APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005461-16.2010.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CONGUASUL INDÚSTRIA DE PLACAS LTDA |
ADVOGADO | : | EDUARDO ESTANISLAU TOBERA FILHO |
EMENTA
ADMINISTRATIVO. AÇÃO REGRESSIVA DO INSS. ACIDENTE DE TRABALHO. ART. 120 DA LEI 8.213/91. CULPA DO EMPREGADOR NÃO DEMONSTRADA.
Consoante prescreve o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, "nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis".
Para a caracterização do dever de indenizar, é preciso que se comprove a presença de ação ou omissão do empregador, resultado danoso, nexo causal e, ainda, negligência em relação às normas de higiene e segurança do trabalho (art. 120 da LBPS). Hipótese em que não se verificou culpa da ré.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 05 de abril de 2017.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
| Documento eletrônico assinado por Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8865063v4 e, se solicitado, do código CRC C4F45E31. | |
| Informações adicionais da assinatura: | |
| Signatário (a): | Vivian Josete Pantaleão Caminha |
| Data e Hora: | 09/04/2017 18:59 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005461-16.2010.4.04.7000/PR
RELATORA | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CONGUASUL INDÚSTRIA DE PLACAS LTDA |
ADVOGADO | : | EDUARDO ESTANISLAU TOBERA FILHO |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido (ação regressiva promovida pelo INSS), condenando o vencido ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, devidamente corrigido, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC/15.
Em suas razões recursais o INSS sustentou, em síntese, que houve descumprimento de exigência legal quanto às normas de saúde e segurança do trabalho, por culpa exclusiva do empregador já que é o responsável por proporcionar as condições de segurança no ambiente de trabalho, munindo os empregados de equipamentos de proteção e métodos necessários à realização do trabalho em condições seguras. Aduziu que a máquina foi ligada sem prévio conhecimento do operário que estava fazendo a limpeza, sendo que as circunstâncias do acidente apontam para a responsabilização do empregador. Nesses termos postulou a reforma da sentença e o reconhecimento da procedência do pedido.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Do direito ao ressarcimento de valores
Para a caracterização do dever de indenizar, é preciso que se comprove a presença de ação ou omissão do empregador, resultado danoso, nexo causal e, ainda, negligência em relação às normas de higiene e segurança do trabalho (art. 120 da LBPS).
Para tanto, é imperiosa a análise dos contornos fáticos em que se deu o acidente, perquirindo acerca da ocorrência de desídia na condução das atividades por parte do empregador, sempre tendo em mente seu dever inarredável de zelar pelas normas de higiene e segurança do trabalho.
Para evitar tautologia, peço vênia para transcrever a sentença monocrática:
"I - Relatório
A autarquia autora propõe a presente ação ordinária regressiva, em face do réu supranominado, buscando sua condenação nos valores relativos às prestações vencidas e vincendas do benefício devido em decorrência do acidente de trabalho, identificado pelo NB 139.581.089-0, convertido em aposentadoria por invalidez por acidente do trabalho NB 529.622.161-0, pago em favor de João Maria Moreira.
Afirma que, "O reclamante João Maria Moreira ajuizou ação de indenização nº 99603-2006-654-09-00-6, em trâmite na 2ª Vara do Trabalho de Araucária (PR), com trânsito em julgado em 14/12/2009, depreendendo-se que o benefício gerado em favor do segurado decorreu de culpa do empregador quanto ao descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho, onde restou demonstrado o nexo causal entre a conduta e a ocorrência do acidente...", esclarecendo que despendeu com o benefício, até o momento do ajuizamento da ação, o total de R$ 28.028,02 e discorrendo sobre a conduta negligente do réu.
Concluiu descumpridas Normas de Segurança e Saúde no Trabalho, constantes nas várias normas que citou, especialmente dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e NR 12.2.1, 12.2.2, 12.2.3 e 12.2.4, o que qualifica a conduta da ré como culposa, pois "...a ré não cumpriu as normas de segurança do trabalho, o que foi determinante para a ocorrência do acidente e a incapacidade permanente para o trabalho do empregado."
Remete aos art. 19, 120 e 121 da Lei 8.213/91 c/c art. 7º, XXII, 196 e 197 da Constituição Federal, além dos art. 157 da Consolidação das Leis do Trabalho e 186 e 197 do Código Civil, para justificar a propositura da presente ação regressiva, concluindo que "... se a concessão do benefício acidentário se deu em razão de atos ilícitos praticados pelo empregador, nada mais plausível que assegurar à Previdência Social o direito de ser ressarcida pelas despesas que, injustificadamente, terá que arcar em razão da negligência de outrem e em prejuízo da integridade dos recursos públicos, pois o erário e a sociedade que custeiam o sistema não podem assumir o prejuízo decorrente do ato ilícito."
Formula os pedidos descritos em inicial, com a procedência da ação, para condenação dos réus ao pagamento "... de todo o montante gasto desde o início do benefício previdenciário até o término desta ação, bem como a ressarcir todos os futuros pagamentos a serem realizados pelo INSS em decorrência do acidente ora em análise...", com os demais consectários legais.
O réu manifestou-se no EVENTO 8 e, antes da perfectibilização da citação, foi reconhecida a competência desta especializada (EVENTOS 19 e 27), decisão reformada no âmbito do Agravo 500.2676-95.2011.404.000.
Regularmente citado, o réu ofereceu contestação no EVENTO 68, onde alega, no mérito, que "... não agiu negligentemente, pois o autor possuía conhecimento e treinamento para limpar a desfiladeira, diga-se ainda que a 'manutenção' é realizada por equipe própria. A própria máquina e o local do trabalho possuíam todas as condições de segurança de acordo com as normas técnicas (12) aplicáveis a situação...", além de o trabalhador vítima do infortúnio ter experiência na atividade, que não era nova para ele, trabalhador que, por imprudência, efetuou limpeza da máquina enquanto esta estava ligada.
Disse cumprir as Normas Regulamentadoras pertinentes, fornecendo equipamentos de proteção individual e treinamento ao empregado, além de a máquina desfiladeira possuir todos os dispositivos de segurança.
Defendeu a ausência de sua culpa no evento, sendo ônus da autora demonstrar o contrário.
Requereu, ao final, a improcedência da ação e rechaçou o pedido da autora quanto à prova emprestada da reclamatória trabalhista que identificou, onde sequer houve perícia.
Impugnação à contestação (EVENTO 71).
Determinada especificação de provas (EVENTO 73), deferidas (EVENTO 87), foi produzida prova testemunhal (EVENTO 141) e pericial (EVENTO 211), seguindo-se manifestação da autora (EVENTO 215).
Comandada diligência (EVENTO 238), seguiu-se a decisão do EVENTO 246 cancelando prova pericial médica.
Proferida sentença (EVENTO 263), foi a mesma anulada no âmbito da Apelação Cível nº 500.5461-16.2010.404.7000, em apenso, e, intimadas as partes (EVENTO 286), sem especificação de outras provas, vieram-me conclusos os autos para sentença.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Pretende a autarquia autora, na presente ação regressiva, o ressarcimento do que despendido, bem como do que despenderá, com os benefícios acidentários mencionados, pago em favor de João Maria Moreira, decorrente de acidente de trabalho.
Reafirmada pela Corte a constitucionalidade do art. 120 da Lei 8.213/90, segundo o qual:
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
Inicialmente, dos fundamentos deduzidos na sentença ora anulada, do EVENTO 263, cabe recordar a consistente doutrina que se formou em torno da responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho, para o que destaco a autoridade de Aguiar Dias, Responsabilidade Civil e Acidente do Trabalho, RF 108/452), e, quanto ao mérito, recolho, também da sentença, os seguintes trechos:
"O acidente do trabalho, no Brasil, encontrou interpretação autêntica, ao menos desde o art. 1º do Decreto nº 3.724/19, passando pelo art. 1º do Decreto nº 24.637/34, sendo alçado ao status constitucional com a Constituição Federal de 1934, especialmente em seu art. 121, § 1º, "a", concebido desde esta Carta como prestação previdenciária, e avançando para os conceitos do art. 1º Decreto-Lei 7.036/44, do art. 2º da Lei 5.316/67, do art. 2º da Lei 6.367 e art. 19 da atual Lei 8.213/91, sendo que reproduzo apenas este último, por interessar de perto à ação regressiva proposta pela autarquia:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
Tal definição é ampliada, por equiparação, nos seguintes artigos 20 e 21...
Deve-se deixar bastante claro que o empregador responde civilmente, com fundamento no direito comum, pelo acidente do trabalho que vier a causar por dolo ou culpa, ainda que leve, havendo mesmo teorias que vêem nessa responsabilidade civil a marca da objetividade.
Tais concepções vêm resultando de um avanço simultâneo na legislação, doutrina e jurisprudência.
Ainda em 1980, há paradigmático julgamento do Supremo Tribunal Federal, julgado por maioria e relatado pelo Ministro Leitão de Abreu, e que empresta luzes à interpretação atual do art. 120 da Lei 8.213/91.
Discutiu a Corte Máxima no julgamento do RE 85.912/RJ, RTJ 96/172 (apud Wilson Bussada, in Responsabilidade Civil Interpretada pelos Tribunais, 1984, p. 444) e a partir da Lei 7.036/44, constando do Relatório que "... essa lei que integra o seguro de acidente do trabalho na Previdência Social, nos artigos 28 e 29, ressalvou os preceitos da Lei 7.036, de 10 de dezembro de 1944... Aqui continua em vigor o artigo 31 da Lei 7.036 de 10-11-44 que declara que o pagamento da indenização estabelecida na lei de acidentes exonera o empregador de qualquer outra indenização do direito comum relativo ao mesmo acidente, a menos que isso resulte de dolo do patrão ou de seu preposto."
Na verdade, tal Lei padecia de vícios de redação similares aos do atual art. 120 da Lei 8.213/91, pois dispunha:
Art. 31. O pagamento da indenização estabelecida pela presente lei exonera o empregador de qualquer outra indenização de direito comum relativa ao mesmo acidente, a menos que este resulte de dolo seu ou de seus prepostos.
A Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal já procedia à interpretação ampliativa da norma, para admitir a indenização do direito comum também nos casos de culpa grave, o que acabou prevalecendo neste julgado, apesar de voto vencido restringindo o cabimento apenas ao caso de dolo, numa interpretação meramente literal.
Esse julgado, que bem evidenciava o entendimento que vingava no Supremo Tribunal Federal à época, se já procedia a uma interpretação extensiva para alcançar a responsabilidade não apenas nos casos de dolo, mas também de culpa grave, foi sendo ampliado ao longo do tempo, até se admitir que o empregador responde pelo evento infortunístico nos casos de dolo ou culpa, ainda que leve, inclusive por atos de seus prepostos (neste sentido, já em 1993, o STJ, RESP 12.648/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RT 701/163; além de, no mesmo ano, o RESP 19.338/SP, rel. Min. Athos Gusmão Carneiro, DJU de 02/08/93).
Por essa época bastante se produziu a respeito da responsabilidade do empregador, direta ou por atos de prepostos, valendo aqui citar José Paulo Leal Ferreira e Antônio José de Arruda Rebouças, in A Nova Legislação Acidentária, ed. RT, dez/73; Octávio Bueno Magano, in Lineamentos de Infortunística, 1976; e, finalmente, Humberto Theodoro Júnior, in Responsabilidade Civil Comum, 1987, os quais aprofundaram não apenas a doutrina sobre o tema, mas também as teses modernas quanto à responsabilidade objetiva, essencialmente pela teoria do risco-proveito.
Humberto Theodoro Júnior, agora já sob a Constituição Federal de 1988, in Responsabilidade Civil. Danos Morais e Patrimoniais. Acidentes no Trabalho. Ato de Preposto, RT 731/91, se em verdade conclui aplicar-se à hipótese de acidente do trabalho "... a norma do art. 1.521, III, do CC, onde se prevê que o patrão ou comitente é também responsável civilmente pelo ato ilícito praticado pelo seu empregado ou preposto, no exercício do trabalho que competir, ou por ocasião dele...", com isso reverberando a posição sumulada pelo Supremo Tribunal Federal no seu verbete 341, também conclui que "... a responsabilidade do empregador pelo ressarcimento civil do dano sofrido pelo empregado em acidente do trabalho não é objetiva, não dispensando a prova da culpa do empregador, porque: a) o caso é de responsabilidade extracontratual, regida pelo art. 159 do CC; e b) não se trata de ofensa à obrigação contratual como aquela de 'entregar o empregado são e salvo no fim da jornada, à semelhança de um contrato de transporte' (TJRJ, Ap. 4.588/89. COAD, 50.546). Inexistindo, pois, como na hipótese da consulta, culpa imputável à empregadora, o caso é de inconfiguração de sua pretendida responsabilidade indenizatória de direito comum."
Também Rui Stoco, no seu Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial: Doutrina e Jurisprudência, 3ª ed., p. 283, é conclusivo quanto ao entendimento de que "... a responsabilidade do patrão perante seus funcionários quando em serviço é contratual e segue a regra geral estabelecida no art. 159 do CC, fundando-se no dolo ou na culpa."
A Constituição Federal de 1988, no seu art. 7º, XXVIII, veio contribuir com a discussão, ao consagrar, como direito do trabalhador:
XXVIII - Seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
Diz Aguiar Dias, em seu Da Responsabilidade Civil, 1994, 9ª ed. p. 174, "... A referência à culpa tout court, envolve a própria culpa levíssima, como estava escrito na Lei Aquilia. Se é assim, por que incluir o dolo, que é culpa máxima, se a culpa mínima já é suficiente para provocar o cabimento da ação de direito comum?"
Recorde-se que, ao tempo da Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal, hoje revogada, a discussão era exatamente a inversa, pois esta cogitava da responsabilidade por dolo e nada dizia a respeito da culpa.
Mesmo após a Constituição Federal, diversos autores têm sustentado a tese da responsabilidade objetiva, sobretudo quando se considera o teor do art. 927, parágrafo único do Código Civil de 2002, cuja redação é a seguinte:
Parágrafo único - Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Sustentando a responsabilidade objetiva, baseada nas teorias do risco-profissional, risco-proveito ou risco-criado, estão Sebastião Geraldo de Oliveira (in Responsabilidade Civil Objetiva por Acidente do Trabalho. Teoria do Risco, Revista LTr, vol. 68, nº 04, p. 412); Antonio Carlos F. Chedid Júnior (in Responsabilidade Civil Trabalhista. Abordagem Crítica no Acidente Labora, Revista LTr, vol. 68, nº 11, p. 1.351); e Felipe Kirchner (in A Responsabilidade Civil Objetiva no art. 927, Parágrafo Único, do CC/2002).
São inúmeros os julgados a respeito do tema, havendo agora, após a Emenda Constitucional 45 e por força da alteração do art. 114 da Constituição Federal, importante protagonismo da Justiça Trabalhista, valendo destacar o recentíssimo julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na ApCiv 70042117176-9, 9ª Câm. Civ., rel. Des. Tasso Caubi Soares Delabary, DJRS de 29/08/11, publicado na RT 913/1034, consagrando a tese da responsabilidade subjetiva e acolhendo no caso a existência de culpa in vigilando.
Seja qual for a responsabilidade do empregador, fato é que será ela cumulável com o regime de seguro por acidente, público, como se demonstrou, e custeado pelo empregador, empregado e sociedade.
Ora, se é verdade que existe uma responsabilidade civil do empregador por danos causados por dolo ou culpa, mesmo levíssima, é preciso, então, vencer a tese segundo a qual o regime próprio de previdência inibe a ação indenizatória individual, como sustentam alguns.
Como já referido, e agora valendo-me das palavras de Miguel Horvath Júnior (Uma Análise do Risco Acidente do Trabalho sob a Ótica Histórica, Doutrinária e Jurisprudencial, com Ênfase na Aplicação da Teoria da Norma Jurídica, Revista da Procuradoria Geral do INSS, vol. 4, n. 3, out/dez 97, p. 29), "... o Estado brasileiro é de Direito Social de acordo com o perfil adotado na Carta Magna de 05 de outubro de 1988, logo, deve assegurar uma existência digna a seus cidadãos (art. 170 caput da CF/88) posto que este é o seu fim. O acidente do trabalho é um risco-causa previsto na Constituição Federal no art. 201 inciso I e coberto pelo sistema de Seguridade Social pátrio como meio de proteger o indivíduo contra infortúnios que provoquem lesão ou perturbação funcional de tal monta que causem a morte, perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho."
Também Aguiar Dias, op. cit. p. 172, esclarece que "... a exemplo do que sucede na lei francesa de 30 de outubro de 1946, a lei brasileira de acidentes do trabalho tornou-se um ramo do seguro social."
Sendo seguro social, custeado por toda a sociedade, pelo empregado e pelo empregador, em particular, observado na contribuição o fator de risco próprio, é com a concessão de benefício que se ampara o segurado acidentado, certo que o objetivo da implantação da Seguridade Social é exatamente este, ou seja, garantir uma autêntica política de seguros aos trabalhadores e seus dependentes, para cobrir todos os riscos a que estão sujeitos, seja no exercício da atividade ou na vida particular, sendo descabido, então, confundir esse direito com qualquer outro decorrente da responsabilidade civil, seja amparada no art. 159 do Código Civil, seja amparada nos atuais art. 186 e 197 do Código Civil
A súmula 229 do Supremo Tribunal Federal, já referida está vazada nos seguintes termos: "Súmula 229 - A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa grave do empregador."
Agora, cogitando-se da obrigação do empregador por dolo ou culpa, nos termos do art. 120 da Lei 8.213/91, visto que o risco foi coberto pela seguridade social na álea ordinária que é inerente ao exercício de todas as atividades remuneradas, impõe-se considerar que a responsabilidade do empregador é de ser vista em função da álea extraordinária, ou seja, quando evidenciada a culpa por "... negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva...", nos exatos termos do mencionado dispositivo.
Assim, como já havia concluído, "... por este motivo o entendimento do Supremo Tribunal Federal cristalizou-se na Súmula 229 do STF, hoje ainda mais abrandada com a superveniência da Constituição Federal, que, em seu artigo 7º, XXVIII, referiu-se apenas à culpa, sem cuidar do seu grau, o que ademais somente diante do caso concreto é possível auferir."
E, nessa toada, vêm os Tribunais fixando o entendimento de que a responsabilidade do empregador ante os riscos quanto às normas padrão de segurança deve ser proclamada apenas nos casos de dolo ou culpa grave, ou seja, nos termos da Súmula 229 do Supremo Tribunal Federal.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região é postura já antiga, exemplificada no julgamento da AC 2000.72.03.000377-0/ SC, rel. Dês. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, por unanimidade (publicado na RT 52, p. 226), valendo sacar, dos fundamentos, a lição de que "... a correta interpretação da Súmula 229 encontra-se em magnífico voto proferido pelo saudoso Min. Ribeiro da Costa, ao relatar o RE nº 49.462-SP, verbis: 'Admita-se, mesmo em nosso direito, em caso de falta inescusável, a ação da vítima e dos beneficiários. A falta grave se equipara, aqui, ao dolo. Isso em caso de falta de segurança, a exposição do empregado a perigo. O que não parece razoável é equiparar o empregador a simples terceiro, admitindo-se, na ação de direito comum, todas as presunções de culpa que a nossa jurisprudência tem abonado aos autores de ações de indenização."
De fato, recorde-se, e isso é determinante para o presente caso, que a Justiça do Trabalho tem, como regra, admitido a própria presunção de culpa para caracterizar a responsabilidade do empregador por danos sofridos em decorrência de acidente de trabalho.
Vale mencionar o recente precedente do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar Embargos em RR nº 22400-84.2008-5.10.0111, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Unânime, publicado na RT 953/437, segundo o qual:
"Esta SBDI 1 vem entendendo que o art. 9247, parágrafo único, do CC/2002, que prevê a responsabilidade objetiva em razão do risco da atividade, é aplicável à Justiça do Trabalho, a exemplo dos Embargos nos Edcl em RR 29840-97.2001.5.03.0006, publicado no DEJT 08.04.2001. Contudo, entendo que na situação dos autos a controvérsia deverá ser analisada à luz da teoria da presunção da culpa, dada a dificuldade em se reconhecer a atividade exercida pela reclamante (educação de adolescentes infratores e submetidos a medidas de restrição de liberdade) como de risco, e, ainda, por ser aquela teoria um atual e valioso instrumento de efetivação da equidade e justiça processual adotado pela jurisprudência pátria também quando se trata do tema da responsabilidade civil. De acordo com a teoria da presunção de culpa, inverte-se o ônus de prova em favor da vítima, presumindo-se a culpa do empregador no evento danoso, salvo prova em sentido contrário. No caso, desse ônus o reclamado não se desincumbiu, porquanto não produziu qualquer prova que demonstrasse que ele proporcionou ao empregado condições seguras de trabalho..."
Ao residir nos fundamentos da decisão tomada, considerados os mesmos fatos aqui em consideração, pelo Tribunal Regional do Trabalho neste Estado (EVENTO 1 OUT 14), vê-se que comungou da mesma construção doutrinária, tanto que fez constar, na ementa:
"... O descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho gera a responsabilidade civil do empregador pela reparação dos danos advindos ao trabalhador que se acidentou em razão do risco ao qual estava submetido. Na hipótese, tendo a reclamada descumprido a NR12, aplicável disposto no art. 927 do CCB, não prosperando a tese da defesa de culpa exclusiva da vítima para a ocorrência do acidente de trabalho. Sentença que se reforma para condenar a reclamada ao pagamento de inenização por danos morais e materiais."
A sentença de primeiro grau (EVENTO 1 OUT 13), também amparada na mesma prova técnica, havia concluído que "... o autor agiu de forma imprudente, ao tentar limpar o exaustor com a máquina desfiladeira ligada, restando evidente que ele sabia do risco assumido ao efetuar o procedimento com o equipamento ligado."
Ao cotejar o Laudo Pericial realizado no âmbito da Justiça do Trabalho (EVENTO 2 OUT 11) com o Laudo pericial aqui realizado (EVENTO 211), muito embora se reconheça as limitações com que elaborado este último, pois já havia a desativação das instalações e equipamentos onde ocorrido o acidente, simplesmente não se encontra onde estaria a culpa grave da empresa ré.
Ora, a Sra. Perita esclarece que "... quando o autor tentou encaixar a lâmina da serra na polia, a máquina entrou em funcionamento, pois a chave geral de energia que alimentava o motor da máquina não estava desligada. E, neste momento, a serra atingiu os dedos da mão esquerda do reclamente."
Ficou também claro, e admitido pelo próprio trabalhador, que houve o treinamento adequado.
Aliás, a investigação da CIPA concluiu a imprudência do próprio trabalhador.
O ponto nodal parece estar relacionado ao mecanismo de acionamento da máquina, que teria descumprido as normas técnicas quanto ao acionamento acidental.
Dispõe a NR 12, no que interessa:
"12.2.1. As máquinas e os equipamentos devem ter dispositivos de acionamento e parada localizados de modo que:
a) seja acionado ou desligado pelo operador na sua posição de trabalho; (112.009-3/I2)
b) não se localize na zona perigosa de máquina ou do equipamento; (112.010-3/I2)
c) possa ser acionado ou desligado em caso de emergência, por outra pessoa que não seja o operador; (112.011-5/I2)
d) não possa ser acionado ou desligado, involuntariamente, pelo operador, ou de qualquer outra forma acidental; (112.012-3/I2)
e) não acarrete riscos adicionais. (112.013-1/I2)
12.2.2. As máquinas e os equipamentos com acionamento repetitivo, que não tenham proteção adequada, oferecendo risco ao operador, devem ter dispositivos apropriados de segurança para o seu acionamento. (112.014-0/I2)
12.2.3. As máquinas e os equipamentos que utilizarem energia elétrica, fornecida por fonte externa, devem possuir chave geral, em local de fácil acesso e acondicionada em caixa que evite o seu acionamento acidental e proteja as suas partes energizadas. (112.015-8/I2)
12.2.4. O acionamento e o desligamento simultâneo, por um único comando, de um conjunto de máquinas ou de máquina de grande dimensão, devem ser precedido de sinal de alarme. (112.016-6/I2)"
Basta a leitura para se concluir que nada impedia o acionamento e desligamento de duas máquinas a partir da mesma chave geral, e, na dinâmica de descrição do acidente, nem restou evidente que tenha sido o acionamento acidental por terceiro o causador do infortúnio.
Na verdade, como descreve a perícia realizada na Justiça do Trabalho (EVENTO 1 OUT 11), o acidente ocorreu "... quando o reclamante estava fazendo a limpeza e a regulagem de uma serra circular denominada refiladeira.
Quando o autor tentou encaixar a lâmina da serra na polia, a máquina entrou em funcionamento, pois a chave geral de energia que alimentava o motor da máquina não estava desligada... a máquina possuía o equipamento de proteção.
Este foi retirado para que a limpeza e a troca da serra fossem executadas...", logo, como a localização da chave geral não permitia acionamento acidental considerando sua localização, e como não havia terceiro no local capaz de acioná-la por acidente, não vejo como dissociar-me da conclusão da CIPA, segundo a qual, "... o acidente ocorreu porque a máquina não foi desligada para a limpeza."
Tendo o empregado o treinamento adequado e experiência na função, inclusive por função antes ocupada, não demonstrado que a disposição da chave foi o fator decisivo para a ocorrência do acidente, a única conclusão viável a partir da prova técnica é que o equipamento não podia ser considerado inseguro, pois bastava ao encarregado da sua limpeza, desligá-lo.
Intentado o procedimento de limpeza com o equipamento ligado, expôs-se o empregado ao risco de acidente, não se vislumbrando a culpa grave ou o dolo do empregador, elementos essenciais quando se cogita da responsabilidade advinda do art. 120 da Lei 8.213/91, razões pelas quais improcede o pleito.
III- DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido, nos termos da fundamentação.
Condeno o autor em honorários advocatícios, ora fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da ação, devidamente atualizada, com fulcro no artigo 85 § 2º do Código de Processo Civil.
Custas ex lege.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se."
Em que pesem as alegações do apelante/INSS, considero irretocáveis as razões que alicerçaram a r. sentença monocrática que reconheceu a improcedência do pedido, a qual mantenho por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Com efeito, o Juízo de origem está próximo das partes, analisou detidamente a controvérsia inserta nos autos, bem como o laudo pericial realizado no âmbito da Justiça do Trabalho, devendo ser prestigiada sua apreciação dos fatos da causa e sua conclusão no sentido de que houve o treinamento adequado do empregado e que o acidente ocorreu por imprudência do próprio trabalhador.
Como bem salientou o magistrado singular, "tendo o empregado o treinamento adequado e experiência na função, inclusive por função antes ocupada, não demonstrado que a disposição da chave foi o fator decisivo para a ocorrência do acidente, a única conclusão viável a partir da prova técnica é que o equipamento não podia ser considerado inseguro, pois bastava ao encarregado da sua limpeza, desligá-lo. Intentado o procedimento de limpeza com o equipamento ligado, expôs-se o empregado ao risco de acidente, não se vislumbrando a culpa grave ou o dolo do empregador, elementos essenciais quando se cogita da responsabilidade advinda do art. 120 da Lei 8.213/91, razões pelas quais improcede o pleito."
Por fim, tendo em conta que a sentença apelada fixou honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, consoante o disposto no art. 85, § 2º, do CPC/2015, e que resta desacolhido o presente apelo, majoro os honorários fixados anteriormente, levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, para 11 % (onze por cento), sobre o valor atualizado da causa, em obediência ao § 11 do art. 85 do CPC/2015.
Do prequestionamento
Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
É o voto.
Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 05/04/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5005461-16.2010.4.04.7000/PR
ORIGEM: PR 50054611620104047000
RELATOR | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PRESIDENTE | : | VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
PROCURADOR | : | Dr. Alexandre Amaral Gavronski |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | CONGUASUL INDÚSTRIA DE PLACAS LTDA |
ADVOGADO | : | EDUARDO ESTANISLAU TOBERA FILHO |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 05/04/2017, na seqüência 10, disponibilizada no DE de 14/03/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA |
: | Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE | |
: | Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR |
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria
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