reconhecida como especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade, sendo inaceitável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (TRF4, EINF 2005.72.10.000389-1, Terceira Seção, minha Relatoria, D.E. 18.05.2011; TRF4, EINF 2008.71.99.002246-0, Terceira Seção, Relator Luís Alberto D' Azevedo Aurvalle, D.E. 08.01.2010).
Do caso em análise
Em apelação a parte autora requer a reforma da sentença, com o reconhecimento da especialidade do labor nos interregnos 08/05/1984 a 08/06/1984, 14/08/1986 a 13/10/1986 e 18/06/1984 a 11/07/1986, e a concessão de aposentadoria especial ao requerente.
Períodos 08/05/1984 a 08/06/1984 e 14/08/1986 a 13/10/1986
Quanto ao tópico, assim se manifestou o magistrado de origem, literis:
Para comprovar que exerceu atividades especiais nos períodos em questão, laborados nas empresas Calçados Wilson (08/05/1984 a 08/06/1984) e Grafipar Ltda (14/08/1986 a 13/10/1986), o autor limitou-se a pugnar pela realização da prova pericial.
Demais disso, comprovou que tais empresas encerraram suas atividades em 1994 e 2006 (págs. 03-04, doc. PROCADM1). No entanto, sequer colacionou cópia de sua CTPS comprovando os cargos para os quais foi contratado em tais interregnos ou, então, de formulários oficiais, pormenorizando as atividades efetivamente desempenhadas ou outros documentos que pudessem comprovar que eventuais funções foram, de fato, desenvolvidas sob condições especiais. Aliás, o autor nem mesmo descreve, em suas razões iniciais, as tarefas desempenhadas em tais intervalos, tendo apenas consignado que tais empresas já encerraram suas atividades (p. 02, doc. INIC1, evento 01).
Todavia, em que pese a alegada inatividade das empregadoras, cabia ao autor buscar junto aos sucessores/responsáveis pelas empresas algum registro das tarefas por ele desenvolvidas e/ou das condições de trabalho às quais estavam submetidos os empregados de tal estabelecimento, o que não logrou fazer.
Gize-se, que a simples prova da inatividade é insuficiente, de per si, para o deferimento do pedido de realização da prova pericial. Antes disso, é imperioso que se comprove, por documentos emitidos pela empregadora, ao menos, as tarefas desenvolvidas. É dizer, para o deferimento de tal pleito e o reconhecimento de eventual submissão a agentes nocivos, é necessário que a parte comprove documentalmente as tarefas efetivamente desenvolvidas e as características do setor em que as realizou.
Aliás, calha registrar que é de conhecimento comum as vicissitudes que cercam o labor desempenhado em empresas do ramo calçadista ou gráfico, a exemplo, portanto, do objeto desenvolvido pelas antigas empregadoras do postulante, mormente em períodos pretéritos, em que as preocupações com a saúde e segurança do trabalhador passavam longe do panorama hoje instalado. Todavia, não se pode admitir o acolhimento do pedido escorado em um "senso comum", não sendo o simples objeto social da empresa suficiente para lastrear o deferimento do pedido de realização da perícia técnica, quiçá para o reconhecimento da especialidade. Mais que isso. É preciso, ao menos, prova concreta, descrevendo no mínimo as atividades porventura realizadas.
Sobre o tema, diga-se de passagem, é recomendável que os laudos técnicos sejam emitidos com base em registros ambientais ou inspeções mais contemporâneas possíveis ao tempo em que ocorreu o labor, a fim de retratar, mais fielmente, as efetivas condições de trabalho a que esteve submetido o trabalhador. Quando pelas circunstâncias ou pela época em que ocorreu o labor não é viável, como no caso dos autos, a aferição contemporânea das condições de trabalho, admite-se, excepcionalmente, como prova dessas condições, registros ambientais havidos em período posterior, inclusive em ambiente similar.
No entanto, a admissão de tal prova somente é possível em casos muito específicos, nos quais as atividades do segurado estejam deveras esclarecidas, o que não se observa no caso vertente. Isso porque, é inegável que a produção e a propagação do ruído ou a eventual exposição a agentes químicos, entre outros eventos, estão sujeitos a circunstâncias peculiares ao meio em que verificados e ao próprio processo produtivo (conformação do setor ou da estrutura da empresa, diversidade de maquinário empregado em função de avanços tecnológicos, regulação dos equipamentos manuseados, redução dos efeitos do agente nocivo a limites legais de tolerância). Neste sentido:
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 2. Tem direito à aposentadoria por tempo de serviço/contribuição o segurado que, mediante a soma do tempo judicialmente reconhecido com o tempo computado na via administrativa, possuir tempo suficiente e implementar os demais requisitos para a concessão do benefício. 3. Extinta a empresa em que laborou o segurado, deve ser admitida como prova perícia realizada em empresa similar, com observância das mesmas atividades desempenhadas e condições de trabalho. (TRF4, APELREEX 5000317-60.2012.404.7107, Quinta Turma, Relatora p/ Acórdão Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 17/02/2014)
Assim, não merece guarida o pedido em apreço, primeiramente porque o autor não disponibilizou documentos suficientes para corroborar suas afirmações, ainda que tenha sido devidamente intimado para tanto, não sendo possível o acolhimento do pedido mediante enquadramento por categoria profissional, notadamente porque nem mesmo se sabe quais atividades foram desempenhadas em tais períodos. Segundo, porque a prova pericial, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, não se mostra apta à comprovação do exercício de atividade especial, já que seria realizada, quando muito, de forma indireta e com lastro em informações prestadas de modo unilateral pelo próprio interessado, ensejando a aplicação do art. 464, § 1º, III, do CPC/2015.
De toda sorte, como se isso não bastasse, sinalo, à guisa de argumentação, que as regras de distribuição do ônus probatório atribuem ao postulante a incumbência de demonstrar o fato constitutivo de seu pretenso direito, cabendo ao réu o ônus quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, CPC/2015). Tais regras, no entanto, podem ser alteradas tão somente se a parte demonstrar a impossibilidade ou a extrema dificuldade de sua realização, o que sequer foi suscitado. Outrossim, pode ser atribuído o ônus da prova de modo diverso se o interessado demonstrar que a prova pode ser obtida com maior facilidade de forma diversa (art. 373, § 1º, CPC/2015), o que de igual modo não foi questionado. Na hipótese vertente, conforme já destacado, o autor sequer indica quais atividades teria exercido, tampouco justifica a impossibilidade de apresentar elementos mínimos que ao menos descrevam as tarefas desempenhadas.
Por tudo isso, não merece guarida o pedido em apreço e os períodos de 08/05/1984 a 08/06/1984 e 14/08/1986 a 13/10/1986 deverão ser computados como tempo de serviço comum.
É de ser mantida a sentença.
A apelação (e bem assim a exordial) apenas afirmam o trabalho em condições especiais do autor nas empresas Calçados Wilson e Grafipar Ltda, sem que fossem declinados as atividades desenvolvidas, setores trabalhados, legislação de regência e até mesmo os agentes insalutíferos incidentes.
Efetivamente, o afastamento da especialidade em tais períodos, na sentença, não se deu em função da inexistência de agentes agressivos, mas sim pela deficiente instrução processual na delimitação da causa petendi (ato ou fato que constitui o fundamento jurídico da ação), que impossibilitou aquela análise.
A peça recursal sequer irresignou-se pela não realização de perícia judicial que pudesse comprovar a incidência dos agentes não declinados, muito embora haja apresentado agravo retido (Evento 53) contra despacho que indeferiu tal pedido, o que, quanto aos interregnos ora analisados, teve por base exatamente a ausência de comprovação das atividades desenvolvidas pelo requerente.
Assim, no ponto, é de se negar provimento à apelação.
Período 18/06/1984 a 11/07/1986
A apelação também requer a utilização do fator de conversão 1,75 para o interregno, reconhecido administrativamente pelo INSS como especial em função de submissão ao agente nocivo amianto, mas enquadrado aos 25 anos (fator de conversão 1,4).
No que pertine ao enquadramento e fator de conversão do amianto/asbesto, o Decreto n. 53.831, de 1964, no item 1.2.10, declinava como "poeiras minerais nocivas" as operações industriais com desprendimento de poeiras capazes de fazerem mal à saúde - sílica, carvão, cimento, asbesto (amianto) e talco -, prevendo três hipóteses de enquadramento: "I - trabalhos permanentes no subsolo em operações de corte, furação, desmonte e carregamento nas frentes de trabalho", cuja previsão de aposentadoria era aos 15 anos e o percentual de conversão era de 2,33; "II - trabalhos permanentes em locais de subsolo afastados das frentes de trabalho, galerias, rampas, poços, depósitos, etc.", em que a previsão da inativação era aos 20 anos e o fator de conversão 1,75; e "III - trabalhos permanentes a céu aberto: corte, furação, desmonte, carregamento, britagem, classificação, carga e descarga de silos, transportadores e correis e teleférreos, moagem, calcinação, ensacamento e outras", que previa aposentadoria aos 25 anos de trabalho e multiplicador 1,4. O Decreto de 1979 era no mesmo sentido de determinar a aposentadoria aos 15 ou 20 anos apenas aos mineiros de subsolo, afastados ou não das frentes de trabalho, sendo que, para os demais casos, a jubilação era devida aos 25 anos de trabalho.
Entretanto, com o advento do Decreto n. 2.172, de 1997, a atividade exposta ao agente nocivo asbesto (amianto) passou a ter enquadramento único no código 1.0.2 do seu Anexo IV, tendo a norma em questão reduzido o tempo para a aposentadoria dos trabalhadores a céu aberto para 20 anos, e introduzido, por consequência, um único fator de conversão, 1,75.
O que houve, em verdade, foi uma readequação da legislação a uma situação fática diversa daquela que estava prevista nos decretos anteriores, justificando assim a aplicação do Decreto n. 2.172/97 às situações pretéritas. Com efeito, ainda que tenha sido apurado somente em data posterior à época da prestação laboral que, mesmo nos casos de trabalhadores a céu aberto, o agente nocivo causava os mesmos danos à saúde daqueles profissionais que desempenhavam suas atividades no subsolo, o enquadramento e conversão pelo fator mais benéfico é devido desde então, visto que, àquela época, a agressão dos agentes era idêntica ou até maior do que a atual, dada a escassez de recursos materiais existentes para atenuar sua nocividade e a evolução dos equipamentos de proteção utilizados no desempenho das tarefas. Em resumo: ainda que tenha sido constatada, através de estudos científicos, a prejudicialidade do agente nocivo asbesto e tenha sido editada apenas em 1997, por força do Decreto n. 2.172, norma redefinindo o enquadramento da atividade pela exposição ao referido agente, é certo que, independentemente da época da prestação laboral, a agressão ao organismo era a mesma.
Considerando tais fundamentos, e sem olvidar o caráter social do direito previdenciário, é cabível a aplicação retroativa da disposição regulamentar mais benéfica ao autor, devendo ser provida a apelação, no ponto. Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte: AC n. 2002.72.04.009914-6, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE de 16-07-2007; AC n. 2002.70.00.042850-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DE de 23-11-2007; AC n. 2001.70.01.007212-9, Quinta Turma, de minha relatoria, DJU de 06-09-2005; AC n. 2001.71.12.003482-4, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, DE de 01-02-2008; AC n. 2002.70.00.066468-5, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Luís Alberto d"Azevedo Aurvalle, DE de 15-10-2007).
Conclusão
Assim, é de se prover em parte a apelação, mantida a sentença que reconheceu a especialidade do labor prestado nos períodos 28/10/1986 a 29/04/1987, 11/11/1996 a 05/03/1997, 01/01/1999 a 14/12/1999 e 24/03/2000 a 24/11/2007, bem como o tempo de contribuição no intervalo 31/10/2007 a 24/11/2007, acrescendo-se a utilização do fator de conversão 1,75 para o período 18/06/1984 a 11/07/1986.
Da concessão do benefício
Dirimida a questão acerca da comprovação do tempo de serviço controvertido, cabe a análise do direito à aposentadoria pretendida.
Para fazer jus à Aposentadoria Especial deve a parte autora preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei 8213/91, quais sejam, a carência de 180 contribuições, ressalvado o direito de incidência da tabela do art. 142 da referida lei àqueles segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24.07.1991 e o tempo de trabalho sujeito a condições prejudiciais à sua saúde ou à sua integridade física durante 15, 20 ou 25 anos, portanto, descabe a conversão de tempo de serviço especial em comum.
A carência foi devidamente cumprida e quanto ao tempo de contribuição, somando-se os períodos especiais judicialmente admitidos ao tempo especial já reconhecido na via administrativa, a parte autora demonstra ter trabalhado em atividades especiais por 24 anos, 03 meses e 11 dias, não possuindo direito à Aposentadoria Especial.
Possui, entretanto, o direito de revisão da aposentadoria por tempo de contribuição atualmente titulada mediante a conversão dos interregnos de labor especial ora reconhecidos (28/10/1986 a 29/04/1987, 11/11/1996 a 05/03/1997, 01/01/1999 a 14/12/1999 e 24/03/2000 a 24/11/2007, acrescendo-se a utilização do fator de conversão 1,75 para o período 18/06/1984 a 11/07/1986, bem como o tempo de contribuição no intervalo 31/10/2007 a 24/11/2007. O termo inicial dos efeitos financeiros fica fixado em 28/11/08, tendo em vista a prescrição quinquenal.
Verba honorária
Fica mantida a verba honorária conforme fixado na sentença.
Da tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC/2015, que repete dispositivo constante do art. 461 do Código de Processo Civil/1973, e o fato de que, em princípio, a presente decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (Questão de Ordem na AC 2002.71.00.050349-7/RS - Rel. p/ acórdão Desemb. Federal Celso Kipper, julgado em 09.08.2007 - 3.ª Seção), o presente julgado deverá ser cumprido de imediato quanto à revisão do benefício em favor da parte autora, no prazo de 45 dias.
Dispositivo
Frente ao exposto, voto por não conhecer da apelação do INSS, conhecer em parte da apelação da parte autora e, no conhecido, dar-lhe parcial provimento, e determinar o cumprimento imediato do acórdão quanto à revisão do benefício.
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Apelação Cível Nº 5016599-42.2013.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELANTE: ELOCILDO DE CARVALHO CASTEDO (AUTOR)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. ação revisional. ATIVIDADE ESPECIAL. ônus da impugnação específica. não conhecimento da apelação. amianto. fator de conversão 1,75. tutela específica.
1. Não deve ser conhecida a apelação interposta exclusivamente com alegações genéricas, sem impugnação especifica dos fundamentos da sentença.
2. Com o advento do Decreto n. 2.172, de 1997, a atividade exposta ao agente nocivo asbesto (amianto) passou a ter enquadramento único no código 1.0.2 do seu Anexo IV, tendo a norma em questão reduzido o tempo para a aposentadoria dos trabalhadores a céu aberto para 20 anos, e introduzido, por consequência, um único fator de conversão, 1,75.
4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de revisar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu não conhecer da apelação do INSS, conhecer em parte da apelação da parte autora e, no conhecido, dar-lhe parcial provimento, e determinar o cumprimento imediato do acórdão quanto à revisão do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de setembro de 2018.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000555312v5 e do código CRC bc61249b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 04/09/2018
Apelação Cível Nº 5016599-42.2013.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: ELOCILDO DE CARVALHO CASTEDO (AUTOR)
ADVOGADO: DANIELA MENEGAT BIONDO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 04/09/2018, na seqüência 161, disponibilizada no DE de 17/08/2018.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª Turma, por unanimidade, decidiu não conhecer da apelação do INSS, conhecer em parte da apelação da parte autora e, no conhecido, dar-lhe parcial provimento, e determinar o cumprimento imediato do acórdão quanto à revisão do benefício.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
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