Agravo de Instrumento Nº 5014633-78.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: COUROS BOM RETIRO LTDA
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo INSS em face de decisão, em cumprimento de sentença, que indeferiu o pedido de consulta no Bacenjud nos CNPJs 93.055.010/0001-05 e 93.055.010/0002-96, bloqueando eventual numerário existente. A decisão foi proferida nos seguintes termos (evento 97):
1. Face à petição do Evento 94, reconsidero a nova designação de leilões constante no Evento 88, item “3” e defiro à leiloeira o prazo de 120 (cento e vinte) dias para tentativa de alienação a particular do imóvel de Matrícula nº 3.062 do R.I. da Comarca de Teutônia, avaliado em R$ 310.000,00 em 21/08/2014 e do imóvel de Matrícula nº 3.063 do R.I. da Comarca de Teutônia, avaliado em R$ 100.000,00 em 21/08/2014, ficando a leiloeira autorizada a proceder à venda por iniciativa particular, nos termos do art. 880, §1º do CPC e 366 e 367 da Consolidação Normativa da Corregedoria-Geral da 4ª Região, fixando como preço mínimo o valor de 50% da avaliação, não sendo permitido o parcelamento por valor inferior ao da avaliação do bem.
2. Indefiro, por ora, o pedido do Evento 64, item “8”, subitem “a”, pois enquanto o País estiver em estado de calamidade pública (Decreto Legislativo nº 6, promulgado em 20.03.2020), tenho que os pedidos de bloqueio de valores devem se limitar a situações excepcionais, entre as quais não se encaixa a pretensão do credor, para minimizar o impacto das medidas de restrição de atividades impostas à população, os três Poderes da União estão trabalhando em conjunto visando à preservação do emprego e da renda.
3. Pesquisou-se junto ao sistema RENAJUD a existência de veículos em nome das filiais da parte executada (CNPJs nº 93.055.010/0001-05 e 93.055.010/0002-96), conforme requerido no Evento 64, item “8”, subitem “b”, sendo procedida a restrição de transferência sobre o veículo encontrado (Evento 96).
4. Indefiro o pedido do Evento 64, item “8”, subitem “c”, pois não foi juntada nenhuma estimativa que indique alteração no valor de avaliação dos imóveis penhorados.
5. Quanto ao pedido do Evento 64, item “8”, subitem “e”, deverá o INSS juntar matrícula atualizada do imóvel, bem como informar o endereço atual dos coproprietários.
6. Intimem-se.
7. Suspenda-se aguardando a venda a particular.
"O pedido será apreciado após o término da situação de excepcionalidade relacionada às ações preventivas de caráter público para reduzir o risco de contágio e transmissão do novo coronavírus (COVID-19).
Intime-se."
Em suas razões recursais, o INSS alega que a decisão agravada carece de amparo legal. Afirma que não existe dispositivo legal que autorize o juízo, nos casos de calamidade pública, a indeferir os pedidos de consulta ao sistema Bacenjud. Argumenta que o presente processo completou 18 anos de tramitação, estando há mais de 10 anos na sua fase de cumprimento de sentença. Diz que, em decorrência da pandemia atual, conforme decretos do município de Teutônia, local onde a executada possui a sua sede, essa ficou fechada por, apenas, 10 dias, entre os dias 23 de março de 2020 a 1 de abril de 2020. Sustenta que, até o presente momento processual, existem penhorados, exclusivamente, 3 imóveis da executada, os quais foram avaliados, nas suas somas, em R$ 545.000,00, tendo a dívida cobrada cobrada sido calculada em R$ 1.146.365,30 em abril de 2019. Requer a atribuição de efeito ativo para que seja reformada a decisão agravada a fim de que seja realizada a consulta no Bacenjud solicitada nos CNPJS 93.055.010/0001-05 e 93.055.010/0002-96.
Deferida a antecipação de tutela, regularmente intimadas as partes, a agravada apresentou contraminuta.
É o relatório.
VOTO
O Código de Processo Civil, em seu artigo 833, IV, dispõe sobre a impenhorabilidade dos valores referentes a renda do indivíduo, nos seguintes termos:
Art. 833. São absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;
Isto é, a própria Lei já excetua a efetivação da penhora on line sobre os vencimentos/remuneração do devedor executado, bem como sobre quantias revestidas de outra forma de impenhorabilidade.
Para fazer jus ao enquadramento na hipótese de impenhorabilidade prevista no art. 833, IV, do CPC, contudo, segundo entendimento deste Tribunal Regional Federal, há necessidade de comprovação da origem dos depósitos, ônus esse que incumbe ao executado, neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. BACENJUD. COMPROVAÇÃO DA ORIGEM DE DEPÓSITO. ÔNUS DO EXECUTADO. DESBLOQUEIO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os documentos juntados aos autos não são suficientes para comprovar a origem do saldo penhorado, dentre as hipóteses de impenhorabilidade elencadas no art. 649 do CPC, impondo a manutenção do bloqueio. 2. Agravo de instrumento provido. (TRF4, AG 0006580-77.2012.404.0000, Terceira Turma, Relator Nicolau Konkel Júnior, D.E. 23/08/2012)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO BANCÁRIO. PENHORA. BACENJUD. ATIVOS FINANCEIROS E BENS. IMPENHORABILIDADE DE VALORES. A pesquisa - bem como eventual bloqueio - de ativos financeiros nas contas de titularidade da parte executada não constitui quebra de sigilo bancário. Nos termos do artigo 655-A do CPC, cabe ao executado comprovar a impenhorabilidade dos valores depositados em conta corrente. Aqueles que não se enquadrarem nas hipóteses previstas no IV do caput do art. 649 do CPC, podem ser objeto de penhora. Agravo improvido. (TRF4, AG 0001536-77.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator João Pedro Gebran Neto, D.E. 15/05/2012)
EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA ON LINE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA ORIGEM DOS VALORES BLOQUEADOS. ÔNUS DO EXECUTADO. Deixando de demonstrar o executado/agravante que os valores bloqueados originam-se de benefício previdenciário mantém-se a ordem de penhora on-line emitida pelo julgador de origem. (TRF4, AG 5002380-39.2012.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, D.E. 23/05/2012)
Há que se levar em conta que, em decorrência da pandemia atual, muitas empresas, empregados e trabalhadores autônomos têm sido afetados pela suspensão ou significativa diminuição das atividades.
No intuito de minorar os prejuízos financeiros decorrentes das medidas de isolamento, inclusive, o governo federal tem expedido atos no sentido de pausar a cobrança de impostos de pequenas empresas (Resolução 152/20), reduzir impostos (Decreto 10.285/20), garantir renda mínima aos trabalhadores informais (Auxílio Emergencial), garantir a manutenção dos empregos (MP 927/20), entre outros.
Por outro lado, no presente caso, o cumprimento de sentença tramita há mais de 10 anos e segundo informação da agravante, a executada ficou fechada por, apenas, 10 dias, entre os dias 23 de março de 2020 a 1 de abril de 2020.
Assim, caberia à executada demonstrar a situação de vulnerabilidade econômica causada pela suspensão de atividade relacionada com a pandemia, bem como a origem de valores eventualmente bloqueados e seu caráter alimentar, que possa indicar a impenhorabilidade.
Em outras palavras, a alegação de impenhorabilidade deve vir acompanhada de prova suficiente de que a verba bloqueada é indispensável ao sustento da parte executada.
Em sentido análogo, recentes julgados:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. VERBA SALARIAL. PESSOA FÍSICA. 1. O bloqueio de ativos financeiros, via BACENJUD, resta autorizado quando o executado deixa de oferecer bens suficientes à penhora, após ser devidamente citado. Efetuado o bloqueio, é possível que seja alegada em matéria de defesa qualquer das hipóteses de impenhorabilidade descritas em lei, sobretudo no artigo 833 do CPC. 2. A alegação de impenhorabilidade do salário ou assemelhado deve vir acompanhada de prova suficiente da natureza salarial da verba, ônus que incumbe ao executado (precedente: TRF4, AG 5027022-32.2019.4.04.0000, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 22/10/2019).
A mera juntada de extrato com movimentação da conta, por exemplo, não demonstra a verossimilhança da defesa, sendo necessário relacionar as verbas ingressantes e sua origem de caráter alimentar. (TRF4, AG 5002425-96.2019.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 12/03/2020)
(...)Por fim, registro que a situação de calamidade, por si só, não autoriza a suspensão da exigibilidade do crédito, tampouco a liberação de garantias à parte devedora.
Diante disso, em juízo perfunctório, inclino-me pela manutenção da restrição.
Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação de tutela recursal, para determinar a manutenção do bloqueio.(TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5013106-91.2020.4.04.0000/RS, Relator ROGER RAUPP RIOS, 08/04/2020)
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento para determinar que seja realizada a consulta no Bacenjud, solicitada nos CNPJS 93.055.010/0001-05 e 93.055.010/0002-96.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001871125v3 e do código CRC 2f4d698a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 18/7/2020, às 18:37:8
Conferência de autenticidade emitida em 26/07/2020 04:59:02.
Agravo de Instrumento Nº 5014633-78.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: COUROS BOM RETIRO LTDA
EMENTA
administrativo. agravo de instrumento. instituto nacional do seguro social. impenhorabilidade. artigo 833, IV, do código de processo civil. prova da natureza salarial da verba. vulnerabilidade econômica. pandemia. demonstração cujo ônus incumbe ao executado.
- São absolutamente impenhoráveis os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. Inteligência do artigo 833, IV, do CPC.
- Cabe à executada demonstrar a situação de vulnerabilidade econômica causada pela suspensão de atividade relacionada com a pandemia, bem como a origem de valores eventualmente bloqueados e seu caráter alimentar, que possa indicar a impenhorabilidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento para determinar que seja realizada a consulta no Bacenjud, solicitada nos CNPJS 93.055.010/0001-05 e 93.055.010/0002-96, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001871126v5 e do código CRC 5a4ea6d8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 18/7/2020, às 18:37:8
Conferência de autenticidade emitida em 26/07/2020 04:59:02.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 15/07/2020
Agravo de Instrumento Nº 5014633-78.2020.4.04.0000/RS
RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: COUROS BOM RETIRO LTDA
ADVOGADO: JOSUÉ ANTÔNIO DE MORAES (OAB RS028448)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 15/07/2020, na sequência 18, disponibilizada no DE de 03/07/2020.
Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO PARA DETERMINAR QUE SEJA REALIZADA A CONSULTA NO BACENJUD, SOLICITADA NOS CNPJS 93.055.010/0001-05 E 93.055.010/0002-96.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 26/07/2020 04:59:02.