Apelação Cível Nº 5007643-54.2015.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: DOMINGOS DA SILVA (RÉU)
APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (AUTOR)
APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (AUTOR)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida em ação de reintegração de posse, com pedido demolitório, nos seguintes termos:
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente o pedido, para determinar à parte ré que proceda à demolição da construção irregular edificada sobre a área não edificante da BR 101, Km 144+755m, pista sul, Município de Itapema, Estado de Santa Catarina, e a respectiva remoção de sobejos.
Concedo ao réu o prazo de 60 (sessenta) dias, a contar de sua intimação, para o voluntário cumprimento da presente decisão, sob pena de pagamento de multa de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso pelo não cumprimento, ficando sujeito, ainda, à demolição forçada, às expensas da autora, como medida necessária à efetivação da decisão judicial.
Caso não efetuada a demolição pela parte ré, fica o autor desde já autorizado a realizá-la, bem como a remoção de entulhos, devendo comprovar nos autos a medida e os custos empregados, para fins de ressarcimento por parte do demandado.
Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono do autor, que fixo em 10% do valor da causa (art. 85, § 3º, do CPC), atualizado pelo IPCA-E, cuja exigibilidade resta suspensa consoante §3º do art. 98 do CPC.
Publique-se. Intimem-se.
Interposto recurso, dê-se vista à parte contrária para apresentação de contrarrazões, com posterior remessa ao TRF da 4ª Região.
Após o trânsito em julgado, dê-se baixa.
Em suas razões, Domingos da Silva alegou que: (1) houve cerceamento de defesa, tendo o juízo a quo firmado seu convencimento exclusivamente na perícia judicial, que se mostrou inconclusiva; (2) a "perícia atentou para o fato de que ainda no ano de 1978 já havia movimentação de terras no local a presumir uma eventual ocupação da área"; (3) deve ser considerada a "informação prestada pelo expert, em suas conclusões (item 7), de que quatro imóveis foram identificados na área reivindicada"; (4) também militam em seu favor "as declarações prestadas pela Empresa Pública de energia, atestando a solicitação de instalação de energia elétrica no local anteriormente à vigência da Lei 6.766/79"; (5) "solicitou e teve indeferida a produção de prova testemunhal e que, no caso específico, se mostrava necessária para corroborar a prova material, haja vista a possibilidade de comprovar os fatos articulados na peça defensiva mediante a oitiva das testemunhas"; (6) ainda que o juiz seja o destinatário da prova, "a controvérsia não restou devidamente dirimida pelos demais meios probatórios (...), existindo questões fáticas não esclarecidas"; (7) "no caso dos autos não foi possível firmar, com a necessária convicção, se na área que se pretende a reintegração havia ou não, antes do advento da Lei 6.766/79, coinstruções erguidas, o que, se demonstrado, autoriza o recebimento de indenização", e (8) a assertiva de que "“não há indício seguro de prova de benfeitorias anteriores a 1979 para a área objeto desta ação. Logo, incabível a indenização na presente demanda” não merece prosperar, porque firmada em premissa carente da necessária certeza". Com base nesses argumentos, requereu o provimento do recurso, para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para a complementação da instrução probatória, ou, sucessivamente, condenar a autora ao pagamento de indenização pelas benfeitorias, invertendo-se os ônus sucumbenciais (evento 206 dos autos originários).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
A Concessionária peticionou alegando perda parcial de objeto da lide (pedido demolitório), em face da edição da Lei n.º 13.913/2019.
É o relatório.
VOTO
Da perda parcial de objeto
A perda parcial de objeto da lide, em relação ao pedido demolitório de edificação em área non aedificandi, deve ser reconhecida, em face da edição da Lei n.º 13.913/2019.
Do cercamento de defesa
A produção de provas visa à formação da convicção do juiz, a quem incumbe determinar, de ofício ou a requerimento da parte, as diligências necessárias à instrução do processo (artigos 370 e 371 do CPC) e atribuir o peso devido a cada um dos elementos probatórios existentes nos autos (livre convencimento motivado).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 489 DO CPC. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PEDIDO DE NOVA PERÍCÍA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CARACTERIZADO. CONDIÇÕES PESSOAIS E CONCEITO DE INCAPACIDADE. TEMA NÃO PREQUESTIONADO. REQUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. NÃO COMPROVAÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. INCIDÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes apresentadas com fundamentos suficientes, mediante apreciação da disciplina normativa e cotejo ao posicionamento jurisprudencial aplicável à hipótese. Inexistência de violação ao art. 489 do CPC. III - É entendimento pacífico desta Corte que a ausência de enfrentamento da questão objeto da controvérsia pelo tribunal a quo impede o acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento, nos termos da Súmula n. 282 do Tribunal Federal. IV - O juiz é o destinatário das provas e pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, nos termos do princípio do livre convencimento motivado, não configurando cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção da prova solicitada pela parte, quando devidamente demonstradas a instrução do feito e a presença de dados suficientes à formação do convencimento. Precedentes. V - In casu, rever o entendimento do Tribunal de origem, que consignou não ter a Agravante preenchido os requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, demandaria necessário revolvimento de matéria fática, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula n. 7/STJ. VI - A Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VII - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015 em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. VIII - Agravo Interno improvido.
(STJ, AgInt no REsp n. 1.995.390/RS, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 17/10/2022, DJe de 19/10/2022 - grifei)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA E INEXIGIBILIDADE DE TÍTULOS CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA EMISSÃO DE DUPLICATA SEM LASTRO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 489 DO CPC/15. INOCORRÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. REEXAME DE FATOS E PROVAS.INADMISSIBILIDADE. LIVRE CONVICÇÃO DO JUIZ. BÚSSOLA NORTEADORA DA NECESSIDADE OU NÃO DE PRODUÇÃO DE QUAISQUER PROVAS QUE ENTENDER PERTINENTES PARA O JULGAMENTO DA LIDE. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Ação declaratória de inexistência de dívida e inexigibilidade de títulos cumulada com compensação por danos morais em razão de alegada emissão de duplicata sem lastro. 2. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/15, rejeitam-se os embargos de declaração. 3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 489 do CPC/15. 4. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 5. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. 6. A finalidade da prova é o convencimento do juiz, de modo que a livre convicção do magistrado consubstancia a bússola norteadora da necessidade ou não de produção de quaisquer provas que entender pertinentes ao julgamento da lide, bem como da atribuição do peso que entender devido a cada um dos elementos probatórios constantes dos autos. Precedentes. 7. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido.
(STJ, AgInt no AREsp n. 2.081.093/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2022, DJe de 13/10/2022 - grifei)
O indeferimento da produção de prova testemunhal está fundado na sua desnecessidade para a solução do litígio (evento 102 dos autos originários):
(...)
2.2.2. Oral
A parte autora requer na contestação o depoimento pessoal do autor e testemunhal, não justificando a necessidade na produção dessas provas.
A pretensão deduzida na inicial é claramente descrita na peça inaugural e, acaso seja esse o propósito, o tempo de posse é passível de comprovação por meio documental.
Indefiro a realização de audiência para produção de prova oral, por entender desnecessária.
(...)
A localização e a medição da área sub judice não foram confrontadas, consistentemente, pelos réus.
E ainda que assim não fosse, o depoimento de testemunhas não teria o condão de infirmar ou sobrepor-se ao conteúdo dos documentos acostados aos autos (croqui, fotografias, laudo pericial).
Como já salientado pelo juízo a quo:
(...)
Os documentos juntados pelo réu não infirmam a conclusão pericial. A matrícula imobiliária, de 1976 (ev. 48, MATRIMÓVEL3), atesta a compra e venda de um terreno, sem benfeitorias, informação também presente no doc. OUT5. No evento 195, a CELESC indica que a ligação de luz no local se deu em 1985. Quanto à primeira declaração, de 1976, não possui elementos suficientes para evidenciar se havia de fato uma ligação de energia no local, nem para que espécie de edificação.
Portanto, não há indício seguro de prova de benfeitorias anteriores a 1979 para a área objeto desta ação. Logo, incabível a indenização na presente demanda.
(...) (grifei)
Repare-se que, na matrícula n.º 213 do 1ª Registro de Imóveis do Balneário Camboriú, aberta em fevereiro de 1976 (cópia acostada aos autos pelo próprio réu), o imóvel é descrito como um terreno sem benfeitorias que, a leste, confronta com a BR 101, o que denota que as edificações erguidas no local são posteriores a implantação da rodovia federal nesse trecho. E, no laudo técnico elaborado em 2016, a idade real estimada da edificação é de 20 (vinte) anos (evento 35 dos autos originários), inexistindo documento que evidencie a incorreção dessa avaliação.
Por tais razões, não há se falar em cerceamento de defesa a inquinar a sentença (artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal, e artigos 6º, 7º, 369, 373, 442 e 443 do CPC).
Do mérito da lide
A controvérsia cinge-se à ocupação dita irregular de área localizada em faixa de domínio e área on aedificandi da rodovia federal BR 101, km 144 + 755m, sentido sul, Município de Itapema, Estado de Santa Catarina.
Ao apreciar o(s) pedido(s) formulado(s) na petição inicial, o juízo a quo manifestou-se nos seguintes termos:
1. Relatório
Trata-se de ação de reintegração de posse ajuizada por AUTOPISTA LITORAL SUL S.A. em face do(s) réu(s) acima nominado(s) visando, inclusive liminarmente, seja reintegrada na posse de área dita esbulhada, cominando-se multa para o eventual descumprimento, bem como seja autorizada a demolir as construções irregulares. Ao final, requer ainda a condenação do réu ao ressarcimento dos custos decorrentes do "remanejamento das instalações que se encontram sobre o terreno invadido".
Defende que a área discutida se insere em faixa de domínio, que inclui acessos à rodovia e área non aedificandi, sendo sua incumbência, na condição de concessionária, zelar pelos bens que integram o patrimônio concedido e cumprir as demais obrigações decorrentes do contrato de concessão.
Intimada, a ANTT manifestou interesse em ingressar no feito como assistente litisconsorcial (evento 07).
O pedido de tutela de urgência foi indeferido (evento 12).
Foi deferido prazo para a adequação do valor da causa e recolhimento das custas complementares (evento 53).
A autora requereu prazo para apresentação de laudo de avaliação da área a ser reintegrada, visando atribuir o exato valor à causa (evento 58). O laudo foi apresentado (evento 60).
Em contestação (evento 48), a parte ré alega que adquiriu a propriedade em 1976, mediante título translativo, conforme consta da matrícula anexo. Aduz que ocupa a área há pelo menos 60 (sessenta) anos e as construções ali edificadas datam praticamente do mesmo tempo. Afirma que não é possível verificar invasão à área de domínio, o que ensejaria a reintegração de posse, mas apenas da área não edificável, que por sua vez, não se trata de área pública, e que só pode ser reivindicada mediante desapropriação. Diz que a situação já se encontra consolidada há muitos anos, o que afasta do perigo e da necessidade de demolição das construções.
Despacho saneador no evento 102.
Determinada realização de perícia (evento 113), veio o laudo ao evento 171.
A autora apresentou alegações finais ao evento 192 e o réu se manifestou ao evento 195.
Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Preliminares já examinadas na decisão do evento 102.
Mérito
A proteção da posse é garantida pelo CPC no art. 560, competindo ao autor provar:
Art. 561. Incumbe ao autor provar:
I - a sua posse;
II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III - a data da turbação ou do esbulho;
IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.
A espécie versa sobre construção em faixa de domínio e área non aedificandi. Como leciona Hely Lopes Meirelles (Direito administrativo brasileiro, 21. ed., p. 470-471):
As estradas de rodagem compreendem, além da faixa de terra ocupada com o revestimento da pista, os acostamentos e as faixas de arborização, áreas, essas, pertencentes ao domínio público da entidade que as constrói, como elementos integrantes da via pública.
A faixa de domínio, deste modo, compreende as pistas de rolamento, canteiros, acostamentos, sinalização, faixa lateral de segurança. O espaço limitado às construções é complementado pela área non aedificandi.
Tais áreas comportam severas restrições de uso e ocupação, primeiro por representar a faixa de domínio bem de uso comum do povo (art. 99, I do Código Civil); e também diante da disciplina albergada no Código Brasileiro de Trânsito, verbis:
Art. 50. O uso de faixas laterais de domínio e das áreas adjacentes às estradas e rodovias obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre a via. [...]
Art. 93. Nenhum projeto de edificação que possa transformar-se em polo atrativo de trânsito poderá ser aprovado sem prévia anuência do órgão ou entidade com circunscrição sobre a via e sem que do projeto conste área para estacionamento e indicação das vias de acesso adequadas. [...]
Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.
A razão dessas limitações reside na necessidade de resguardo da segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em sua área contígua. Trata-se de critério técnico, pré-definido pelo legislador, não competindo ao Judiciário majorar, diminuir ou mitigar a área restrita (TRF4, AC 200672050048487, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, Quarta Turma, public. em 29/03/2010).
Diante dessas limitações, a ocupação dos terrenos que compõem a faixa da rodovia, sem prévia e expressa autorização do Poder Público, assim como qualquer construção nela ou na faixa non aedificandi adjacente, é irregular e passível de desocupação e demolição. Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA . CONSTRUÇÃO NA FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. ÁREA NON AEDIFICANDI" Tratando-se de edificação em área de segurança, o Poder Público está obrigado a promover a desocupação da área e a demolição da edificação com fundamento no exercício regular do poder de polícia. Tanto a Ordem de Embargo, quanto as notificações extrajudiciais se referem à construção de um barraco/barracão para fins comerciais, o que afasta a alegação do réu de necessidade de "abrigo". (TRF4, AC 200672050048505, Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, Quarta Turma, DE 03/11/2009)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DEMOLITÓRIA. PRESCRIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. EDIFICAÇÃO EM FAIXA DE DOMÍNIO E ÁREA NON AEDIFICANDI. INTERESSE PÚBLICO. SEGURANÇA NO TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. - Com a afetação da área ao domínio público, trata-se de edificações levantadas em faixa de domínio e área non aedificandi de rodovia federal, a questão tomou caráter publicista, desautorizando a mera aplicação do prazo prescricional do Código Civil. O eventual reconhecimento da prescrição nesta ação demolitória impediria que o Poder Público efetuasse qualquer ato tendente a regularizar a situação da construção, com base no seu poder de polícia. Em outras palavras, configuraria, a contrariu sensu, prescrição aquisitiva de imóvel público, expressamente afastada pelo ordenamento jurídico (art. 183, § 3º, e art. 191, parágrafo único, da CF). Evidencia-se, neste feito, o interesse público relativo à segurança no trânsito a fim de embasar o pedido de demolição e a retirada da construção edificada na faixa de domínio e na área não-edificável da rodovia federal (BR -470). A faixa de domínio e a área não-edificável possuem natureza de limitações administrativas (TRF 4ª Região, AC 200104010128959, Rel.. Juiz Ilan Paciornik, DJU de 26/06/2001, p. 621), pois implicam um dever de não-fazer ao administrado. - No caso, o documento da fl. 09 constatou a existência de "galpão de madeira" edificado, em sua maioria, dentro da faixa de domínio e da área non-aedificandi. Tal documento possui força probatória e atende à pretensão da União. Dessa forma, em se tratando de edificação irregular em área de segurança, nada impede que o Poder Público promova a desocupação da área e a demolição da edificação com fundamento no exercício regular do poder de polícia. Não está caracterizado o tratamento desigual em relação a outros imóveis da região, diante da falta de comprovação desta alegação. Por fim, no que se refere ao pedido de indenização, a área non aedificandi, pela sua natureza de limitação administrativa, não gera direito à indenização, por não retirar a propriedade do imóvel. Em relação à faixa de domínio, que o eventual pedido de indenização deverá ser vertido em ação própria, de desapropriação indireta, evitando-se sua discussão nos estreitos limites desta ação demolitória. Apelo improvido. (TRF4, AC 200172030018236, Rel. Vânia Hack de Almeida, DJ 06/09/2006)
Incabível, ainda, a indenização sobre as áreas que englobaram as respectivas faixas de domínio da rodovia, uma vez que o particular jamais exerce poderes de propriedade sobre imóvel de domínio público. Não poderá, assim, ser considerado possuidor dessas áreas, senão mero detentor. Essa impossibilidade, de per si, torna inviável a indenização por acessões ou benfeitorias, pois não prescindem da posse de boa-fé, no termos dos artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil.
Sob o enfoque acima, aliás, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. INTERDITO PROIBITÓRIO. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA. MERA DETENÇÃO. INEXISTÊNCIA DE POSSE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte já se manifestou a respeito da questão discutida nos autos e adotou o entendimento no sentido de que a "ocupação de área pública, quando irregular, não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. Se o direito de retenção ou de indenização pelas acessões realizadas depende da configuração da posse, não se pode, ante a consideração da inexistência desta, admitir o surgimento daqueles direitos, do que resulta na inexistência do dever de se indenizar as benfeitorias úteis e necessárias" (REsp 863.939/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 24.11.2008). 2. Não se pode configurar como de boa-fé a posse de terras públicas, pouco relevando o tempo de ocupação, sempre precária, sob pena de submeter-se o Poder Público à sanha de invasões clandestinas. (...). (AgRg no REsp 799.765/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe 04/02/2010 - destaquei)
Conforme constou na decisão de evento 102, o único pleito admissível em ação reintegratória refere-se à eventuais benfeitorias realizadas - não à propriedade ou posse perdida. Mas, mesmo com relação às benfeitorias o espectro é limitado. No que tange à construção em faixa de domínio e área não edificável, não cabe indenização de benfeitorias. Caso a construção seja em área non aedificandi e anterior à Lei 6.766/79, cabível, em tese, a indenização, pois somente com a promulgação da referida lei surgiu a limitação ao direito de construir na faixa em questão (TRF4, AC 5002297-25.2010.404.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, juntado aos autos em 09/11/2012).
Nestes autos, a espécie não se enquadra nas hipóteses de admissibilidade de indenização. Não há indício de prova de edificações anteriores a 1979 para as áreas objeto desta ação.
A perícia concluiu que (evento 171):
3 – Caso o Requerido esteja ocupando a faixa non aedificandi, queira o senhor perito informar se a construção foi concluída anterior à Lei 6.766, de 16 de dezembro de 1979.
R-3) fazendo-se uma fotointerpretação sobre fotos aéreas do vôo aerofotogramétrico datado de 1978 é possível concluir o que segue:
➢ É possível identificar que foi executado movimento de terra, onde é visível a remoção da cobertura vegetal e serviços de terraplenagem;
➢ É possível verificar que não existem telhados que demonstrem que as edificações em tela estivessem com a cobertura concluída;
➢ Não é possível afirmar que as obras de construções destas edificações já tivessem sido iniciadas, bem como, afirmar ao contrário.
Diante do exposto conclui-se que no ano 1978 havia movimento de terra no imóvel do requerente, mas não foi possível identificar se as obras já tinham começado efetivamente, e se em 16 de dezembro de 1979 as mesmas já tinham sido concluídas.
Os documentos juntados pelo réu não infirmam a conclusão pericial. A matrícula imobiliária, de 1976 (ev. 48, MATRIMÓVEL3), atesta a compra e venda de um terreno, sem benfeitorias, informação também presente no doc. OUT5. No evento 195, a CELESC indica que a ligação de luz no local se deu em 1985. Quanto à primeira declaração, de 1976, não possui elementos suficientes para evidenciar se havia de fato uma ligação de energia no local, nem para que espécie de edificação.
Portanto, não há indício seguro de prova de benfeitorias anteriores a 1979 para a área objeto desta ação. Logo, incabível a indenização na presente demanda.
In casu, os imóveis em tela ocupam a área non aedificandi. A prova da ocupação irregular está estampada nos documentos produzidos pela autora (NOT7, evento 1), concessionária de serviço público, de modo que, em princípio, goza de presunção de legitimidade (TRF4, AC 0000168-29.2006.404.7118, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 16/02/2011), na espécie não afastada pela parte ré.
Essas informações foram confirmadas pela perícia judicial (ev. 171):
Sobre o imóvel do requerido existem 4 edificações sendo que duas delas encontram-se em ruínas (sem valor comercial) e as outras duas estão em bom estado de conservação. Todas as edificações estão locadas fora da faixa de domínio. As edificações em ruína estão totalmente inseridas na área non aedificandi já as edificações denominadas no levantamento topográfico de CA 01(113,76 m² de área construída) e CA 02 (114,26 m² de área construída) estão parcialmente inseridas na área non aedificandi com áreas respectivamente de 86,57 m² e 93,94 m². Todas as edificações estão inseridas na faixa non aedificandi.
Não existe a possibilidade de, se esse for entendimento, de demolição parcial das duas edificações, diante disto os valores calculados para demolição e avaliação dos imóveis foram em relação às áreas totais. (p. 10)
Assim, tem-se caso de risco presumido aos usuários da rodovia, a legitimar o pleito demolitório. Neste sentido:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSTRUÇÃO DENTRO DE FAIXA DE DOMÍNIO E ÁREA NON AEDIFICANDI DE RODOVIA. LEI Nº 6.766/79. ESBULHO POSSESSÓRIO. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. A faixa de domínio é a área utilizada para a execução da via, e é estipulada em um projeto de engenharia rodoviária, considerada bem público sob competência do órgão rodoviário. Tal espaço é calculado com fundamento em dados técnicos de engenharia, sempre buscando a segurança dos usuários da futura rodovia, bem como dos moradores lindeiros. Os limites da faixa de domínio, desse modo, têm sua largura variada conforme cada rodovia. Além da faixa de domínio, torna-se obrigatória uma reserva de mais 15 metros para cada lado da faixa de domínio (faixa "non-aedificandi") na qual não se pode construir (Lei Federal 6.766/79). Assim, se de um lado a área não edificável implica limitação administrativa à propriedade particular, a faixa de domínio é área pública, e a sua proteção não se restringe à medida de segurança, mas também à posse indireta da União. 2. Estando situadas sobre faixa de domínio e área non aedificandi, o risco de manutenção das edificações é presumido, sendo legítima a determinação de demolição. 3. Em tratando de invasão de faixa de domínio de rodovia, inexiste fundamento jurídico para a fixação de indenização na reintegração de posse, dada a irregularidade da ocupação de um bem público. Da mesma forma, a área non aedificandi à margem de estrada de rodagem subsume-se à restrição administrativa, exonerando o Estado do dever de indenização. (TRF4, AC 5015195-94.2015.4.04.7200, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/07/2018)
Logo, o pedido procede, devendo a parte ré promover a desocupação da área não edificante, removendo a parte da construção que adentra na área restrita.
(...)
A faixa de domínio de rodovia (constituída pela pista de rolamento, canteiros, acostamentos e sinalização, estendendo-se até o alinhamento das cercas que separam a estrada dos imóveis marginais ou da faixa de recuo) pertence à União e é indispensável à segurança na utilização das pistas de rolamento e à eventual ampliação e manutenção destas.
A área non aedificandi adjacente possui, no mínimo, 15 (quinze) metros de largura em cada lado, contados a partir da faixa de domínio, salvo prescrição legal em contrário, e, quando pertence a particular, sofre limitação administrativa, pois nela não são permitidas edificações (artigo 4º, inciso III, da Lei n.º 6.766/1979).
As restrições de uso e ocupação de tais espaços são definidas por critérios técnicos, estabelecidos pelo legislador, e justificam-se pela necessidade de resguardo da segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em sua área contígua, sendo vedado ao Judiciário majorar, reduzir ou mitigá-las (artigos 50, 93 e 95 do Código Brasil de Trânsito).
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RETRIBUIÇÃO PECUNIÁRIA. COBRANÇA. TAXA DE USO E OCUPAÇÃO DE SOLO E ESPAÇO AÉREO. CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO. DEVER-PODER E PODER-DEVER. INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTOS NECESSÁRIOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO EM BEM PÚBLICO. LEI MUNICIPAL 1.199/2002. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO. ARTIGOS 21 E 22 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Às empresas prestadoras de serviço público incumbe o dever-poder de prestar o serviço público. Para tanto a elas é atribuído, pelo poder concedente, o também dever-poder de usar o domínio público necessário à execução do serviço, bem como de promover desapropriações e constituir servidões de áreas por ele, poder concedente, declaradas de utilidade pública. 2. As faixas de domínio público de vias públicas constituem bem público, inserido na categoria dos bens de uso comum do povo. 3. Os bens de uso comum do povo são entendidos como propriedade pública. Tamanha é a intensidade da participação do bem de uso comum do povo na atividade administrativa que ele constitui, em si, o próprio serviço público [objeto de atividade administrativa] prestado pela Administração. 4. Ainda que os bens do domínio público e do patrimônio administrativo não tolerem o gravame das servidões, sujeitam-se, na situação a que respeitam os autos, aos efeitos da restrição decorrente da instalação, no solo, de equipamentos necessários à prestação de serviço público. A imposição dessa restrição não conduzindo à extinção de direitos, dela não decorre dever de indenizar. 5. A Constituição do Brasil define a competência exclusiva da União para explorar os serviços e instalações de energia elétrica [artigo 21, XII, b] e privativa para legislar sobre a matéria [artigo 22, IV]. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a declaração, incidental, da inconstitucionalidade da Lei n. 1.199/2002, do Município de Ji-Paraná. (STF, RE 581.947, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2010, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 26/08/2010 PUBLIC 27/08/2010 - grifei)
EMENTA: AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E DEMOLITÓRIA. FAIXA DE DOMÍNIO. RODOVIA FEDERAL. OCUPAÇÃO IRREGULAR. COMPROVAÇÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. OFENSA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. 1. Ação de reintegração de posse cumulada com pretensão demolitória a propósito de faixa de domínio de rodovia federal ocupada irregularmente. 2. Suficiente comprovação nos autos a respeito da irregularidade destacada na exordial, uma vez que a planta de situação da área examinada que foi carreada ao feito dispensa a produção de prova pericial. 3. No tocante ao tema atinente à prévia desapropriação da área por ocasião da construção da rodovia em tempo pretérito, melhor sorte não assiste aos réus. Na linha da jurisprudência desta Turma, a questão logra inserção em processo apartado, comumente em ação de desapropriação indireta ao seu devido tempo manejada, não na ação de reintegração de posse. 4. Por versar reintegração de posse dirigida contra núcleo familiar individual, não é aplicável ao caso o decidido pelo colendo STF na ADPF nº 828, que trata de desocupações coletivas. 5. Recurso desprovido. (TRF4, 3ª Turma, AC 5008066-72.2019.4.04.7208, Relator SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, juntado aos autos em 11/10/2022)
EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. BEM PÚBLICO. IMÓVEL LOCALIZADO EM FAIXA DE DOMÍNIO E EM ÁREA NÃO EDIFICANTE. ESBULHO. COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO. EMPRESA REQUERIDA QUE CONTESTOU O FEITO. AUSÊNCIA DE PROCURAÇÃO. EXCLUSÃO POR ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. 1. O Código Civil garante a todo aquele que tem, de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade o direito de ser mantido na posse no caso de turbação e de restituição no caso de esbulho (artigos 1.196 e 1.210). 2. No que se refere ao esbulho, o mecanismo processual de tutela da posse é a ação reintegratória, que é o interdito possessório que tem como finalidade restituir ao possuidor o bem que lhe foi tomado, sendo que para sua procedência é necessário o preenchimento dos requisitos do art. 561 do Código de Processo Civil. 3. Tratando-se de bem público, ademais, inexiste a posse por particular, mas, sim, mera detenção, incapaz de gerar direitos em face da Administração Pública. 4. Sendo a UNIÃO não só a legítima proprietária, como também a possuidora da área ocupada pelos requeridos, que nela só permanecem por mera liberalidade da Administração, inexistem dúvidas de que houve a ocupação irregular (ou detenção de natureza precária) de forma a caracterizar o esbulho possessório e ensejando, assim, o acolhimento do pedido de reintegração deduzido na inicial pelo DNIT. 5. Mesmo não tendo sido oportunizada a regularização da sua representação processual, são devidos honorários advocatícios à ré que contestou o feito e foi excluída da lide pela sentença por ilegitimidade passiva ad causam. (TRF4, 3ª Turma, AC 5010116-73.2016.4.04.7209, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 12/10/2022)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ESBULHO. CONFIGURADO. 1. A construção de edificação em área da faixa de domínio de ferrovia federal, sem autorização, constitui esbulho possessório, autorizando o manejo do interdito. 2. Não é possivel a posse de bem público, constituindo a sua ocupação mera detenção de natureza precária, conforme súmula 619 do STJ. (TRF4, 4ª Turma, AC 5006392-38.2014.4.04.7110, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 05/10/2022)
EMENTA: ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONSTRUÇÃO IRREGULAR. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA. ESBULHO POSSESSÓRIO. EDIFICAÇÃO. DEMOLIÇÃO. 1. As limitações ao uso de faixa de domínio são estabelecidas com base em critérios técnicos predefinidos pelo legislador e justificam-se pela necessidade de garantir a segurança dos usuários das rodovias e das pessoas que circulam em área contígua, não cabendo ao Judiciário ampliar, reduzir ou flexibilizar tais restrições. 2. À míngua de autorização para edificação em faixa de domínio de rodovia federal, a ocupação irregular desse espaço (ou detenção de natureza precária) constitui esbulho possessório, que autoriza o manejo de ação de reintegração de posse pela concessionária (artigos 1.208 e 1.210 do Código Civil, artigos 560 a 562 do Código de Processo Civil, e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946). 3. Configurada a ocupação irregular, impõe-se a reintegração da concessionária na posse da faixa de domínio e a ordem de demolição da construção irregular localizada nela, com a remoção dos entulhos, às expensas da parte ré. Tal conclusão não é alterada pelo fato de a única construção na referida faixa ser um muro, especialmente pelo fato de o imóvel avançar por 30 m² da área de domínio. 4. Inexiste urgência que autorize a concessão de liminar, uma vez que a perícia constatou a inexistência de riscos concretos e a construção não é recente. 5. Apelações das autoras providas. Apelação da ré desprovida. (TRF4, 4ª Turma, AC 5007747-46.2015.4.04.7208, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 06/10/2022)
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE E DEMOLITÓRIA. CONCESSIONÁRIA DO SERVIÇO PÚBLICO. PRÉVIA POSSE. ÁREA NÃO EDIFICÁVEL. 1. A posse da autora está suficientemente fundada no contrato de concessão de serviço público de exploração da rodovia juntado aos autos. 2. A área não edificável é limitação administrativa imposta sobre propriedade privada, e o pedido de demolição de construções realizadas sobre a área não edificável não se confunde com o pedido de reintegração de posse. Este pedido depende apenas da existência de interesse jurídico da demandante no provimento jurisdicional relativo à demolição das construções irregulares. Esse interesse jurídico está presente justamente porque à concessionária incumbe a prestação do serviço público objeto da concessão, estando a adequada prestação desse serviço atrelada à observância da proibição da construção de imóveis na área não edificável. 3. Apelação do réu improvida. (TRF4, 4ª Turma, AC 5003848-61.2015.4.04.7104, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 16/10/2019)
A construção da rodovia federal BR 101, no Estado de Santa Catarina, remonta à década de 1960, época em que os espaços afetados pelas obras foram declaradas de utilidade pública, para esse fim, na forma do Decreto-Lei n.º 3.365/1941. Quanto às áreas atingidas pela implantação da via e respectivas faixas de domínio da rodovia, coube indenização aos proprietários, por se tratar de desapropriação, e, se eventualmente o pagamento devido não se efetivou na esfera administrativa ou judicial, a parte interessada deve promover o ajuizamento de ação de indenização (desapropriação indireta), uma vez que a ação reintegração/manutenção de posse não comporta tal discussão.
Assentadas tais premissas, infere-se da análise dos autos que a posse da Concessionária Autopista Litoral Sul S.A. sobre a rodovia e a faixa de domínio (artigo 561 do CPC), assim como a responsabilidade pela manutenção da integridade desse espaço e da área adjacente, tem lastro no contrato de concessão, firmado com a União, por intermédio da Agência Nacional de Transportes Terrestres, para exploração de infraestrutura e prestação de serviços públicos e obras no trecho ali especificado (CONTR5 do evento 1 dos autos originários).
A documentação acostadas aos autos e o laudo pericial comprovam a ocupação de faixa de domínio e área non aedificandi da rodovia federal (fotografias, croquis e laudo técnico - eventos 1, 35, 62 e 171 dos autos originários).
Tais elementos probatórios não foram impugnados, consistentemente, pelas partes.
À míngua de autorização administrativa para edificação em faixa de domínio e área non aedificandi adjacente de rodovia federal, a ocupação irregular desses espaços (ou detenção de natureza precária) autoriza o manejo de ação de reintegração de posse, cumulada com demolitória (artigos 99, inciso I, 1.208 e 1.210 do Código Civil; artigos 560 a 562 do Código de Processo Civil, e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946), com vistas à retomada da área pelo seu legítimo proprietário e possuidor, o Poder Público, por intermédio da Concessionária, e o desfazimento das construções não permitidas, às expensas do particular.
Além disso, é firme na jurisprudência a orientação no sentido de que:
(1) a antiguidade da ocupação em si, a boa-fé do ocupante e a suposta “tolerância” ou inércia das autoridades por longa data são irrelevantes, pois não geram o direito de ali permanecer (faixa de domínio) ou de manter construções que comprometem a segurança do trânsito local (área non aedificandi), seja porque a faixa de domínio não é passível de usucapião, por se tratar de bem público (artigos 183, § 3º, e 191, parágrafo único, da Constituição Federal), seja porque as restrições de uso de área non aedificandi, impostas por lei, atendem ao interesse público;
(2) a ocupação irregular de bem público ou a construção em área não edificável não pode ser legitimada, com fundamento na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal), no direito social à moradia (artigo 6º da Constituição Federal) - cuja concretização reclama a existência de políticas públicas - ou no direito à propriedade e sua função social (artigos 5º, incisos XXII e XXIII, 170, inciso II, e 182, § 2º, da Constituição Federal), porquanto (2.1) é dever do Estado protegê-los; (2.2) o interesse particular não prevalece ao da coletividade, nem se sobrepõe à necessidade de o Poder Público garantir segurança na circulação de pessoas e veículos nas vias rodoviárias; (2.3) chancelar o esbulho de área pública viola, ainda que indiretamente, normas expressas da Constituição Federal, e (2.4) a boa-fé do ocupante ou o longo tempo de sua permanência no local não lhe conferem o direito de manter-se no imóvel, e
(3) a tutela da pretensão possessória não pressupõe a comprovação de posse anterior da Concessionária ou do ente público concedente relativamente ao imóvel sub judice, porquanto (3.1) a definição da faixa de domínio e da área non aedificandi é legal; (3.2) a faixa de domínio é espaço indissociável da pista de rolamento, dada sua finalidade precípua - a segurança do trânsito (artigo 50 do Código de Trânsito Brasileiro), constituindo a sua ocupação detenção de natureza precária, a afastar qualquer direito real de posse oponível ao Poder Público (artigo 1.225, inciso XI, da Código Civil, artigo 561 do CPC e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946), e (3.3) a manutenção de edificação situada no espaço adjacente à rodovia envolve risco à segurança de todos, inclusive de ocupantes irregulares e terceiros que trafegam nela e circulam em área contígua, que é justamente o que a restrição de uso visa a eliminar ou, pelo menos, mitigar (artigos 5º, caput, e 144, § 10, caput e inciso I, da Constituição Federal).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO TIDO POR VIOLADO. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DO ART. 1.025 DO CPC/2015. INOVAÇÃO RECURSAL. IMÓVEL IRREGULAR EM FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE PERMISSÃO/AUTORIZAÇÃO DO DNIT. CONCESSÃO DE USO ESPECIAL. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o seu conhecimento, a teor da Súmula 211/STJ. 2. O art. 1.025 do CPC/2015, tido por violado, não foi objeto do recurso especial interposto pelo ora agravante, tratando-se de verdadeira inovação recursal, o que torna inviável a análise do pleito ante a configuração da preclusão consumativa. 3. A Corte de origem, após ampla análise do conjunto fático-probatório, firmou compreensão de que "a localização do imóvel mostra-se irregular, pois, além de não contar com a devida permissão do DNIT, foi construído dentro da área de domínio público, conforme consta da planta acostada pelo DNIT (Id. 4058200.596416), colocando em risco a vida e a segurança de pedestres e motoristas que trafegam pela rodovia federal BR-110/PB, sendo evidente a contrariedade aos dispositivos constantes nos art. 93 e 95 da Lei 9.503/97, e no inciso III do art. 4º da Lei 6.766/79, acima destacados" (fl. 259). Assim, verifica-se que rever o entendimento do acórdão recorrido ensejaria o reexame do conjunto fático-probatório da demanda, providência vedada em sede de recurso especial ante a Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 1ª Turma, AgInt no REsp 1.812.816/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, julgado em 28/10/2019, DJe 30/10/2019)
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ENTE PÚBLICO. RODOVIA. FAIXA DE DOMÍNIO. TENDA. USO POR PARTICULAR. SÚMULAS 5 E 83/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Reintegração de Posse proposta pelo DAER/RS, autarquia estadual, contra possuidor de tenda às margens da rodovia RS-040, Km 76-860, situada na faixa de domínio. 2. A sentença julgou a ação procedente, fixando o prazo de 90 (noventa) dias para a parte recorrente desfazer as construções na área reintegrada, o que foi mantido pelo Tribunal. 3. Não conheço do Recurso Especial em relação a eventual violação a cláusulas do contrato de concessão, por não se enquadrar no conceito de lei federal previsto no art. 105, III, a da Constituição Federal, atraindo a incidência da Súmula 5/STJ. A propósito: AgInt no REsp 1.569.566/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/4/2017; AgRg no AREsp: 572.866/RJ, Relator: Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 20/11/2014; AgRg no REsp 845.056/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 13.10.2009. 4. Não se apresenta como ponto controvertido na lide o direito de propriedade do ente federativo em relação à rodovia onde instalada a tenda da parte recorrente, nem à ausência de autorização do poder público para a utilização pelo particular do espaço público às margens da rodovia. 5. Desse modo, é inquestionável que, mesmo existindo concessão do serviço público a terceiros, tal fato não retira a legitimidade do poder público concedente relativamente à utilização dos instrumentos processuais para a retomada da posse do bem público, pois conserva os direitos inerentes à propriedade. 6. Ademais, a jurisprudência do STJ afirma que, nos casos em que o imóvel objeto do litígio é público, a discussão da posse em ação possessória decorre do próprio direito de propriedade, razão pela qual deve-se permitir o manejo de institutos processuais de natureza possessória pelos entes públicos. Nesse sentido: EREsp 1.134.446/MT, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, DJe 4/4/2018; REsp 1.370.254/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 29/11/2016; AgRg no REsp 1.282.207/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJe 2/2/2016; REsp 780.401/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 21/9/2009. 7. Em casos como o apreciado nestes autos, é legítimo ao ente estatal propor demanda para discutir a reintegração de posse de bem público ocupado por particulares, considerando que o direito de posse do recorrido decorre do direito de propriedade do Estado sobre a rodovia. 8. Exigir do poder público o exercício de poder de fato sobre a coisa para legitimar o manejo de Ações Possessórias, especialmente nos casos da utilização das margens de rodovias pelos particulares para fins privados, inviabilizaria a realização de política pública relacionada à segurança e conservação das vias públicas. 9. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida." 10. Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp n. 1.766.791/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 6/11/2018, DJe de 19/11/2018 - grifei)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E REAIS. RECURSO ESPECIAL. POSSE DE BEM PÚBLICO OCUPADO SEM PERMISSÃO. INVIABILIDADE. LIMINAR EM AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE, TENDO POR OBJETO ÁREA OCUPADA HÁ MAIS DE ANO E DIA. POSSIBILIDADE. 1. O artigo 1.208 do Código Civil dispõe que não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade‟. 2. A jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Supremo Tribunal Federal, é firme em não ser possível a posse de bem público, constituindo a sua ocupação mera detenção de natureza precária. 3. Portanto, no caso vertente, descabe invocação de ‘posse velha’ (artigo 924 do Código de Processo Civil), para impossibilitar a reintegração liminar em bem imóvel pertencente a órgão público. 4. Recurso especial não provido (STJ, REsp n.º 932.971, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 26/05/2011)
No tocante à indenização por acessões e benfeitorias, o e. Superior Tribunal de Justiça já firmou o entendimento no sentido de que "A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias" (súmula n.º 619). Configurada hipótese de detenção (que não se confunde com posse), eventual pretensão indenizatória não tem respaldo legal, independentemente da boa-fé ou não do ocupante (artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil).
Tampouco caberia a apreciação de eventual pleito indenizatório em ação possessória.
Nesse tópico, é irretocável a sentença:
(...)
Incabível, ainda, a indenização sobre as áreas que englobaram as respectivas faixas de domínio da rodovia, uma vez que o particular jamais exerce poderes de propriedade sobre imóvel de domínio público. Não poderá, assim, ser considerado possuidor dessas áreas, senão mero detentor. Essa impossibilidade, de per si, torna inviável a indenização por acessões ou benfeitorias, pois não prescindem da posse de boa-fé, no termos dos artigos 1.219 e 1.255 do Código Civil.
(...)
Ilustram esse posicionamento:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DEMOLITÓRIA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE ÁREA PÚBLICA. FAIXA DE RODOVIA. MERA DETENÇÃO. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. I - Na origem, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes - DNIT ajuizou ação demolitória, cumulada com pedido de tutela inibitória, contra Edneide Leite Ataíde, objetivando seja a ré compelida a proceder à demolição da construção irregular e não autorizada realizada na faixa de domínio da Rodovia Federal BR-230/PB, no Km 81, no Município de Cajá/Caldas Brandão/PB. Na primeira instância o julgamento foi de procedência da ação demolitória às expensas do DNIT, bem assim da procedência parcial do pedido de reconvenção da ré para condenação da autarquia federal ao pagamento de prévia indenização em dinheiro, correspondente ao valor de mercado do imóvel edificado (fls. 200-210). O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em reexame necessário, deu provimento à remessa necessária, reformando a decisão monocrática de procedência da reconvenção. No STJ, a decisão monocrática possui a seguinte parte dispositiva: "Ante o exposto, com fundamento no artigo 255, § 4º, II, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial, implicando, ainda, na majoração da verba honorária recursal para 11% (onze por cento) sobre o valor da causa." (fl. 401). II - A arguição de contrariedade a dispositivos da Constituição Federal de 1988 não pode ser conhecida em recurso especial, por usurpar da competência do Supremo Tribunal Federal, descrita na própria Carta Magna. III - Quanto a violação do art. 4º, III, da Lei n. 6.766/1979, em dissídio jurisprudencial, o Tribunal de origem fundamentou devidamente seu entendimento, esclarecendo que a ocupação ocorreu em terreno público, agindo o réu de má-fé, conforme trecho expresso do acórdão recorrido. Nesse panorama, verifica-se, dos excertos reproduzido do aresto recorrido, que a Corte Regional, com base nos elementos fáticos dos autos, concluiu que a edificação foi erigida irregularmente em faixa de domínio da rodovia, tendo a recorrente, ainda, agido de má-fé, porquanto teria ciência de que o imóvel não lhe pertencia, pelo que entendeu de não ser devida qualquer indenização pela desocupação da área e demolição da construção irregular, com a consequente improcedência da reconvenção. IV - No mesmo sentido é a jurisprudência desta Corte Superior, que expressamente consignou "não ser cabível o pagamento de indenização por acessões ou benfeitorias, nem o reconhecimento do direito de retenção, na hipótese em que o particular ocupa irregularmente área pública, pois admitir que o particular retenha imóvel público seria reconhecer, por via transversa, a posse privada do bem coletivo, o que não se harmoniza com os princípios da indisponibilidade do patrimônio público e da supremacia do interesse público? (STJ, REsp n. 1.183.266/PR, relator Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe de 18/5/2011). V - Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no REsp n. 1.951.542/PB, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/3/2022, DJe de 24/3/2022 - grifei)
PROCESSUAL CIVIL. FAIXA DE DOMÍNIO. ÁREA NON AEDIFICANDI. DEMOLIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. 1. Não se conhece de Recurso Especial quanto a matéria não especificamente enfrentada pelo Tribunal de origem (art. 1º da Medida Provisória 2.220/2001), dada a ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 3. Quem ocupa ou utiliza área pública ou non aedificandi o faz à sua inteira conta e risco. Descabe posteriormente pretender da sociedade, titular do interesse público violado, qualquer benefício ou indenização, sendo irrelevante eventual omissão ou demora do Estado em fiscalizar e adequadamente resguardar o que a todos pertence ou aproveita. Se a demolição da parte ilicitamente construída comprometer a viabilidade ou inutilidade do que remanesce da edificação, tal se deve imputar, com exclusividade, a quem a erigiu onde e como vedado pela legislação. Tal situação, portanto, é incapaz de gerar direito de permanecer na ilegalidade, em desfavor da coletividade. 2. No que tange à apontada violação do art. 4º, III, da Lei 6.766/1979, o Tribunal local tratou expressamente da distinção entre faixa de domínio e área non aedificandi (grifei): "as faixas de domínio são consideradas as áreas de terras determinadas legalmente, por decreto de Utilidade Pública, para uso rodoviário, sendo ou não, desapropriadas, cujos limites foram estabelecidos em conformidade com a necessidade prevista no projeto de engenharia rodoviária; as chamadas áreas non aedificandi, diferentemente das faixas de domínio, são as faixas de terra com largura de 15 (quinze) metros, contados a partir da linha que define a faixa de domínio da rodovia. A faixa de domínio constitui propriedade pública, enquanto que a área não-edificante tem natureza de limitação administrativa que gera para o administrado a obrigação de não-fazer, cujo descumprimento deve ser reprimido pela administração. (...) Neste sentido, o expert concluiu que o muro e o portão situam-se dentro da faixa de domínio, ou seja, tomando por base o levantamento topográfico verificou que o imóvel se encontra parcialmente na faixa de domínio da citada rodovia e que o remanescente não ficará comprometido para utilização caso haja demolição do que invade as terras da União Federal". 3. A insurgente não infirma tal argumento, limitando-se a reiterar que "não há qualquer fundamentação legal para que a faixa de domínio no local seja superior ao limite de 15 (quinze) metros estabelecido no art. 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/79", que estabelece, em verdade, a área não edificável, conforme dicção legal, in verbis: "ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica". 4. Dessa maneira, como a fundamentação supra é apta, por si só, para manter o decisum combatido e não houve contraposição recursal ao ponto, aplica-se na espécie, por analogia, o óbice da Súmula 283/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles." 5. Recurso Especial não conhecido. (STJ, REsp n. 1.828.543/RJ, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/11/2019, DJe de 19/12/2019 - grifei)
Por tais razões, afastado o pedido de demolição de edificação em área non aedificandi (pela perda parcial de objeto da lide), é de se reconhecer a procedência do pleito possessório/demolitório em relação à faixa de domínio.
Em face do improvimento da apelação, e considerando que a perda parcial de objeto da lide decorre da edição de legislação superveniente, acresça-se 1% (um por cento) ao percentual dos honorários advocatícios já fixados na sentença (artigo 85, § 11, do CPC), ressalvada a condição da ré de beneficiária de gratuidade da justiça.
À vista de tais fundamentos, tem-se por prequestionados os dispositivos legais e constitucionais mencionados pelas partes, especialmente os artigos 5º, caput e incisos, XXII e XXIII, 6º e 183, § 1º, da Constituição Federal.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e homologar o pedido de extinção do processo, sem julgamento de mérito, pela perda superveniente do objeto, relativamente ao pedido demolitório na área non aedificandi.
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Apelação Cível Nº 5007643-54.2015.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
APELANTE: DOMINGOS DA SILVA (RÉU)
APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (AUTOR)
APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (AUTOR)
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. FAIXA DE DOMÍNIO DE RODOVIA FEDERAL. ESBULHO POSSESSÓRIO. DESFAZIMENTO DE EDIFICAÇÃO.
À míngua de autorização administrativa para edificação em faixa de domínio de rodovia federal, a ocupação irregular desse espaço (ou detenção de natureza precária) constitui esbulho possessório, que autoriza o manejo de ação de reintegração de posse pela concessionária (artigos 1.208 e 1.210 do Código Civil; artigos 560 a 562 do Código de Processo Civil, e artigo 71 do Decreto-Lei n.º 9.760/1946) e o desfazimento das construções, às expensas do particular.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e homologar o pedido de extinção do processo sem julgamento de mérito pela perda superveniente do objeto, relativamente ao pedido demolitório na área non aedificandi, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de dezembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 07/12/2022
Apelação Cível Nº 5007643-54.2015.4.04.7208/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: DOMINGOS DA SILVA (RÉU)
ADVOGADO(A): DARLON NOGUEIRA MARTINS (OAB SC036208)
ADVOGADO(A): JUCIMAR ROBERTO DAGOSTIN (OAB SC015360)
APELADO: CONCESSIONÁRIA AUTOPISTA LITORAL SUL S.A (AUTOR)
APELADO: AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES - ANTT (AUTOR)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/12/2022, na sequência 469, disponibilizada no DE de 22/11/2022.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E HOMOLOGAR O PEDIDO DE EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO PELA PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO, RELATIVAMENTE AO PEDIDO DEMOLITÓRIO NA ÁREA NON AEDIFICANDI.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Votante: Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA
Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
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