APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006565-71.2014.4.04.7204/SC
RELATOR | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CARBONIFERA METROPOLITANA S/A |
ADVOGADO | : | FÁBIO AUGUSTO RONCHI |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. CULPA DA EMPREGADORA NÃO DEMONSTRADA.
Consoante prescreve o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".
Para a caracterização do dever de indenizar, é preciso que se comprove a presença de ação ou omissão do empregador, resultado danoso, nexo causal e, ainda, negligência em relação às normas de higiene e segurança do trabalho (art. 120 da LBPS). Hipótese em que não se verificou culpa do empregador.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2015.
Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7861761v4 e, se solicitado, do código CRC C01D9836. | |
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| Signatário (a): | Sérgio Renato Tejada Garcia |
| Data e Hora: | 21/10/2015 17:12 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006565-71.2014.4.04.7204/SC
RELATOR | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CARBONIFERA METROPOLITANA S/A |
ADVOGADO | : | FÁBIO AUGUSTO RONCHI |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido (ação regressiva promovida pelo INSS), condenando o vencido ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente corrigido.
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação sustentando, em síntese, que o magistrado singular desconsiderou as provas produzidas, as quais demonstram que o acidente foi causado por falta de observância de normas técnicas de segurança, pois a ré não fornecia meios adequados para o exercício das funções do empregado. Aduziu que a empresa deve responder pelos prejuízos causados à coletividade, ressarcindo o INSS dos valores pagos a título de benefício acidentário.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do direito ao ressarcimento de valores
Para a caracterização do dever de indenizar, é preciso que se comprove a presença de ação ou omissão do empregador, resultado danoso, nexo causal e, ainda, negligência em relação às normas de higiene e segurança do trabalho (art. 120 da LBPS).
Para tanto, é imperiosa a análise dos contornos fáticos em que se deu o acidente, perquirindo acerca da ocorrência de desídia na condução das atividades por parte do empregador, sempre tendo em mente seu dever inarredável de zelar pelas normas de higiene e segurança do trabalho.
Para evitar tautologia, peço vênia para transcrever a sentença monocrática, cujos fundamentos adoto integralmente como razões de decidir:
"I - RELATÓRIO
Cuida-se de ação regressiva movida pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, visando à condenação da CARBONÍFERA METROPOLITANA S/A ao ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de benefícios previdenciários (auxílio doença acidente de trabalho nº 91/530.408.989-4 e auxílio acidente nº 94/543.913.086-8), instituídos em decorrência de acidente ocorrido na sede da empresa ré, no dia 17/04/2006.
Citada, a ré apresentou contestação, defendendo a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91. No mérito, rechaçou na íntegra os pedidos veiculados na inicial (evento 08).
Réplica no evento 11.
Foi realizada audiência, com a colheita de prova oral (evento 53).
As partes apresentaram suas alegações finais (eventos 54 e 60).
Vieram os autos conclusos para sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
MÉRITO
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LBPS
O INSS postula a condenação da Ré a lhe ressarcir os valores que despendeu e vem despendendo a título de pensão por morte, decorrente da alegada culpa da Ré quando do acidente ocorrido em 23.03.2010, em que teria sido negligente no que diz com a proteção do trabalhador.
Desde já, deixa-se assente que a ação não veicula índole exclusivamente patrimonial com enquadramento vincado aos estreitos cânones da legislação civilista. A leitura mais consentânea com a atual quadra jurídico-constitucional empresta-lhe dimensão mais abrangente, com repercussões também na proteção constitucional do meio ambiente do trabalho.
De fato, deve-se partir de perspectiva de que o meio ambiente do trabalho insere-se como bem jurídico de primeira grandeza, pois compendia diversos valores que conformam o seu conteúdo plurívoco, como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho e a função social da empresa.
O caráter ambiental, aliás, não pode ser mitigado, pois conforme ensina José Afonso da Silva 'É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do ambiente, nele compreendido o do trabalho.' (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 23).
Com efeito, à luz do que dispõe o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, que versa sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, entende-se por "meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". Tal a razão para a precisa advertência de Édis Milaré:
Para o Direito brasileiro, portanto, são elementos do meio ambiente, além daqueles tradicionais, como o ar, a água e o solo, também a biosfera, esta com claro conteúdo relacional (e, por isso mesmo, flexível). Temos, em todos eles, a representação do meio ambiente natural. Além disso, vamos encontrar uma série de bens culturais e históricos, que também se inserem entre os recursos ambientais, como meio ambiente artificial ou humano, integrado ou associado ao patrimônio ambiental. O Direito Ambiental se preocupa com todos esses bens, sejam eles naturais ou não. Abarca ele não só o meio ambiente natural, a saber as condições físicas da terra, da água e do ar, mas também o meio ambiente humano, isto é, as condições produzidas pelo homem e que afetam sua existência no Planeta." (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2005. p. 105).
Constata-se assim que a causa envolve matéria de inegável relevo constitucional. A partir disso, o papel imposto ao intérprete e aplicador do Direito deve levar em conta alguns aspectos para uma decisão calcada em ampla legitimidade não só jurídica, mas também político-social.
Nesse sentido, diante mesmo do caráter transversal do Direito Ambiental, com nítido contorno interdisciplinar, a solução judicial a ser adotada deve também ter como escopo e critério de legitimação a dimensão social e política da jurisdição, ou seja, a busca da consagração de uma democracia material. Esse é o papel proeminente do Judiciário, vale dizer, a partir do caso que lhe é submetido a julgamento, deve mostrar-se espaço garantidor dos valores hauridos da Constituição Federal, assegurando, como força contramajoritária, a efetiva fruição da "compreensão unitária dos direitos fundamentais", como bem destacou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto proferido no RE 633703 (Informativo STF nº 620 - 21 a 25 de março de 2011):
Modernamente, a compreensão unitária dos direitos fundamentais decorre do pluralismo da democracia material contemporânea. A incindibilidade dos direitos fundamentais e a inexistência de diferenças estruturais entre os variados tipos de direitos determinam a superação dos modelos teóricos embasados na separação estanque entre as esferas dos direitos sociais (positivos ou prestacionais) e dos direitos de liberdade (negativos), afirmando-se a aplicabilidade imediata de todas as normas constitucionais, a partir da unidade de sentido dos direitos fundamentais. A diferença entre direitos negativos e direitos positivos é meramente de grau, uma vez que em ambos há expectativas negativas e positivas. (633703, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-219 DIVULG 17-11-2011 PUBLIC 18-11-2011 EMENT VOL-02628-01 PP-00065).
Essa concepção unitária permeia a atividade do intérprete e, mais do que isso, adstringe o seu labor hermenêutico a fim de que se conciliem os valores em jogo.
Essa tarefa não pode ser neutra ou descompromissada, jamais poderá apresentar resultados que nulifiquem valores constitucionais. Ao contrário, deve buscar assegurar a máxima eficácia de cada qual, em relação de precedência condicionada de acordo com o caso concreto. Nesse linha de entendimento, o Juiz Federal Jairo Gilberto Schäfer destaca:
A hermenêutica jurídico-constitucional deve pressupor a idéia de que a Constituição é um sistema aberto: conjunto interligado de princípios e regras que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência, de modo a evitar contradições entre as suas disposições, conferindo-se a máxima eficácia aos direitos fundamentais. (...) as particularidades existentes entre os diversos direitos não devem ser concebidas como excludentes, mas como complementares à efetivação da dignidade humana, percebendo-se entre as duas categorias de direitos uma implicação recíproca: a garantia dos direitos de liberdade é condição para que as prestações sociais do Estado possam ser objeto de direito individual; a garantia dos direitos sociais é condição para o bom funcionamento da democracia, bem como para um efetivo exercício das liberdades civis e políticas. Esta complementaridade entre os direitos decorre daquilo que HABERLE denomina tríade constitucional, na qual se embasam os direitos fundamentais (especialmente os direitos sociais), a saber: a) princípio da dignidade humana; b) princípio democrático; c) compreensão (cultural e socialmente integrante) da Constituição. (SCHÄFER, Jairo Gilberto. Classificação dos Direitos Fundamentais - Do sistema geracional ao sistema unitário - uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 64-65).
Essa digressão é necessária, pois o que se tem presente é uma colisão aparente entre valores e bens constitucionalmente consagrados e de dimensões (gerações) distintas: de um lado, a livre iniciativa e a atuação apenas subsidiária do Estado neste campo (art. 174, caput, CF); de outro, o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, CF), a exigir a consecução de prestações materiais pelo ente estatal.
O atual momento jurídico, inequivocamente passa por um processo indutivo e sistemático do reconhecimento de que a proteção e a promoção do ambiente é tarefa a todos dirigida, órgãos estatais e sociedade civil, decorrentes do comando constitucional insculpido no art. 225 da CF que impõe inclusive um compromisso de solidariedade para com as gerações futuras (intergeracional).
Insere-se nesse contexto a dignidade da pessoa humana como valor-fonte, que compendia a unidade material da Constituição de 1988. Essa dignidade, todavia, não pode ser vista, modernamente, senão também em sua dimensão ecológica. Trata-se de idéia-síntese vem sendo defendida por Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, que em primoroso trabalho esclarecem:
Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no contexto constitucional contemporâneo, consolida-se a formação de uma dimensão ecológica - inclusiva - da dignidade humana, que abrange a ideia de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna, saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos. Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo essencial. A qualidade (e segurança) ambiental, com base em tais considerações, passaria a figurar como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante completo de bem-estar existencial. Não se pode conceber a vida - com dignidade e saúde - sem um ambiente natural saudável e equilibrado. A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural. De tal sorte, o próprio conceito de vida hoje se desenvolve para além de uma concepção estritamente biológica ou física, uma vez que os adjetivos 'digna' e 'saudável' acabam por implicar um conceito mais amplo, que guarda sintonia com a noção de um pleno desenvolvimento da personalidade humana, para o qual a qualidade do ambiente passa a ser um componente nuclear. (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental - Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 40-1).
A partir desta análise, estes autores também defendem o reconhecimento de um "Estado Socioambiental de Direito", a confluir para um marco jurídico-constitucional que resulte "na convergência necessária da tutela dos direitos sociais e dos direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais." (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental - Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 93-5).
É a partir da centralidade da pessoa humana - e mais modernamente de sua dimensão ecológica -, inclusive, que o Código Civil vigente não desconsidera a existência de uma "despatrimonialização" ou mesmo "publicização" no Direito Civil em prol de uma ordem normativa que tenha na pessoa, individuada, de origem kantiana, a centralidade das atenções do intérprete/aplicador (Direito Civil Constitucional).
Esse quadro importa numa mudança de paradigma do Direito com desdobramentos na hermenêutica. Paradigma este que também decorre de novos princípios materializados na socialidade, eticidade, operabilidade e na boa-fé objetiva. Sobre o tema é importante recordar as lições de Francisco Amaral:
Os novos princípios do Código Civil são o da socialidade, que limita o exercício dos direitos subjetivos, o da eticidade, que privilegia os critérios ético-jurídicos em detrimento dos tradicionais lógico-formais, no processo de construção ou concreção jurídica, e o da operabilidade, um princípio metodológico da realização do direito, que recomenda tenha-se em vista mais o ser humano in concreto, situado, do que o sujeito in abstrato, próprio do direito liberal da modernidade (século XIV e XX). E no campo do negócio jurídico, o princípio da boa-fé objetiva como regra de interpretação das manifestações de autonomia privada. (AMARAL, Francisco. Direito Civil - Introdução. 6a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, prefácio à 5ª edição).
Buscam os referidos princípios a assegurar a normatividade da Constituição, o prestígio dos direitos fundamentais e a necessária adoção de uma (nova) hermenêutica, que não se coaduna mais com um sistema positivado hermético e fechado (axiomático-dedutivo), mas que parta do caso concreto, amparado a um pluralismo metodológico de interpretação/aplicação (topoi), ciente do processo dialógico que consubstancia essa nova concepção.
Fenômeno análogo não poderia deixar de ocorrer no seio da ordem econômica. É que, igualmente, o exercício da empresa se dá no esteio de uma ordem jurídica que, como explicita o art. 170, caput, da CF, tem dentre os seus fundamentos "a valorização do trabalho humano", buscando assegurar a todos "existência digna", "conforme os ditames da justiça social". Esta mesma ordem econômica tem como um dos seus princípios gerais a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação" (art. 170, VI, CF).
Quando se reconhece na atual quadra constitucional a normatividade das normas programáticas, o que se tem, extreme de dúvidas, são compromissos estabelecidos pelo legislador constituinte direcionados para o Estado e para a sociedade. Não é mais adequado entender a ordem pública e ordem privada como compartimentos estanques, mormente porque não se desconhece que o mercado, em que atores econômicos jogam papel principal, não é senão uma instituição jurídica, tal como ensina Eros Roberto Grau (A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 2008).
Assim, quando se enuncia que a dignidade da pessoa humana - e sua dimensão ecológica - e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV, CF) são fundamentos da República Federativa do Brasil, não se pode concluir seja comando endereçado tão-só ao Estado brasileiro, pois o mercado (art. 219 da CF) inarredavelmente encontra-se igualmente sujeito ao "plano de ação global normativo" que a Constituição Federal e o bloco de constitucionalidade que a compõe, consagram (STF, ADI 1950, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 02-06-2006).
É bem verdade que a autonomia de vontade mostra-se como espaço que deve ser preservado, pois conflagra a própria noção de liberdade jurídica, isto é, a possibilidade do sujeito de direito atuar com eficácia jurídica. Disso não se conclua, entretanto, tratar-se de espaço imune aos valores jurídicos vigentes, corolário, aqui, da dimensão objetiva dos direitos fundamentais (eficácia horizontal).
A concepção de que aos particulares tudo lhes é permitido desde que inexistente norma em sentido contrário, deve ser lida com o cuidado necessário. Essa interpretação evidencia um campo jurídico-social que não se mostra inteiramente adequado aos tempos atuais.
Imaginar-se um sujeito de direito que no exercício da liberdade contratual, da liberdade associativa ou mesmo na empresa possa derruir uma ordem jurídica calcada em valores, própria do pós-positivismo, é permitir espaço ao arbítrio. Tal postura desconsideraria a realidade social, econômica e política desta quadra a história, ou seja, uma sociedade de massa, uma sociedade de risco, tal como enuncia Ulrich Beck.
Mais uma vez, deve-se ter presente a advertência de Francisco Amaral, acerca da importância da funcionalização dos institutos jurídicos a fim de que seja efetivada a justiça social inserta no já mencionado art. 170, caput, da CF:
A funcionalização dos institutos jurídicos significa que o direito em particular e a sociedade em geral começam a interessar-se pela eficácia das normas e dos institutos vigentes, não só no tocante ao controle ou disciplina social, mas também no que diz respeito à organização e direção da sociedade, abandonando-se a costumeira função repressiva tradicionalmente atribuída ao direito, em favor de novas funções, de natureza distributiva, promocional e inovadora, principalmente na relação do direito com a economia. Surge, assim, o conceito de função no direito, ou melhor, dos institutos jurídicos, inicialmente em matéria de propriedade e, depois, de contrato. Emprestar ao direito uma função social significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepõem aos do indivíduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar com as injustiças sociais. O que se pretende, enfim, é a realização da justiça social, sem prejuízo da liberdade da pessoa humana. É precisamente com esse entendimento que a autonomia privada pode e deve direcionar-se. A ideia de justiça que se realiza na dimensão comutativa, entre particulares, iguais nos seus direitos, e distributiva, entre esses e o Estado, aparece agora com nova dimensão, a justiça social, que se insere em uma outra categoria, a justiça geral, que diz respeito aos deveres das pessoas em relação à sociedade, superando-se o individualismo jurídico em favor dos interesses comunitários e corrigindo-se os excessos da autonomia de vontade dos primórdios do liberalismo e do capitalismo. O direito é, assim, chamado a exercer uma função corretora e de equilíbrio dos interesses dos vários setores da sociedade, para o que limita, em maior ou menor grau de intensidade, o poder jurídico do sujeito, mas sem desconsiderá-lo, já que ele é, em última análise, o substrato político-jurídico do sistema em vigor nas sociedades democráticas e desenvolvidas do mundo contemporâneo que se caracterizam, precisamente, pela conjunção da liberdade individual com a justiça social e a racionalidade econômica. (AMARAL, Francisco. Direito Civil - Introdução. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 364).
É evidente que não se está a desconsiderar que os agentes econômicos atuem embasados em ética própria. Tanto o é, que o próprio ordenamento a eles projeta um regime jurídico diferenciado (Direito Empresarial). A perquirição do lucro, por óbvio, não traz ínsita qualquer conduta moralmente e juridicamente questionável, desde que se realize nos termos de uma ética mínima, a que o sistema jurídico pretende tutelar.
Em outras palavras, a leitura que se há de fazer a partir de todas as perspectivas já colacionadas, busca combater excessos, condutas desarrazoadas, desproporcionais que atinjam ou sejam capazes de atingir os valores mais caros à carta de princípios insculpidos na Constituição de 1988. A dignidade da pessoa humana, aqui, com sua dimensão ecológica, mostra-se como seu valor-síntese, conferindo-lhe unidade material (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006). Neste contexto, deve-se construir a solução justa a partir de um contrabalanceamento entre valores, sem os nulificar em sua essência.
Neste caso em particular, a temática também apresenta desbordos consequenciais na própria economia, pois as escolhas decisórias neste âmbito de imputação de responsabilidade naturalmente vão repercutir na vida das empresas, especialmente daquelas que operam em atividade de maior risco. Desde logo, adianta-se que a repercussão econômica da imputação de responsabilidade - fato que não se ignora - por fatos graves ocorridos por negligência e que ceifam a vida e a saúde de trabalhadores e exigem aporte substancial de recursos da sociedade para cobrir prestações previdenciárias, não justifica a negativa do ressarcimento apenas por argumentos de ordem econômica.
Na outra ponta da problemática apontada, em viés mais detidamente econômico-financeiro, tem-se o Poder Público e seu esforço contínuo na concreção de um sistema previdenciário que preserve seu equilíbrio atuarial. Neste particular, notícia recente publicada no Jornal Valor Econômico (edição de 14/01/2013), assinada por Luciano Máximo, mostra o reflexo das patologias decorrentes do ambiente de trabalho para os cofres públicos.
Doenças do trabalho oneram mais o INSS
por Luciano Máximo | De São Paulo
Nos últimos três anos, a média de gastos da Previdência Social com problemas de saúde gerados no próprio ambiente de trabalho cresceu acima das despesas com os afastamentos previdenciários gerais. O elevado número de registros de doenças mentais que podem ser associadas a um cotidiano profissional insalubre, como estresse, depressão, transtornos de ansiedade, síndrome do pânico e até dependência de drogas e álcool, é um indicativo para a expansão mais firme das despesas com os chamados benefícios acidentários - quando um trabalhador é afastado por causa de doença comprovadamente adquirida em função do emprego ou acidente sofrido durante a jornada de trabalho.
Segundo o Ministério da Previdência Social, o pagamento de benefícios de afastamentos previdenciários (por causa de doença adquirida ou acidente sofrido sem relação direta com o emprego) registrou elevação anual média de 7,5% entre 2008 e 2011, para R$ 13,47 bilhões - de janeiro a novembro de 2012, o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) desembolsou R$ 13,69 bilhões com essas obrigações. Já os gastos com auxílios-doença acidentários passaram de R$ 1,51 bilhão em 2008 para R$ 2,11 bilhões em 2011, apontando crescimento médio anual de 12% - no acumulado de 2012, até novembro, o valor pago chega a R$ 2,02 bilhões.
Os casos de aposentadoria por invalidez (por motivações diversas) também têm crescido dois dígitos. Entre janeiro e novembro de 2012, o INSS bancou R$ 30,86 bilhões para apoiar profissionais que nunca mais poderão exercer suas atividades normalmente.
De acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a jornada semanal média dos trabalhadores brasileiros não aumentou ao longo desses quatro anos, mantendo-se em 39,9 horas semanais. Para o pesquisador Eric Calderoni, doutor em psicologia social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Columbia University, de Nova York, a rotina do trabalhador é que se tornou mais estressante.
"Sofrimento no ambiente profissional não é só ritmo e tempo, mas sobretudo organização do trabalho: ordens contraditórias, assédio, metas, questões éticas, autonomia, senso de dever bem cumprido, estabilidade no emprego, clima", pondera Calderoni.
Os auxílios-doença, previdenciários e acidentários, concedidos a trabalhadores por causa de depressão ou transtornos depressivos recorrentes cresceram a uma média de 5% nos últimos cinco anos, superando 82 mil ocorrências anuais. Esse quadro preocupa o governo e tem mobilizado sindicatos e empresas a criar novas práticas laborais com o objetivo de evitar as chamadas doenças da modernidade.
Em resposta a questionamentos da reportagem, a área técnica do Ministério da Previdência Social reconhece que o problema "chama atenção de formuladores de políticas públicas" e informa que tem feito estudos e avaliações sobre a evolução desses números a fim de investir em processos preventivos. Para o ministério, os últimos anos desfavoráveis para a economia global e de baixo crescimento interno impactaram negativamente a saúde do trabalhador.
A médica do trabalho Maria Maeno, diretora da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), entidade ligada ao Ministério do Trabalho, concorda com a visão governamental, mas avalia que respostas de empresas e governos para enfrentar a situação são ineficazes. "Não há política bem definida de reabilitação profissional que coloque pessoas de volta no mercado, o que explica maiores gastos com benefícios. Também não há espaços dentro das empresas para analisar a condição do trabalhador e eventualmente encaminhar o tratamento do problema ou mudá-lo de área", diz Maeno.
Ela acrescenta ainda que há um grupo de acidentados que não consegue o benefício do INSS e acaba perdendo o emprego. O Ministério da Previdência informou que em 2013 vai reformular o Programa de Reabilitação Profissional (PRP), com a implantação de ações-piloto em diferentes setores.
Maria Maeno também pondera que o Sistema Único de Saúde (SUS), para onde vai a maior parte dos trabalhadores acidentados, e a perícia médica do INSS, responsável pelo diagnóstico que determinará o benefício previdenciário, sofrem de falta de empenho na resolução de casos. "O ideal é o SUS trabalhar de forma preventiva, cumprindo o papel de vigilante das condições de saúde no ambiente de trabalho", sugere a médica, para quem o problema central é estrutural.
"Principalmente para minimizar transtornos mentais, Estado e capital privado não incorporaram o ser humano dentro da equação de sustentabilidade. Diante da competitividade exacerbada, falta de solidariedade - uma vez que cada um quer salvar seu emprego - e ameaças de enxugamento e demissão, é preciso pensar no desenvolvimento do trabalhador enquanto cidadão, deixar de lado a visão economicista excessiva", opina Maria.
Ela cita o exemplo das "práticas" recentemente acordadas por empresas, sindicatos e governo para melhorar a qualidade de vida do cortador de cana: "Determinam que o trabalhador precisa se hidratar e fazer ginástica laboral. Alguém precisa me falar que eu preciso tomar água? Que fundamento científico atesta que a ginástica laboral vai diminuir a penosidade do trabalho do cortador. Não me parece algo sério", critica a médica.
Outro setor onde as discussões sobre saúde no trabalho são bastante acaloradas é o bancário. Sindicalistas reclamam, principalmente, das cobranças por metas exageradas, constrangimentos e atitudes autoritárias de superiores e associam esses problemas ao desenvolvimento de mazelas por parte dos trabalhadores, com ênfase aos transtornos mentais, como estresse e depressão.
Walcir Previtale, secretário nacional de saúde do trabalhador da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da Central Única dos Trabalhadores (Contraf-CUT), conta que questões ligadas à saúde e às pressões psicológicas no ambiente de trabalho têm ganho cada vez mais espaço na pauta de reivindicações sindicais no setor financeiro. Em 2012, bancários e banqueiros entraram em acordo para incluir três itens sobre saúde e segurança do trabalho no dissídio coletivo da categoria. Um deles garante antecipação salarial se o trabalhador precisar se afastar. Os outros dois sistematizam procedimentos para dar mais agilidade no encaminhamento de acidentes de trabalho.
"Leva tempo para o profissional receber o benefício do INSS, tem que agendar a perícia e esperar o resultado. Nesse ínterim ele continuará recebendo do banco e quando os benefícios começarem a entrar, ele devolve o valor à empresa", explica Previtale.
Magnus Ribas, diretor de relações do trabalho da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pondera que é "cientificamente" difícil estabelecer correlação entre doenças mentais e trabalho e que o setor bancário é o único que fornece plano de saúde para seus mais de 500 mil trabalhadores e familiares. Segundo ele, recentemente os dez maiores bancos brasileiros criaram uma comissão para tratar da saúde laboral. O objetivo é criar 20 diretrizes para melhorar a qualidade de vida no trabalho.
Sobre o problema relacionado a pressões e constrangimentos nas agências, o executivo conta que os maiores bancos do país criaram uma espécie de "disque-denúncia", um canal de comunicação do bancário com uma área neutra do departamento de recursos humanos ou da ouvidoria para o registro anonimamente ocorrências. De acordo com levantamento da Febraban, no primeiro semestre de 2012 foram registradas 132 denúncias de bancários.
Destaca-se, portanto, que as premissas aqui lançadas não se revestem de caráter apenas teórico. Estabelecem, na verdade, valores que devem nortear a interpretação da legislação infraconstitucional a partir do que dispõe a Constituição. Nesse contexto, afirma-se inequívoca, em meu singelo juízo, a constitucionalidade do art. 120 da LBPS.
PRETENSÃO REGRESSIVA
A pretensão regressiva encontra amparo no artigo 120 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Tal direito se fundamenta no fato de que, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei de Benefícios, a "empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador".
Assim, caso não adote as precauções recomendadas e o empregado venha a se acidentar no exercício de suas funções em razão disso, a sociedade empresária ou o empresário individual poderão ser compelidos a indenizar o INSS pelas despesas que esta tiver com o segurado acidentado ou com os seus dependentes.
Não se trata de incongruência sistêmica. É que, além da responsabilidade civil comum, os empregadores estão sujeitos à responsabilização para com a Previdência Social na hipótese de culpa ou dolo, pois para as empresas a prevenção deve representar um custo menor do que a reparação do sinistro, a fim de que sejam tomadas todas as medidas para a redução dos acidentes.
Registre-se, ainda, que é inconsistente juridicamente o argumento de que, por ser contribuinte da exação vertida ao SAT, a empregadora estaria sujeita a um "verdadeiro 'bis in idem'". Não é disso que se trata, evidentemente. A relação jurídico-tributária apresenta contornos e fundamentação próprios. Sem embargo, a prestação pecuniária compulsória exigida do contribuinte é expressão do poder fiscal estatal, no exercício de sua soberania.
A proteção previdenciária em caso de acidente de trabalho rege-se pela teoria do risco social ou integral, independentemente da existência de dolo ou culpa do empregador ou do empregado, a teor do disposto no art. 7º, XXXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 19 e seguintes da Lei nº 8.213/91. Uma vez comprovado que o acidente se deu no exercício do trabalho e a serviço da empresa, assiste ao segurado, ou a seus dependentes, em caso de óbito, o direito de receber o benefício previdenciário correspondente, sem perquirição acerca do dolo ou culpa.
A contribuição em análise é espécie tributária destinada a propiciar que a receita derivada arrecadada permita ao Estado dar concretude aos inúmeros compromissos que a Ordem Social (Título VIII) e, mais especificamente, a Seguridade Social, estabelecem, dentre os quais: assegurar os meios indispensáveis de manutenção do trabalhador em virtude de infortúnio decorrente de acidente laboral. Para tanto, o constituinte previu a figura de um seguro contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, CF), cuja conformação dada pelo legislador atribuiu-lhe feição pública, gerindo-o o INSS.
Disso não se conclua que a contribuição recolhida exclua qualquer responsabilização futura nesse campo. É que, a contribuição ao SAT possui a finalidade - nota distintiva da espécie tributária em comento - de carrear ao seguro público numerário suficiente a fazer frente às demandas havidas dos benefícios acidentários pagos aos segurados da Previdência Social. Vale dizer, a contribuição ao SAT pode ser considerada similar a prêmio vertido ao seguro público destinado a amparar os segurados que, no exercício da atividade laboral, venham a sofrer acidente que os afastem, temporariamente ou definitivamente, do mercado de trabalho.
Isso, entretanto, não alberga a hipótese em que o responsável age com "negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva".
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTES. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA. INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE VALORES. . O instituidor da pensão era empregado na primeira empresa e estava trabalhando para a segunda empresa, o que implementa a legitimidade passiva em ação para discussão sobre relação jurídica concernente à responsabilidade civil estabelecida entre o INSS e as pessoas jurídicas demandadas. . Culpa das rés evidenciada, em relação à primeira, pela ausência de fornecimento do EPI e materiais adequados para realização do trabalho e fiscalização de sua utilização; em relação à segunda, pela negligência em zelar pela realização do trabalho dentro das normas de segurança. O fato de o empregador pagar aos cofres públicos contribuição destinada ao seguro de acidente do trabalho SAT, não o exime da responsabilidade nos casos em que o sinistro decorra de inobservância de normas de higiene e segurança do trabalho. (TRF4, AC 5002833-24.2010.404.7204, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 13/05/2011).
A responsabilização com fulcro no art. 120 da LBPS, ao revés, exigindo a presença da culpa do empregador, vai mais além, pois busca afastar condutas omissivas ou desidiosas no âmbito empresarial que venham a solapar a integridade do trabalhador (favor debilis) no âmbito da sua saúde ocupacional.
Insere-se, portanto, no dever de proteção (status positivus) do Estado, calcado na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, de sorte a impor a adoção de medidas administrativas ou legislativas, o estabelecimento de políticas públicas. Enfim, ações necessárias para a concreção no mundo dos fatos de condições mínimas que, no meio ambiente do trabalho, possibilitem a quem quer que seja o livre desenvolvimento de suas aptidões, capacidade, de modo a assegurar a sua autodeterminação, presente a pluralidade de concepções de modo de vida.
O acidente de trabalho, nesta perspectiva, sem dúvida, é fator a ser combatido, mitigado com o permanente controle, com enfoque na prevenção e precaução, pelos inegáveis efeitos deletérios que acarreta no seio familiar e social, e, mais que isso, na vítima em si mesma considerada.
A realidade sociológica da região de Criciúma, notabilizada pela atividade econômica do carvão mineral, apresenta índices alarmantes de acidentes de trabalho, inclusive colocando este município dentre os recordistas nacionais em benefícios acidentários. Esta constatação confirma a necessidade de ampla articulação de políticas públicas e privadas preventivas e de cautelas especiais para a mitigação e correto gerenciamento dos riscos da atividade.
A relação jurídico-tributária e a relação civil decorrente da negligência prevista no artigo 120 da LBPS possuem campos de atuação distintos, pois os suportes fáticos abstratos previstos, embora com origem comum (acidente de trabalho), possuem fatos imponíveis diversos (acidente sem e com negligência por parte do empregador).
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região também não acolhe a tese do "bis in idem". Cite-se, como exemplo, a seguinte decisão:
PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MOLÉSTIA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO INSS E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR AFASTADAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. PEDIDO DE ABATIMENTO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO - SAT. IMPROCEDÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELOS DESPROVIDOS. 1. Não há falar em imprescritibilidade da ação regressiva acidentária, sendo-lhe inaplicável o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, uma vez que "considerando que a pretensão do INSS é de regresso na condição de segurador, a lide é de natureza civil, pelo que seria inaplicável o art. 37, § 5º, da CF/88, já que a autarquia atua para se ressarcir de indenização/benefício que pagou" (AC nº 0004226-49.2008.404.7201/SC, Rel. Des. Federal Marga Barth Tessler, 4ª T., j. 09-02-2011, un., DJ 17-02-2011). 2. Não prospera a preliminar de falta de interesse de agir da autarquia aventada pela parte ré no caso. É inquestionável a existência de interesse processual do INSS na propositura da presente demanda, visando a ressarcir-se dos valores despendidos com o pagamento do benefício previdenciário (auxílio-doença por acidente de trabalho) no caso. 3. A preliminar de ilegitimidade ativa do INSS, aventada pelo réu, não merece guarida. A presente ação encontra previsão legal expressa nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 4. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91. 5. Hipótese em que o laudo pericial elaborado no caso e a prova testemunhal produzida demonstraram o descumprimento, pelo demandado, de normas de segurança no trabalho, detectando o referido laudo os seguintes problemas na execução do labor pelos seus empregados: quadro de pessoal insuficiente; imobiliário inadequado (configuração ergonômica inadequada); condições ambientais inadequadas; falta de programa de ginástica compensatória e ausências de pausas para recuperação. 6. Afastada a alegação quanto à culpa concorrente da vítima para a eclosão da moléstia, restando demonstrado na espécie que, caso existisse um ambiente de trabalho mais adequado, o mal não teria ocorrido 7. Constatada a existência de algumas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho do segurado, causadoras do pagamento do amparo em tela, resta inafastável o dever de indenização por parte do empregador ao INSS. 8. Improcede o pedido do apelante/réu de que as parcelas pagas a título de seguro de acidente do trabalho - SAT sejam abatidas do montante a que foi condenado, uma vez que é pacífico em nossos Tribunais o entendimento no sentido de que o fato das empresas contribuírem para o custeio da Previdência Social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui sua responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. 9. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 10. Verba honorária mantida em 10% (dez por cento) do valor da condenação (parcelas vencidas até a prolação da sentença) - valor sedimentado por esta Turma para ações em que há condenação de cunho pecuniário. 11. Apelos desprovidos. (TRF4, AC 5005583-26.2010.404.7001, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 08/07/2011).
Em recente julgado, o Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região deixou claro o entendimento geral sobre a temática envolvida neste caso:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. APELOS DESPROVIDOS. 1. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 2. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da 7autarquia. 3. Apelos desprovidos. (TRF4, AC 5000415-70.2011.404.7207, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 17/05/2012).
PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CULPA EXCLUSIVA. MORTE. PENSÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. ART. 602 DO CPC. 1. Não houve culpa da vítima, um simples operador de máquina, movimentar restos de material no pátio da empresa mesmo que sem prévia autorização de superiores; e, que houve total negligência da empregadora de produzir explosivos em local de livre acesso de empregados, e não oferecer total segurança, ou pelo menos minimizar os riscos decorrentes da produção de explosivos por terceirizados no pátio da própria empresa. 2. Vale notar, no tocante, que, em se tratando de responsabilidade civil por acidente do trabalho, há uma presunção de culpa da empresa quanto à segurança do trabalhador, sendo da empregadora o ônus de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a evitar ou diminuir os riscos de explosões, ou seja: cabe-lhe demonstrar que sua conduta pautou-se de acordo com as diretrizes de segurança do trabalho, reduzindo riscos da atividade e zelando pela integridade dos seus contratados. 3. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas conseqüências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas. 4. A experiência comum previne ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar. A finalidade primordial da norma contida no caput e nos parágrafos 1º e 3º do artigo 602 do CPC é a de dar ao lesado a segurança de que não será frustrado quanto ao efetivo recebimento das prestações futuras. Por isso, a cautela recomenda a constituição de um capital ou a prestação de uma caução fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso. (REsp 627649). 5. Honorários fixados em 10% do valor das parcelas vencidas e 12 parcelas vincendas. 6. Apelação da empregadora desprovida, apelação da terceirizada e recurso adesivo do Instituto providos. (TRF4, AC 5000589-88.2011.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 10/02/2012).
Até mesmo o STF, já fixou entendimento consolidado na Súmula nº 229, no sentido de que: "A indenização acidentária não exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador."
DO CASO CONCRETO
Com a petição inicial, o INSS juntou aos autos o laudo pericial do processo nº 020.08.005036-0, que tramitou na Justiça Estadual (PROCJUDIC5, evento 01), em que o perito judicial nomeado assim se manifestou:
1. Foi apresentada CAT emitida em 17/04/2006 pela empresa Rcda relatando ocorrência de acidente de trabalho informando que "ao retirar a caixa de explosivos de depósito, sentiu dores na coluna", com diagnóstico de lombociatalgia e hérnia discal confirmado por exame de tomografia computadorizado realizado em 26/04/2006. Portanto, há comprovada relação e nexo entre a patologia e seu fator causa (documentos em anexo).
Em resposta ao outros quesitos, o perito foi enfático ao afirma que houve "fator causal documentado em CAT", bem assim que as lesoes são "de origem traumática e tem relação com o acidente descrito na CAT".
No bojo da reclamatória trabalhista (PROCJUDIC3, evento 01), o acidente restou assim narrado pelo lá reclamante:
(...) o reclamante desde o início de sua contratualidade exerceu a função de detonador no subsolo.
Nas funções acima, estava o requerente exposto de modo habitual e permanente a posturas deficitárias, bem como exercia suas atividades com esforço exagerado em sua coluna, tendo em vista que suas atividades consistiam em trabalhar com detonação e para exercê-la era obrigado a carregar as caixas de explosivos para as frentes de serviço, tendo que constantemente levantar e carregar em suas costas durante a jornada de trabalho, o que lhe forçava a coluna. Tais caixas pesavam em média 26 k.
Para agravar a sua situação no dia 17/04/2006 quando foi pegar uma caixa de explosivos no depósito e ao ergue-la a tampa da caixa se soltou e ia cair na cabeça do requerente e no momento em que o mesmo tentou desviar tropeçou e caiu com a caixa em cima de si, lesionando sua coluna, conforme comunicação de acidente de trabalho - CAT emitida pela empresa.
Em depoimento pessoal prestado naqueles autos, o acidentado, Adilton Antonio, assim descreveu o acidente: "no dia do acidente foi retirar uma caixa do depósito de explosivos, e esta apresentava uma tábua solta, que quase veio a cair sobre a cabeça do depoente, e para evitar esse acidente, o depoente apoiou essa madeira e com a caixa nas costas pisou em falso e acabou caindo; o depoente caiu segurando a caixa, momento em que veio a sentir dor na coluna". Aduziu que, ao retornar de auxílio-doença, verificou que "houve uma alteração no sistema de carregamento das caixas passando a existir um carrinho para transporte das caixas, não mais fazendo o transporte nas costas" (PROCJUDIC6, evento 01).
Cumpre registrar que, nos termos das Normas Reguladoras de Mineração (NRM) - Operações com Explosivos e Acessórios, item 16.1.2, "O transporte e utilização de material explosivo devem ser efetuados por pessoal devidamente treinado". O acidentado Adilton Antonio, no caso dos autos, recebeu o treinamento necessário, conforme comprovam os documentos carreados aos autos pela ré (evento 8 - OUT3 e OUT4), e por tal razão estava realizando o transporte do material explosivo (item 16.1.2 da Norma citada). Recebia ele regularmente o equipamento de segurança necessário para o desempenho de suas tarefas (evento 8 - OUT6 e OUT7) e a empresa ré possuía SESMT e PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos), que, na mineração, equivale ao PPRA (evento 47) e o trabalhador acidentado havia sido treinado para o transporte de explosivos (item 16.2.4 da Norma mencionada), como demonstram os registros do treinamento por ele recebido (evento 8 - OUT3), transporte esse que pode ser feito manualmente (NR-22, item 22.21.19), como no caso.
Cabe ressaltar que, no transporte de explosivos "o material deverá estar em bom estado e acondicionado em embalagem regulamentar" (item 19.1.5 da Norma mencionada), atribuição essa que é do empregado encarregado de tal transporte, no caso, o acidentado Adilton Antonio.
A par disso, a Consolidação das Leis do Trabalho, no seu Capítulo V, Seção XIV, artigo 198, estabelece como sendo de 60kg o peso máximo que um empregado pode remover individualmente. Por sua vez, em sua redação anterior, a NR-17 admitia o transporte e descarga individual de peso máximo de 60 kg. Para o levantamento individual estabelecia 40 kg. Em sua nova redação, não há nenhuma referência a pesos máximos. O peso da caixa de explosivos carregada pelo acidentado era de somente cerca de 26kg, porém.
A testemunha lá arrolada, João Carlos de Oliveira, declarou que trabalhou para a empresa ré 7 ou 8 anos, exercendo a função de queimador, passando depois para a de furador. Disse que "o furador fazia a furação com perfuratriz, e depois o depoente apanhava os explosivos no depósito, trazendo as caixas desse material nas costas; que cada caixa de explosivo pesava de 25 a 26 kg; a dificuldade de carregar as caixas de explosivos nas costas é que algumas galerias eram baixas, obrigando a abaixar-se para transportá-las". Aduziu que "após o acidente com o reclamante houve uma tentativa de transportar as caixas de explosivos com carrinho, mas não deu muito certo; também houve uma alteração no depósito de explosivos, eis que a tampa que era na parte superior, passou a ser na lateral desse depósito." Afirmou já ter sofrido acidente no transporte de caixa de explosivo, mas sem maiores consequências, e que "esses acidentes ocorrem porque o terreno nas galerias é bastante acidentado, com buracos e pedras no caminho". Constou serem necessárias várias viagens transportando caixas nas costas, sendo que, por sua estimativa, da frente de serviço até o depósito de explosivos havia uma distância de cerca de 200 a 300 metros.
Quanto a testemunha ouvida nos presentes autos, o João Cardoso Filho, médico da empresa ré, afirmou que o segurado acidentado já tinha bico de papagaio antes do acidente. Que ele era detonador, trabalhava no subsolo e carregava caixas de explosivo de 25 quilos. Que foram tentadas outras opções para carregar (carrinho, etc), mas não se conseguiu sair do manual. Outras empresas utilizam o mesmo procedimento. Aduziu que hérnias de disco ocorrem em pessoas que fazem muito esforço e naquelas que não fazem nenhum esforço. Diz que é comum a permanência da hérnia de disco, mas não dores constantes, mas sim crises, "ficar 2, 3 anos é muito raro", não é normal acontecer. Entende que não tem problema carregar os explosivos. Acidentes são mínimos. Diz que os empregados recebem treinamento, inclusive com ele. Aduz que empresas terceirizadas de segurança entendem que o serviço de carregar é algo normal. Diz que sugeriu carregar metade - 12,5 quilos - mas parece que não dá pra dividir. Os explosivos vem numa caixa de madeira, com uma tampa ligada. Não sabe como é aberto a caixa de explosivo. Como no exame periódico não tem tomografia não dá pra ver se o empregado tem hérnia no disco, mesmo quando do seu exame admissonal. O segurado acidentado tinha bico de papagaio e escoliose quando de sua admissão, o que é considerado normal (VIDEO1, eventos 49 a 51).
Com base na prova produzida nos presentes autos, entendo que não ficou demonstrado que o acidente se deu por negligência da ré. Até porque não ocorreu no transporte dos explosivos pelas galerias da mina, não se podendo, assim, considerar como causa sinistro o noticiado "terreno acidentado", comum na atividade. Soma-se a isso o fato da empresa ré ter tentado, sem sucesso, mudar a forma com que são transportados os explosivos, o que não foi possível, justamente, pelas notórias especificidades do trabalho realizado em minas.
Ainda, eventual ausência de treinamento da vítima, de equipamento, ou mesmo de técnico ou engenheiro de segurança presentes no local sequer foi aventada pelo INSS, que limitou-se a juntar cópias do processo trabalhista. E não se diga que o decidido pela Justiça do Trabalho importaria na presunção de culpa, dado que possui dimensionamento específico, próprio da responsabilidade objetiva existente na relação travada naquela esfera judicial.
Pelo exposto, o conjunto probatório apresenta elementos bastantes que caracterizam inexistir sequer culpa residual da empresa ré pelo incidente.
Com efeito, não se pode, ao fim e ao cabo, atribuir ao empregador responsabilidade integral por todo e qualquer evento surgido no seio da atividade desenvolvida ou na sede de seu estabelecimento, premissa que não encontra legitimidade pela simples leitura textual do art. 120 da LBPS.
Ora, o empregador não responde, sempre e ilimitadamente, por qualquer acidente sofrido por empregado integrante de seu quadro. A adoção de um regime de responsabilidade integral nas ações regressivas imporia ao regime da livre iniciativa injustificado e demasiado ônus, que, sabe-se, assim como o valor social do trabalho, configura também ele fundamento da República que não pode ter seu conteúdo essencial nulificado (CF, art. 1º, IV).
Ausente a comprovação do fato constitutivo do alegado direito, ônus que incumbia ao autor INSS, a teor do inciso I do art. 333 do Código de Processo Civil, não há como julgar procedentes os pedidos formulados na peça inicial.
Veja-se:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. NÃO DEMONSTRADA INEQUIVOCAMENTE A NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA RÉ QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. MANTIDA A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELO DO INSS DESPROVIDO. Não demonstrada a culpa da ré, isto é, a negligência desta quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, é de ser julgada improcedente a ação regressiva ajuizada pelo inss com base nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91 visando ao ressarcimento de valores pagos a título de benefício previdenciário (auxílio-doença acidentário) a segurado vítima de acidente de trabalho. Apelo desprovido. (TRF4, AC 5000489-24.2011.404.7111, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 25/11/2011).
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. MORTE DE FUNCIONÁRIO EM ESTAQUEAMENTO. NÃO DEMONSTRADA INEQUIVOCAMENTE A NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA RÉ QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. MANTIDA A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA APELO DO INSS DESPROVIDO. Não demonstrada a culpa da ré, isto é, a negligência desta quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, é de ser julgada improcedente a ação regressiva ajuizada pelo inss com base nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91 visando ao ressarcimento de valores pagos a título de benefício previdenciário (pensão por morte) a dependentes de segurado falecido em acidente de trabalho. Apelo e remessa oficial desprovidos. (TRF4, AC nº 5001168-36.2011.404.7204/SC, Rel. Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, 3ª T., un., j. 26-10-2011).
CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS ADVINDOS DE ACIDENTE DO TRABALHO. IMPROCEDÊNCIA. Demonstrada a ausência de responsabilidade do demandado pelo evento danoso, de vez que não faltaram com os meios de segurança requeridos para evitar o acidente de trabalho, há que confirmar a improcedência do pleito regressivo. (TRF4, AC nº 2003.04.01.027667-2/RS, Rel. Des. Federal MARGA BARTH TESSLER, 4ª T., j. 26-11-2008, un., DJ 07-01-2009).
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA REGRESSIVA DE COBRANÇA ORIGINADA DE ACIDENTE DE TRABALHO. IMPROCEDÊNCIA. Como o ônus da prova da relação causal entre a não utilização de equipamento de proteção individual e a ocorrência do acidente incumbe ao demandante, não conseguindo este demonstrá-la, impositivo se faz o julgamento de improcedência da demanda. (TRF4, AC nº 2003.71.11.000033-4/RS, Rel. Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, 4ª T., j. 24-05-2006, un., DJ 28-06-2006).
AGRAVO. DECISÃO MONOCRÁTICA. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. 1. O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é específico em vincular o direito de regresso da autarquia previdenciária à comprovação da negligência por parte do empregador quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, indicados para a proteção individual e coletiva. 2. Ante a não comprovação de conduta negligente por parte da empresa, tampouco o nexo de causalidade entre o alegado acidente e a enfermidade do segurado, a improcedência dos pedidos iniciais é medida que se impõe. (TRF4 5002611-28.2011.404.7202, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 20/03/2013).
Tudo considerado, o pedido deve ser julgado improcedente.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com decisão de mérito.(...)"
Em que pesem as alegações do recorrente, não há, nos presentes autos, fundamentos que autorizem a reforma dessa decisão, motivo pelo qual a mantenho por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Com efeito, o Juízo de origem está próximo das partes, realizou ampla instrução probatória, devendo ser prestigiada sua apreciação dos fatos da causa, não existindo nos autos situação que justifique a reforma da sentença monocrática.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.
Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA
Relator
| Documento eletrônico assinado por Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7861760v6 e, se solicitado, do código CRC E1FF65A8. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Sérgio Renato Tejada Garcia |
| Data e Hora: | 21/10/2015 17:12 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 20/10/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5006565-71.2014.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50065657120144047204
RELATOR | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
PRESIDENTE | : | CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR |
PROCURADOR | : | Dra. Adriana Zawada Melo |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CARBONIFERA METROPOLITANA S/A |
ADVOGADO | : | FÁBIO AUGUSTO RONCHI |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 20/10/2015, na seqüência 176, disponibilizada no DE de 08/10/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
VOTANTE(S) | : | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
| Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7914754v1 e, se solicitado, do código CRC F3DE770E. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Luiz Felipe Oliveira dos Santos |
| Data e Hora: | 20/10/2015 18:57 |
