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ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA. TRF4. 5...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:18:12

EMENTA: ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA. 1. Reconhecida, na linha da jurisprudência desta Corte e do Colendo STJ, a possibilidade jurídica de cumulação da compensação econômica decorrente da Lei nº 10.559/02, com a reparação por danos morais. 2. Comprovada a ocorrência de eventos danosos, onde o autor é reconhecido como anistiado político, o dano moral resulta in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. 3. No caso dos autos, diante da gravidade dos fatos, a indenização por danos extrapatrimoniais deve ser fixada em R$ 60.000,00, montante que atende a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare os prejuízos sem enriquecer indevidamente a parte lesada, servindo, pois, para compensar de forma adequada os danos morais sofridos em decorrência da prisão e perseguição política impostas ao autor. 4. O valor deverá corrigido desde a data do arbitramento (isto é, desde a data do acórdão em segundo grau), conforme dispõe a súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, bem como acrescido de juros de mora a contar do evento danoso, a teor da súmula 54 do mesmo tribunal. (TRF4, AC 5069335-14.2020.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 28/06/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5069335-14.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária proposta por Luiz Oscar de Mello Becker contra a União Federal, na qual a parte autora postula a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos extrapatrimoniais em valor não inferior a R$ 200.000,00, alegando ter sofrido cerceamento da liberdade e perseguição política, no período do Regime Militar.

Narra que foi aluno civil de engenharia do Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, em São José dos Campos/ SP, desde 1960, com o objetivo de ser Engenheiro Aeronáutico; que participou da vida acadêmica política do Centro Acadêmico Santos Dumont, órgão dos alunos do Instituto Tecnológico de Aeronáutica, entre os anos de 1961 a 1963 e que, durante esse período, "manifestou com clareza seus princípios e orientação ideológica, sendo favorável a participação ativa dos estudantes do ITA, na política estudantil nacional e a filiação do Centro Acadêmico Santos Dumont à UNE". Discorre acerca dos movimentos políticos que ocorreram no Brasil, no período em questão. Refere que, em 1961, durante a tentativa de golpe militar contra o Presidente João Goulart, o requerente manifestou publicamente em Assembleia Geral do Centro Acadêmico, com a presença de alunos militares, sua posição favorável à Constituição Federal, o que, talvez tenha configurado seu primeiro "ato subversivo". Diz que em 09/04/1964, então no no 5º e último ano do Curso de Engenharia Aeronáutica, foi retirado de sala de aula e conduzido, em viatura, sob escolta militar, ao Quartel General da 4ª Zona Aérea da Cidade de São Paulo, ocasião em que foi preso em unidade militar, permanecendo incomunicável durante os primeiros 30 (trinta) dias, ou mais. Após ser levado à outra unidade militar, em 30/06/1964, o Conselho Permanente da Justiça da 1ª auditoria da 2ª Região Militar, decretou a prisão preventiva do requerente, sendo que, em 10/08/1964 o Superior Tribunal Militar, por Habeas Corpus de nº 26.973, concedeu ordem liberatória ao requerente. Em 28/08/1964 foi desligado do ITA, 03 (três) meses antes da sua formatura, causando-lhe grande prejuízo financeiro em sua vida, "sem contar o prejuízo moral, as torturas, as ameaças de morte". Informa que a União, através da Comissão de Anistia a instituída pela Lei nº 10.559/2002, declarou o autor anistiado político, concedendo em seu favor reparação econômica de caráter indenizatório (em prestação única), no valor correspondente a 60 salários mínimos, equivalente à R$ 30.600,00, à época. Sustenta, em síntese, que os danos morais decorrem das "atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro" e que "a parte autora viveu as piores experiências em razão da perseguição política sofrida".

Processado o feito, sobreveio sentença proferida com o seguinte dispositivo:

"Ante o exposto, afasto prejudicial da prescrição; e julgo improcedente o pedido de indenização por danos extrapatrimoniais, extinguindo o feito na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e de honorários de advogado à parte adversa, que fixo em R$ 1.000,00, a serem corrigidos pelo IPCA-E desde a data da publicação da sentença, à luz do art. 85, §§ 2º e 3º, I, do CPC. Fica a exigência suspensa, enquanto litigar ao abrigo da gratuidade da justiça deferida no evento 3.

Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se.

Havendo recurso de qualquer das partes, intime-se a parte adversa para apresentar contrarrazões no prazo legal (art. 183, caput, e/ou 1.010, §1º, do CPC). Após, deve ser dada vista ao recorrente caso sejam suscitadas pelo recorrido as matérias referidas no §1º do art. 1.009, nos termos do §2º do mesmo dispositivo. Por fim, remetam-se os autos ao Egrégio TRF da 4ª Região, nos termos do art. 1.010, §3º, do Código de Processo Civil, independentemente de juízo de admissibilidade.

Sem reexame necessário, considerando a improcedência da demanda (art. 496 do CPC).

Transitada em julgado esta sentença, arquivem-se com baixa."

A parte autora apelou (ev. 42, autos originários). Em preliminar, alega a nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa, porquanto teria sido impedida de produzir prova mais contundente acerca dos danos sofridos, cuja extensão não teria sido adequadamente analisada na via administrativa. No mérito, insurge-se em face da sentença, alegando fazer jus a indenização por danos morais em razão da perseguição política que culminou na sua prisão por mais de 4 meses e sua expulsão do ITA. Alega que o valor da condenação deve ser fixado em valor não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), sugerindo ainda quantia não inferior a R$200.000,00 (duzentos mil reais). Requer seja fixado como marco inicial dos juros o evento danoso consubstanciado na sua efetiva prisão (09/04/1964) ou na notícia da mesma (10/04/1964 – data reconhecida pela UNIÃO no Requerimento de Anistia).

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo.

É o relatório. Inclua-se em pauta.

VOTO

Preliminarmente - cerceamento de defesa

De acordo com os arts. 370 e 371 do CPC/2015, o magistrado deve propiciar a produção das provas que considera necessárias à instrução do processo, de ofício ou a requerimento das partes, dispensando as diligências inúteis ou as que julgar desimportantes para o julgamento da lide, bem como apreciá-las, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.

Assim, sendo o juiz o destinatário final da prova no processo, pode indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias para o deslinde do feito. Nesses termos:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUXÍLIO-ACIDENTE. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E DE NOVA PERÍCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. POSTULADO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. SÚMULA 7 DO STJ. 1. O Plenário do STJ decidiu que "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de que o juiz é o destinatário da prova e pode, assim, indeferir, fundamentadamente, aquelas que considerar desnecessárias, a teor do princípio do livre convencimento motivado. 3. O julgado do Tribunal de origem decidiu a questão ventilada com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos (laudo técnico-pericial), cuja revisão é inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ. Precedentes. 4. Não se conhece de recurso especial cujas razões estejam dissociadas do fundamento do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284 do STF.

5. Caso em que o aresto impugnado reconheceu a presença de patologia inflamatória, sem nexo de causalidade com a atividade desenvolvida pelo segurado, que somente alegou fazer jus ao benefício acidentário, ainda que a disacusia seja assimétrica. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 342.927/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 12/09/2016)

Desta feita, não há que se falar em cerceamento de defesa.

Mérito

1. Possibilidade de cumulação de pagamentos.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, mesmo tendo conquistado na via administrativa ou judicial a reparação econômica de que trata a Lei nº 10.559/02, e nada obstante a restrição posta em seu art. 16 (dirigida, antes e unicamente, à Administração e não à Jurisdição), inexistirá óbice a que o anistiado, embora com base no mesmo episódio político mas porque simultaneamente lesivo à sua personalidade, possa reivindicar e alcançar, na esfera judicial, a condenação da União também à compensação pecuniária por danos morais.

Assim, enquanto a reparação prevista na Lei da anistia visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), a reparação por dano moral, passível de busca junto ao Judiciário, tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade.

À vista de tal entendimento pacificado, o STJ editou a Súmula 624: " É possível cumular a indenização do dano moral com a reparação econômica da Lei n. 10.559/2002 (Lei da Anistia Política)" (DJe 17.12.2018).

Nesse sentido, cito o seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. ANISTIADO POLÍTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR INSTAURADO EM 1964. REPARAÇÃO ECONÔMICA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO QUE NÃO INIBE A REIVINDICAÇÃO DE DANOS MORAIS PELO ANISTIADO NA VIA JUDICIAL. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA.

1. O recebimento da reparação econômica de que trata a Lei nº 10.559/02 não exclui, só por si, o direito de o anistiado buscar na via judicial, em ação autônoma e distinta, a reparação dos danos morais que tenha sofrido em decorrência da mesma perseguição política geradora da prefalada reparação administrativa (art. 5º, V e X, da CF), pois distintos se revelam os fundamentos que amparam a cada uma dessas situações.

2. Conforme jurisprudência consolidada, "o STJ entende ser possível a cumulação de valor recebido a título de reparação econômica com aquele de indenização de danos morais" (AgRg no REsp 1.270.045/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 12/08/2016)

3. Não há falar em ofensa à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF) e ao enunciado 10 da Súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal quando não haja declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais tidos por violados, tampouco afastamento desses, mas tão somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável ao caso, com base na jurisprudência desta Corte.

4. Agravo interno não provido.

(AgInt no REsp 1385756/CE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019)

A cumulatividade das indenizações (reparação econômica da Lei 10.559/2002 + indenização por dano moral) também é amplamente aceita pela jurisprudência deste Tribunal Regional Federal, a exemplo dos precedentes que seguem: AC 5055500-61.2017.4.04.7100, 3ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 22-10-2019; AC 5008018-88.2015.4.04.7100, 3ª Turma, rel. para acórdão Des. Federal Rogério Favreto, juntado aos autos em 23-10-2019; AC 5042723-15.2015.4.04.7100, 3ª Turma, rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 22-2-2017; AC 5027309-74.2015.4.04.7100, 3ª Turma, rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, juntado aos autos em 4-5-2016; AC 5025367-36.2017.4.04.7100, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 3-12-2019; AC 5061520-73.2014.4.04.7100, 4ª Turma, rel. Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, juntado aos autos em 16-10-2019.

Recentemente, a 3ª Turma deste Tribunal Regional Federal, em caso idêntico ao aqui analisado, reiterou à unanimidade a posição externada nos precedentes citados no parágrafo anterior (TRF4, Apelação Cível 5032313-63.2013.4.04.7100/RS, 3ª Turma, rel.ª Des.ª Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, j. em 15-6-2021).

Assim, reconheço, na linha da jurisprudência desta Corte e do Colendo STJ, a possibilidade jurídica de cumulação da compensação econômica decorrente da Lei nº 10.559/02, com a reparação por danos morais, pedido que passo a analisar.

2. Caso Concreto

O Requerimento de Anistia n° 2001.02.00662, que tramitou perante a Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça, reconheceu em favor da parte autora a condição de anistiado e o direito à percepção de reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única, por 02 (dois) anos de perseguição, no valor de 60 (sessenta) salários-mínimos, conforme Ata de Julgamento acostada aos autos (evento 1 – PROCADM9, p. 38) e respectiva Portaria nº 1.627/2010, publicada no DOU de 14/07/2010 (evento 1 – PROCADM9, p. 49), conforme se depreende da sentença recorrida (Evento 36 – SENT1), no seguinte trecho:

(…) constou do relatório e voto do Conselheiro Rodrigo Gonçalves dos Santos, datado de 24 de novembro de 2004 (ev. 1, PROCADM7, p. 100 e PROCADM8 pp. 1 a 6): (...) LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER, devidamente qualificado, encaminhou a esta E. Comissão requerimento pretendendo os benefícios da anistia, por entender ter sido prejudicado em seus estudos, por razões de natureza política. (...) 3. Que no dia 09.04.64, quando então no quinto e último ano do curso de Engenharia Aeronáutica, teria sido retirado da sala de aula por autoridades militares e conduzido ao QG da 4ª Zona Aérea/SP para interrogatório. 4. Que, desde essa data, teria sido mantido preso por cerca de 4 meses, sem que houvesse cometido qualquer infração, e sem que tenha sido apresentada qualquer denúncia contra si. (...) 6. Diz que foi desligado do ITA dia 28.08.64 (does. fls. 11/12 e 58), com fundamento em Ofício Confidencial do Centro Técnico de Aeronáutica e Parecer da Comissão de Investigações Sumárias, cujo teor até hoje não tem conhecimento. (...) 13. Baseado em tal argumento, entende ter direito à reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada. 14. É o relatório. 15. Dos documentos de fls. 11/12 e 49, observa-se que realmente o interessado esteve detido, que chegou a ser indiciado em IPM, e que foi desligado do ITA em 1964. 16. Dados os prejuízos sofridos, há que se reconhecer o seu direito à anistia. 17. No entanto, em relação à reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, percebe-se que sua pretensão carece de amparo legal. 18. Ora, não obstante ter sido desligado do ITA, o próprio requerente afirma que logo em seguida conseguiu uma vaga na Universidade do Rio Grande do Sul, onde se formou, no mesmo ano. Disso depreende-se que a punição não chegou a provocar maiores transtornos na conclusão de sua vida acadêmica. 19. Quanto a ter sido privado de concluir o curso em uma Universidade bem conceituada - e isso vir a influenciar em sua remuneração futura, não parece uma alegação razoável. Afinal, além de a Universidade do Rio Grande do Sul também ser uma instituição de enorme prestígio no país, não se pode afirmar que o simples fato de haver obtido diploma nesta ou naquela faculdade vá afetar de forma direta a remuneração de um profissional. Como se sabe, no mercado atual, outros fatores - como as habilidades, a competência e a experiência do candidato parecem ter tanta ou maior relevância do que a origem do seu diploma. 20. Ademais, há que se levar em conta, ainda, que a Lei 10.559/2002, em nenhum de seus artigos, faz previsão de reparação econômica em prestação continuada para estudantes. Ao contrário, a Lei somente prevê a reparação mensal ao anistiado que, à época da punição sofrida, mantinha vínculo empregatício com alguma empresa, órgão ou instituição,e que, pela perseguição política sofrida,tenha perdido tal vínculo. (...) 25. Assim, não constatado o vínculo laboral (como no caso em comento), ainda que alegados prejuízos na carreira, haveria que se reconhecer, como prevê a Lei 10.559/2002, tão somente a reparação em prestação única - conforme já vem decidindo este Conselho. (...) 29. E se a norma concede ao anistiado o direito à reparação em prestação continuada e à contagem de tempo, por ter sido 'afastado das suas atividades profissionais', obviamente, supõe-se que o mesmo exercia essas atividades profissionais, na época em que foi perseguido. 30. Pela letra da Lei, o legislador não concedeu reparação mensal, nem contagem de tempo, ao anistiado que "foi prejudicado na aferição de sua futura remuneração, ainda enquanto estudante"- concedeu a reparação continuada àquele que, efetivamente, exercia uma atividade à época, e dela foi compelido a afastar-se, por motivação exclusivamente política. (...) 35. Não obstante, há que se lembrar ainda que o próprio anistiando declarou que conseguiu se matricular e concluir o curso de Engenharia Mecânica na UFRS, no ano seguinte ao do seu 'desligamento do ITA, e desde então segue normalmente no exercício das suas atividades profissionais. 36. Ora, se o requerente foi expulso da faculdade em 1964, mas logo em seguida - no ano de 1965, obteve seu diploma, depreende-se que a punição/prejuízo sofrido teve duração limitada ao período em que esteve impedido de estudar. 37. . Assim, ante a inexistência de vínculo laboral, e os prejuízos sofridos por um lapso de tempo definido, conclui-se que para os efeitos da anistia o interessado tem direito, tão somente, à declaração de sua condição de anistiado, e à reparação econômica em prestação única - e não em prestação mensal, permanente e continuada. 38. Por todo o exposto, opino pelo DEFERIMENTO PARCIAL do pedido, com o reconhecimento da condição de anistiado político de LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER,e o pagamento de reparação econômica em prestação única - de 30 salários mínimos por ter sido desligado do ITA. 39. É o voto. Posteriormente, como visto acima, esta decisão foi reformada pelo voto da Conselheira Aline Salles, datado de 12 de agosto de 2009, apenas para fins de majoração a reparação econômica ao requerente, como segue (ev. 1, PROCADM9, pp. 36 e 37): (...) 13. Desta forma, opino pela reforma da decisão da turma e deferimento parcial do pedido para: a) a concessão da declaração de anistiado político - ato2°, VII; b) a reparação econômica em prestação única pelo período de 10.04.1964 (Prisão) a 31.12.1965 (término do curso superior de Engenharia na UFRGS) totalizando dois anos de perseguição política e a indenização em 60 salários mínimos. Da análise dos fatos narrados na esfera administrativa e na presente (cfe. acima), tem-se que o dano estaria caracterizado, em síntese, pela humilhação, perseguição, prisão e sofrimento experimentados pelo anistiado à época em que era estudante do Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA, em decorrência de motivação exclusivamente política. (sem grifo no original)

No caso, restou comprovado por meio de prova documental que o autor foi perseguido e preso por motivos políticos durante o regime de exceção, fatos contra os quais a União não se insurge, não havendo controvérsia quanto a isso.

Em tal caso, de gravidade inequívoca, por sua própria natureza, que inclui desde a sujeição à prisão por razões política até o desligamento do ITA, a prova do abalo psicológico sofrido pela vítima não se faz necessária. Os danos morais, nesse caso, são considerados in re ipsa, a dispensar a prova do prejuízo conforme precedente deste Tribunal Regional Federal que segue colacionado abaixo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. PRECEDENTES. CUMULAÇÃO DA REPARAÇÃO ECONÔMICA COM A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS: POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO COMISSIVO: TEORIA OBJETIVA. ATO DE ESTADO, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE: DEVER DE INDENIZAR. QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO CPC. 1. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de danos causados por violações dos direitos fundamentais que são imprescritíveis, notadamente em relação a fatos ocorridos na Ditadura Militar, quando os jurisdicionados não podiam buscar a contento suas pretensões. 2. À luz de precedentes recentes do Colendo STJ e também do TRF4, é possível a cumulação de valor recebido a título de reparação econômica - decorrente da aplicabilidade da Lei n° 10.559/02 (Lei de Anistia) - com valor decorrente de indenização por danos morais, ainda que com base no mesmo episódio político, não se aplicando o disposto no art. 1° do Decreto n° 20.910/32. 3. A reparação econômica (Lei n° 10.559/02) foi instituída para repor a perda patrimonial sofrida pelo anistiado quando destituído ou impedido de exercer seu direito à atividade laboral. Em toda a lei há menção à perda do "vínculo com atividade laboral" como pressuposto para seu recebimento. Essa referência torna clara a intenção do legislador em compensar o anistiado por seus danos materiais, inexistindo qualquer alusão a dano moral. 4. Considerada a responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6°, da CR/88; parágrafo único do art. 927 do CCB), o requisito "culpa" é dispensado. A responsabilidade objetiva resulta, além do ato comissivo estatal, tão-só do fato danoso e do nexo causal, formando a teoria do risco administrativo. Por essa teoria, surge o dever de indenizar apenas pelo fato de o Estado exercer um tipo determinado de atividade. 5. O dano moral, à luz da Constituição de 1988, nada mais é do que uma agressão à dignidade humana, não bastando qualquer contrariedade à sua configuração. 6. Mantida a sentença pelos seus próprios fundamentos, considerada a ocorrência de ato comissivo gerador dos danos narrados na inicial. 7. Comprovada a ocorrência de eventos danosos, onde o autor é reconhecido como anistiado político, o dano moral resulta in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato. 8. Na quantificação do dano moral devem ser sopesadas as circunstâncias e peculiaridades do caso, as condições econômicas das partes, a menor ou maior compreensão do ilícito, a repercussão do fato e a eventual participação do ofendido para configuração do evento danoso. A indenização deve ser arbitrada em valor que se revele suficiente a desestimular a prática reiterada da prestação de serviço defeituosa e ainda evitar o enriquecimento sem causa da parte que sofre o dano. 9. O valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) mostra-se adequado, razoável e atende aos propósitos do instituto do dano moral, servindo de parâmetro, aqui, a Lei nº 10.559/02, que regulamentou o artigo 8º do ADCT, que, seu artigo 4º, acerca da reparação indenizatória devida ao anistiado político, prevê que "em nenhuma hipótese o valor da reparação econômica em prestação única será superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais)." 10. Julgamento na forma do disposto no art. 942 do CPC (Turma ampliada). (TRF4, AC 5002781-58.2015.4.04.7105, 3ª Turma, rel. para acórdão Des. Federal Rogério Favreto, juntado aos autos em 20-11-2017)

Reconhecido o direito do recorrente à compensação por danos morais, passa-se a valorar o montante compensatório.

3. Quantificação dos Danos Morais

A lei não fixa parâmetros exatos para a valoração da indenização por danos morais, de modo que o juízo deve guiar-se pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em análise caso a caso. O artigo 944 do Código Civil alude à extensão do dano e à proporcionalidade entre a gravidade da culpa e o dano para definir como seria uma condenação adequada:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

A indenização deve representar uma compensação ao lesado diante da impossibilidade de recomposição exata da situação na qual se encontrava anteriormente ao dano, alcançando-lhe ao menos uma forma de ver diminuídas suas aflições. Deve-se buscar o equilíbrio entre a prevenção de novas práticas lesivas à moral e as condições econômicas dos envolvidos.

Para fins de responsabilização civil do Estado e fixação do quantum indenizatório, é necessário que se conheça a intensidade e a extensão da repressão estatal especificamente praticada sobre a vida do anistiado e os concretos efeitos que nela gerou, pois o que pretendem os autores é a mensuração de um dano individual.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça aponta que a fixação da verba indenizatória deve atentar a um dúplice caráter, pedagógico/repressivo e reparatório (por exemplo, AgInt no AgInt no AREsp 1598873/RJ, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe 07/05/2020).

Além disso, a quantificação deve considerar o método bifásico: na primeira etapa, estabelece-se um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes; na segunda etapa, consideram-se as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. Nesse sentido:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. SÚMULA Nº 7/STJ. INOCORRÊNCIA. QUANTUM IRRISÓRIO. DEMORA EM PROCEDIMENTO MÉDICO. NECESSIDADE DE PARTO POR CESARIANA. RECONHECIMENTO TARDIO. MORTE DA CRIANÇA NO VENTRE MATERNO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO EQUITATIVO PELO JUIZ. MÉTODO BIFÁSICO. VALORIZAÇÃO DO INTERESSE JURÍDICO LESADO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. DECISÃO MANTIDA.
[...] 2. O método bifásico, como parâmetro para a aferição da indenização por danos morais, atende às exigências de um arbitramento equitativo, pois, além de minimizar eventuais arbitrariedades, evitando a adoção de critérios unicamente subjetivos pelo julgador, afasta a tarifação do dano, trazendo um ponto de equilíbrio pelo qual se consegue alcançar razoável correspondência entre o valor da indenização e o interesse jurídico lesado, bem como estabelecer montante que melhor corresponda às peculiaridades do caso. 3. Na primeira fase, o valor básico ou inicial da indenização é arbitrado tendo-se em conta o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos).
4. Na segunda fase, ajusta-se o valor às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes), procedendo-se à fixação definitiva da indenização, por meio de arbitramento equitativo pelo juiz.
[...] (STJ, AgInt no REsp 1608573/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/08/2019, DJe 23/08/2019)

A jurisprudência, que em situações nas quais ocorreu prisão prolongada, tortura física e psicológica, exílio e até morte, tem fixado a indenização por danos morais na faixa de R$ 100.000,00. Por ilustrativo, menciona-se: TRF3, APELREEX 00198228120034036100, 3ª Turma, rel. Juiz Federal Souza Ribeiro, e-DJF3 18-10-2010; TRF2, AC 200202010103306, 6ª Turma, rel. Des. Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, DJU 13-1-2010; STJ, REsp. 200801966930, 1ª Turma, rel. Ministro Luiz Fux, DJE 9-10-2009.

De outro lado, na AC 5073992-38.2016.4.04.7100, Terceira Turma, Rlatora Vânia Hack de Almeida, juntado aos autos em 26/02/2020, caso em que houve perseguição política, mas não houve prisão ou tortura, foi fixada a indenização de R$60.000,00 (sessenta mil reais).

No que tange às circunstâncias do caso dos autos, que envolveu cerca de 4 meses de prisão e expulsão do ITA, em decorrência de perseguição política, reputo adequado o valor de R$60.000,00 (sessenta mil reais), montante que atende a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare os prejuízos sem enriquecer indevidamente a parte lesada, servindo, pois, para compensar de forma adequada os danos morais sofridos em decorrência da prisão e perseguição impostas ao autor.

Assim, deve a União ser condenada a pagar, a título de danos extrapatrimoniais, ao autor, a quantia de R$60.000,00 (sessenta mil reais).

O valor deverá corrigido desde a data do arbitramento (isto é, desde a data do acórdão em segundo grau), conforme dispõe a súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, bem como acrescido de juros de mora a contar do evento danoso, que fixo na data da prisão do anistiado (9/04/1964), a teor da súmula 54 do mesmo tribunal.

Honorários

Os honorários devem ser invertidos em face da sucumbência da União, devendo esta pagar ao autor o valor de 10% sobre o valor da condenação, ex vi do artigo 85, parágro 3º, I do CPC.

Não há majoração em razão da atuação na via recursal, pois o entendimento consolidado na jurisprudência não permite a majoração sobre verba não fixada anteriormente em sentença.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003278595v6 e do código CRC d879d6c0.Informações adicionais da assinatura:
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5069335-14.2020.4.04.7100
40003278595.V6


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:18:11.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5069335-14.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

VOTO DIVERGENTE

Peço vênia para divergir em parte da eminente Relatora, em especial quanto ao valor indenizatório.

O dano moral, à luz da Constituição de 1988, nada mais é do que uma agressão à dignidade humana, não bastando qualquer contrariedade à sua configuração.

Deve ser reputado como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento, a humilhação, situações que, fugindo da normalidade do cotidiano, interfiram intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar, consoante doutrina de Sérgio Cavalieri Filho (Programa de Responsabilidade Civil. 3ª edição, revista, aumentada e atualizada, Malheiros Editores, 2002, p. 88/89).

Mero dissabor, consoante o referido doutrinador, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, na medida em que, além de fazerem parte da normalidade do dia-a-dia, no trabalho, no trânsito etc., tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Há que se ter em mente, ademais, quanto à circunstância de que o direito e o ilícito são antíteses absolutas (um exclui o outro): onde há ilícito não haverá direito; onde há o direito não pode existir ilícito. Surge evidente, a partir disso, o princípio no disposto no art. 188, I, do CCB, o qual não considera ilícito o ato praticado no exercício regular de um direito reconhecido.

Para a configuração do dano moral - em seus aspectos preventivo e pedagógico -, faz-se necessária, previamente, a demonstração dos respectivos pressupostos.

Por outro lado, nos casos configurados como in re ipsa, a configuração do abalo psicológico sofrido pela vítima - o dano -, não se faz necessário, uma vez que a ocorrência do próprio fato já configura o dano moral presumido.

Configurados os pressupostos, a fixação do dano moral deve observar os princípios de moderação e de razoabilidade, assegurando à parte lesada a justa reparação, sem incorrer em enriquecimento ilícito e não deixando de observar o caráter pedagógico ao agente que cometeu o ato lesivo.

A ocorrência de ato de Estado gerador do dano moral está consubstanciada no seguinte trecho da sentença:

Na hipótese dos presentes autos, a parte autora sustenta na inicial, como principais causas de pedir relativas à indenização pleiteada:

- No dia 09 de abril de 1964, o requerente, então no 5º e último ano do Curso de Engenharia Aeronáutica, especialidades Motores, foi retirado da aula de “Sistemas Técnicos em Engenharia”;

- foi conduzido, em viatura, sob escolta militar, ao Quartel General da 4ª Zona Aérea da Cidade de São Paulo, sendo ali interrogado durante toda a noite;

- foi levado ao cárcere gradeado da policia da Aeronáutica nas proximidades do Campo de Marte, na cidade de São Paulo;

- foi então preso em prédio militar, cercado de arame farpado, iluminado por holofotes e guardado por pessoal armado durante 24 horas.

- Durante os primeiros 30 (trinta) dias, ou mais, o autor permaneceu incomunicável;

- foi levado à Base Aérea de Cumbica/SP, sendo ali embarcado em avião bombardeiro B-25, decolando com destino ignorado pelo autor, vindo a pousar na base Aérea de Santos/RS (sic);

- No dia 30 de junho de 1964, o Conselho Permanente da Justiça da 1ª auditoria da 2ª Região Militar, composto por 4 militares e um Juiz auditor, decretou a prisão preventiva do requerente;

- No dia 10 de agosto de 1964, o Superior Tribunal Militar, por Habeas Corpus de nº 26.973, concedeu ordem liberatória ao requerente;

- foi desligado do ITA, em 28 de agosto de 1964;

- A perseguição injusta de sua vida estudantil se refletiu durante sua vida profissional, financeira e pessoal.

Ao final de sua exposição fática, o autor expõe a causa de pedir a indenização por danos morais:

Destarte, exsurge insofismável a violação aos princípios, direitos e garantias fundamentais do requerente, bem como a ofensa aos seus direitos de personalidade, implicando sequelas irreversíveis e passíveis de indenização também pelos danos extrapatrimoniais causados àquele.

(...)

In casu, os danos extrapatrimoniais emergem dos próprios fatos narrados. A parte autora viveu as piores experiências em razão da perseguição política sofrida. E, atualmente, vive reprimida à sua história, história feita de imposições e não de escolhas. Passado de tristezas e não de alegrias. Presente de pesadelos e não de sonhos. Futuro condenado, com permanentes sequelas, questionamentos, sofrimentos, receios, introspecção, silêncio etc.

Por sua vez, na via administrativa, conforme constou do relatório e voto do Conselheiro Rodrigo Gonçalves dos Santos, datado de 24 de novembro de 2004 (ev. 1, PROCADM7, p. 100 e PROCADM8 pp. 1 a 6):

(...)

LUIZ OsCAR DE MELLO BECKER, devidamente qualificado, encaminhou a esta E. Comissão requerimento pretendendo os benefícios da anistia, por entender ter sido prejudicado em seus estudos, por razões de natureza política.

(...)

3. Que no dia 09.04.64, quando então no quinto e último ano do curso de Engenharia Aeronáutica, teria sido retirado da sala de aula por autoridades militares e conduzido ao QG da 4ª Zona Aérea/SP para interrogatório.

4. Que, desde essa data, teria sido mantido preso por cerca de 4 meses, sem que houvesse cometido qualquer infração, e sem que tenha sido apresentada qualquer denúncia contra si.

(...)

6. Diz que foi desligado do ITA dia 28.08.64 (does. fls. 11/12 e 58), com fundamento em Ofício Confidencial do Centro Técnico de Aeronáutica e Parecer da Comissão de Investigações Sumárias, cujo teor até hoje não tem conhecimento.

(...)

13. Baseado em tal argumento, entende ter direito à reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada.

14. É o relatório.

15. Dos documentos de fls. 11/12 e 49, observa-se que realmente o interessado esteve detido, que chegou a ser indiciado em IPM, e que foi desligado do ITA em 1964.

16. Dados os prejuízos sofridos, há que se reconhecer o seu direito à anistia.

17. No entanto, em relação à reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, percebe-se que sua pretensão carece de amparo legal. 18. Ora, não obstante ter sido desligado do ITA, o próprio requerente afirma que logo em seguida conseguiu uma vaga na Universidade do Rio Grande do Sul, onde se formou, no mesmo ano. Disso depreende-se que a punição não chegou a provocar maiores transtornos na conclusão de sua vida acadêmica.

19. Quanto a ter sido privado de concluir o curso em uma Universidade bem conceituada - e isso vir a influenciar em sua remuneração futura, não parece uma alegação razoável. Afinal, além de a Universidade do Rio Grande do Sul também ser uma instituição de enorme prestígio no país, não se pode afirmar que o simples fato de haver obtido diploma nesta ou naquela faculdade vá afetar de forma direta a remuneração de um profissional. Como se sabe, no mercado atual, outros fatores - como as habilidades, a competência e a experiência do candidato parecem ter tanta ou maior relevância do que a origem do seu diploma.

20. Ademais, há que se levar em conta, ainda, que a Lei 10.559/2002, em nenhum de seus artigos, faz previsão de reparação econômica em prestação continuada para estudantes. Ao contrário, a Lei somente prevê a reparação mensal ao anistiado que, à época da punição sofrida, mantinha vínculo empregatício com alguma empresa, órgão ou instituição,e que, pela perseguição política sofrida,tenha perdido tal vínculo.

(...)

25. Assim, não constatado o vínculo laboral (como no caso em comento), ainda que alegados prejuízos na carreira, haveria que se reconhecer, como prevê a Lei 10.559/2002, tão somente a reparação em prestação única - conforme já vem decidindo este Conselho.

(...)

29. E se a norma concede ao anistiado o direito à reparação em prestação continuada e à contagem de tempo, por ter sido 'afastado das suas atividades profissionais', obviamente, supõe-se que o mesmo exercia essas atividades profissionais, na época em que foi perseguido.

30. Pela letra da Lei, o legislador não concedeu reparação mensal, nem contagem de tempo, ao anistiado que "foi prejudicado na aferição de sua futura remuneração, ainda enquanto estudante"- concedeu a reparação continuada àquele que, efetivamente, exercia uma atividade à época, e dela foi compelido a afastar-se, por motivação exclusivamente política.

(...)

35. Não obstante, há que se lembrar ainda que o próprio anistiando declarou que conseguiu se matricular e concluir o curso de Engenharia Mecânica na UFRS, no ano seguinte ao do seu 'desligamento do ITA, e desde então segue normalmente no exercício das suas atividades profissionais.

36. Ora, se o requerente foi expulso da faculdade em 1964, mas logo em seguida - no ano de 1965, obteve seu diploma, depreende-se que a punição/prejuízo sofrido teve duração limitada ao período em que esteve impedido de estudar. 37. . Assim, ante a inexistência de vínculo laboral, e os prejuízos sofridos por um lapso de tempo definido, conclui-se que para os efeitos da anistia o interessado tem direito, tão somente, à declaração de sua condição de anistiado, e à reparação econômica em prestação única - e não em prestação mensal, permanente e continuada.

38. Por todo o exposto, opino pelo DEFERIMENTO PARCIAL do pedido, com o reconhecimento da condição de anistiado político de LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER,e o pagamento de reparação econômica em prestação única - de 30 salários mínimos por ter sido desligado do ITA.

39. É o voto.

Posteriormente, como visto acima, esta decisão foi reformada pelo voto da Conselheira Aline Salles, datado de 12 de agosto de 2009, apenas para fins de majoração a reparação econômica ao requerente, como segue (ev. 1, PROCADM9, pp. 36 e 37):

(...)

13. Desta forma, opino pela reforma da decisão da turma e deferimento parcial do pedido para:

a) a concessão da declaração de anistiado político - ato2°, VII;

b) a reparação econômica em prestação única pelo período de 10.04.1964 (Prisão) a 31.12.1965 (término do curso superior de Engenharia na UFRGS) totalizando dois anos de perseguição política e a indenização em 60 salários mínimos.

A partir de todos esses fatos, há que ser destacado que nos casos de violência estatal produzidas pelo regime da ditadura militar, as agressões físicas e morais foram graves e causaram abalos irrecuperáveis aos cidadãos perseguidos politicamente, mesmo nos casos de ausência de prisão ou com tempo reduzido. Por isso, tenho que sequer a elevação da presente indenização irá recuperar os danos pessoais, familiares, profissionais, políticos e sociais sofridos, mas o mínimo que se impõe é garantir o valor básico já padronizados para esse tipo de indenização por abalo físico e moral.

Portanto, deve ser elevado o valor da indenização por danos morais em favor da autora para R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor que considero adequado para reparar as humilhações por ela sofridas e evitar que essa situação se repita.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor, em maior extensão.



Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003316335v6 e do código CRC a3501bff.Informações adicionais da assinatura:
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40003316335.V6


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5069335-14.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

APELANTE: LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER (AUTOR)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. ANISTIADO POLÍTICO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM A REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA.

1. Reconhecida, na linha da jurisprudência desta Corte e do Colendo STJ, a possibilidade jurídica de cumulação da compensação econômica decorrente da Lei nº 10.559/02, com a reparação por danos morais.

2. Comprovada a ocorrência de eventos danosos, onde o autor é reconhecido como anistiado político, o dano moral resulta in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.

3. No caso dos autos, diante da gravidade dos fatos, a indenização por danos extrapatrimoniais deve ser fixada em R$ 60.000,00, montante que atende a critérios de moderação e prudência para que a repercussão econômica da indenização repare os prejuízos sem enriquecer indevidamente a parte lesada, servindo, pois, para compensar de forma adequada os danos morais sofridos em decorrência da prisão e perseguição política impostas ao autor.

4. O valor deverá corrigido desde a data do arbitramento (isto é, desde a data do acórdão em segundo grau), conforme dispõe a súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça, bem como acrescido de juros de mora a contar do evento danoso, a teor da súmula 54 do mesmo tribunal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais ROGERIO FAVRETO e VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 28 de junho de 2022.



Documento eletrônico assinado por MARGA INGE BARTH TESSLER, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003278596v3 e do código CRC f1af025e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARGA INGE BARTH TESSLER
Data e Hora: 28/6/2022, às 20:5:18


5069335-14.2020.4.04.7100
40003278596 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:18:11.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 14/06/2022

Apelação Cível Nº 5069335-14.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER

APELANTE: LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER (AUTOR)

ADVOGADO: THAYNA TEIXEIRA MORAIS (OAB RS102874)

ADVOGADO: JOSE VECCHIO FILHO (OAB RS031437)

ADVOGADO: STEFAN GUIMARAES EMERIM (OAB RS080361)

ADVOGADO: BRUNO SCHINEIDER KLEMENT (OAB RS122035)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 14/06/2022, na sequência 6, disponibilizada no DE de 01/06/2022.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL MARGA INGE BARTH TESSLER NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NO QUE FOI ACOMPANHADA PELA DESEMBARGADORA FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL ROGERIO FAVRETO NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, EM MAIOR EXTENSÃO, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:18:11.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO TELEPRESENCIAL DE 28/06/2022

Apelação Cível Nº 5069335-14.2020.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR

SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: THAYNA TEIXEIRA MORAIS por LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER

APELANTE: LUIZ OSCAR DE MELLO BECKER (AUTOR)

ADVOGADO: THAYNA TEIXEIRA MORAIS (OAB RS102874)

ADVOGADO: JOSE VECCHIO FILHO (OAB RS031437)

ADVOGADO: STEFAN GUIMARAES EMERIM (OAB RS080361)

ADVOGADO: BRUNO SCHINEIDER KLEMENT (OAB RS122035)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Telepresencial do dia 28/06/2022, na sequência 88, disponibilizada no DE de 17/06/2022.

Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DA JUÍZA FEDERAL ANA RAQUEL PINTO DE LIMA ACOMPANHANDO A RELATORA E O VOTO DA DESEMBARGADORA FEDERAL VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA ACOMPANHANDO A DIVERGÊNCIA, A 3ª TURMA AMPLIADA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES FEDERAIS ROGERIO FAVRETO E VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DA RELATORA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Juíza Federal ANA RAQUEL PINTO DE LIMA

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:18:11.

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