APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007344-89.2015.4.04.7204/SC
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | TUBOZAN INDÚSTRIA PLÁSTICA LTDA. |
ADVOGADO | : | Estevão Franzoso Lubisco |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. CULPA DA EMPRESA RECONHECIDA. SAT. JUROS DE MORA.
Consoante prescreve o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".
O fato de a empresa contribuir para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT não exclui sua responsabilidade em caso de acidente decorrente por sua culpa.
Sobre o quantum indenizatório, os juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, contados da citação, conforme mais recente posicionamento do STJ que enfatiza o caráter alimentar do benefício previdenciário. Em relação às parcelas vincendas, no caso de inadimplemento, deverá incidir juros de mora fixados em 1% ao mês, contados da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ e artigo 398 do Código Civil. O evento danoso coincide com a data em que o INSS efetuou o pagamento de cada parcela do benefício previdenciário para o beneficiário.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 25 de janeiro de 2017.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8736458v5 e, se solicitado, do código CRC A660DEEE. | |
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| Signatário (a): | Vivian Josete Pantaleão Caminha |
| Data e Hora: | 27/01/2017 08:01 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007344-89.2015.4.04.7204/SC
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | TUBOZAN INDÚSTRIA PLÁSTICA LTDA. |
ADVOGADO | : | Estevão Franzoso Lubisco |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença cujo dispositivo foi exarado nos seguintes termos:
"(...) III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, extinguindo o processo na forma do art. 487, I, do CPC, a fim de condenar a ré a:
(a) ressarcir ao INSS todos os valores pagos em razão da concessão dos benefícios de auxílio-doença acidentário nº 91/546.157.324-6 e do auxílio-acidente nº 94/164.468.478-8, até a data da cessação deste último, e de outros benefícios que porventura forem concedidos em razão do acidente sofrido por Alexandre da Silva dos Santos, até a data da sua cessação;
(b) efetuar o pagamento ao INSS, até o dia 20 de cada mês, do valor correspondente às prestações dos referidos benefícios que se vencerem após a liquidação, por meio de Guia da Previdência Social - GPS, pela própria ré preenchida e devidamente identificada com o número do processo judicial e o código específico de pagamento (9636).
Na atualização dos valores da condenação deve-se observar a incidência de: a) correção monetária pelo IPCA-E desde o desembolso de cada parcela dos benefícios (STJ, Súmula nº 43) até o efetivo pagamento; b) juros de mora de 1% ao mês para as parcelas que vencerem até a liquidação (CC, artigo 406; CTN, artigo 161, § 1º) desde a citação (Código Civil, artigo 405); c) com relação às prestações que vencerem após a liquidação, correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora de mora de 1% ao mês desde a data em que o INSS efetuar o pagamento.
Por ausência de previsão legal, rejeito a pretensão de cominação de multa diária de 1% (um por cento) no caso de atraso.
Condeno a empresa ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação, considerando a relativamente rápida tramitação e a relativa importância da causa, a ausência de recursos incidentais, o elevado grau de diligência e zelo dos patronos do autor e a necessidade de dilação probatória, com a produção de prova oral, atendido o disposto no artigo 85, §§ 2º e 3º, e 4º, II, do CPC.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Havendo interposição de recurso e observadas as formalidades dos §§1º e 2º do art. 1.010 do Novo CPC, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 1.010, § 3º do CPC).
Oportunamente, dê-se baixa."
Em suas razões recursais a empresa apelante sustentou, em síntese, a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei 8.213/91, que a empresa já contribui para o SAT, a ausência de negligência da ré quanto às normas padrão de segurança do trabalho e que a vítima deu causa ao acidente pela prática de ato inseguro, contrariando todas as normas de segurança determinadas pela empresa. Postulou a reforma da sentença e o reconhecimento da improcedência do pedido. Na hipótese de manutenção da sentença, pediu a incidência dos juros de mora a contar da citação (e não do desembolso).
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, conforme entendimento firmado pela Corte Especial do STJ (EREsp 699.545/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/12/2010), a sentença ilíquida desfavorável à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às respectivas autarquias e fundações de direito público está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não incidindo a regra prevista no § 3º do art. 496 do CPC/15. Por tal razão, tenho por interposta a remessa oficial.
Da constitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91:
A Corte Especial do TRF 4ª Região, em sede de Arguição de Inconstitucionalidade, declarou constitucional o art. 120 da Lei n.º 8.213/91, em face das disposições do art. 7º, XXVIII, art. 154, I, e art. 195, § 4º, todos da Constituição Federal, consoante ementa que segue:
CONSTITUCIONAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS ARTS. 120 DA LEI Nº 8.213/91 E 7º, XXVIII, DA CF. Inocorre a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91 (Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.) em face da disposição constitucional do art. 7º, XXVIII, da CF (Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;), pois que, cuidando-se de prestações de natureza diversa e a título próprio, inexiste incompatibilidade entre os ditos preceitos. Interpretação conforme a Constituição. Votos vencidos que acolhiam ante a verificação da dupla responsabilidade pelo mesmo fato. Argüição rejeitada, por maioria.'
(TRF 4ª Região, Corte Especial, INAC 1998.04.01.023654-8, Rel. p/ Acórdão Manoel Lauro Volkmer de Castilho, DJU 13/11/2002)
Transcrevo trecho do voto proferido pelo eminente Relator:
Salvo engano, não há incompatibilidade entre o art. 7º, inciso 28, da Constituição, e o art. 120 da Lei 8.213/91. Assim porque estou lendo o inc. 28 de modo diverso ao que faz a eminente Relatora. Penso que, quando a Constituição garante aos trabalhadores esse direito de seguro contra acidente de trabalho a cargo do empregador, é o custeio que ele faz perante a Previdência. Diz a Constituição em seguida: ... 'sem excluir a indenização a que este está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa'. A Constituição não diz que essa indenização é ao empregado. A Constituição diz que o empregador fica responsável por uma indenização se ele der causa ao acidente por culpa ou dolo. O direito dos trabalhadores urbanos e rurais é o seguro contra acidente de trabalho; foi isso que se garantiu na Constituição. Se essa leitura é compatível do jeito que estou a propor, não há divergência entre o art. 120 da Lei nº 8.213 e este inciso, porque, quando o art. 120 diz que a Previdência vai propor ação de regresso, é justamente para se ressarcir daquilo que pagou por responsabilidade objetiva ao empregado, tendo o empregador tido culpa ou dolo. (...)
De modo que, se isso é verdadeiro, o ressarcimento ou a indenização, conforme o termo da Constituição, se é devido, é devido à Previdência Social, que atendeu o direito, garantido pela Constituição, ao empregado. Não estou vendo a incompatibilidade que se quer extrair, e mais, a inconstitucionalidade que se quer ler no dispositivo mencionado. De qualquer modo, se a regra tivesse a leitura afirmada pela Relatora, também não seria incompatível com a da Constituição, pois que, tendo títulos diversos, tanto o empregador tem de contribuir, quanto, sendo culpado, haverá de indenizar quem pagou o seguro, isto é, o INSS e a quem causar dano, e nessa perspectiva, não acontece inconstitucionalidade.
Dessa forma, reconhecida a constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, resta verificar os parâmetros em que uma conduta do empregador pode ser considerada negligente a ensejar o ressarcimento do INSS.
No que diz respeito ao o SAT (Seguro de Acidente do Trabalho), destina-se ao custeio geral dos benefícios de aposentadoria especial e decorrentes de acidente de trabalho relativos aos riscos ordinários do empreendimento ou, nos termos do inciso II do artigo 22, dos "riscos ambientais do trabalho". O artigo 120 da Lei 8.213/91, por sua vez, refere-se expressamente a hipóteses de "negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho".
Não se trata assim de onerar duas vezes uma mesma empresa, mas somente obter o ressarcimento dos valores pagos pelo INSS em relação a prestações decorrentes de acidente de trabalho e que não podem ser associadas pela fonte de custeio do SAT.
Neste sentido vem decidindo este Tribunal:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. CULPA DO EMPREGADOR DEMONSTRADA. SAT. Consoante prescreve o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis". O fato de a empresa contribuir para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT não exclui sua responsabilidade em caso de acidente decorrente por sua culpa. Tendo sido comprovado que a ré agiu culposamente em relação ao acidente, procede o pedido formulado pelo INSS. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000214-98.2013.404.7113, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 11/04/2016)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. NORMAS DE SEGURANÇA. COMPETÊNCIA. NEGLIGÊNCIA DA EMPREGADORA. COMPROVAÇÃO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO- SAT. NÃO EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE EM CASO DE ACIDENTE DECORRENTE DE CULPA DA EMPREGADORA. 1. Trata-se aqui de ação regressiva que busca a responsabilidade civil pelos danos causados, e não demanda relacionada ao contrato ou relação de trabalho. Aplicável as disposições do art. 109, I, da Constituição Federal, sendo competente a Justiça Federal para processar e julgar a causa. 2. Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91. 3. O fato de a empresa contribuir para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT não exclui sua responsabilidade em caso de acidente decorrente por sua culpa. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000882-10.2010.404.7102, 3a. Turma, Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/05/2013)
Estabelecidas essas premissas básicas, passemos a análise do caso concreto.
Para caracterização da responsabilidade do empregador em face do INSS são necessários os seguintes elementos: a) culpa, na forma de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho; b) dano; c) nexo causal entre a conduta culposa e o dano.
Em que pesem as alegações do apelante, considero irretocáveis as razões de mérito que alicerçaram a r. sentença monocrática de parcial procedência do pedido, a qual me permito transcrever integralmente, verbis:
"SENTENÇA
I - RELATÓRIO
Trata-se de ação regressiva movida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS visando a condenação da Tubozan Indústria Plástica Ltda. ao ressarcimento de todas as despesas com prestações e benefícios acidentários que pagar até a data da liquidação, ou, ainda, que vier a pagar após a liquidação, decorrentes do infortúnio laboral sofrido pelo empregado Alexandre da Silva dos Santos no dia 01/05/2011, notadamente com o pagamento do benefício de auxílio-doença por acidente de trabalho nº 91/546.157.324-6 e benefício de auxílio-acidente nº 94/164.468.478-8 (evento 1).
Citada, a parte ré apresentou contestação, arguindo, em preliminar, a inconstitucionalidade do art. 120 da Lei n.º 8.213/91 e a ilegitimidade ativa do INSS. No mérito, sustenta, em síntese, que não houve negligência quanto ao cumprimento das normas de segurança do trabalho, tendo o acidente sido causado pelo próprio empregado, bem como a ausência de responsabilidade em razão do pagamento do SAT (evento 7 - CONT1).
A autarquia previdenciária apresentou réplica, combatendo os argumentos da peça contestatória e defendendo a procedência da ação (evento 13 - RÉPLICA1).
Devidamente intimadas para especificação de provas, as partes requereram a produção de prova testemunhal (eventos 13 e 14) , pedido que foi deferido (evento 16), realizando-se audiência instrutória, com a colheita de prova oral (eventos 58 e 59).
Após as partes apresentarem suas razões finais (eventos 63 e 64), os autos vieram conclusos para sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1 - Das preliminares
2.1.1 - Constitucionalidade do art. 120 DA LBPS
O INSS pretende ser ressarcido dos valores que despendeu e vem despendendo com o pagamento de benefícios previdenciários, por alegada culpa da ré quando do acidente ocorrido, em que teria sido negligente no que diz com a proteção do trabalhador.
Desde já, registro que a ação não veicula pedido de natureza exclusivamente patrimonial, com enquadramento nos estreitos cânones da legislação civilista.
A leitura mais consentânea com a atual quadra jurídico-constitucional empresta-lhe dimensão mais abrangente, com base também na proteção constitucional do meio ambiente do trabalho. Deve-se partir da perspectiva de que o meio ambiente do trabalho constitui bem jurídico de primeira grandeza, pois compendia diversos valores que conformam o seu conteúdo plurívoco, como a dignidade da pessoa humana, a valorização social do trabalho e a função social da empresa. O caráter ambiental da demanda, aliás, não pode ser mitigado, pois conforme ensina José Afonso da Silva, "É um meio ambiente que se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribuições do Sistema Único de Saúde consiste em colaborar na proteção do ambiente, nele compreendido o do trabalho." (SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 23).
Com efeito, à luz do que dispõe o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, entende-se por meio ambiente "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas". Tal a razão para a precisa advertência de Édis Milaré (grifei):
Para o Direito brasileiro, portanto, são elementos do meio ambiente, além daqueles tradicionais, como o ar, a água e o solo, também a biosfera, esta com claro conteúdo relacional (e, por isso mesmo, flexível). Temos, em todos eles, a representação do meio ambiente natural. Além disso, vamos encontrar uma série de bens culturais e históricos, que também se inserem entre os recursos ambientais, como meio ambiente artificial ou humano, integrado ou associado ao patrimônio ambiental. O Direito Ambiental se preocupa com todos esses bens, sejam eles naturais ou não. Abarca ele não só o meio ambiente natural, a saber as condições físicas da terra, da água e do ar, mas também o meio ambiente humano, isto é, as condições produzidas pelo homem e que afetam sua existência no Planeta." (MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 4ª Ed. São Paulo: RT, 2005. p. 105).
Nesse sentido, o Poder Judiciário, a partir do caso que lhe é submetido a julgamento, deve mostrar-se espaço garantidor dos valores hauridos da Constituição Federal, assegurando, como força contramajoritária, a efetiva fruição da "compreensão unitária dos direitos fundamentais", como bem destacou o Ministro Gilmar Mendes em seu voto proferido no RE 633703 (Informativo STF nº 620 - 21 a 25 de março de 2011):
Modernamente, a compreensão unitária dos direitos fundamentais decorre do pluralismo da democracia material contemporânea. A incindibilidade dos direitos fundamentais e a inexistência de diferenças estruturais entre os variados tipos de direitos determinam a superação dos modelos teóricos embasados na separação estanque entre as esferas dos direitos sociais (positivos ou prestacionais) e dos direitos de liberdade (negativos), afirmando-se a aplicabilidade imediata de todas as normas constitucionais, a partir da unidade de sentido dos direitos fundamentais. A diferença entre direitos negativos e direitos positivos é meramente de grau, uma vez que em ambos há expectativas negativas e positivas. (STF, RE 633703, Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO, DJe-219 DIVULG. em 17-11-2011 PUBLIC. em 18-11-2011).
Essa concepção unitária permeia a atividade do intérprete e, mais do que isso, adstringe o seu labor hermenêutico a fim de que se conciliem os valores em jogo. Essa tarefa não pode ser neutra ou descompromissada e jamais poderá apresentar resultados que nulifiquem valores constitucionais. Ao contrário, deve buscar assegurar a máxima eficácia de cada qual, em relação de precedência condicionada de acordo com o caso concreto.
Essa digressão é necessária, pois o que se tem presente é uma colisão aparente entre valores e bens constitucionalmente consagrados e de dimensões (gerações) distintas: de um lado, a livre iniciativa e a atuação apenas subsidiária do Estado nesse campo (art. 174, caput, da CF); de outro, o meio ambiente do trabalho (art. 200, VIII, da CF), a exigir prestações materiais pelo ente estatal. No atual momento jurídico, a proteção e a promoção do meio ambiente é tarefa a todos dirigida, órgãos estatais e sociedade civil, decorrentes do comando constitucional insculpido no art. 225 da Constituição Federal, que impõe inclusive um compromisso de solidariedade para com as gerações futuras (intergeracional).
Insere-se nesse contexto a dignidade da pessoa humana como valor-fonte da unidade material da Constituição de 1988. Essa dignidade, todavia, não pode ser vista, modernamente, senão também em sua dimensão ecológica. Trata-se de idéia-síntese que vem sendo defendida por Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, em primoroso trabalho (grifei):
Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento definitivo no conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no contexto constitucional contemporâneo, consolida-se a formação de uma dimensão ecológica - inclusiva - da dignidade humana, que abrange a ideia de um bem-estar ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna, saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um patamar mínimo de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis dignos. Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo violadas no seu núcleo essencial. A qualidade (e segurança) ambiental, com base em tais considerações, passaria a figurar como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, fundamental ao desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante completo de bem-estar existencial. Não se pode conceber a vida - com dignidade e saúde - sem um ambiente natural saudável e equilibrado. A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da CF88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser humano como espécie natural. De tal sorte, o próprio conceito de vida hoje se desenvolve para além de uma concepção estritamente biológica ou física, uma vez que os adjetivos 'digna' e 'saudável' acabam por implicar um conceito mais amplo, que guarda sintonia com a noção de um pleno desenvolvimento da personalidade humana, para o qual a qualidade do ambiente passa a ser um componente nuclear. (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, Direitos Fundamentais e Proteção do Ambiente. 2ª edição revista e atualizada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 40-1).
A partir desta análise, estes autores também defendem o reconhecimento de um Estado socioambiental de Direito, a confluir para um marco jurídico-constitucional que resulte "na convergência necessária da tutela dos direitos sociais e dos direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento humano em padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e integrada dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais." (SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. op. cit. p. 93-5).
Esse quadro importa numa mudança de paradigma do Direito com desdobramentos na hermenêutica. Paradigma este que também decorre de novos princípios materializados na socialidade, eticidade, operabilidade e na boa-fé objetiva. Sobre o tema é importante recordar as lições de Francisco Amaral:
Os novos princípios do Código Civil são o da socialidade, que limita o exercício dos direitos subjetivos, o da eticidade, que privilegia os critérios ético-jurídicos em detrimento dos tradicionais lógico-formais, no processo de construção ou concreção jurídica, e o da operabilidade, um princípio metodológico da realização do direito, que recomenda tenha-se em vista mais o ser humano in concreto, situado, do que o sujeito in abstrato, próprio do direito liberal da modernidade (século XIV e XX). E no campo do negócio jurídico, o princípio da boa-fé objetiva como regra de interpretação das manifestações de autonomia privada. (AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. prefácio à 5ª edição).
Buscam os referidos princípios a assegurar a normatividade da Constituição, o prestígio dos direitos fundamentais e a necessária adoção de uma (nova) hermenêutica, que não se coaduna mais com um sistema positivado hermético e fechado (axiomático-dedutivo), mas que parta do caso concreto, amparado em um pluralismo metodológico de interpretação/aplicação (topoi), ciente do processo dialógico que consubstancia essa nova concepção.
Fenômeno análogo não poderia deixar de ocorrer no seio da ordem econômica.
É que, igualmente, o exercício da empresa se dá no esteio de uma ordem jurídica que, como explicita o art. 170, caput, da Constituição Federal, tem dentre os seus fundamentos a valorização do trabalho humano, buscando assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Esta mesma ordem econômica tem como um dos seus princípios gerais a "defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação" (art. 170, VI, da CF).
Assim, quando se enuncia que a dignidade da pessoa humana - e sua dimensão ecológica - e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV, da CF) são fundamentos da República Federativa do Brasil, não se pode concluir seja comando endereçado tão-só ao Estado, pois o mercado (art. 219 da CF) se encontra igualmente sujeito ao plano de ação global normativo que a Constituição Federal e o bloco de constitucionalidade que a compõe consagram (STF, ADI 1950, relator Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 03/11/2005, DJ 02.06.2006).
Com efeito, a autonomia da vontade diz respeito à própria noção de liberdade jurídica. Disso não se conclua, entretanto, tratar-se de espaço imune aos valores jurídicos vigentes, corolário, aqui, da dimensão objetiva dos direitos fundamentais (eficácia horizontal). A concepção de que aos particulares tudo é permitido, desde que inexistente norma proibitiva, deve ser vista com o cuidado necessário. Essa interpretação evidencia um campo jurídico-social que não se mostra inteiramente adequado aos tempos atuais. Imaginar-se um sujeito de direito que, no exercício da liberdade contratual, da liberdade associativa ou mesmo na empresa possa derruir uma ordem jurídica calcada em valores é permitir espaço ao arbítrio. Tal postura desconsideraria a realidade social, econômica e política desta quadra da história, ou seja, uma sociedade de massa, uma sociedade de risco, tal como enuncia Ulrich Beck.
É evidente que não se está a desconsiderar que os agentes econômicos atuem embasados em ética própria. Tanto o é, que o próprio ordenamento a eles projeta um regime jurídico diferenciado (Direito empresarial). Entretanto, a busca do lucro não admite qualquer conduta moralmente e juridicamente questionável, mas sim uma conduta pautada por uma ética mínima a que o sistema jurídico pretende tutelar. Em outras palavras, busca-se combater excessos, condutas desarrazoadas, desproporcionais, que atinjam ou sejam capazes de atingir os valores mais caros aos princípios insculpidos na Constituição federal.
No caso dos autos, há implicações na própria economia, pois as escolhas decisórias de imputação de responsabilidade naturalmente vão repercutir na vida das empresas, especialmente daquelas que operam em atividade de maior risco. Desde logo, adianta-se que a repercussão econômica da imputação de responsabilidade por fatos graves, causados por negligência, que ceifam a vida ou prejudicam a saúde de trabalhadores, exigindo aporte substancial de recursos da sociedade para cobrir prestações previdenciárias, não justifica, por si só, a negativa do ressarcimento.
Nesse contexto, afirma-se inequívoca, em meu singelo juízo, a constitucionalidade do art. 120 da LBPS.
2.1.2 - Da legitimidade ativa
A ré alega que o INSS não é parte legítima para integrar o polo ativo da presente demanda, haja vista que com o advento da Lei 11.457/07, as contribuições sociais relativas à Previdência Social passaram a constituir dívida ativa da União, devendo esta, então, figurar no polo ativo deste processo.
Pois bem. A legitimidade para agir é conceituada pela doutrina:
A legitimidade para agir (ad causam petendi ou ad agendum) é condição da ação que se precisa investigar no elemento subjetivo da demanda: os sujeitos. Não basta que se preencham os "pressupostos processuais" subjetivos para que a parte possa atuar regularmente em juízo. É necessário, ainda, que os sujeitos da demanda estejam em determinada situação jurídica que lhes autorize a conduzir o processo em que se discuta aquela relação jurídica de direito material deduzida em juízo. É a "pertinência subjetiva da ação", segundo célebre definição doutrinária. (DIDIER Junior, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Salvador: Ed. JusPodivm, 2012, p. 218).
No caso em tela, a ação regressiva está fundamentada no art. 120 da Lei nº 8.213/91, objetivando recompor os cofres públicos de valores despendidos com o pagamento de benefícios previdenciários e, portanto, possuem natureza jurídica de recursos públicos. Não se trata de cobrança contribuições previdenciárias, espécie de tributo, ao contrário do que alegou a ré.
Registre-se, ainda, que não obstante as empresas contribuam para o custeio da Previdência Social, mediante recolhimento de tributos e contribuições sociais, inclusive aquela destinada ao seguro de acidente de trabalho (SAT), isso não significa que tais recursos sigam sendo das empresas (setor privado). Há incorporação dos valores ao erário (setor público), sendo o INSS responsável pela administração e dispêndio de tais recursos.
Dessa forma, na condição de autarquia responsável pela gestão previdenciária, o INSS tem a prerrogativa de buscar o ressarcimento ao erário quanto às despesas oriundas de acidente de trabalho causado por conduta negligente (culposa) do empregador. Inclusive, essa conclusão decorre da própria redação do art. 120 da LBPS, segundo o qual, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis."
Nesse sentido, cito precedentes do TRF da 4ª Região:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DE INDENIZAÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 120 DA LEI 8.213/91. SAT. COMPENSAÇÃO. NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊNCIA DO EMPREGADOR. 1. A constitucionalidade do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 restou reconhecida por esta Corte, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 1998.04.01.023654-8. Portanto, se o benefício é custeado pelo INSS, este é titular de ação regressiva contra o responsável negligente, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, sem que tal previsão normativa ofenda a Constituição Federal. (...). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5001538-43.2015.404.7117, 3ª TURMA, Des. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/05/2016).
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. PENSÃO POR MORTE. AÇÃO REGRESSIVA. ARTIGO 120 DA LEI 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. A constitucionalidade do artigo 120 da Lei n.º 8.213/91 já foi reconhecida por esta Corte (Arguição de Inconstitucionalidade na AC 1998.04.01.023654-5), ao fundamento de que, se o benefício previdenciário é custeado pelo Instituto Nacional do Seguro Social, este é titular de ação regressiva contra o responsável negligente, sem qualquer ofensa à Constituição Federal. (...). (TRF4, Apelação/Reexame Necessário Nº 5034444-88.2011.404.7000, 4ª TURMA, Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 28/04/2016).
Rejeito, portanto, a preliminar de ilegitimidade ativa do INSS.
Ultrapassadas as preliminares, passo a analisar o mérito.
2.2 - Mérito
2.2.1 - Pretensão Regressiva
A pretensão regressiva encontra amparo no artigo 120 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Tal direito se fundamenta no fato de que, nos termos do art. 19, § 1º, da Lei de Benefícios, a "empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador".
Logo, caso não adote as precauções recomendadas e o empregado venha a se acidentar no exercício de suas funções em razão disso, a sociedade empresária ou o empresário individual poderão ser compelidos a indenizar o INSS pelas despesas que esta tiver com o segurado acidentado ou com os seus dependentes.
Não se trata de incongruência sistêmica. É que, além da responsabilidade civil comum, os empregadores estão sujeitos à responsabilização para com a Previdência Social na hipótese de culpa ou dolo, pois para as empresas a prevenção deve representar um custo menor do que a reparação do sinistro, a fim de que sejam tomadas todas as medidas para a redução dos acidentes.
Consigno, ainda, que é inconsistente juridicamente o argumento de que, por ser contribuinte da exação vertida ao SAT, a empregadora estaria sujeita a um "verdadeiro 'bis in idem'". Não é disso que se trata, evidentemente. A relação jurídico-tributária apresenta contornos e fundamentação próprios. Sem embargo, a prestação pecuniária compulsória exigida do contribuinte é expressão do poder fiscal estatal, no exercício de sua soberania.
A proteção previdenciária em caso de acidente de trabalho rege-se pela teoria do risco social ou integral, independentemente da existência de dolo ou culpa do empregador ou do empregado, a teor do disposto no art. 7º, XXXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 19 e seguintes da Lei nº 8.213/91. Uma vez comprovado que o acidente se deu no exercício do trabalho e a serviço da empresa, assiste ao segurado, ou a seus dependentes, em caso de óbito, o direito de receber o benefício previdenciário correspondente, sem perquirição acerca do dolo ou culpa.
A contribuição em análise é espécie tributária destinada a propiciar que a receita derivada arrecadada permita ao Estado dar concretude aos inúmeros compromissos que a Ordem Social (Título VIII) e, mais especificamente, a Seguridade Social, estabelecem, dentre os quais: assegurar os meios indispensáveis de manutenção do trabalhador em virtude de infortúnio decorrente de acidente laboral. Para tanto, o constituinte previu a figura de um seguro contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, CF), cuja conformação dada pelo legislador atribuiu-lhe feição pública, gerindo-o o INSS.
Disso não se conclua que a contribuição recolhida exclua qualquer responsabilização futura nesse campo. É que, a contribuição ao SAT possui a finalidade - nota distintiva da espécie tributária em comento - de carrear ao seguro público numerário suficiente a fazer frente às demandas havidas dos benefícios acidentários pagos aos segurados da Previdência Social. Vale dizer, a contribuição ao SAT pode ser considerada similar a prêmio vertido ao seguro público destinado a amparar os segurados que, no exercício da atividade laboral, venham a sofrer acidente que os afastem, temporariamente ou definitivamente, do mercado de trabalho.
Isso, entretanto, não alberga a hipótese em que o responsável age com "negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva".
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTES. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA. INDENIZAÇÃO. RESSARCIMENTO DE VALORES. O instituidor da pensão era empregado na primeira empresa e estava trabalhando para a segunda empresa, o que implementa a legitimidade passiva em ação para discussão sobre relação jurídica concernente à responsabilidade civil estabelecida entre o INSS e as pessoas jurídicas demandadas. Culpa das rés evidenciada, em relação à primeira, pela ausência de fornecimento do EPI e materiais adequados para realização do trabalho e fiscalização de sua utilização; em relação à segunda, pela negligência em zelar pela realização do trabalho dentro das normas de segurança. O fato de o empregador pagar aos cofres públicos contribuição destinada ao seguro de acidente do trabalho SAT, não o exime da responsabilidade nos casos em que o sinistro decorra de inobservância de normas de higiene e segurança do trabalho. (TRF4, AC 5002833-24.2010.404.7204, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Jorge Antonio Maurique, D.E. 13/05/2011).
A responsabilização com fulcro no art. 120 da LBPS, ao revés, exigindo a presença da culpa do empregador, vai mais além, pois busca afastar condutas omissivas ou desidiosas no âmbito empresarial que venham a solapar a integridade do trabalhador (favor debilis) no âmbito da sua saúde ocupacional.
Insere-se, por isso, no dever de proteção (status positivus) do Estado, calcado na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, de sorte a impor a adoção de medidas administrativas ou legislativas, o estabelecimento de políticas públicas. Enfim, ações necessárias para a concreção no mundo dos fatos de condições mínimas que, no meio ambiente do trabalho, possibilitem a quem quer que seja o livre desenvolvimento de suas aptidões, capacidade, de modo a assegurar a sua autodeterminação, presente a pluralidade de concepções de modo de vida.
O acidente de trabalho, nesta perspectiva, sem dúvida, é fator a ser combatido, mitigado com o permanente controle, com enfoque na prevenção e precaução, pelos inegáveis efeitos deletérios que acarreta no seio familiar e social, e, mais que isso, na vítima em si mesma considerada.
A realidade sociológica da região de Criciúma, notabilizada pela atividade econômica do carvão mineral, apresenta índices alarmantes de acidentes de trabalho, inclusive colocando este município dentre os recordistas nacionais em benefícios acidentários. Esta constatação confirma a necessidade de ampla articulação de políticas públicas e privadas preventivas e de cautelas especiais para a mitigação e correto gerenciamento dos riscos da atividade.
A relação jurídico-tributária e a relação civil decorrente da negligência prevista no artigo 120 da LBPS possuem campos de atuação distintos, pois os suportes fáticos abstratos previstos, embora com origem comum (acidente de trabalho), possuem fatos imponíveis diversos (acidente sem e com negligência por parte do empregador).
A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região também não acolhe a tese do "bis in idem". Cite-se, como exemplo, a seguinte decisão:
PROCESSUAL CIVIL, CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. MOLÉSTIA DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÕES DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO INSS E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR AFASTADAS. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. PEDIDO DE ABATIMENTO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE SEGURO - SAT. IMPROCEDÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELOS DESPROVIDOS. 1. Não há falar em imprescritibilidade da ação regressiva acidentária, sendo-lhe inaplicável o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, uma vez que "considerando que a pretensão do INSS é de regresso na condição de segurador, a lide é de natureza civil, pelo que seria inaplicável o art. 37, § 5º, da CF/88, já que a autarquia atua para se ressarcir de indenização/benefício que pagou" (AC nº 0004226-49.2008.404.7201/SC, Rel. Des. Federal Marga Barth Tessler, 4ª T., j. 09-02-2011, un., DJ 17-02-2011). 2. Não prospera a preliminar de falta de interesse de agir da autarquia aventada pela parte ré no caso. É inquestionável a existência de interesse processual do INSS na propositura da presente demanda, visando a ressarcir-se dos valores despendidos com o pagamento do benefício previdenciário (auxílio-doença por acidente de trabalho) no caso. 3. A preliminar de ilegitimidade ativa do INSS, aventada pelo réu, não merece guarida. A presente ação encontra previsão legal expressa nos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 4. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91. 5. Hipótese em que o laudo pericial elaborado no caso e a prova testemunhal produzida demonstraram o descumprimento, pelo demandado, de normas de segurança no trabalho, detectando o referido laudo os seguintes problemas na execução do labor pelos seus empregados: quadro de pessoal insuficiente; imobiliário inadequado (configuração ergonômica inadequada); condições ambientais inadequadas; falta de programa de ginástica compensatória e ausências de pausas para recuperação. 6. Afastada a alegação quanto à culpa concorrente da vítima para a eclosão da moléstia, restando demonstrado na espécie que, caso existisse um ambiente de trabalho mais adequado, o mal não teria ocorrido 7. Constatada a existência de algumas irregularidades relativas ao ambiente de trabalho do segurado, causadoras do pagamento do amparo em tela, resta inafastável o dever de indenização por parte do empregador ao INSS. 8. Improcede o pedido do apelante/réu de que as parcelas pagas a título de seguro de acidente do trabalho - SAT sejam abatidas do montante a que foi condenado, uma vez que é pacífico em nossos Tribunais o entendimento no sentido de que o fato das empresas contribuírem para o custeio da Previdência Social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre estas aquela destinada ao seguro de acidente do trabalho - SAT, não exclui sua responsabilidade nos casos de acidente de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do trabalho. 9. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 10. Verba honorária mantida em 10% (dez por cento) do valor da condenação (parcelas vencidas até a prolação da sentença) - valor sedimentado por esta Turma para ações em que há condenação de cunho pecuniário. 11. Apelos desprovidos. (TRF4, AC 5005583-26.2010.404.7001, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 08/07/2011).
Em recente julgado, o Egrégio Tribunal Regional da 4ª Região deixou claro o entendimento geral sobre a temática envolvida neste caso:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. DEVER DO EMPREGADOR DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS PELO INSS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO NÃO DEMONSTRADA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA QUANTO À ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. DESCABIMENTO. APELOS DESPROVIDOS. 1. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91, sendo o meio legal cabível para a autarquia reaver os valores despendidos com a concessão de benefício previdenciário a segurado vítima de acidente de trabalho, bastando, para tanto, a prova do pagamento do benefício e da culpa da ré pelo infortúnio que gerou a concessão do amparo. 2. Não se acolhe o pedido do INSS de constituição de capital para o pagamento das parcelas vincendas. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A hipótese em tela trata de ressarcimento, isto é, restituição, afastando o caráter alimentar das parcelas. Além disso, o segurado não corre o risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 3. Apelos desprovidos. (TRF4, AC 5000415-70.2011.404.7207, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 17/05/2012).
PROCESSO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. CULPA EXCLUSIVA. MORTE. PENSÃO. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. ART. 602 DO CPC. 1. Não houve culpa da vítima, um simples operador de máquina, movimentar restos de material no pátio da empresa mesmo que sem prévia autorização de superiores; e, que houve total negligência da empregadora de produzir explosivos em local de livre acesso de empregados, e não oferecer total segurança, ou pelo menos minimizar os riscos decorrentes da produção de explosivos por terceirizados no pátio da própria empresa. 2. Vale notar, no tocante, que, em se tratando de responsabilidade civil por acidente do trabalho, há uma presunção de culpa da empresa quanto à segurança do trabalhador, sendo da empregadora o ônus de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a evitar ou diminuir os riscos de explosões, ou seja: cabe-lhe demonstrar que sua conduta pautou-se de acordo com as diretrizes de segurança do trabalho, reduzindo riscos da atividade e zelando pela integridade dos seus contratados. 3. É dever da empresa fiscalizar o cumprimento das determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada, afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas. 4. A experiência comum previne ser temerário, em face da celeridade das variações e das incertezas econômicas no mundo de hoje, asseverar que uma empresa particular, por sólida e confortável que seja a sua situação atual, nela seguramente permanecerá, por longo prazo, com o mesmo status econômico em que presentemente possa ela se encontrar. A finalidade primordial da norma contida no caput e nos parágrafos 1º e 3º do artigo 602 do CPC é a de dar ao lesado a segurança de que não será frustrado quanto ao efetivo recebimento das prestações futuras. Por isso, a cautela recomenda a constituição de um capital ou a prestação de uma caução fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso. (REsp 627649). 5. Honorários fixados em 10% do valor das parcelas vencidas e 12 parcelas vincendas. 6. Apelação da empregadora desprovida, apelação da terceirizada e recurso adesivo do Instituto providos. (TRF4, AC 5000589-88.2011.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 10/02/2012).
Até mesmo o STF, já fixou entendimento consolidado na Súmula nº 229, no sentido de que: "A indenização acidentária não exclui a do direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador."
2.2.2 - Do Caso Concreto
No relatório anexado aos autos (evento 7 - OUT7), sobre a investigação do acidente de trabalho, restaram consignadas as seguintes informações:
13) Descrição do acidente:
Durante a atividade de Set-up (troca de ferramenta) que era realizado pelo Sr. Alexandre auxiliado pelo Sr. Edimar (o correto é que apenas uma pessoa realize), a máquina (embolsador 7) estava em modo manual (deveria estar bloqueada), houve um toque acidental nos botões de controle, fazendo com que todas as ferramentas da máquina retornassem a posição inicial, quando ocorreu o esmagamento seguido de fratura na mão esquerda de Alexandre.
16) Quais as razões para estes atos e/ou falhas acontecessem?
1 - o segundo funcionário (Edimar) era ensinado a realizar esta atividade no referido equipamento.
2 - falta de atenção.
17) Medidas corretivas propostas:
Reforçar orientação a todos os funcionários quanto a importância de atenção durante a realização de qualquer serviço.
Na Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT (parcial) emitida pela empresa ré em 02/05/2011 (evento 7 - OUT8, p. 22-23), consta o segurado como alimentador de linha de produção e o relato de que houve "aprisionamento da mão em equipamento", no estabelecimento da empregadora.
Além disso, o INSS apresentou laudo médico pericial realizado nos autos da ação reparatória de danos que tramitou na Justiça do Trabalho, em que o perito concluiu: "O autor sofreu acidente de trabalho com sequelas irreversíveis e definitivas no terceiro, quarto e quinto dedos da mão esquerda, causando prejuízo estético e redução de sua capacidade laborativa em grau moderado."
A testemunha Alexandre da Silva dos Santos, segurado vitimado pelo acidente, disse "que estava na máquina para fazer a troca de material e a bloqueou para poder mexer nas peças; que o encarregado mandou o Edimar lhe ajudar; que não sabe o que ele fez na máquina que desbloqueou; que quando colocou a mão na máquina para retirar o ferramental, esta prensou a minha mão e cortou fora; que a máquina não tinha sensor de segurança; que aprendeu a operar a máquina na prática; que a máquina era antiga e dava bastante problemas de acidentes; que se a máquina fosse desbloqueada por acidente, se tivesse sensor de segurança, este a bloquearia imediatamente."
A testemunha Guilherme Martins Feliciano, líder de manutenção elétrica, narrou "que é funcionário da ré; que não presenciou o acidente, só ouviu falar; que após o acidente com o Alexandre foi mexido nas máquinas, colocado sensores nas portas e proteção; que para trabalhar na máquina é necessário bloqueá-la, trocar o que necessitar, sair e ligar novamente; que o treinamento consiste em explicar como a máquina funciona; que depois do acidente foram feitas melhorias nas máquinas, como a instalação de sensores de segurança."
A testemunha Reginaldo Lineburger, relatou "que trabalhou na empresa ré na época do acidente; que não presenciou o acidente, mas o socorreu até o hospital; as normas para manusear a máquina era bloqueá-la e apertar o botão de emergência; que a empresa ré fornecia os equipamentos de segurança; que quando as máquinas chegavam era explicado como elas funcionavam; que não trabalhava no setor em que o Alexandre se acidentou; que após o acidente foi colocado nas máquinas alguns equipamentos de segurança e grade de proteção."
A principal tese da defesa é a de que houve culpa exclusiva da vítima que, embora devidamente treinada para a operação de máquinas, não obedeceu as normas de segurança para o manuseio da máquina em que trabalhava.
A prova produzida, porém, permite concluir com segurança que a conduta da vítima não contribuiu para a ocorrência do acidente.
Pois bem, na NR-12 são definidas as referências técnicas, princípios fundamentais e medidas de proteção para garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores e estabelecidos requisitos mínimos para a prevenção de acidentes e doenças do trabalho nas fases de projeto e de utilização de máquinas e equipamentos de todos os tipos.
No que interessa ao presente caso, destaco os seguintes itens da referida norma regulamentadora (grifos meus):
12.3 O empregador deve adotar medidas de proteção para o trabalho em máquinas e equipamentos, capazes de garantir a saúde e a integridade física dos trabalhadores, e medidas apropriadas sempre que houver pessoas com deficiência envolvidas direta ou indiretamente no trabalho.
12.4 São consideradas medidas de proteção, a ser adotadas nessa ordem de prioridade:
a) medidas de proteção coletiva;
b) medidas administrativas ou de organização do trabalho; e
c) medidas de proteção individual.
12.8 Os espaços ao redor das máquinas e equipamentos devem ser adequados ao seu tipo e ao tipo de operação, de forma a prevenir a ocorrência de acidentes e doenças relacionados ao trabalho.
12.8.1 A distância mínima entre máquinas, em conformidade com suas características e aplicações, deve garantir a segurança dos trabalhadores durante sua operação, manutenção, ajuste, limpeza e inspeção, e permitir a movimentação dos segmentos corporais, em face da natureza da tarefa.
12.8.2 As áreas de circulação e armazenamento de materiais e os espaços em torno de máquinas devem ser projetados, dimensionados e mantidos de forma que os trabalhadores e os transportadores de materiais, mecanizados e manuais, movimentem-se com segurança.
Sistemas de segurança.
12.38 As zonas de perigo das máquinas e equipamentos devem possuir sistemas de segurança, caracterizados por proteções fixas, proteções móveis e dispositivos de segurança interligados, que garantam proteção à saúde e à integridade física dos trabalhadores.
12.38.1 A adoção de sistemas de segurança, em especial nas zonas de operação que apresentem perigo, deve considerar as características técnicas da máquina e do processo de trabalho e as medidas e alternativas técnicas existentes, de modo a atingir o nível necessário de segurança previsto nesta Norma.
12.39 Os sistemas de segurança devem ser selecionados e instalados de modo a atender aos seguintes requisitos: (Vide prazos no Art. 4ª da Portaria SIT n.º 197, de 17 de dezembro de 2010)
a) ter categoria de segurança conforme prévia análise de riscos prevista nas normas técnicas oficiais vigentes;
b) estar sob a responsabilidade técnica de profissional legalmente habilitado;
c) possuir conformidade técnica com o sistema de comando a que são integrados;
d) instalação de modo que não possam ser neutralizados ou burlados;
e) manterem-se sob vigilância automática, ou seja, monitoramento, de acordo com a categoria de segurança requerida, exceto para dispositivos de segurança exclusivamente mecânicos; e
f) paralisação dos movimentos perigosos e demais riscos quando ocorrerem falhas ou situações anormais de trabalho.
12.40 Os sistemas de segurança, de acordo com a categoria de segurança requerida, devem exigir rearme, ou reset manual, após a correção da falha ou situação anormal de trabalho que provocou a paralisação da máquina. (Vide prazos no Art. 4ª da Portaria SIT n.º 197, de 17 de dezembro de 2010)
12.42 Para fins de aplicação desta Norma, consideram-se dispositivos de segurança os componentes que, por si só ou interligados ou associados a proteções, reduzam os riscos de acidentes e de outros agravos à saúde, sendo classificados em:
a) comandos elétricos ou interfaces de segurança: dispositivos responsáveis por realizar o monitoramento, que verificam a interligação, posição e funcionamento de outros dispositivos do sistema e impedem a ocorrência de falha que provoque a perda da função de segurança, como relés de segurança, controladores configuráveis de segurança e controlador lógico programável - CLP de segurança;
b) dispositivos de intertravamento: chaves de segurança eletromecânicas, com ação e ruptura positiva, magnéticas e eletrônicas codificadas, optoeletrônicas, sensores indutivos de segurança e outros dispositivos de segurança que possuem a finalidade de impedir o funcionamento de elementos da máquina sob condições específicas;
c) sensores de segurança: dispositivos detectores de presença mecânicos e não mecânicos, que atuam quando uma pessoa ou parte do seu corpo adentra a zona de perigo de uma máquina ou equipamento, enviando um sinal para interromper ou impedir o início de funções perigosas, como cortinas de luz, detectores de presença optoeletrônicos, laser de múltiplos feixes, barreiras óticas, monitores de área, ou scanners, batentes, tapetes e sensores de posição;
d) válvulas e blocos de segurança ou sistemas pneumáticos e hidráulicos de mesma eficácia;
e) dispositivos mecânicos, como: dispositivos de retenção, limitadores, separadores, empurradores, inibidores, defletores e retráteis; e
f) dispositivos de validação: dispositivos suplementares de comando operados manualmente, que, quando aplicados de modo permanente, habilitam o dispositivo de acionamento, como chaves seletoras bloqueáveis e dispositivos bloqueáveis.
No caso dos autos, restou comprovado que a máquina em que ocorreu o acidente não possuía sensor de segurança, em clara inobservância aos requisitos estabelecidos no item 12.39 da NR 12; tanto que ficou demonstrado que após o acidente a ré promoveu a instalação de equipamentos de segurança nas máquinas, como sensores e grades de proteção. Com essa proteção o acidente teria sido evitado, como bem afirmou a testemunha Alexandre da Silva dos Santos.
Ainda que assim não fosse, caberia à ré o dever de orientação e fiscalização acerca das rotinas de trabalho, fornecendo treinamento adequado para os empregados. No entanto, a ré limitou-se a explicar como as máquinas funcionavam, sendo forçoso concluir que a principal causa do acidente e de suas graves consequências foi a negligência da ré, tendo apresentado relevantes deficiências em relação à atividade preventiva.
Portanto, ainda que restasse comprovada a culpa do empregado - o que não ocorreu neste caso - remanesceria a culpa preponderante da ré, decorrente da ineficiência das medidas anteriormente adotadas para a proteção do trabalhador na realização de atividade envolvendo sérios riscos de acidente.
Tudo considerado, há inegavelmente ilícito perpetrado, uma vez que a conduta omissiva da ré na adoção das medidas de proteção ao meio ambiente de trabalho dos seus empregados, consubstanciou infração a dever legal que lhe incumbia (art. 19, § 1º, LBPS).
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, extinguindo o processo na forma do art. 487, I, do CPC, a fim de condenar a ré a:
(a) ressarcir ao INSS todos os valores pagos em razão da concessão dos benefícios de auxílio-doença acidentário nº 91/546.157.324-6 e do auxílio-acidente nº 94/164.468.478-8, até a data da cessação deste último, e de outros benefícios que porventura forem concedidos em razão do acidente sofrido por Alexandre da Silva dos Santos, até a data da sua cessação;
(b) efetuar o pagamento ao INSS, até o dia 20 de cada mês, do valor correspondente às prestações dos referidos benefícios que se vencerem após a liquidação, por meio de Guia da Previdência Social - GPS, pela própria ré preenchida e devidamente identificada com o número do processo judicial e o código específico de pagamento (9636)."
Na atualização dos valores da condenação deve-se observar a incidência de: a) correção monetária pelo IPCA-E desde o desembolso de cada parcela dos benefícios (STJ, Súmula nº 43) até o efetivo pagamento; b) juros de mora de 1% ao mês para as parcelas que vencerem até a liquidação (CC, artigo 406; CTN, artigo 161, § 1º) desde a citação (Código Civil, artigo 405); c) com relação às prestações que vencerem após a liquidação, correção monetária pelo IPCA-E e juros de mora de mora de 1% ao mês desde a data em que o INSS efetuar o pagamento.
Por ausência de previsão legal, rejeito a pretensão de cominação de multa diária de 1% (um por cento) no caso de atraso.
Condeno a empresa ré ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios em percentual a ser fixado por ocasião da liquidação, considerando a relativamente rápida tramitação e a relativa importância da causa, a ausência de recursos incidentais, o elevado grau de diligência e zelo dos patronos do autor e a necessidade de dilação probatória, com a produção de prova oral, atendido o disposto no artigo 85, §§ 2º e 3º, e 4º, II, do CPC.
Sentença registrada e publicada eletronicamente. Intimem-se.
Havendo interposição de recurso e observadas as formalidades dos §§1º e 2º do art. 1.010 do Novo CPC, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (art. 1.010, § 3º do CPC).
Oportunamente, dê-se baixa.
Assim não há, nos presentes autos, fundamentos que autorizem a reforma dessa decisão de mérito, motivo pela qual a mantenho pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Com efeito, o Juízo de origem está próximo das partes, realizou ampla dilação probatória, devendo ser prestigiada sua apreciação dos fatos da causa, bem como sua conclusão motivada no sentido da parcial procedência do pedido do INSS, devendo a empresa ré ressarcir ao INSS os valores pagos em razão da concessão do benefício de auxílio-doença acidentário e auxílio acidente do segurado, inexistindo nos autos, pois, situação que justifique alteração do que foi decidido.
As alegações da empresa ré de imputar tão-somente ao empregado a culpa pelo acidente não encontra respaldo nas provas coligidas nos autos, a qual deve ser prestigiada, tendo o magistrado, de forma motivada, concluído que os elementos apontados pela empresa para se eximir de sua responsabilidade não foram, no caso, suficientes para tal desiderato.
DA CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS LEGAIS
Quanto aos juros de mora, trata-se, no caso, de uma restituição, e não de um pensionamento à vítima do ato ilícito, não sendo hipótese, portanto, de incidência da Súmula nº 54 do STJ, segundo a qual, em se tratando de responsabilidade extra-contratual, a mora flui deste a ocorrência do ato ilícito.
Cuidando-se de pretensão de ressarcimento, de índole civil, considerando-se ainda a natureza securitária da Previdência Social, entendo, em que pese a existência de entendimento diverso, que os juros de mora devem incidir desde a citação, pois neste momento inicia a mora da empresa ré quanto ao ressarcimento pretendido pelo INSS.
Neste sentido o julgado desta Corte, proferido em ação regressiva acidentária, verbis:
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. DEVER DE RESSARCIR OS VALORES DESPENDIDOS EM VIRTUDE DA CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PELA ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. CULPA CONCORRENTE DO SEGURADO. JUROS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Demonstrada a negligência do réu quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista nos arts. 120, 121 e 19, caput e § 1º, da Lei nº 8.213/91. 2. Caracterizada a culpa concorrente da vítima, deverá a empresa demandada arcar com o ressarcimento de metade dos valores pagos pelo INSS a título de pensão por morte. 3. Cuidando-se de pretensão de ressarcimento, de índole civil, considerando-se ainda a natureza securitária da Previdência Social, os juros de mora devem incidir desde a citação, pois neste momento inicia a mora quanto ao ressarcimento pretendido. 4. Caracterizada a sucumbência recíproca, restam compensados os honorários advocatícios. (TRF4, AC 2007.72.04.002308-5, Quarta Turma, Relator Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, D.E. 02/05/2012)
Os juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, contados da citação, conforme mais recente posicionamento do STJ que enfatiza o caráter alimentar do benefício previdenciário.
Assim, quanto às parcelas vencidas, os juros incidirão a contar da citação, pois a partir deste momento inicia a mora quanto ao ressarcimento pretendido, sendo inaplicável a Súmula 54 do STJ.
Em relação às parcelas vincendas, no caso de inadimplemento, deverá incidir juros de mora de 1% ao mês, contados da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ e artigo 398 do Código Civil. O evento danoso coincide com a data em que o INSS efetuou o pagamento de cada parcela do benefício previdenciário para o beneficiário.
Nesse sentido:
DIREITO CIVIL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRABALHO. BENEFÍCIO ACIDENTÁRIO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ARTIGO 120 DA LEI Nº 8.213/91. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. INTERESSE DE AGIR. LEGITIMIDADE ATIVA DO INSS. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇO. SOLIDARIEDADE COM A EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO. CULPA EXCLUSIVA DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRECEDENTES. (...) . No que se refere à correção monetária das parcelas vencidas, deve ser aplicado índice do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, que é o mesmo índice utilizado para o pagamento administrativo dos benefícios, a contar do efetivo pagamento de cada uma dessas parcelas. No caso dos autos, a sentença fixou o IPCA-E como índice de correção monetária. Afastada a aplicação da Taxa SELIC, pois o crédito não possui natureza tributária; . Sobre o quantum indenizatório, os juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, contados da citação, conforme mais recente posicionamento do STJ que enfatiza o caráter alimentar do benefício previdenciário. Em relação às parcelas vincendas, no caso de inadimplemento, deverá incidir juros de mora fixados em 1% ao mês, contados da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ e artigo 398 do Código Civil. O evento danoso coincide com a data em que o INSS efetuou o pagamento de cada parcela do benefício previdenciário para o beneficiário; (...). (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011142-97.2011.404.7107, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/09/2015)
CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS CONTRA O EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI Nº 8.213/91. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA PELA ADOÇÃO E OBSERVÂNCIA DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À SEGURANÇA DO TRABALHADOR. NEGLIGÊNCIA. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. (...). 4. No que se refere à correção monetária das parcelas vencidas, deve ser aplicado índice do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, que é o mesmo índice utilizado para o pagamento administrativo dos benefícios, a contar do efetivo pagamento de cada uma dessas parcelas. Afastada a aplicação da Taxa SELIC, pois o crédito não possui natureza tributária. 5. Sobre o quantum indenizatório, os juros moratórios são devidos à taxa de 1% ao mês, contados da citação, conforme mais recente posicionamento do STJ que enfatiza o caráter alimentar do benefício previdenciário. Em relação às parcelas vincendas, no caso de inadimplemento, deverá incidir juros de mora fixados em 1% ao mês, contados da data do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ e artigo 398 do Código Civil. O evento danoso coincide com a data em que o INSS efetuou o pagamento de cada parcela do benefício previdenciário para o beneficiário. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5016511-59.2012.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 18/11/2015)
Assim, desacolho o pleito da empresa apelante de fixar os juros de mora (das parcelas vincendas ) a contar da citação.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 25/01/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5007344-89.2015.4.04.7204/SC
ORIGEM: SC 50073448920154047204
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Drª Solange Mendes de Souza |
APELANTE | : | TUBOZAN INDÚSTRIA PLÁSTICA LTDA. |
ADVOGADO | : | Estevão Franzoso Lubisco |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25/01/2017, na seqüência 7, disponibilizada no DE de 15/12/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Juiz Federal SÉRGIO RENATO TEJADA GARCIA |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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